Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2258/17.7T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
SUSPENSÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JL CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 141.º E 188.º DO CE; ARTS. 27-A.º E 28.º DO RGCOC
Sumário: I - Tendo por pano de fundo o prazo normal de prescrição – dois anos – é sabido que cada interrupção deste inutiliza o prazo decorrido.

II - Nas contra-ordenações rodoviárias, a prescrição do procedimento criminal ocorre sempre que, sobre a data da prática da contra-ordenação, tenham decorrido três anos e seis meses [2 anos do prazo normal + 1 ano, correspondente a metade do prazo normal + 6 meses, suspensão do prazo nos termos do art. 27º-A, nº 1, c) do RGCOC].

III – São três as condições de que depende a suspensão da execução da sanção acessória aplicável às contra-ordenações rodoviárias:

- a verificação dos pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução da pena de prisão;

- o pagamento da coima;

- a inexistência de condenação, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de contra-ordenação grave ou muito grave, ou a prática, nos últimos cinco anos, de apenas uma contra-ordenação grave.

IV - O pagamento da coima posteriormente à decisão recorrida e, portanto, o pagamento da coima por esta decisão fixada, é irrelevante para efeitos de suspensão da execução da sanção acessória.

Decisão Texto Integral:










Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

            Por decisão de 23 de Julho de 2015 da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [doravante, ANSR], do Ministério da Administração Interna, o arguido A... , com os demais sinais nos autos, foi condenado, pela prática de uma contra-ordenação rodoviária grave, p. e p. pelos arts. 27º, nºs 1 e 2, a), 2º, 138º, 145º, nº 1, b) e 147º nºs 1 e 2 todos do C. da Estrada, na coima de € 180 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de trinta dias. 

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial o qual, por despacho datado de 5 de Julho de 2017 [proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Local Criminal de Viseu – Juiz 2], foi julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão administrativa.          


*

            De novo inconformado com a decisão, recorreu o arguido para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1.º Nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 141.º CE, determina-se que:

1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contraordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.

2 – Se o infrator não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.

2.º A coima já havia sido liquidada, previamente. Conforme decorre da impugnação da contra-ordenação, o arguido apenas impugnou a aplicação da sanção acessória, nunca tendo colocado em questão o pagamento da coima, por si efectuado voluntaria e atempadamente (conforme referências fornecidas pelo sistema).

3.º Verificando-se que a coima já tinha liquidada, paga e por sua vez, não tendo o arguido averbada qualquer infracção no seu registo de condutor (facto dado como provado),

4.º e ainda considerando que o recorrente invocou a necessidade de carta de condução, que o tribunal a quo refere ter sido sensível aos argumentos utilizados.

5.º Encontram-se preenchidos todos os pressupostos legais para a suspensão da execução da sanção acessória deveria a mesma ter sido determinada.

6.º Sem prescindir, a infracção aqui em questão foi praticada no dia 4 de Outubro de 2014, o que significa que o procedimento contra-ordenacional já se encontra prescrito desde o dia 5 de Outubro de 2016, nos termos do artigo 188.º do CE, pelo estando prescrito, deverá o mesmo ser extinto.

Termos em que e nos melhores de Direito que Vossas Excelências melhor suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás deduzidas.

Decidindo deste modo, Vossas Excelências farão como sempre INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.


*

            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, que a decisão recorrida está devidamente fundamentada, nela foi feita correcta interpretação dos factos e aplicação do Direito, o procedimento não está prescrito por não ter decorrido ainda o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, dadas as interrupções verificadas, e ressalvado o prazo de suspensão da prescrição, previsto no art. 27º-A, nº 1, c) do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, e concluiu pelo não provimento do recurso.

*

            A Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.

*

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [doravante, RGCOC], as questões a decidir, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, são:

- A prescrição do procedimento contra-ordenacional;

- A verificação dos pressupostos da sanção acessória de inibição de conduzir.


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

            “ (…).

            I. Relatório

Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – Ministério da Administração Interna, constante do Auto de Contra-Ordenação n.º: (...) , datada de 23 de Julho de 2015, foi aplicada ao ora recorrente A... , portador do BI n.º (...) , residente na Rua (...) , a coima no montante de € 180,00 (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º, 1 e 2, al. a) 2.º, 28.º, 1, al. b) e 5, 145.º, 1, al. c) e 147.º, 1 e 2 todos do Código da Estrada.

