Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1104/10.7TXCBR-M.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TEP DE COIMBRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 6.º DO CP
Sumário: I - Se o recorrente não se mostrou capaz de, em liberdade, prosseguir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;

II - Se o arguido foi indiferente às obrigações que lhe foram impostas e pouco sensível aos efeitos do anterior período de reclusão;

III - Com o cometimento do novo crime em pleno período de concessão da liberdade condicional, decorrido que estava pouco tempo da concessão desta;

IV- Revela decididamente que o recorrente não estava em condições de cumprir as finalidades que estiveram na base da sua colocação em liberdade condicional, as quais não puderam, por meio desta, ser alcançadas, justificando-se a revogação da liberdade condicional.

Decisão Texto Integral:


            Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

1. Nos autos de processo nº 1104/107TXCBR-M, a correr termos no Tribunal de Execução das Penas de Coimbra foi, em 18.11.2016 – v. fls. 127 a 129 -, proferida decisão judicial na qual foi revogada ao ora recorrente, A... , melhor id. nos autos, a liberdade condicional concedida em 8.5.2014 – v. despacho de fls. 3 a 13.

2. Daquela decisão (de revogação da liberdade condicional) recorre o condenado A... , que formula as seguintes conclusões:


1.             Consta do Relatório da DGRS datado de 27/11/2014, que numa primeira fase o Recorrente “cumpriu as obrigações a que está sujeito no âmbito da Liberdade Condicional, mantendo até uma atitude proactiva no que à procura de emprego diz respeito”.


2. Quanto às consultas no CRI, o Recorrente inicialmente manifestou alguma relutância mas depois marcou uma consulta, tendo então “passado a comparecer no CRI”.


3. Solicitou o apoio do CRI ao nível da integração no programa da metadona e “acabou por se empenhar no cumprimento do referido programa, contando com o apoio da família”.


4. Quanto ao facto de ter alterado a sua residência sem comunicar previamente tal alteração ao Tribunal, justificou tal conduta com o facto de ter passado a residir num quarto, na mesma cidade, com uma nova companheira, mas que por não estar certo que a relação fosse duradoura optou por não comunicar imediatamente o novo circunstancialismo.


5. O Recorrente, pelos seus próprios meios, conseguiu um emprego e simultaneamente mantinha-se “empenhado no cumprimento do programa de metadona”, sendo que no decurso do período em que esteve sob liberdade condicional o Recorrente conseguiu sustentar-se, sentindo-se realizado profissional e socialmente.


6. Sempre justificou os atrasos e faltas às entrevistas com as suas obrigações profissionais, que muitas vezes colidiram com os horários daquelas.


7. Ademais, o Recorrente, no decurso da sua liberdade condicional concluiu um curso que lhe confere equivalência ao 12º ano do ensino secundário.


8. Pelo que, há toda uma prognose favorável que deveria ter sido feita pelo Tribunal a quo, mas que, salvo o devido respeito, não sucedeu.


9. É verdade que o Recorrente, no decurso da liberdade condicional, foi condenado por, alegadamente, ter praticado um crime de furto em 05.NOV/2014 (prática que o arguido sempre negou), sendo condenado em pena de 8 meses de prisão no âmbito do processo 585/14.4PBCTB, mas a alegada prática de tal crime teria ocorrido muito pouco tempo depois de o Recorrente ter sido libertado condicionalmente, numa altura em que o mesmo ainda se estava a adaptar à nova vida e em que eram muito presentes as solicitações.


10. A alegada prática de tal crime não põe em causa a reintegração do Recorrente na sociedade, tanto assim é que durante cerca de mais dois anos em que esteve em liberdade não praticou qualquer delito e estava social e profissionalmente integrado.


11. O juízo de prognose favorável tem que ser feito tendo em conta todo o tempo em que esteve sob liberdade condicional e não apenas no período inicial, em que, alegadamente, terá cometido o referido crime.


12. A alegada prática do crime em que foi condenado no âmbito do processo 585/14.4PBCTB não frustrou irremediavelmente as expectativas inerentes à concessão da liberdade condicional e que assentam na convicção de que o libertado está em condições de não voltar a delinquir.


13. O Recorrente no decurso da liberdade condicional fez o seu caminho, estava reintegrado socialmente, estudando, trabalhando e sustentando-se.


