Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/19.0GBLSA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CRIME PÚBLICO
CRIME SEMI-PÚBLICO
CRIME PARTICULAR
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
REQUERIMENTO
PRAZO
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (LOUSÃ – JUÍZO DE C. GENÉRICA – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 68.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: Mesmo estando em causa concurso de crimes público, semi-público e particular, ao prazo de requerimento de constituição de assistente quanto ao crime de natureza particular é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º do CPP.
Decisão Texto Integral:







Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do Inquérito (atos jurisdicionais) n.º 12/19.0GBLSA, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Lousã – Juízo de C. Genérica – Juiz 2, por despacho judicial de 07.02.2019 foi indeferida a constituição como assistente requerida nos autos por A..

2. Inconformada com a decisão da mesma recorreu A., formulando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso vem interposto na sequência do despacho datado de 11/02/2019 (ref. 79356536) onde foi indeferido o pedido de constituição de assistente nos autos por parte da ofendida, com fundamento em extemporaneidade do referido pedido, em virtude de se terem ultrapassado os prazos constantes do n.º 2 do art. 68.º do C.P.P. a contar do n.º 4 do art. 246.º do C.P.P.

b) No dia 11 de janeiro de 2019, a ofendida dirigiu-se ao posto da GNR na Lousã, onde apresentou uma denúncia que deu origem aos presentes autos, constando, no respetivo enquadramento, que os crimes abstratamente em causa eram de injúria e ameaça (cfr. auto de notícia a pps. 1-2, a fls. …).

c) O primeiro, p.p. pelo art. 181.º do C.P., de natureza particular, nos termos do art. 188.º n.º 1 do Código Penal, e o segundo de ameaça, p.p. pelo art. 153.º n.º 1, de natureza semi-pública nos termos do n.º 2 do referido artigo.

d) Tendo sido a queixa pelos referidos factos apresentada em 11/01/2019, por requerimento enviado aos autos em 25/01/2019 (a fls. …), veio a ofendida requerer a sua constituição como assistente, juntando procuração e comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida.

e) O princípio da oficialidade da promoção processual sofre as limitações e exceções decorrentes da existência dos crimes semipúblicos e dos crimes particulares, proclamando o art. 48.º do C.P.P. a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, logo aí se ressalvam as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º, as quais conformam, justamente, as exceções a que o n.º 2 do art. 262.º do C.P.P. se refere.

f) Ora, salvo o devido respeito, o despacho ora impugnado, ainda que suportado por um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (Ac. STJ n.º 1/2011), não deve ter aplicação à situação em apreço.

g) Em primeiro lugar, e falamos agora em termos genéricos, parece demasiado oneroso que, mais das vezes pela assinatura de papeis minutados e sem a conveniente explicitação do respetivo conteúdo – na GNR foi dito à queixosa que o que interessava seria apresentar a queixa e constituir-se assistente, que agora o Magistrado do Ministério Público é que tinha de investigar os factos – possam levar à preclusão do direito de queixa e à promoção do competente procedimento criminal.

h) Aliás, nos nossos tribunais, não obstante o teor da decisão do Ac. do STJ n.º 1/2011, por várias vezes já se questionou o referido entendimento, ainda que não o contrariando definitivamente, como aconteceu, v.g., no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/05/2015, Proc. n.º 43/13.7GAVZL-A.C1, relatado pelo Desembargador Luís Teixeira.

i) O referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, nos termos do n.º 3 do art. 445.º do C.P.P. não constituem precedentes jurisprudenciais obrigatórios, estando apenas o tribunal dissidente obrigado a fundamentar a sua discordância.

j) Os argumentos que são apontados contra a jurisprudência nele fixada são deveras impressivos.

k) Não permitindo que, inutilizada uma queixa, por inobservância do prazo do n.º 2 do artigo 68.º, o queixoso apresente outra, estando ainda em curso o prazo previsto no artigo 115.º, faz-se equivaler esse simples vício de procedimento à desistência da queixa, o que é de todo ilegítimo, pois a desistência da queixa tem de ser inequívoca e expressa, além de só operar com a não oposição do arguido, sendo que num caso como o que está em discussão nem há ainda arguido.

