Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/13.4GELSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL (3.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69.º E 292.º, N.º 1, DO CP
Sumário: A sanção acessória prevista no artigo 69.º do CP, de modo nenhum reclama ou exige que o condenado esteja, à data da prática de um dos crimes previstos naquele normativo, habilitado a conduzir veículos motorizados.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1. No 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, no âmbito do processo sumário n.º 12/13.4GELSB, foi julgado o arguido A..., melhor identificado nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Na sentença, o tribunal proferiu decisão nos seguintes termos:

«Em face de tudo o exposto:

- Absolvo o arguido da pena acessória de inibição de conduzir que lhe vinha imputada nos termos do artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal.

- Condeno o arguido A... como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à mesma taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

- Condeno o arguido como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

- Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, condeno o arguido na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).»

2. O Ministério Público veio apresentar recurso, por entender que deveria ter sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal.

Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:

1. No caso em apreço, uma vez que o arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, deveria ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, n.º 1, do mesmo Código.

2. De facto, resulta do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, não fazendo a lei depender tal condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.

3. Para além disso, a imposição desta pena acessória justifica-se, também, pela necessidade de evitar um tratamento desigual dos condutores que conduzam em estado de embriaguez e a concessão de um injustificado privilégio a quem praticou um comportamento mais grave (por conduzir em estado de embriaguez e sem título de condução).

4. Por, apenas assim, se respeitar o princípio constitucional da igualdade, estabelecido no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, inequivocamente obstativo da diferenciação jurídico-sancionatória.

5. Ademais, o próprio legislador claramente assume, nos dispositivos normativos ínsitos nos artigos 126.º, n.º 1, alínea d), do Código da Estrada, e 4.º, n.ºs 1, al. e) e 4, al. f), do D.L. n.º 98/2006, de 06/06, a possibilidade de condenação de condutores não habilitados a tal pena acessória.

6. Trata-se, pois, de uma ilegalidade da enunciada vertente decisória – omissão de imposição de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados ao arguido.

7. Com o devido respeito por diversa opinião, afigura-se-nos como incontornável e obrigatoriedade de cominação de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados a qualquer (judicialmente) reconhecido agente dalgum dos crimes enunciados sob as diversas alíneas do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, designadamente – no que ora importa – do de condução de veículo em estado de embriaguez (p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 2, do Código Penal), encontre-se ou não legalmente habilitado à respectiva tripulação.

8. Efectuando a pertinente ponderação da utilidade do adquirido quadro-fáctico, considerando a amplitude da respectiva moldura – de 3 meses a 3 anos –, sopesando o já significativo valor da taxa de alcoolemia registada, de 1,95 g/l/ 1,61 g/l – representativa de embriaguez nítida (em sentido técnico) –, já adequada à produção de perturbação da marcha e de diplopia, e, consequentemente, do exponencialmente acentuado agravamento do risco de acidente, crê-se como adequado impor-lhe a proibição de condução de veículos motorizados por período não inferior a 6 meses.

9. Violou, assim, a Sentença recorrida os artigos 292.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Termina sustentando que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 6 (seis) meses.

3.1. O arguido, notificado, não respondeu.

3.2. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, acompanha a motivação do recurso em 1.ª instância, emitindo parecer no sentido da procedência do interposto recurso.

Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar e decidir.

4. Face ao disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e às conclusões da motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público, importa apreciar a seguinte questão:

Saber se o tribunal recorrido devia ter condenado o arguido na pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pese embora o facto do arguido não estar legalmente habilitado a conduzir veículos a motor.

II)

Fundamentação

1. Com interesse para a matéria que aqui se discute, importa considerar os seguintes factos que resultam dos autos:

1.1. O arguido, A..., foi sujeito a julgamento, em processo sumário, sendo-lhe imputada a prática dos factos descritos no auto de notícia de fls. 3 e 4 e na acusação de fls. 14 a 16 e, por isso, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º, n.º 1, e 292.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

1.2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida a sentença recorrida.