14. A revogação da liberdade condicional seria, neste momento da sua vida, completamente despropositada e traduzir-se-ia numa violência com graves consequências para o Recorrente, a todos os níveis, nomeadamente psicológicos.


15. Face a um incumprimento culposo das condições impostas na decisão que concedeu a liberdade condicional, o tribunal tem de ponderar se a revogação constitui a única forma de conseguir as finalidades da punição, ponderação que, entende o Recorrente, não foi feita – pelo menos adequadamente – pelo Tribunal a quo.


16. Constituindo a revogação da liberdade condicional e o consequente cumprimento da pena de prisão, a medida mais radical, esta opção só deve ser exercida quanto outra não conseguir tal fim.


17. A condenação pela alegada prática do crime supra referido, muito pouco tempo depois da sua libertação condicional, embora gravosa, não justifica a revogação da liberdade condicional, sob pena de em vez de se salvaguardar a ressocialização, contribuir definitivamente para o percurso delituoso do Recorrente.


18. O Recorrente é jovem e tem todas as condições e possibilidades para encontrar o seu caminho, reintegrando-se na sociedade e conduzindo a sua vida de modo socialmente responsável.


19. O seu encarceramento para cumprimento do remanescente da pena seria um grave retrocesso para a sua ressocialização.


20. A douta Decisão recorrida violou os artigos 64º nº 1, alíneas a) a c) do artº 55º e 56º nº 1, todos do Código Penal.

Nestes termos e nos que serão Doutamente supridos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, deve a Decisão recorrida ser substituída por outra que não revogue a liberdade condicional ao Recorrente e determine o arquivamento do processo.

Assim se fazendo a costumada e esperada JUSTIÇA!

            3. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese:
Sendo a liberdade condicional o resultado duma prognose de comportamento futuro conforme às normas jurídicas, no caso vertente pode-se afirmar que essa prognose se não verificou, pois o recorrente não estava ainda preparado para viver em sociedade, aceitando os seus valores,
Resulta, pois, que a douta sentença em recurso apreciou ponderadamente a matéria factual e aplicou acertadamente o direito, nenhuma censura merecendo.
Termos em que, com os do douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso

ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida com todas as legais consequências, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!

4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto colocou o seu visto legal.

5. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.

II

Questão a apreciar:

A verificação ou não dos pressupostos para revogação da liberdade condicional que havia sido concedida ao recorrente.

III

1. O despacho recorrido dá como assentes os seguintes factos que fundamentam a decisão recorrida:

            1 – O condenado cumpria no EP de Castelo Branco a pena única de 9 A e 6 M por cúmulo jurídico efectuado no proc. 2/05.0PBCTB, por crimes de furto simples e qualificado e a pena residual por revogação da liberdade condicional de 2 A, 5 M e 28 D do proc. 69/00.8PBCTB e por decisão de 08.05.2014, proferida no apenso de Liberdade Condicional n.º 1104/10.7TXCBR-C, foi concedida liberdade condicional ao condenado A... , a partir desse mesmo dia e até ao termo das penas a ocorrer em 21.03.2017.

            2 – Na decisão referida em 1. constavam expressamente os seguintes deveres impostos ao condenado:

            a) Fixar residência na Av. (...) , Castelo Branco, de onde não poderá ausentar-se por mais de oito dias sem autorização do tribunal;

            b) Manter boa conduta, sem praticar crimes e dedicar-se ao trabalho com regularidade, comprovando junto da DGRS a procura activa de emprego/colocação laboral/formação;

            c) Não consumir estupefacientes ou frequentar espaços ou acompanhar pessoas associadas ou conotadas com o consumou e/ou tráfico de estupefacientes;

            d) Manter acompanhamento junto do CRI;

            e) Aceitar a tutela da Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS), comparecendo às

entrevistas de acompanhamento e aderindo às orientações que lhe forem sugeridas, devendo apresentar-se, em 8 dias após libertação, aos respectivos técnicos da Equipa competente: - Beira Sul – sita na Rua (...) , Castelo Branco.