l) Aliás, se, no processo civil, vícios de forma dão lugar à absolvição da instância, a permitir a propositura de outra ação com o mesmo objeto, mal se compreende que no processo penal o queixoso, depois de ver inutilizada a sua queixa, igualmente por um vício formal, não possa apresentar outra relativa ao mesmo facto, enquanto não caducar o respetivo direito.

m) Com efeito, se se compreende que o processo [por crime particular] não possa ficar parado indefinidamente e que por isso não deva ser aberto o inquérito sem que o requerente se constitua assistente (e, até, que o processo deva ser arquivado se o «ofendido» não o «fizer andar», constituindo-se assistente), já não se vê qualquer inconveniente (substancial) em que – durante o prazo de prescrição do procedimento criminal – se requeira a abertura do inquérito logo que o «denunciante» reúna, finalmente, as condições indispensáveis (o pagamento da taxa de justiça «moderadora», a constituição de um advogado que o queira representar, os meios financeiros para enfrentar as respetivas despesas, as eventuais pré-negociações com o autor do crime, a reflexão exigida para se dar um passo deste alcance, etc.).

n) Ora, estes argumentos, aliados à circunstância de estarmos perante um processo que, nos termos da queixa apresentada, devia ter levado a um inquérito por um crime de ameaça, de natureza semi-pública, são passíveis de tornar ajustada ao caso concreto a solução que mais preza a economia dos atos e a prossecução da verdade material no âmbito do Processo Penal, defendida no Acórdão da Relação de Coimbra de 6-03-2012, CJ, T2, 2012, quando nos diz que “Em procedimento cujo objeto comporte tanto crimes de natureza particular como de natureza semi-pública, o ofendido poderá constituir-se assistente no prazo previsto no n.º 3 do art.º 68.º do CPP relativamente a todos os crimes.”

o) Desde logo, estando em causa factos que, em abstrato, consubstanciam crimes semi-públicos – como são os que constam da denúncia que parecem ser passíveis de consubstanciar um crime de ameaça -, e que portanto apresentada a queixa relativamente a eles, o M.P. está obrigado, ao abrigo do princípio da oficialidade, a conduzir o competente inquérito, deduzindo acusação ou arquivando o processo, consoante considere existirem indícios da prática do referido crime, parece irrazoável a exigência de constituição de assistente no prazo que é dado pelo n.º 2 do art. 68.º.

p) Encerrado o inquérito, o MP terá e em qualquer caso que deduzir acusação ou arquivar, relativamente aos crimes cuja investigação são da sua competência, pronunciando-se também sobre a existência ou não de indícios da prática dos crimes que dependem de acusação particular.

q) Para quê condicionar ab initio a constituição de assistente da parte num caso onde o inquérito, caso não haja desistência de queixa, terá sempre e necessariamente que decorrer? Não se verificam, in casu os fundamentos que foram utilizados pela jurisprudência em abono da tese defendida no AUJ citado no despacho recorrido.

r) Não existe possibilidade de se fazer o “pára-arranca” que obstou à interpretação vencida no referido Aresto de Uniformização de Jurisprudência.

s) Mais do que isso, e tal como aí foi bem equacionado, a preclusão do direito de queixa do ofendido vai para lá daquilo que é informado nos formulários normalmente entregues pelos órgãos de segurança pública, que simplesmente se limitam a falar de arquivamento dos autos (o que é diferente de preclusão do direito de queixa sobre esses mesmos factos).

t) O prazo para constituição de assistente, nas situações como aquela sobre a qual versamos, em que a denúncia é feita sobre factualidade passível de integrar crimes particulares e crimes semi-públicos, deve ser o previsto no n.º 3 al. b) do art. 68.º do C.P.P.

