Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1318/11.2TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INVENTÁRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REMISSÃO
INTERESSADO
MEIOS COMUNS
Data do Acordão: 05/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 3ºJUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 272º, Nº 1 DO NCPC (279º/1 DO ANTERIOR CPC).
Sumário: I – Do texto do artº 272º, nº 1 do NCPC (279º/1 do anterior CPC) resulta que, existindo motivo justificado para tal, o tribunal tem o poder de decretar a suspensão da instância, especificando o artigo em análise um desses motivos que se considera como justificado para esse efeito: o da pendência de uma causa prejudicial; ou seja, nos dizeres da lei, "quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta".

II - Não pode aceitar-se que tendo a interessada … sido remetida, com os restantes interessados no inventário, para os meios comuns, com exclusão do decretamento da suspensão de tal processo, venha, depois de intentar a dita acção nesses meios, requerer a suspensão do inventário com base na prejudicialidade desta, escurando essa prejudicialidade na eventual procedência de pedidos que nela se formulam.

III - A mera constatação de que os interessados, em acção própria, discutem, nos meios comuns, a questão que se determinou fosse aí resolvida, não é motivo de suspensão do inventário.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - No processo de inventário por óbito de M… e do seu cônjuge sobrevivo, I…, instaurado no Tribunal Judicial de Pombal por V…, em 08/06/2011, sendo cabeça-de-casal L…, veio esta relacionar, entre o mais, sob a verba nº 6:

«Metade PRÉDIO RÚSTICO, composto de terra de cultura com oliveiras, árvores de fruto e um poço, sita em Monte da C… com a área de 2.810,00 m2, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 8…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o número …, ali inscrito a favor dos inventariados pela inscrição de aquisição resultante da Ap. 14 de 1998/02/17, com o valor patrimonial actual correspondente à fracção de ……........€ 23,57.»;

2) – V…, acompanhado de outros interessados, veio reclamar contra a relação de bens, reclamação essa que, para além do mais, incidiu sobre a aludida verba nº 6, sustentando os reclamantes que o prédio aí referido deveria ter sido relacionado na totalidade, e não na metade, já que o mesmo se encontrava registado, no seu todo, a favor dos inventariados.

3) - Em sede de resposta, a cabeça-de-casal sustentou que, com o seu marido, adquirira a metade do lado norte de tal prédio, por doação verbal e por usucapião e, caso assim não se entendesse, por acessão industrial imobiliária.

4) - Por despacho de 10/12/2012, foi decidido, com fundamento no disposto nos artºs 1336º, n.º 2 e 1350º, nº 1, ambos do CPC, remeter os interessados para os meios comuns quanto ao imóvel em causa, permanecendo na relação de bens, como verba n.º 6, metade do referido prédio.

5) - Estando já designada conferência de interessados para o dia 05/09/2013 (que, depois, foi adiada para 30/09/2013), veio a cabeça-de-casal alegar que, na sequência da referida decisão que remeteu os interessados para os meios comuns, ela e o seu marido, em 23-03-2013, intentaram acção onde, para além de invocarem a posse, conducente à usucapião, sobre a metade do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 8… (prédio identificado sob a verba seis do inventário), peticionaram, com fundamento na acessão industrial imobiliária, a aquisição do direito de propriedade da totalidade do mesmo imóvel.

Em função do exposto, por considerar que, assim, tal acção, a correr termos com o nº …, constituía causa prejudicial relativamente ao presente inventário, já que, a procedência daquela, determinaria, inexoravelmente, que fosse “…excluída da partilha a totalidade do prédio inscrito na matriz sob o artigo 8…”, terminou requerendo que, ao abrigo do disposto no artigo 1335º, nº 1, do CPC, se ordenasse a suspensão do inventário até que decidida fosse tal acção.

6) - Os interessados que haviam apresentado a supra referida reclamação vieram opor-se à requerida suspensão.

7) - Por despacho de 30/09/2013, proferido em sede de conferência de interessados, determinou-se, com fundamento na prejudicialidade do peticionado na referida acção n.º … e no disposto nos art.ºs 276º n.º 1 e art.º 279º do CPC, a suspensão dos autos de inventário até decisão daquela acção.