            3 – Da mesma decisão referida em 1., de cujo teor o condenado foi pessoal e expressamente notificado, constavam as seguintes advertências:

            A) A falta de cumprimento das condições e regras de conduta impostas, pode acarretar as consequências previstas nas alíneas a) a c) do artigo 55º, do CP;

            B) A liberdade condicional será revogada se, no seu decurso, o libertado condicionalmente:

            ba) Infringir, grosseira ou repetidamente, as condições impostas; ou

            bb) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que fundamentam a presente liberdade condicional não puderam ser alcançadas por essa via, o que determinará a execução da pena de prisão ainda não cumprida – artigo 64º, do CP.

            3 – O condenado recaiu no consumo de estupefacientes no 2º semestre do ano de 2014, deixando de se apresentar no serviço social competente para acompanhar a sua conduta, incumprindo os deveres que haviam condicionado a sua libertação antecipada.

            4 – O condenado alterou, em Outubro de 2014, a sua residência sem pedir autorização ao TEP e, tendo sido alertado pela DGRS para tal circunstância permaneceu sem pedir tal autorização, tendo voltado a alterar a sua residência em Outubro de 2015.

            5 – O condenado que, no segundo semestre de 2014 e até Fevereiro de 2015 deixou de comparecer no CRI, retomou nesse período o acompanhamento no CRI e fazendo programa de subutex de forma irregular, retomou o programa de metadona no segundo trimestre de 2015, sendo frequente faltar às tomas da medicação e às consultas de Psicologia nesse período.

            6 – O condenado faltou aos agendamentos da DGRS em Novembro de 2014, em Março e Abril de 2015 sem dar explicações, mostrando-se incontactável telefonicamente, havendo registos de comportamentos relacionados com os consumos no seu agregado familiar.

            7 - Em 5.11.2014 o condenado praticou novo crime de furto, sendo condenado em pena de 8 M de prisão no âmbito do proc. 585/14.4PBCTB, estando preso e em cumprimento de tal pena no EP de Castelo Branco desde 06.07.2016.

            2. Por sua vez, o tribunal a quo fundamenta a decisão de Direito, do seguinte modo:

            “O artigo 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, ex vi artigo 64º, n.º 1, do mesmo diploma

legal estabelece que (a liberdade condicional) “é revogada sempre que, no seu decurso, o

condenado:

            a) Infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta

impostos ou o plano de reinserção social; ou

            b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que

estavam na base da suspensão (leia-se, por força da remissão supra referida, “liberdade

condicional”) não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

            Da factualidade apurada resulta demonstrado que o condenado incumpriu as condições impostas na decisão de liberdade condicional pois que alterou por duas vezes a morada fixada em sede de decisão sem ter pedido autorização ao TEP ou, sequer, sem ter comunicado tal alteração. Além disso, voltou ao consumo de estupefacientes e incumpriu a obrigação de manter acompanhamento junto do CRI, pois que, por diversas vezes, faltou às consultas e à toma de medicação, comparecendo de forma irregular. Acresce que, também incumpriu a obrigação de aceitação da tutela da Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS) e de comparência às entrevistas de acompanhamento e adesão às orientações que lhe forem

sugeridas. Na verdade, durante um largo período temporal em que estes autos aguardaram que o condenado voltasse – em face de um primeiro incumprimento registado em Novembro de

2014 – a orientar a sua conduta no sentido do cumprimento das injunções preditas, verificou-se alguma adesão inicial mas com um posterior retrocesso, visível nos reiterados incumprimentos das várias injunções que lhe foram impostas.

            Por fim, o condenado praticou novo crime de furto, no decurso do período de liberdade condicional, tendo sido, na sequência disso, condenado numa pena de 8 meses de prisão, que cumpre actualmente.

            Note-se que a prisão anteriormente cumprida pelo condenado (no seio da qual foi concedida a liberdade condicional ora em apreço) já tinha como causa o cometimento de crime de furto e revogação de liberdade condicional anterior. Estes factos, associados ao reiterado incumprimento das várias injunções fixadas em sede de decisão de concessão de liberdade condicional vêm demonstrar que o condenado não logra cumprir quaisquer regras que lhe sejam fixadas, prosseguiu com os consumos de estupefacientes – consabidamente ligados à prática de crimes patrimoniais como sejam os crimes de furto – e prosseguiu com um comportamento criminoso demonstrando uma incapacidade (ou falta de vontade) em alterar o seu padrão de comportamento delitual e a passar a dar um rumo responsável e normativo à sua vida.