u) Solução diversa implica, em situações como a que estamos a dirimir, que se “frature” um inquérito a meio, amputando-o de factualidade relevante para até se saber se os crimes pelos quais o M.P. está obrigado a investigar nos termos do 48.º do C.P.P.

v) E a única interpretação que se coaduna com as circunstâncias deste tipo de denúncias pluri-factuais é que o crime de “maior” dignidade absorva os demais no que diz respeito à possibilidade de o ofendido se constituir como assistente no que ao regime dos prazos respeita – com o limite, natural e inerente ao tipo de crime em causa que é o prazo do art. 284.º n.º 1 do Código de Processo Penal, ex vi da al. b) do n.º 3 do art. 68.º do C.P.P.

w) Ou seja, em procedimentos cujo objeto comportasse tanto crimes de natureza particular como de natureza semi-pública, o ofendido deve poder constituir-se assistente até 10 dias depois de notificado da acusação/arquivamento relativo ao crime público ou semipúblico, caso deseja deduzir acusação particular.

x) Entendimento diverso seria inconstitucional e violador do princípio do processo equitativo, do direito a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr art. 20.º da C.R.P.) e, sobretudo, do princípio da proporcionalidade (cfr. art. 18 n.º 2 da C.R.P.) e da segurança jurídica e proteção da confiança (cfr. art. 2.º da C.R.P.).

y) Além de ilegal por violador do princípio da presunção razoável, ínsita no art. 9.º n.º 3 do C.C.

z) Adotar a solução propugnada no presente recurso é única e exclusivamente favorecer a economia e celeridade processual, em respeito dos mais basilares princípios de direito processual penal e de direito penal substantivo.

aa) Ainda que tal não se entenda, o que meramente se equaciona por cautela de patrocínio, sempre seria o despacho recorrido ilegal, porque deveria, nos termos do art. 68.º n.º 3 do C.P.P., admitir a ofendida a constituir-se como assistente relativamente ao crime de ameaça, p.p. nos termos do 153.º n.º 1 do C.P., cuja natureza é semi-pública nos termos do n.º 2 da referida norma legal, pois estava em tempo e para tal tinha legitimidade, tendo em conta a factualidade relatada na queixa apresentada.

NORMATIVIDADE VIOLADA: art. 49.º a 52.º, 68.º, 246.º, 262.º, todos do C.P.P., 115.º, 181.º, 153.º n.º 1 e 2, arts. 2.º, 18.º n.º 2 e 20.º da C.R.P. e art. 9.º n.º 3 do C.C.

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Em resposta ao recurso a Digna Procuradora-Adjunta concluiu:

1.º – Por despacho proferido em 7.02.2019, a Mm.ª Juiz “a quo” indeferiu a constituição como assistente de A., por extemporaneidade quanto ao denunciado crime de injúria.

2.º – Não se conformando com o despacho proferido, a recorrente A. dele interpôs recurso, invocando em síntese:

a) No seu entender nos autos são denunciados factos suscetíveis de, em abstrato, integrar a prática de um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – o qual reveste natureza particular – e de um crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal – o qual reveste natureza semi-pública, pelo que, o prazo para a constituição como assistente no crime de injúria não deverá ser o prazo de 10 dias após a notificação para o efeito mas sim o prazo normal de constituição como assistente relativamente aos crimes de natureza semi-pública, pelo que, devia ter sido admitida a constituição como assistente relativamente a ambos os ilícitos.

b) Caso assim se não entenda, deveria ser admitida a constituição como assistente do crime de natureza semi-pública, in casu, o crime de ameaça.

3.º - Nos presentes autos são denunciados factos suscetíveis de, para além do mais, em abstrato, consubstanciarem a prática de um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.

4.º - Uma vez que o crime denunciado reveste natureza particular a recorrente foi notificada pessoalmente no dia 11/01/2019, conforme teor de fls. 8 verso da obrigatoriedade de se constituir como assistente relativamente ao crime de natureza particular, no prazo de 10 dias e com a advertência de que, não o fazendo, seriam os autos arquivados, nesta parte, por ilegitimidade do Ministério Público para impulsionar o andamento do processo.