Com interesse, julgaram-se aí provados os seguintes factos (transcrição da matéria de facto provada, a partir do registo da gravação em sistema digital da sentença oral proferida em audiência de julgamento, no registo iniciado às 12:04:14, sensivelmente entre 00m:57s e 04m:12s do respectivo registo):
1 – No dia 12 de Janeiro de 2013, pelas 17h27, na EN1, ao quilómetro 154,1, Venda da Cruz, na área da comarca de Pombal, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula JP..., sem para tal ser titular de título que permitisse habilitá-lo a estar a conduzir aquele veículo.
2 – O arguido, ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool através do ar expirado quando conduzia o veículo referido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,95 e que, ao requerer exame de contra-prova através de novo exame no ar expirado apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,61 g/l.
3 – O arguido conduzia o ligeiro de passageiros com a matrícula JP... sem que fosse titular de carta de condução.
4 – Actuou de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de conduzir aquele ligeiro de passageiros na via pública sem causa justificativa, não obstante saber que era imprescindível e necessário ser titular de carta de condução válida, que não possuía.
5 – Ademais, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas, antes da condução, que potenciaram aquela taxa de álcool no sangue.
6 – Não obstante e apesar de se ter percebido do estado de alcoolemia em que se encontrava, decidiu circular naq1uela estrada pública ao volante da aludida viatura.
7 – Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
8 – O arguido confessou de forma integral, livre e sem reservas os factos que lhe são imputados.
9 – O arguido mostrou arrependimento.
10 – Encontra-se desempregado, desde Setembro de 2012, sendo que no decurso do ano de 2012 trabalhou durante o período de cinco meses na Suíça e em funções relacionadas com a restauração.
11 – O arguido vive com os pais, em casa própria destes, sendo que a sua mãe é empregada agrícola e o seu pai exerce a actividade profissional de madeireiro.
12 – O arguido não recebe qualquer pensão ou subsídio de carácter social.
13 – Encontra-se inscrito em Centro de Emprego desde Outubro de 2012.
14 – O arguido não tem veículo automóvel.
15 – Quem providencia pelo seu sustento são os seus pais
16 – O arguido já esteve inscrito por uma única vez em escola de condução, altura em que recebeu a proposta para trabalhar na Suíça no ano transacto.
17 – No certificado de registo criminal do arguido consta averbada uma condenação transitada em julgado em 10 1 2012 relativamente a factos de 13 de Maio de 2011, tendo sido condenado na pena única de cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de € 6,00 no total de € 900,00, pela prática, em concurso real, de um crime de condução sem habilitação legal e de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo que a multa já se mostra extinta, em virtude do pagamento, com data de extinção em 19/10/2012.

1.3. Na sentença, em sede de fundamentação e relativamente à pena acessória, consigna-se o seguinte (transcrição parcial da fundamentação de direito, a partir do mesmo registo da gravação, sensivelmente entre 07m:37s e 08m:02s do respectivo registo):
«(…) Relativamente à pena acessória de inibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na esteira do que vem sendo defendido pela jurisprudência, o tribunal entende que, não dispondo o arguido de qualquer título de condução que o habilite a conduzir, não será possível a aplicação desta pena acessória de inibição de conduzir, pelo que absolverá necessariamente o arguido desta pena acessória que lhe é imputada (…).»

2. Enquadramento legal.

Não há razão para divergir do entendimento expendido no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 10 de Dezembro de 2009, no âmbito do processo 83/09.8GBLGS.E1, tendo de comum com o presente acórdão o respectivo relator. Assim, reitera-se nos pontos subsequentes o que então se afirmou.

«2.1. A condução sob influência do álcool é criminalmente punida nos termos do artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, estabelecendo esta norma que, quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até cento e vinte dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

A lei admite a aplicação de penas acessórias. Neste âmbito e na parte que aqui interessa, o artigo 69.º do Código Penal, na sua redacção actual e vigente à data dos factos a que se reportam os presentes autos, estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 292.º (artigo 69.º, n.º 1), produzindo a proibição efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e podendo abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria (artigo 69.º, n.º 2). Cessa tal disposição quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação da cessação ou da interdição da concessão do título de condução, nos termos dos artigos 101.º e 102.º (artigo 69.º, n.º 7).

O artigo 101.º estabelece que em caso de condenação por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado, ou com grosseira violação dos deveres que a um condutor incumbem, ou de absolvição só por falta de imputabilidade, o tribunal decreta a cassação do título de condução quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente, houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie ou dever ser considerado inapto para a condução de veículo com motor (artigo 101.º, n.º 1). Mas, se o agente relativamente ao qual se verificarem os referidos pressupostos não for titular de título de condução, o tribunal limita-se a decretar a interdição de concessão de título, sendo a sentença comunicada à Direcção-Geral de Viação (artigo 101.º, n.º 4).

2.2. Se é pacífico que, com a entrada em vigor do Código Penal de 1995, a condução de um veículo em estado de embriaguês é punível não apenas com a pena cominada no artigo 292.º daquele diploma como também da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, tem-se discutido, nomeadamente em sede jurisprudencial, a aplicação desta pena acessória no caso de condutor que, conduzindo veículo em estado de embriaguez, não é titular de carta de condução.