            Com o seu comportamento o condenado não só impossibilitou, de modo ostensivo e grave, o prosseguimento do seu processo de reinserção social, em liberdade condicional, como ainda e acima de tudo, demonstrou que as finalidades que este instituto visou não puderam ser alcançadas.

            Assim, impõe-se considerar incumprido o regime da liberdade condicional que havia sido concedida.


*

            3 – DECISÃO

            Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, decide-se julgar verificado o incumprimento da execução da liberdade condicional pelo condenado A... e consequentemente determinar o cumprimento do remanescente da pena de

Prisão”.

              IV

            Apreciando a questão: a verificação ou não dos pressupostos para revogação da liberdade condicional que havia sido concedida ao recorrente.

            1. Esta é a questão de fundo que merece ser ponderada no sentido de aquilatar a bondade do decidido pelo tribunal a quo.

            E o que resulta do processo é que o recorrente cumpria a pena única inicial de 9 A e 6 M por cúmulo jurídico efectuado no proc. 2/05.0PBCTB, pela prática de crimes de furto simples e qualificado e a pena residual por revogação da liberdade condicional de 2 A, 5 M e 28 D do proc. 69/00.8PBCTB

            Por decisão de 08.05.2014, proferida no apenso de Liberdade Condicional n.º 1104/10.7TXCBR-C, foi concedida nova liberdade condicional ao condenado A... a partir desse mesmo dia e até ao termo das penas a ocorrer em 21.03.2017.

            2. Na decisão de 08.05.2014, que concedeu a Liberdade Condicional ao recorrente, são-lhe impostas várias obrigações, conforme resulta dos factos dados por assentes e supra referidos.

            Todavia, colocado em liberdade, o arguido incumpriu praticamente todas essas obrigações mais que uma vez, conforme resulta igualmente dos factos dados por assentes.

            Assim:

            - O recorrente recaiu no consumo de estupefacientes no 2º semestre do ano de 2014.

            - Deixou de se apresentar no serviço social competente para acompanhar a sua conduta, incumprindo os deveres que haviam condicionado a sua libertação antecipada.

            - O recorrente alterou, em Outubro de 2014, a sua residência sem pedir autorização ao TEP e, tendo sido alertado pela DGRS para tal circunstância permaneceu sem pedir tal autorização, tendo voltado a alterar a sua residência em Outubro de 2015.

            - O recorrente que, no segundo semestre de 2014 e até Fevereiro de 2015 deixou de comparecer no CRI, retomou nesse período o acompanhamento no CRI e fazendo programa de subutex de forma irregular, retomou o programa de metadona no segundo trimestre de 2015, sendo frequente faltar às tomas da medicação e às consultas de Psicologia nesse período.

            - O recorrente faltou aos agendamentos da DGRS em Novembro de 2014, em Março e Abril de 2015 sem dar explicações, mostrando-se incontactável telefonicamente, havendo registos de comportamentos relacionados com os consumos no seu agregado familiar.

            3. O recorrente já anteriormente tinha beneficiado de uma liberdade condicional que lhe veio a ser revogada. E foi-lhe de novo concedida a liberdade condicional em 08.05.2014.

            Nesta apreciação da situação do condenado, foi feito uma aposta no recorrente, foi feito um juízo de prognose favorável pelo julgador com vista à sua reinserção.

            Decididamente, com esta nova concessão da liberdade condicional ao recorrente, pretendeu-se “servir o objectivo de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, ‘durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”[1].

            Confiou o julgador a quo no compromisso do recorrente que, por certo, para seu próprio bem e bem da comunidade, saberia honrar.

            “Obviamente nunca se poderá ter a certeza de que, uma vez em liberdade, o recorrente não voltará a delinquir.

            Mas uma fundamentada esperança de que assim virá a acontecer justificará o risco que necessariamente sempre se corre quando se entra num pacto de adesão: cumprirei a minha parte, acreditando e/ou na convicção de que tu cumprirás a tua!          Esperança fundamentada na justa medida em que se poderá ter por certo que o tempo que leva sofrido com a privação da liberdade lhe constituirá motivo dissuasor bastante para não voltar a prevaricar”[2].

            Até porque

            “se bem se interpreta, da filosofia subjacente ao citado texto[3] emerge a ideia de que a liberdade condicional será de considerar não um benefício mas, antes, um verdadeiro direito subjectivo do recluso.
            Não é um benefício penitenciário nem supõe um encurtamento da prisão.