B) – V…, acompanhado de outros interessados, inconformados com tal decisão, dela vieram recorrer - recurso esse que veio a ser admitido como Apelação, com efeito meramente devolutivo -, oferecendo, a findar a respectiva Alegação recursiva, as seguintes conclusões:

A cabeça-de-casal, L…, respondendo, pugnou pela improcedência do recurso e pela confirmação do despacho recorrido.

C) - Questões a resolver:

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

Assim, a única questão que cumpre solucionar no presente recurso consiste em saber se foi correcto determinar, em face do peticionado e alegado na acção n.° …, a suspensão do inventário.

II - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - supra.

B) - Na sequência da remessa para os meios comuns veio a ora Apelada (acompanhada do respectivo marido) a intentar a referida acção n.º …, que, segundo defendeu e veio a ser o entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo”, configura causa prejudicial para o efeito de justificar a suspensão do inventário, justificação essa que se apoia no que é peticionado na dita acção e no reflexo que a procedência desta terá neste processo.

O n.º 1 do art.º 279º do CPC preceitua: «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.».

Do texto legal agora transcrito resulta que, existindo motivo justificado para tal, o tribunal tem o poder de decretar a suspensão da instância, especificando, o artigo em análise, um desses motivos que se considera como justificado para esse efeito: o da pendência de uma causa prejudicial; ou seja, nos dizeres da lei, "quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta".

Referindo-se ao preceituado no art.º 284º do CPC de 1939 - norma equivalente à do aludido art.º 279º n.º 1 - escreveu o Prof. José Alberto dos Reis: «Vê-se, pois, que a lei começa por indicar ao juiz um motivo justificado de suspensão: a pendência de causa prejudicial; e depois atribui-lhe o poder de suspender a instância quando entender que ocorre outro motivo também justificado.»[3].

Em qualquer das situações previstas no n.º 1 do art.º 279º do CPC, a suspensão da instância apenas é decretada quando o tribunal o entenda conveniente. Não significa isto, todavia, que o poder do tribunal em ordem a decretar a suspensão da instância seja um poder discricionário, antes se devendo entender o mesmo, como é dito pelo Prof. José Alberto dos Reis[4], na análise ao mencionado art.º 284º, como «...um poder legal limitado...», estando a recusa injustificada desse poder, bem como a indevida utilização do mesmo, sujeita à censura do tribunal.

Trata-se, pois, conforme se entendeu no Acórdão do STJ de 1/10/1991, (“in” BMJ n.º 410º pág. 656), de um poder do juiz que, sendo discricionário em si, é limitado à existência efectiva da condicionante, tornando-se vinculado[5].

Segundo o referido Professor de Coimbra, «uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda», apontando, como razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial, «a economia e coerência dos julgamentos...»[6].

No âmbito do processo de inventário, o artº 1335º do CPC preceitua:

«1. Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados.

2. Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276.º, nº 1, alínea c), e 279.º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata algumas das questões a que se refere o número anterior.

3. A requerimento das partes principais, pode o tribunal autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração, em conformidade com o que vier a ser decidido, quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial, quando a viabilidade desta se afigure reduzida ou quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória.

4. Realizada a partilha nos termos do número anterior, serão observadas as cautelas previstas no artigo 1384.º, relativamente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem.

5. Havendo interessado nascituro, o inventário é suspenso desde o momento em que se deveria convocar a conferência de interessados até ao nascimento do interessado.».

Por sua vez, respeitando à decisão que versa as reclamações apresentadas quanto à relação de bens, permite o artº 1350º, do CPC, que, quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº 2 do artigo 1336.º, a decisão incidental das reclamações, o juiz se abstenha de decidir e remeta os interessados para os meios comuns.

Diga-se, em primeiro lugar que, caso o juiz em processo de inventário entenda remeter as partes para os meios comuns quanto à resolução de determinada questão atinente à relacionação ou exclusão de bens e não suspenda o inventário, consolidando-se, por ausência de impugnação, o assim decidido, não se afigura que faça sentido aceitar que, mais tarde, depois de prosseguido o inventário, tal suspensão venha a ser decretada em virtude de um dos interessados o requerer, demostrando estar pendente a acção em que discute a questão para cuja resolução os interessados foram remetidos para os meios comuns.