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12 de Março de 2003 (processo 03P505, disponível em www.dgsi.pt/) e expressando o entendimento preponderante, concluiu em sentido afirmativo, salientando que do próprio preceito em si (artigo 69.º do Código Penal, na redacção então vigente) não resulta de modo nenhum, nem expressa nem sequer implicitamente, que a sanção aí prevenida só possa ser aplicada a quem já possua carta de condução ou documento que o habilite a conduzir veículos motorizados. Bem pelo contrário, como aliás se alcança do próprio teor do seu n.º 3 ("... condenado que for titular de licença de condução...", o que faz pressupor contemplar também quem o não seja), e do que de todo em todo resulta do seu n.º 5 (não se aplica a inibição quando houver lugar a "interdição da concessão de licença", o que pressupõe a possibilidade de existência de falta de habilitação para conduzir), perfila-se como de todo em todo incontornável e inquestionável que a proibição de conduzir veículos motorizados, prevista e consagrada no artigo 69.º do Código Penal, de modo nenhum reclama ou exige que o condenado seja já possuidor de carta de condução ou esteja já habilitado a conduzir tais veículos. Aliás a própria lei é clara e inequívoca ao indexar apenas a condenação à prática dos crimes referenciados nas alíneas a) e b) do n.º 1, e no condicionalismo aí consignado, o que surge como natural e adequada resposta a todo um pensar e querer legislativos em termos de acautelamento e de prevenção da perigosidade revelada pelo agente naqueles casos concretos, o que não deixa de se configurar de significativa relevância mesmo no plano da prevenção geral.

Esta decisão reporta-se à redacção inicial do artigo 69.º, n.º 3, do Código Penal, nos termos da qual “a proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica, para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela”.

Esta norma foi alterada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho – que estabeleceu a sua actual redacção (“No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”).

Esta alteração sustentou o entendimento de que, em face da actual redacção do artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados apenas é aplicável a quem está habilitado a conduzir.

Este entendimento é defendido, entre outros, no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, proferido em 3 de Fevereiro de 2004, no âmbito do processo n.º 2294/03-1, disponível na base de dados antes mencionada. 

Aí se dá conta de que “a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos “com motor de qualquer categoria” ao agente que seja condenado pela prática de qualquer dos crimes previstos no art.º 69º, n.º 1, al.ªs a) a c) do CP, quando o agente não seja titular de carta de condução, oferece algumas dúvidas, principalmente depois da alteração introduzida ao art.º 69º, n.º 3 do CP pela Lei 77/2001, de 13.07. De facto, enquanto na anterior redacção se estabelecia que a proibição implicava, “para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar...” – o que pressupõe que podia o condenado não ser titular de licença de condução – na actual redacção estabelece que “o condenado entrega na secretaria do tribunal... o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”, o que parece levar a concluir que só será condenado em tal sanção acessória quem for titular de título de condução.

(…) Reconhecemos que a questão não é pacífica, como nos dá conta o acórdão da RC de 28.05.2002, in Col. Jur., Ano XXVII, t. 3, 45, onde se decidiu que “o crime de condução em estado de embriaguez do art.º 292º do CP é punido com a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, mesmo que o condenado não seja titular da necessária habilitação legal para conduzir”, defendendo que se mantêm válidos os argumentos a favor da utilidade prática da aplicação de tal sanção que eram utilizados na vigência do art.º 69º do CP, redacção anterior à Lei 77/2001.

(…) Em favor desta posição apontam-se:

- O comentário, a propósito, de Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, 1995, 541: “Na Comissão Revisora a consagração da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados... foi referida como correspondendo a uma necessidade de política criminal. A sua necessidade, mesmo para os não titulares de licença de condução, foi justificada para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição, tendo-se procurado abranger essa hipótese com a redacção dada ao n.º 3.

(...) mesmo no caso da falta de licença, a sanção não será inútil, já que ficará fazendo parte do cadastro do condenado, poderá, se vier a habilitar-se no prazo, ser aplicável efectivamente e é-o sempre também em relação aos veículos cuja condução exija aquela licença”;

- O facto da inibição abranger qualquer veículo motorizado (e não apenas os veículos automóveis), sendo que o agente pode não estar habilitado para conduzir determinada categoria de veículos e estar habilitado para conduzir outra ou outras categorias;

- A redacção do art.º 126º do Código da Estrada, onde se estabelece – como requisito para a obtenção de título de condução – que o candidato não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir, o que permite concluir que a inibição a quem não possui licença é uma inibição à posterior obtenção de licença”.