Veio o recorrente intentar recurso de impugnação, em conformidade com o disposto no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, doravante designado por Regime Geral das Contra-Ordenações, ou, RGCO. Alegando, em síntese, não coloca em causa a prática da contra-ordenação. Com a sua conduta não teve lugar a criação de qualquer perigo. E, por motivos profissionais, tem necessidade de conduzir diariamente. Termina requerendo a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir.


*

O Ministério Público apresentou os autos a juízo nos termos do disposto no artigo 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

*

O recurso foi recebido por despacho de fls. 28 (artigo 63º a contrario do Regime Geral das Contra-Ordenações).

*

Não teve lugar a Audiência de Discussão e Julgamento, nos termos do art. 64.º, 1 e 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, tendo o Ministério Público e o recorrente anuído com a presente decisão por mero despacho.

*

O processo é o próprio, válido e isento de nulidades, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

*

II. Fundamentação de Facto

Com relevância para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:

1. No dia 4.10.2014, pelas 13h:23m, no local A25, km 95.3 Póvoa de Sobrinhos, Comarca de Viseu, o recorrente conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (...) .

2. O referido veículo circulava, pelo menos, à velocidade de 127 Km/h, correspondente à velocidade registada de 134 Km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 80 Km/h.

3. A velocidade foi verificada através do equipamento MULTANOVA MUVR-6FD n.º 2703, aprovado pelo IPQ (despacho de Apr. Mod. n.º 111.20.12.3.09 de 31MAI12) e aprovado para uso pelo Despacho n.º 1863/2014, da ANSR, de 02JAN14, com verificação periódica pelo IPQ em 19.12.2013.

4. Com a conduta descrita, o recorrente revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e que no momento se lhe impunham, não procedendo com o cuidado a que estava obrigado, representando como possível as consequências do seu acto e conformando-se com as mesmas, bem sabendo que a conduta em causa era proibida e punida por lei contra-ordenacional.

5. O recorrente não procedeu ao pagamento da coima.

6. O recorrente não tem averbada qualquer infracção no seu registo de condutor.


*

Factos não provados:

Com relevância para a causa inexistem factos não provados.


*

Não foram tomadas em considerações as afirmações vagas, nem as de cariz jurídico ou meramente conclusivo que integram quer a decisão administrativa, quer o recurso apresentado pelo recorrente, nem as que consubstanciam factualidade supérflua e irrelevante face a esse objecto, por se revelarem vãs para a decisão.

*

Para formar a sua convicção relativamente à decisão da matéria de facto, o Tribunal baseou-se na análise crítica do conjunto da prova constante dos autos e do próprio recurso do recorrente, considerando que aceita os factos constantes do auto de notícia, devidamente conjugados com as regras da normalidade e experiência comum. Sendo os factos corroborados pela prova documental junta aos autos, nomeadamente, o auto de fls. 4 a prova fotográfica de fls. 7, o certificado de verificação do aparelho de radar de fls. 8, o registo individual do condutor de fls. 11, a decisão de fls. 12 e 12v.

*

III. Direito

Dispõe o artigo 170.º do Código da Estrada que o auto de notícia faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário, tendo tal aplicação aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.

Atribui, assim, a lei especial valor probatório aos elementos colhidos pelas autoridades ou agentes com competência para a fiscalização do trânsito rodoviário através de aparelhos ou instrumentos utilizados em tal fiscalização desde que esses aparelhos ou instrumentos hajam sido previamente aprovados e que os autos de notícia os identifiquem, cabendo ao recorrente infirmar a veracidade destes factos.

No caso, resulta da matéria de facto apurada que o recorrente efectivamente cometeu uma contra-ordenação prevista no artigo 27.º, 1 do Código da Estrada e punível pelos artigos 27.º, n.º 2, alínea a), 2.º 138.º e 145.º, n.º 1, alínea c) e 147.º, 1 e 2, todos do mesmo diploma legal, pela qual foi, de resto, administrativamente condenado.