Na verdade, se a questão não se pode caracterizar de prejudicial, porque a resolução da mesma não é essencial ao prosseguimento do inventário, sendo a falta dessa prejudicialidade que explica, que, sem se suspender o inventário, se remetam as partes para os meios comuns, não se vê como aceitar que a acção intentada em consequência dessa remessa possa caracterizar-se como causa prejudicial e, assim, aceitar-se que a demonstração da pendência de uma tal causa seja idónea a conduzir à referida suspensão.

No caso “sub judice” constata-se que a procedência dos pedidos que a ora Apelada e respectivo marido formularam na dita acção n.° …, depende da circunstância de ser reconhecida a estes, aí autores, a propriedade da parte do prédio (que aí pretendem ver reconhecida como um prédio autónomo) identificado sob a verba nº 6 no inventário, ou, subsidiariamente, com fundamento na acessão industrial imobiliária, a propriedade da totalidade de tal prédio.

Ora, as partes foram remetidas para os meios comuns quanto à questão da propriedade do referido prédio - então só invocada pela cabeça-de-casal, com fundamento na aquisição, por usucapião e por acessão industrial imobiliária, relativamente à sua metade-norte - por se ter entendido que a definição desse direito, atinente a tal prédio, não poderia ser cabalmente levada a cabo no âmbito do inventário, já que os depoimentos, “ainda que conjugados com os documentos juntos aos autos”, afiguraram-se “insuficientes para decidir convenientemente a matéria de facto subjacente às questões em apreço, atenta a sua complexidade, decorrente, desde logo, do facto de ter por objecto bem imóvel e das concretas causas de aquisição invocadas.”.

Não pode aceitar-se que a ora Apelada, remetida, com os restantes interessados, no inventário, para os meios comuns, com exclusão do decretamento da suspensão de tal processo, venha, depois de intentar a acção nesses meios - a dita acção n.º … -, requerer a suspensão do inventário com base na prejudicialidade desta, escurando essa prejudicialidade na eventual procedência de pedidos que nela formula.

É claro que, relativamente à ocasião em que os interessados foram remetidos para os meios comuns há, por força da instauração, nesses meios, da acção apropriada, uma realidade que se não deparava ao julgador quando determinou tal remessa, mas isso, salvo o devido respeito, não se deve tomar como suficiente para que se decrete a suspensão que antes se negou.

Se assim fosse o regime seria incoerente, não se percebendo a razão que levava a lei a determinar que o juiz não suspendesse o inventário e remetesse as partes para os meios comuns para, depois – passados uns meses ou mesmo apenas umas semanas – acabasse por ordenar tal suspensão, mediante a prova de que os interessados estavam a pleitear nesses meios.

Faria mais sentido, então, que o legislador, em lugar de determinar que o juiz remetesse as partes para os meios comuns, possibilitando logo a continuação do inventário, previsse a suspensão deste, como regra, a par da dita remessa, com um regime de salvaguarda idêntico ao que se estabelece no artº 1335º, nº 3, do CPC.

Não tendo sido essa, porém, a solução que o legislador consagrou, mantemos o entendimento de que a mera constatação de que os interessados, em acção própria, discutem, nos meios comuns, a questão que se determinou fosse aí resolvida, não é motivo de suspensão do inventário.