5.º - Apesar de tal notificação, a recorrente não requereu, no prazo legal, a referida constituição como assistente relativamente ao crime de natureza particular, tendo apenas apresentado requerimento a requerer a constituição como assistente no dia 28/01/2019 (cfr. fls. 9), sendo que do registo do envio consta que foi enviado em 25.01.2019 - – cfr. fls. 12.

6.º - Assim, quando a recorrente remeteu a carta a requerer a sua constituição como assistente já estava decorrido o prazo de 10 dias para a sua constituição de assistente relativamente ao crime de natureza particular, bem como, os três dias para a prática de tal ato com multa processual.

7.º - Ora, o prazo de dez dias para a constituição de assistente tem natureza perentória uma vez que de acordo com o Acórdão do STJ n.º 1/2011, “em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente foca precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.

8.º - Assim, o direito à constituição como assistente da recorrente relativamente ao crime particular denunciado já precludiu.

9.º - Mais se diga que, não assiste razão à recorrente ao entender que o prazo para constituição de assistente relativamente ao crime de natureza semipúblico aproveite o crime de natureza particular, desde logo porque tal facto alargaria até à fase de julgamento a oportunidade de requerer a constituição como assistente, ou seja, até ao momento em que já teria que ter sido deduzida acusação particular quanto ao crime da aludida natureza.

10.º - Sendo que, nos crimes particulares o Ministério Público não tem legitimidade para o exercício da ação penal sem ter sido admitida a constituição de assistente, o que implica desde logo que tal prazo invocado pela recorrente é legalmente incompatível com os pressupostos da legitimidade da investigação, e nunca poderia estender-se para além da fase de inquérito quando o Ministério Público não tem legitimidade para prosseguir a ação penal e para notificar o assistente da existência ou não de indícios, se esse pressuposto prévio – constituição como assistente – não estiver preenchido.

11.º - Em face do exposto, entende o Ministério Público que o direito à constituição como assistente da recorrente relativamente ao crime de natureza particular precludiu por decurso do prazo previsto 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que, bem andou a Mm.ª Juiz a quo ao indeferir a requerida constituição como assistente em relação ao crime particular denunciado, por tal pedido ser extemporâneo.

12.º - Por tudo o que se acaba de expor consideramos que não assiste razão à recorrente, não merecendo por isso provimento o recurso interposto quanto ao indeferimento da constituição como assistente no que concerne ao crime de natureza particular – crime de injúria – porquanto o mesmo foi apresentado extemporaneamente, devendo o despacho recorrido proferido pelo Tribunal “a quo” manter-se nos seus precisos termos quanto a esta matéria.

13.º - Ora, relativamente ao eventual crime de ameaça, a recorrente tem legitimidade requereu a respetiva constituição como assistente (artigo 68º, n.º 1, alínea b) do C.P.P.), encontra-se representada por mandatário conforme procuração junta a fls. 10 (artigo 70.º, n.º 1 do C.P.P.), procedeu ao pagamento da taxa de justiça conforme teor de fls. 11 (artigo 519.º, n.º 1 do C.P.P.) e apresentou tempestivamente o requerimento.

14.º - Em face do exposto, no que concerne ao crime de ameaça, o qual reveste natureza semi-pública, deverá ser procedente o recurso e admitida a requerida constituição como assistente da recorrente relativamente a tal ilícito.

Por todo o exposto, deverá ser concedido parcial provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido no que respeita ao crime de natureza particular, e devendo ser procedente o recurso no que concerne ao crime de natureza semi-pública – crime de ameaça – e em conformidade a recorrente ser admitida a intervir nos autos como assistente relativamente a tal ilícito.

V. Exas, porém, e como sempre, farão Justiça!

5. Imediatamente antes de ordenar a remessa dos presentes autos de recurso em separado ao Tribunal da Relação a Senhora juiz a quo lavrou o despacho que integra fls. 45 – 46.