Significa apenas uma forma substitutiva da execução.          Um direito subjectivo do recluso enquanto sujeito de direitos, sujeito da execução.

            Sujeito da execução que, segundo o desiderato do legislador deixado expresso, deve ser interveniente e tomar parte no plano da própria reinserção social” – ac. de 08.09.2010, da Relação do Porto, proc. nº 10140/00.0TXPRT-C.P1.

            Acontece que, colocado em liberdade, embora condicional, na aposta de que o recorrente cumpriria a sua parte na sua própria reinserção social, tendo-lhe para o efeito sido impostas todas as obrigações já referenciadas, o recorrente simplesmente incumpriu injustificadamente e com alguma reiteração, frustrando de todo o objetivo pretendido.

            Mas se estes incumprimentos não bastassem, já em liberdade há alguns meses, (desde 08.05.2014), em 5.11.2014 o recorrente praticou novo crime de furto, sendo condenado em pena de 8 meses de prisão no âmbito do proc. 585/14.4PBCTB, estando preso e em cumprimento de tal pena no EP de Castelo Branco desde 06.07.2016.

            Sobre a prática deste crime e sobre os incumprimentos, diz o recorrente:

            - A alegada prática de tal crime (prática que o arguido sempre negou), não põe em causa a reintegração do Recorrente na sociedade, tanto assim é que durante cerca de mais dois anos em que esteve em liberdade não praticou qualquer delito e estava social e profissionalmente integrado.

            - A alegada prática do crime em que foi condenado no âmbito do processo 585/14.4PBCTB não frustrou irremediavelmente as expectativas inerentes à concessão da liberdade condicional e que assentam na convicção de que o libertado está em condições de não voltar a delinquir.

            - O Recorrente no decurso da liberdade condicional fez o seu caminho, estava reintegrado socialmente, estudando, trabalhando e sustentando-se.

            Esta visão do recorrente sobre a sua conduta enquanto em liberdade condicional, apenas confirma o acerto da revogação dessa mesma liberdade condicional.

            Na verdade, o recorrente fez tábua rasa de todos os deveres que sobre si recaíam com vista à sua reinserção. E tudo o que fez foi uma não reinserção. Os factos são por si eloquentes.

            Pratica um novo crime, está a cumprir pena de prisão por este novo crime e, alheio a esta situação, entende que é merecedor da confiança do tribunal que o colocou em liberdade condicional. Olvida o recorrente que, para além do Juízo do Tribunal recorrido, já outro tribunal afastou qualquer juízo de prognose favorável no sentido de o mesmo se reinserir sem ser através do cumprimento da pena.

            Pelo que é de aceitar a fundamentação do Tribunal recorrido, quando afirma:

            “Note-se que a prisão anteriormente cumprida pelo condenado (no seio da qual foi concedida a liberdade condicional ora em apreço) já tinha como causa o cometimento de crime de furto e revogação de liberdade condicional anterior. Estes factos, associados ao reiterado incumprimento das várias injunções fixadas em sede de decisão de concessão de liberdade condicional vêm demonstrar que o condenado não logra cumprir quaisquer regras que lhe sejam fixadas, prosseguiu com os consumos de estupefacientes – consabidamente ligados à prática de crimes patrimoniais como sejam os crimes de furto – e prosseguiu com um comportamento criminoso demonstrando uma incapacidade (ou falta de vontade) em alterar o seu padrão de comportamento delitual e a passar a dar um rumo responsável e normativo à sua vida”.

            Como observa Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, p. 355, § 542, “o cometimento de um crime durante o período da suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe”.

            Neste sentido se pronuncia o ac. da Relação de Coimbra de 01-02-2012, proferido no proc. nº 1574/10.3TXCBR-C.C1:

            “Tendo o arguido praticado um novo crime doloso precisamente durante o período de liberdade condicional - crime de roubo, com violência física contra as pessoas, pelo qual foi condenado em pena de prisão, é manifesto que a concessão da liberdade condicional não cumpriu a finalidade primacial, devendo por essa razão ser-lhe revogada”.