Efectivamente, dispõe o legislador no artigo 28.º, n.º 1, do Código da Estrada, que “1 – Sempre que a intensidade do trânsito ou as características das vias o aconselhem podem ser fixados, para vigorar em certas vias, troços de via ou períodos: a) Limites mínimos de velocidade instantânea; b) Limites máximos de velocidade instantânea inferiores ou superiores aos estabelecidos no n.º 1 do artigo anterior.

Por outro lado, nos termos do artigo 27.º, n.º 2, alínea a), 2.º, do mesmo diploma legal, “ Quem exceder os limites máximos de velocidade é sancionado: de (euro) 120 a (euro) 600, se exceder em mais de 20 km/h e até 40 km/h, dentro das localidades, ou em mais de 30 km/h e até 60 km/h, fora das localidades”.

Por seu turno, no artigo 138.º, do Código da Estrada, estabelece-se, no n.º 1, que “As contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.

No artigo 145.º, n.º 1, alínea c), igualmente do Código da Estrada, encontra-se previsto que “1 – No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contra-ordenações: (…) c) O excesso de velocidade praticado dentro das localidades superior a 20 km/h sobre os limites legalmente impostos, quando praticado pelo condutor de motociclo ou de automóvel ligeiro, ou superior a 10 km/h, quando praticado por condutor de outro veículo a motor;”.

O próprio recorrente afirma que cometeu os factos, pelo que, concluindo-se pela prática da contra-ordenação que lhe foi imputada, impõe-se aferir da dispensada ou suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir.

No que toca à possibilidade de dispensa de aplicação da sanção acessória, sem que tenhamos necessidade de nos debruçarmos sobre os fundamentos alegados no recurso, cumpre-nos referir que o estatuído no artigo 138.º do Código da Estada, ou seja, a aplicação de sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações graves e muito-graves tem carácter imperativo. Isto é, não há possibilidade alguma de dispensa da mesma nos termos requeridos.

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, outra não pode ser a posição do Tribunal que não seja o indeferimento da requerida dispensa de aplicação de sanção acessória de inibição de conduzir.

Impõe-se, agora, apurar se é possível a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada ao recorrente.

Em conformidade com o artigo 141.º do Código da Estrada, que trata da suspensão da execução da sanção acessória, “1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes. 2 – Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano. 3 – A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave (…)”.

É pressuposto essencial para que haja possibilidade de suspensão de execução da sanção de inibição de conduzir que tenha ocorrido o pagamento prévio e atempado da coima.

Assim, dadas as circunstâncias do caso, o não pagamento da coima impede que haja possibilidade de suspender a execução da sanção acessória, por falta de preenchimento de todos os pressupostos legais.

Julgo, assim, improcedente o presente recurso de impugnação judicial.

Face ao exposto, importa dizer que, pese embora este Tribunal seja sensível aos argumentos apresentados pelo recorrente no sentido da sua necessidade de carta de condução, esses motivos não obstam à aplicação da pena acessória que está legalmente prevista e, no presente caso, com carácter obrigatório. Da mesma forma que não estando reunidos todos os pressupostos legalmente previstos, não pode ter lugar a suspensão da execução da sanção acessória.

Atento tudo o que acima ficou escrito, o presente recurso só pode improceder.

Não tendo sido formuladas quaisquer outras questões pelo recorrente, terá o recurso apresentado de improceder na sua totalidade.


*

IV. Dispositivo

Nestes termos, e de acordo com o exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, mantenho a decisão recorrida, julgando o presente recurso apresentado por A... , improcedente, mantendo a decisão recorrida, que havia condenado o recorrente na coima no montante de €180,00 (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º, 1 e 2, al. a) 2.º, art. 138.º, 145.º, 1, al. c) e 147.º, 1 e 2 todos do Código da Estrada.

Custas a cargo do recorrente (artigo 93º, nº3 e 94º, nº3, ambos do Regime Geral das Contra- Ordenações), fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (artigo 8º, nº7 do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo da concessão de apoio judiciário.

(…)”.


*

            Da prescrição do procedimento contra-ordenacional

            1. Alega o recorrente – conclusão 6 – que, tendo a contra-ordenação sido praticada no dia 4 de Outubro de 2014, nos termos do disposto no art. 188º do C. da estrada, o procedimento já se encontra prescrito desde 5 de Outubro de 2016.