6. Na Relação o Exmo. Procurador da República emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP a recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita e fixa o objeto do recurso, independentemente do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se em caso de procedimento onde se denunciam factos suscetíveis de integrar crimes de diferente natureza (particular e semi-público) não é aplicável, no que ao crime particular concerne, o prazo para constituição de assistente previsto no n.º 2 do artigo 68.º do CPP, não sendo de considerar, para o efeito, a jurisprudência fixada no AFJ n.º 1/2011, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 26 de janeiro de 2011.

2. A decisão recorrida.

(I)

Ficou a constar do despacho em crise:

“A. veio, a 25.01.2019, requerer a sua constituição como assistente, nessa data juntando aos autos procuração e comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Nos presentes autos estão em causa factos suscetíveis de integrar a prática de crime de injúria, p.p. pelo art.º 181.º, do Código Penal, exigindo-se, quanto ao referido crime, para legitimar a intervenção do Ministério Público, que o ofendido se queixe, se constitua assistente e deduza acusação particular, tudo nos termos do disposto nos art.ºs 48.º, 50.º, n.º 1, 68.º, 70.º, 246.º, n.º 4, 285.º, n.º 1, e 519.º, todos do Código de Processo Penal, e 113.º e 188.º, n.º 1, do Código Penal, sendo obrigatória a representação por advogado na constituição de assistente e sendo o prazo para apresentação do respetivo requerimento, no caso de procedimento criminal por crime dependente de acusação particular, de 10 dias após notificação para o efeito.

Com efeito, dispõe o art.º 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento para a constituição como assistente tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do art.º 246.º, do Código de Processo Penal.

Por sua vez o art.º 246.º, n.º 4, dispõe que:

O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.

Tal advertência foi efetuada no caso concreto, conforme resulta do teor de fls. 8/8 verso, ou seja, A. foi devidamente notificada da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar a 11.01.2019, pelo que o supra aludido prazo de 10 dias terminava a 21.01.2019 (segunda-feira).

Conclui-se, pois, que A. veio requerer a sua constituição como assistente no quarto dia útil após o termo do aludido prazo de 10 dias.

O acórdão do STJ n.º 1/2011, publicado no DR, 1ª Série, n.º 18, de 26.01.2011, fixou jurisprudencialmente que “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.

Consideramos aplicável ao prazo para a constituição como assistente estabelecido no citado art.º 68.º, n.º 2, o regime previsto nos art.ºs 107.º, n.º 5, e 107.º - A, do Código de Processo Penal, e no art.º 139.º, do Código de Processo Civil, que permite a prática do ato nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, com eventual penalização em certos casos, porém, no caso concreto, o ato foi praticado para além dos três dias úteis subsequentes.

Destarte, aderindo aos fundamentos citados na mencionada uniformização de jurisprudência, seguidos, entre muitos outros, pelos acórdãos da RC de 20.11.2011 e 06.11.2013, in www.dgsi.pt, sendo o prazo perentório e encontrando-se já ultrapassado aquando da apresentação do requerimento para constituição como assistente, não pode o mesmo ser validamente considerado no que concerne ao procedimento criminal quanto ao crime de injúria por já estar extinto o correspondente direito à constituição como assistente.

Pelo exposto, por extemporaneidade, decido indeferir o requerido.

Notifique”.

(II)

No despacho que determinou a subida dos presentes autos de recurso em separado ao Tribunal da Relação mostra-se exarado:

Estando também em causa nos autos factos suscetíveis de, em abstrato, integrar a prática de um crime de ameaça, p.p. pelo art.º 153.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que da queixa apresentada resulta ainda, efetivamente, que o denunciado terá dito à ofendida “(…) quando menos esperares vais pagá-las”, admito A. a intervir nos autos como assistente no que respeita ao referido crime de ameaça, cujo procedimento criminal reveste natureza semi-pública, por estar em tempo relativamente ao procedimento criminal respetivo, dispor de legitimidade, ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida e se encontrar devidamente representada por advogado, nos termos do disposto nos art.ºs 48.º, 49.º, 68.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 70.º, 246.º e 519.º, todos do Código de processo Penal, 113.º, e 153.º, n.º 2, do Código Penal, e 8.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique.