            E merece referência ainda o afirmado pelo recorrido Ministério Público na sua resposta ao recurso do recorrente que de um modo também direto e objetivo, subsume a conduta deste ao seguinte:

            “Poderia discutir-se se esses incumprimentos seriam capazes de infirmar a sua ressocialização. Isto é, o incumprimento das obrigações de fixação de residência, a falta de correcta aceitação da tutela do serviço social, as ausências às consultas do CRI, poderiam discutir-se.

            Até mesmo o facto de ter recaído no consumo de droga poderia, eventualmente, ser contextualizado em termos de não comprometer inexoravelmente uma ressocialização.

            Porém, a prática de um crime da mesma natureza que os que tinham determinado a anterior prisão não se vê como possa deixar de ser havida como a prova total do fracasso da ressocialização.

            O recorrente, aliás, está a cumprir pena, tendo sido já interrompido o seu processo de ressocialização em liberdade condicional.

            A sua ressocialização está agora a ser feita através do cumprimento de pena de prisão. É, pois, no âmbito de tal medida que tem de ser apreciada a sua evolução, sendo uma mera ficção manter em liberdade condicional quem, em virtude de sentença posterior foi considerado dever cumprir pena de prisão.

            Ou seja, o juízo condenatório que lhe aplicou uma pena de prisão efectiva, não a suspendendo, considerou que a ressocialização do recorrente apenas poderia ser obtida através da prisão.

            Obviamente isso significa a falência da libertação condicional no decurso da qual não só foi praticado o crime, como houve ainda o incumprimento ou, pelo menos, o cumprimento muito deficiente de todas as outras obrigações.

            Sendo a liberdade condicional o resultado duma prognose de comportamento futuro conforme às normas jurídicas, no caso vertente pode-se afirmar que essa prognose se não verificou, pois o recorrente não estava ainda preparado para viver em sociedade, aceitando os seus valores”.

            Perspetiva analítica que merece a nossa concordância:

            Concluindo:

            O recorrente não se mostrou capaz de, em liberdade, prosseguir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes – cf. o artigo 61.º, n.º 2, al. a), in fine, do Código Penal.

            O arguido foi indiferente às obrigações que lhe foram impostas e pouco sensível aos efeitos do anterior período de reclusão.

            Trata-se de uma segunda concessão da liberdade condicional, faculdade que o condenado não soube aproveitar para finalmente se reinserir.

            De onde se infere ainda que, o cometimento do novo crime em pleno período de concessão da liberdade condicional, decorrido que estava pouco tempo da concessão desta, revela decididamente que o recorrente não estava em condições de cumprir as finalidades que estiveram na base da sua colocação em liberdade condicional não puderam, por meio desta, ser alcançadas.

            Justifica-se, conforme decidido, a revogação da liberdade condicional.      

V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso do recorrente A... e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea j), do RCJ.

Coimbra, 16 de Fevereiro de 2017

(Luís Teixeira – relator)

(Vasques Osório – adjunto)


[1] V. ac. do Tribunal da Relação do Porto de 8.9.2010, proferido no proc. nº 10140/00.0TXPRT-C.P1.
[2] Citado ac. do TRP de 8.9.2010.
[3] Texto da Introdução ao DL nº400/82 de 23 de Setembro:
                Item 9: «É no quadro desta
política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
                Com tal medida -
. espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade.
………………………

Por outro lado, a
imposição de certas obrigações na concessão da liberdade (artigo 62º, com referência ao artigo 55º) atenuarão, certamente, a influência de vários «componentes exteriores da perigosidade», com o que melhor se garantirá o sucesso de uma libertação definitiva.»
                Item 13: «A realização dos ideais de humanidade, bem como de reinserção social assinalados, passam, hoje, indiscutivelmente, pela assunção do recluso como sujeito de direitos ou sujeito da execução, que o princípio do respeito pela sua dignidade humana aponta de forma imediata.
                A própria ideia de reeducação não se compadece com a existência de duros e degradantes regimes prisionais ou aplicação de castigos corporais, pressupondo antes a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, enquanto por esse modo se fomenta o sentido de responsabilidade do recluso, base imprescindível de um pensamento ressocializador.
                Assinala-se, portanto, um decisivo movimento de respeito pela pessoa do recluso que, reconhecendo a sua autonomia e dimensão como ser humano, assaca à sua participação na execução um relevantíssimo papel na obra de reinserção social, em que não só a sociedade como também o recluso são os primeiros interessados»