Mas, ainda que o problema suscitado no presente recurso não fosse encarado na perspectiva que se acaba de expor, nem assim poderia ter sucesso a solução defendida pela Apelada e acolhida pelo Tribunal “a quo” na decisão sob recurso, pois falta, desde logo, o nexo de prejudicialidade entre a invocada acção nº … e o inventário ajuizado, salientando-se, desde já, que a afirmação da prejudicialidade não se pode bastar com a constatação da vantagem que, para o inventário, traz, indubitavelmente, a circunstância de se fazer a partilha quando definitivamente esteja resolvido, nos meios comuns, se determinado bem faz ou não parte do acervo hereditário a partilhar. 
Como se sabe, antes e durante a vigência do Código de 39, bem como no domínio da legislação que lhe sucedeu, discutia-se se o inventário podia ser suspenso devido a pendência de causa prejudicial.
Referia J. A. Lopes Cardoso: [«Em plena vigência do Decreto n .º 21287, de 26 de Maio de 1932, discutia-se se aos inventários era aplicável o disposto no n.° 10 do seu art. 15.°, isto é, se ao juiz era permitido suspender o inventário enquanto não fosse decidida alguma causa de que estivesse dependente. Tais eram os casos de ter sido intentada uma acção de anulação de testamento com que se finara o autor da herança ou de estar distribuída uma acção de investigarão de paternidade ilegítima pelo suposto filho do inventariado (...) ».
E, focando o código de 39, e a legislação que se lhe seguiu, adianta o mesmo autor: «A questão que se discutia com base no art. 15.º, n.º 10, do Decreto n° 21287, passou a suscitar-se a propósito do n ° 4 do art. 281 e do art. 284.°, ambos daquele diploma, que permitiam ao juiz suspender a instância quando a decisão da causa estivesse dependente do julgamento de outra já, proposta e quando entendesse que ocorria motivo justificado. E, igualmente, pode suscitar-se em face do novo, diploma, processual, que igual procedimento seguiu nos seus arts. 276.°, alínea d), e 279°.».
Concluía Lopes Cardoso: «A suspensão do inventário tem as suas vantagens, mas também tem os seus inconvenientes e estes sobrelevam aquelas.
É por isso que hoje, como ontem entendemos que é, em regra, defeso suspender-se o inventário com fundamento na existência de causa que esteja pendente.».][7]
Opinião contrária, após reconsiderar o seu anterior entendimento, tinha-a o Prof. José Alberto dos Reis, expressando-a assim: «...somos actualmente de parecer que o artigo 284.° é aplicável ao processo de inventário, quer na segunda parte, quer na primeira. O juiz pode, no inventário, suspender a instância quando entender que ocorre motivo justificado; esse motivo pode ser precisamente a pendência de causa prejudicial.» (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pág. 277).
No domínio do CPC de 1961, na redacção introduzida pelo DL n.° 227/94, de 8 de Setembro, há, como vimos, preceito expresso a admitir a suspensão do inventário, mas, em nosso entender, tal suspensão aí prevista não abarca casos como o que nos presentes autos se trata.
Com efeito, entendemos que as questões prejudiciais a que se refere o n.º 1 do mencionado art.º 1335º são aquelas idóneas a afectar as partilhas na sua essência, como, por exemplo, a acção de anulação de testamento ou a acção de investigação de paternidade intentada por suposto filho do inventariado (exemplos estes dados, aliás, no Acórdão do STJ de 07-06-2001, Revista n.º 1455/01, da 7.ª Secção), e não as acções onde se discutam questões que simplesmente condicionam a determinação exacta do acervo dos bens a partilhar no inventário.
Concordamos, assim, com o Sr. Cons. Lopes do Rego, quando, quanto ao âmbito de aplicação do mencionado art.º 1335, diz: «Neste preceito, apenas se regula o regime das questões ou causas prejudiciais "essenciais", de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha, dispondo o art. 1350.° sobre a decisão das questões que apenas condicionam a exacta definição do acervo dos bens a partilhar no inventário.»[8]. (Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 702).
Perfilhamos, também, o entendimento expresso pelo Sr. Cons. Lopes do Rego em anotação ao art.º 1350º do CPC[9], quando refere «...ao contrário do que ocorre com as questões prévias "essenciais", a que alude o art. 1335.º, a insuficiência de elementos para dirimir incidentalmente as reclamações deduzidas em sede de relacionamento dos bens nunca conduz à suspensão do processo, aplicando-se, no caso de remessa para os meios comuns, o disposto no n ° 2 deste artigo.»[10].
Não se enquadrando, a questão da propriedade do imóvel identificado na verba nº 6, tratada na referida acção nº …, em nenhuma das que se entendem contempladas no n.º 1 do art.º 1335º, não consubstancia, também, circunstância que se possa entender configurar uma das situações previstas no art.º 279.º n.º 1 do CPC (normativo este que seria aplicável ex vi do n.º 2 daquele art.º 1335º), que seriam susceptíveis de conduzir a que se decretasse a suspensão da instância no processo de inventário.
Na verdade, se se vier a definir, na referida acção nº …, que o prédio identificado na verba nº 6 não pertence à herança, posição que é defendida pelos aí Autores, será caso de, com suporte no decidido nessa acção, proceder à emenda da partilha (1386º e 1387º do CPC).[11]
Assim, no presente caso, nem a acção cuja pendência se invoca para obter a suspensão da instância se pode considerar como prejudicial do processo de inventário, nem se pode entender que ocorra outro motivo que justifique a pretendida suspensão da instância.
Acresce que, como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 16/09/2010 (Apelação nº 675/08.2TJVNF.P1)[12], com validade para o presente caso, já que aqui se está perante uma situação idêntica àquela que naquele aresto se versou “ … ainda que se estivesse perante uma situação de prejudicialidade, tendo a suspensão sido declarada no dia em que se encontrava designada a conferência de interessados e a acção sido instaurada após a sua designação, sempre se impunha a aplicação do disposto no artº 279º, nº 2, nos termos do qual, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se a causa dependente (inventário) estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”.
É que, estando-se, no inventário, na fase da conferência de interessados a que alude o artº 1352º do CPC, perto, pois, do termo normal do processo, a acção dita prejudicial está numa fase em que a respectiva conclusão definitiva (mesmo sem atentar na possibilidade, legítima, de utilização dos meios de recurso) se perspectiva, em princípio, bem mais longínqua, pelo que, a suspensão do processo de inventário, superando as vantagens que propiciaria, acarretaria para o mesmo evidentes prejuízos, designadamente, no que concerne à concretização do seu escopo.
Assim, ainda que prejudicialidade houvesse - e, já se viu, não há - não seria, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 279.º do CPC, de decretar a suspensão do inventário.
Por último, tendo a cabeça-de-casal, no inventário, relacionado, pela metade, o prédio que identificou sobre a verba nº 6, a circunstância de, na referida acção, ter pedido que aí fosse reconhecido, a ela e ao seu marido, com base na acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre a totalidade do dito prédio, fundadamente indicia o propósito de, com a formulação de tal pedido, mais não se pretender do que obter a suspensão do inventário. Esta constatação, se bem que não espelhando, exactamente, a previsão da 1ª parte do nº 2 do artº 279º do CPC, é-lhe de tal forma próxima que, pelo menos, consubstanciaria um forte argumento a ponderar no sentido de desaconselhar que se ordenasse a suspensão do inventário.