            Contrário é, como se referiu já, o entendimento do Ministério Público.

            Vejamos, então, a quem, em nosso entender, assiste razão.

Os autos têm por objecto a prática de uma contra-ordenação rodoviária, p. e p. pelos arts. 27º, nºs 1 e  2, a), 2º, 138º, 145º, nº 1, b) e 147º nºs 1 e 2 todos do C. da Estrada, no dia 4 Outubro de 2014, na A25, km 95,3, Póvoa de Sobrinhos, Viseu.

            Dispõe o art. 188º do C. da Estrada, sob a epígrafe «Prescrição do procedimento»:

            1 – O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos.

            2 – Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contra-ordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória.

            Estabelece o art. 28º, nº 3 do RGCOC que, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.     

            Por sua vez, dispõe o art. 27º-A, nº 1, c) do mesmo regime geral que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se suspende durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa, até à decisão final do recurso. Mas neste caso, e nos termos do nº 2 do mesmo artigo, o período de suspensão não pode exceder seis meses.

            O termo a quo do prazo de prescrição do procedimento é, portanto, a data da prática do facto que constitui a contra-ordenação. In casu, o dia 4 de Outubro de 2014.

            Tendo por pano de fundo o prazo normal de prescrição – dois anos – e sabido que cada interrupção deste inutiliza o prazo decorrido, verificamos que entre a prática da contra-ordenação e a ocorrência dos sucessivos factos interruptivos da prescrição [04/10/2014, prática da contra-ordenação / 26/02/2015, notificação para pagamento voluntário e defesa / 19/08/2015, notificação da decisão administrativa / 06/06/2017, notificação do despacho que recebeu a impugnação judicial] não decorreu aquele prazo.

O nº 3 do art. 28º do RGCOC estabelece uma limitação à admissão de um sem número interrupções do prazo de prescrição, impedindo a eternização da possibilidade do procedimento contra-ordenacional ao impor que a prescrição do procedimento ocorra, em qualquer caso, desde que desde o seu início, tenha decorrido o prazo normal, acrescido de metade, com ressalva do tempo de suspensão.

Brevitatis causa, podemos dizer que nas contra-ordenações rodoviárias a prescrição do procedimento criminal ocorre, sempre que, sobre a data da prática da contra-ordenação, tenham decorrido três anos e seis meses [2 anos do prazo normal + 1 ano, correspondente a metade do prazo normal + 6 meses, suspensão do prazo nos termos do art. 27º-A, nº 1, c) do RGCOC].

Considerando que a contra-ordenação rodoviária imputada ao recorrente nos autos foi praticada no dia 4 de Outubro de 2014, contando sobre esta data o período de três anos e seis meses, evidente se torna ainda não ter ocorrido a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Improcede, assim esta pretensão do recorrente.


*

            Da verificação dos pressupostos da sanção acessória de inibição de conduzir

            2. Alega o recorrente – conclusões 2, 3 e 5 – que tendo a coima sido liquidada previamente, como decorre das referências fornecidas pelo sistema e da circunstância de na impugnação judicial apenas ter impugnado a aplicação da sanção acessória, e não tendo averbada qualquer infracção no seu registo de condutor, encontram-se preenchidos os pressupostos de que depende a suspensão da execução da sanção acessória, pelo que, deveria a mesma ter sido determinada.

            Vejamos se lhe assiste ou não razão.

            O recorrente não contesta a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 27º, nºs 1 e  2, a), 2º, 138º, 145º, nº 1, b) e 147º nºs 1 e 2 todos do C. da Estrada, com coima e sanção acessória de inibição de conduzir. E também é incontestável que a ANSR, por decisão de 23 de Julho de 2015, sancionou o recorrente, por tal prática, com uma coima de € 180 e com a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de trinta dias.

            Consta do ponto 5 dos factos provados da decisão recorrida que, o recorrente não procedeu ao pagamento da coima.

            No corpo da motivação e depois, nas conclusões 2 e 3 diz o recorrente que a coima já havia sido liquidada [alegação que não levou ao recurso de impugnação judicial] o que, de certa forma, contraria o referido ponto de facto provado.