Relativamente ao recurso interposto do despacho que indeferiu, por extemporaneidade, a constituição como assistente A. no que respeita ao crime de injúria denunciado:

[…]

Nada mais se nos oferece dizer para além do que já consta do despacho recorrido, que mantemos nos seus precisos termos.

Porém, Vossas Excelências farão a melhor Justiça!

[…]

Após, subam os autos de recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, junto remetendo o despacho recorrido e as alegações de recurso em formato editável para sentenças.criminal@trc.pt, e devolva os presentes autos ao Ministério Público.”

3. Apreciação

Em função do despacho exarado aquando da determinação da subida dos autos à Relação, o qual não poderá deixar de ser encarado como encerrando a “reparação”, ainda que parcial, da decisão recorrida (artigo 414.º, n.º 4 do CPP), concretamente no que concerne à admissão da ora recorrente na qualidade de assistente em relação aos factos, igualmente denunciados, suscetíveis de configurar o crime de ameaça, a única questão que agora importa dirimir reconduz-se a saber se deveria a requerente, quanto ao crime de injúria, ter sido admitida a intervir no processo por assistente, não sendo aplicável ao caso o prazo a que se reporta o artigo 68.º, n.º 2 do CPP.

Iniciaremos por dizer que a natureza do referido prazo não mereceu ao longo do tempo resposta unânime por parte da jurisprudência, designadamente dos tribunais superiores, aspeto bem documentado (com referência a decisões de sinal contrário) no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011, publicado no Diário da República, 1.ª série – N.º 18 – 26 de janeiro de 2011, no qual veio a ser fixada jurisprudência no sentido de que “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.

Assim, no seio da “discussão” que opunha aqueles que defendiam estar em causa um prazo meramente procedimental/orientador aos que perfilhavam o entendimento de revestir, o mesmo, natureza perentória, foi esta última a posição que veio a vingar, pese embora as “declarações de voto” então exaradas.

Aqui chegados, até por se tratar de matéria suscitada pela recorrente, assentemos naquilo que se nos afigura óbvio: se é certo que a jurisprudência fixada não reveste caráter obrigatório para os tribunais judiciais, devendo, contudo, estes fundamentar as divergências relativas à mesma (artigo 445.º do CPP), não menos certo é que não será de admitir como seu fundamento (das divergências) os argumentos em contrário já “enfrentados” por ocasião da sua fixação, aqui se incluindo os que surgem a sustentar as “declarações de voto”, expressando “entendimentos” na mesma ponderados, mas que não lograram “obter vencimento”. Com efeito, como bem realça o acórdão do TRC de 06.05.2015, convocado pela recorrente, “… foi exatamente por existir esta divergência na jurisprudência dos Tribunais da Relação, que o STJ foi chamado a pronunciar-se no sentido de fixar jurisprudência sobre a matéria.

(…)

Ora, esta decisão (deste Tribunal da Relação) não pode traduzir-se simplesmente em mais um voto de vencido.

O acórdão do STJ existe precisamente para uniformizar as decisões dos Tribunais e não para manter ou perpetuar as divergências. Se assim não fosse, seria reduzir a uma inutilidade tal uniformização de jurisprudência. Não é isso o que se pretende nem deve ser esse o caminho a seguir.”