De tudo o exposto resulta que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não deveria ter sido declarada a suspensão do inventário, pelo que a decisão impugnada tem de ser revogada, determinando-se o prosseguimento daquele processo.


III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, na procedência da Apelação, revogar o despacho recorrido e determinar que o inventário prossiga os seus termos normais.
Custas pela Apelada.
Coimbra, 13/05/2014

Falcão de Magalhães (Relator)
Sílvia Pires
Henrique Antunes


[1] Código este que é o aplicável no que concerne ao regime de recurso, dado que foi já na sua vigência que foi proferida a decisão impugnada, embora que a análise dos actos das partes e do Tribunal “a quo” tenha de ser feita, evidentemente, à luz do Código de Processo Civil anterior (que referenciaremos como “CPC”), que era o que, então, regia tais actos.
[2] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ que vierem a ser citados sem referência de publicação.
[3] "In" Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra - 1946, pág. 266.
[4] Obra e volume citados, págs. 285, 291 e em nota, a págs. 285 e 286.
[5] Cfr. tb. Ac do STJ de 18/04/2002, Proc n.º 02B014.
[6] J. A. dos Reis, obra e volume citados, págs. 268 e 272.
[7] Partilhas Judiciais, Vol. I, 4.ª Edição, Almedina -1979, págs. 202, 203 e 204.
[8] Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 702.
[9] Obra citada, pág. 715.
[10] O sublinhado é nosso.
[11] Cfr. Acórdão do STJ, de 07 de Julho de 1997 (Revista nº 97A154), sumariado em “http://biblioteca.mj.pt/AcordaoSTJ.aspx?DocId=7B1A0D3D4166FBCE802568FC003B6DFA”.
[12] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.