            Como supra deixámos dito, o recurso para a Relação em matéria de ilícito de mera ordenação social sofre as limitações impostas pelo art. 75º, nº 1 do RGCOC, o que, contudo, não impede que a decisão e facto da 1ª instância seja sindicada nos apertados termos em que o permite o regime dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2 do C. Processo Penal, aplicável, ex vi, art. 41º, nº 1 do referido regime geral.

            Pois bem.

            Um dos vícios decisórios previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal é o erro notório na apreciação da prova que, tendo que ser revelado, como todos os demais, apenas através do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, não sendo lícito, para este efeito, o recurso a elementos alheios à sentença, ainda que constem do respectivo processo, consiste em ter o tribunal valorado a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiramente ou ostensivamente evidente ou, dizendo de outro modo, por ter o tribunal dado como provado o que, manifestamente, não pode ter acontecido.

            Lido o despacho recorrido, em particular, a sua motivação de facto, verificamos que o ponto 5 dos factos provados teve como suporte probatório a decisão administrativa de fls. 12 e verso, da qual consta que o recorrente não efectuou o pagamento voluntário da coima. 

            Assim sendo – e a falta de pagamento resulta provada pela Ficha do Auto (...) , de fls. 10, não mencionada na motivação de facto – a não pagamento voluntário da coima mencionado na decisão administrativa reporta-se, como é óbvio, à data em que foi proferida isto é, a 23 de Julho de 2015. E por isso, o facto mencionado no ponto 5 dos factos provados da decisão recorrida também terá que a esta data ser reportado.

            Aliás, o recorrente, na motivação do recurso para a Relação, refere que a coima já havia sido liquidada, previamente, sem nunca dizer a data da liquidação ou previamente a quê, sendo certo que o que as referências fornecidas pelo sistema revelam – cfr. Ficha do Auto (...) de fls. 23 e verso – é que a quantia de € 232,50, correspondente ao somatório da coima de € 180 com as custas de € 52,5, foi paga, por cobrança SIBS, em 1 de Setembro de 2015.

            Ora, como vimos, a ANRS, pela sua decisão de 23 de Julho de 2015, aplicou ao recorrente, além do mais, a coima de € 180. Por outro lado, esta mesma decisão fixou as custas devidas em € 52,50. Acresce que o recurso de impugnação judicial desta decisão administrativa deu entrada nos seus serviços em 1 de Setembro de 2015 (cfr. fls. 14). Deste modo, dúvidas não subsistem de que o prévio pagamento da coima a que se refere o recorrente só pode reportar-se a esta data, a 1 de Setembro de 2015.

            Porque a data da decisão administrativa lhe é anterior, ainda que, se a Mma. Juíza a quo tivesse relevado a Ficha do Auto (...) de fls. 23 e verso outra e mais precisa poderia ter sido a redacção do ponto 5 dos factos provados, certo é que este ponto de facto, com a presente redacção não evidencia erro notório na apreciação da prova.

            Em suma, não é modificável a redacção dada ao ponto 5 dos factos provados do despacho recorrido.

            3. Como ponto prévio da questão de fundo, cumpre dizer que, apesar de no despacho recorrido a Mma. Juíza a quo ter discorrido sobre a possibilidade de dispensa da aplicação da sanção acessória e concluído, e bem, que o C. da Estrada não prevê e portanto, não admite tal possibilidade, certo é que lido o requerimento de impugnação da decisão administrativa, nele não descortinamos onde possa o recorrente ter suscitado tal questão.

            Quanto ao mais.

            Dispõe o art. 141º do C. da Estrada, com a epígrafe «Suspensão da execução da sanção acessória», na parte em que agora interessa:

1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.    

2. Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.

3. A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:

a) À prestação de caução de boa conduta;

b) Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;

c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.

(…).

São portanto três, as condições de que depende a suspensão da execução da sanção acessória aplicável às contra-ordenações rodoviárias: a verificação dos pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução da pena de prisão; o pagamento da coima; a inexistência de condenação, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de contra-ordenação grave ou muito grave, ou a prática, nos últimos cinco anos, de apenas uma contra-ordenação grave.

            Estando provado que o recorrente não tem averbada qualquer infracção no seu registo de condutor e admitindo, por mera hipótese de raciocínio que este facto, por si só, bastaria para concluir estarem verificados os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução da pena de prisão, certo é que, como consta do ponto 5 dos factos provados, o recorrente não procedeu ao pagamento da coima.