No caso em apreço, perscrutadas as conclusões, é por demais evidente pretender a recorrente, apelando, no essencial, aos “argumentos” expendidos nas respetivas “declarações de voto” e, bem assim, na fundamentação das decisões, em sentido oposto, tiradas pelos tribunais, ver afastada a jurisprudência fixada, “modo de fazer” que, por um lado, nos dispensa do labor de contrariar semelhantes fundamentos, incluindo os princípios e normas, constitucionais e processuais penais, cuja violação a propósito vem invocada – já no mesmo (AFJ) “debatidos” e “rebatidos” – conduzindo, por outro lado, porquanto nada de novo vem aduzido, à aplicação – sendo caso disso, como adiante se dilucidará – por este tribunal da dita jurisprudência.

Posto que a recorrente não questiona a circunstância de o requerimento dirigido à sua constituição como assistente ter sido apresentado já após o decurso do prazo previsto no n.º 2 do artigo 68.º do CPP, tão pouco o facto de haver sido informada nos termos do artigo 246.º, n.º 4 do mesmo diploma (como aliás decorre da certidão que instrui os presentes autos de recurso em separado), nenhuma relevância, para o efeito, assumindo as “considerações” que “em termos genéricos” – usando a expressão da própria - tece na alínea g) das conclusões, é tempo de nos debruçarmos sobre a consideração no caso da jurisprudência fixada no AFJ n.º 1/2011.

Neste ponto não vemos motivo para nos afastar do consignado no acórdão deste tribunal de 14.09.2016, proferido no âmbito do proc. n.º 120/15.7GHCVL-A.C1, do qual foi relatora a ora primeira signatária, num caso em que a única questão controvertida se traduzia em saber qual o prazo para a constituição de assistente quando a queixa/denúncia apresentada respeita simultaneamente a um crime de natureza semi-pública e a outro particular. Concretamente, no que tange a este último, se beneficiaria o ofendido do prazo mais alargado previsto no n.º 3 do artigo 68.º do CPP ou se, reportando-se a queixa a crimes de diferente natureza, no que concerne ao crime particular o prazo, para o efeito, aplicável seria o previsto no n.º 2 do citado preceito. Escrevemos então: «Como dá nota o recorrente em abono da sua tese já se pronunciaram os tribunais superiores, como é o caso do TRL no seu acórdão de 06.03.2012, publicado na CJ, ano XXXVIII, T. II, pág. 129, aí se defendendo a aplicabilidade do AFJ n.º 1/2011, de 26 de janeiro, às situações em que se apreciem, tão só, crimes de natureza particular, sendo que estando em causa crimes públicos ou semi-públicos e particulares o requerimento para constituição de assistente, relativamente a todos os crimes, inclusive os particulares, sempre poderia ser apresentado dentro dos prazos previstos no n.º 3 do artigo 68.º do citado diploma legal.

Respeitando, embora, a posição vinda de expor, da mesma divergimos, quer por se nos afigurar não encontrar sustentação na letra da lei, quer porque, no que aos crimes particulares concerne, o prazo limitado para a constituição de assistente se justificar em função do condicionamento do próprio andamento do processo que, através dele, se opera, já que sem a constituição formal como assistente o procedimento, por aquele específico crime não pode prosseguir.

Com efeito, nos crimes particulares, a constituição de assistente, tal como a queixa e a acusação particular, constitui uma condição de procedibilidade, pois sem ela o Ministério Público não tem legitimidade, desde logo, para, quanto ao mesmo, prosseguir a investigação, a qual, de contrário, poderia redundar na prática de atos inúteis.

Na verdade, como vem referido no AFJ n.º 1/2011 «Nos crimes particulares, a atividade instrutória do Ministério Público é desde logo condicionada pela própria constituição de assistente, sem a qual o procedimento não pode prosseguir para além da queixa e a sua prossecução para além do inquérito depende da acusação particular».

A mesma ideia se extrai das palavras de Henriques Gaspar quando, em anotação ao preceito em referência, escreve: «(…) nos crimes particulares o assistente não é rigorosamente um auxiliar ou colaborador do MP; ao ofendido cabe, por via da apresentação da queixa e da constituição como assistente, a iniciativa do procedimento, e ainda determinar o julgamento através de dedução de acusação particular.