             Pelas razões supra expostas, esta omissão de pagamento tem como data relevante a data em que foi proferida a decisão recorrida. Com efeito, o pagamento da coima posteriormente à decisão recorrida e portanto, o pagamento da coima por esta decisão fixada, é irrelevante para efeitos de suspensão da execução da sanção acessória.

É que o objecto do recurso de impugnação judicial, como decorre do disposto no art. 59º, nº 1 do RGCOC é, fundamentalmente, a decisão da autoridade administrativa. Na impugnação judicial o tribunal deve conhecer todas as questões que foram objecto da decisão administrativa e que o recorrente, submeteu à sua apreciação, por dela discordar.

Assim, podendo e devendo a autoridade administrativa, determinar a suspensão da execução da sanção acessória aplicável às contra-ordenações graves ou muito graves previstas no C. da Estrada, a verificação dos seus pressupostos terá, lógica e necessariamente, que ocorrer antes de proferida a respectiva decisão. Se quando a decisão administrativa é proferida a coima não se encontrava paga, a não verificação deste pressuposto legal da suspensa a execução da sanção acessória, impossibilita que seja determinada na decisão. Neste circunstancialismo, atribuir relevância jurídica a um facto posterior à decisão administrativa impugnada e que, por via da sua tardia verificação, se pretende ver modificada, sempre significaria o uso do recurso de impugnação judicial para decidir uma questão de facto criada ex novo, com a qual a autoridade administrativa não foi confrontada e que, por isso, não pôde considerar.

Acresce que, não sendo relevante para o caso saber se o pagamento da coima foi ou não feito pelo mínimo [e não foi], porque se trata de cumprimento voluntário – por oposição à coima fixada já em decisão administrativa que, em caso de contra-ordenação punível com sanção acessória, também a aplicará – a referência feita no nº 3 do art. 172º do C. da Estrada ao pagamento em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, só pode ser entendido no sentido, em qualquer altura do processo mas antes da decisão administrativa.

Reconhecendo-se que o nº 3 do art. 172º do C. da Estrada não regula a suspensão da execução da sanção acessória, a verdade é que o cumprimento voluntário da coima que versa, é o pagamento feito antes de existir decisão administrativa. Prevendo o art. 141º, nº 1 do mesmo código a suspensão da execução da sanção acessória, instituindo como seu pressuposto, o pagamento da coima, parece-nos evidente que duas normas têm que ser interpretadas de forma concordante, sob pena de por em risco a harmonia do diploma.    

4. Em síntese conclusiva:

- A suspensão da execução da sanção acessória aplicável às contra-ordenações rodoviárias depende da verificação de três condições: a) a verificação do pressuposto material de que a lei penal faz depender a suspensão da execução da pena de prisão; b) o pagamento da coima; c) a inexistência de condenação, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de contra-ordenação grave ou muito grave, ou a prática, nos últimos cinco anos, de apenas uma contra-ordenação grave;

- O pagamento – voluntário ou seja, pelo mínimo – da coima, como pressuposto da suspensão da execução da sanção acessória, tem que ocorrer antes da decisão da autoridade administrativa;

- O pagamento da coima fixada pela própria decisão administrativa que não suspendeu a execução da sanção acessória que aplicou, é irrelevante e por isso, insusceptível de, através do recurso de impugnação judicial, permitir aquela suspensão;

- Não tendo o recorrente efectuado o pagamento – voluntário ou seja, pelo mínimo – da coima antes de proferida a decisão administrativa que, além do mais, o condenou em sanção acessória, não merece censura o despacho recorrido que, com tal fundamento, considerou improcedente a pretendida suspensão, ainda que o recorrente tenha efectuado o pagamento da coima fixada na própria decisão administrativa.


*

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em considerar não verificada a prescrição do procedimento contra-ordenacional e em negar provimento ao recurso.

Em consequência, confirmam o despacho recorrido.


*

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (art. 93º, nº 3, do RGCOC, art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

*

Baixados os autos, deve a 1ª instância notificar o recorrente para proceder à entrega do título de condução.

*

Coimbra, 15 de Novembro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)