Numa perspetiva formal, a posição do Ministério Público nos crimes particulares configura-se como relativamente «subsidiária» e «subordinada» em relação à do assistente – acusador, na medida em que estará dependente das posições processuais que o assistente tome, seja no que se refere ao exercício da ação penal, seja no modo de exercício da ação penal» [cf. Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.º Edição Revista, Almedina, pág. 214].

Significa, pois, que ultrapassada que se mostra, pelo menos enquanto não sobrevierem novos argumentos – que o recorrente não apresenta, nem se descortinam -, a discussão sobre a natureza perentória do prazo previsto no n.º 2 do artigo 62.º do CPP, matéria objeto de fixação de jurisprudência levada a efeito no AFJ n.º 1/2011, de 16.12.2010 [DR, I. S., de 26.01.2011], os distintos prazos fixados para a constituição de assistente, consoante estejam em causa crimes particulares ou crimes públicos e/ou semipúblicos encontra fundamento no condicionamento que do próprio andamento do processo, máxime relativamente à prática de atos investigatórios, produz, no caso dos primeiros, a constituição como assistente.

Como tal, não se vê, pelo contrário, razão para alargar o prazo previsto no n.º 3 do artigo 68.º do CPP ao procedimento por crimes particulares sempre que com estes concorram, no mesmo processo, crimes de natureza pública ou semi-pública.

Acompanhamos, assim, o Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto enquanto, a propósito, aduz: «…tal diferente natureza, que sugere, para lá de óbvia diferenciada importância em termos de tutela penal do bem ou valor jurídico violado, naturalmente uma investigação autónoma, atinente ao aquilatar sobre o preenchimento ou não de todos os respetivos elementos constitutivos, tudo torna compreensível que cada diferente crime possua a sua norma (cativa) em termos de prazo para a constituição de assistente.

E estando fora de qualquer dúvida que em face do AUJ n.º 1/2011 o direito de constituição como assistente fica precludido se não for cumprido o prazo fixado no artigo 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, nada no texto da lei (artigo 68.º citado) ou mesmo num apelo à sua ratio legis se descortina que solução diferente deva ser adotada sempre que na queixa apresentada por alguém sejam denunciados simultaneamente dois crimes, sendo um deles de natureza particular, e que só por isso beneficiaria de prazo mais alargado».

Em suma, colocando-se a constituição como assistente no âmbito de processo com origem em queixa onde se denunciam factos suscetíveis de integrar crimes de natureza particular e semi-pública, o titular do interesse que constitui o objeto jurídico, imediato, do crime particular não “beneficia” dos prazos contemplados nas diferentes alíneas do n.º 3 do artigo 68.º, do CPP – os quais surgem incompatíveis com o condicionalismo inerente ao próprio andamento do crime particular -, tão pouco do prazo previsto no artigo 115.º do C. Penal, respeitante à extinção do direito de queixa, “hipótese” que não encontra sustentação na lei, sendo certo que da fundamentação do AFJ n.º 1/2011 resulta clara a natureza perentória do prazo reportado no n.º 2 do artigo 68.º do CPP, com a impossibilidade de o ofendido vir a retomar (renovar) a pretensão de constituição como assistente através da apresentação de nova queixa, cuja renovação lhe está vedada.

Não merece, pois, reparo a decisão recorrida, que, como decorre do AFJ n.º 1/2011, não viola os princípios e/ou normas convocadas, os quais, conforme acima referido, foram então objeto de “análise”, nada de novo, a esse propósito, aduzindo a ora recorrente, pois ao pretender retomá-los limita-se a “reproduzir” os argumentos expendidos – mas afastados – nos arestos “de sinal oposto”, no mesmo “elencados”, bem assim nas “declarações de voto”, sobre cujos fundamentos recaiu a “discussão”.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Fixa-se a taxa de justiça, a cargo da recorrente em 3 (três) UCs (artigo 8.º do RCP, com referência à tabela III).

Coimbra,  11 de Setembro de 2019  

[Texto processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Frederico Cebola (adjunto)