No acórdão a que se vem fazendo referência afirma-se a perda de actualidade destes argumentos, face às alterações introduzidas pela Lei 77/2001: “Por um lado, temos que presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º, n.º 3 do Código Civil) e que a interpretação da lei deve ter em conta as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (mesmo artigo, n.º 1).

Por outro lado, e face a isso, o legislador – quando alterou o art.º 69º, n.º 3 do CP – não podia deixar de saber da polémica jurisprudencial que então existia quanto à aplicação (ou não) da sanção acessória da proibição de conduzir ao condenado, por qualquer dos crimes previstos no art.º 69º do CP, que não fosse titular de licença de condução; não obstante, e sabendo que um dos argumentos relevantes para concluir pela aplicação de tal sanção era a redacção que tinha o art.º 69º, n.º 3 do CP (onde se admitia a possibilidade de o condenado não ser titular de licença de condução), não deixou de alterar tal disposição, retirando tal argumento e deixando claro que o condenado “entrega... o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”, o que afasta a ideia da aplicação da sanção acessória ao agente que não esteja habilitado com “título de condução”.

Por outro lado, não pode esquecer-se que licença de condução (expressão utilizada no n.º 3 do art.º 69º do CP, redacção anterior) não se identifica com “título de condução” – expressão utilizada na actual redacção do art.º 69º, n.º 3 do CP – pois o título de condução pode ser carta de condução, licença de condução ou outros títulos de habilitação a conduzir veículos a motor, como se vê dos art.ºs 122º a 125º do Código da Estrada; o uso de tal expressão não pode deixar de ser entendida, assim, como referindo-se ao título de condução que habilita o agente a conduzir o veículo com o qual cometeu o crime pelo qual foi condenado, pois é essa perigosidade do agente que se pretende evitar, sendo que bem pode acontecer que o mesmo esteja habilitado com outros títulos – significa isto, em suma, que a obrigação de entregar o título de condução (determinado) supõe a habilitação do condenado com um título de condução e que o mesmo não esteja apreendido, o que também resulta do facto do legislador, com a alteração que introduziu no art.º 69º, n.º 1, al.ª a) do CP pela Lei 77/2001, deixar de sancionar com a proibição de conduzir o crime de condução sem habilitação legal, o que hoje parece pacífico, pelo menos na Secção Criminal desta Relação.

Por outro lado, os argumentos da Comissão Revisora acima sintetizados parecem afastados pela nova redacção dada ao art.º 69º, n.º 3 do CP, argumentos a que o legislador, ao efectuar tal alteração, não podia ser alheio, sendo certo que não vemos aqui qualquer desigualdade, porque são distintas as situações.

Por outro lado, ainda, o disposto no art.º 126º do CE, que se mantém em vigor, não afasta este entendimento, designadamente se tivermos em conta que aí se prevêem os requisitos para obtenção de título de condução e bem pode acontecer que o agente (habilitado com determinado título de condução) esteja inibido ou proibido de conduzir e pretenda obter outro título, para outra categoria de veículo, diferente daquele, tendo então justificação a proibição prevista no art.º 126º do CE”.

Contudo, mesmo no âmbito da actual legislação prevalece o entendimento contrário. A este propósito e a título exemplificativo, salienta-se o acórdão também da Relação de Évora, proferido em 26 de Maio de 2009, no âmbito do processo n.º 141/07.3GBASL.E1, igualmente disponível na base de dados www.dgsi.pt/.

Aí se dá conta de que “a jurisprudência mais recente, que está publicada, continua maioritariamente a defender a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir a quem não possua habilitação legal e cometa os crimes prevenidos nos art. 291.º e 292.º do CPP.

Vejam-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.09.2007, in Rec.4743/2007 – 3.ª secção, de 26.07.2007, in Rec. 5103/2007 – 3.ª Secção, de 24.01.2007, in Rec.7836/2006, 3.ª secção, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2002, in C.J. ano XXVII, tomo 3.º, pág.45, de 24.05.2006, in Rec. 919/06 e de 10.12.2008, in Rec.17/07.4PANZR, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação do Porto de 09.07.2008, in Rec. 12897/08, de 01.04.2009, in rec. 963/08.8PAPVZ, publicados in www.dgsi.pt/jtrp.

Os argumentos aduzidos no sentido da condenação do infractor não habilitado que pratique crime de condução de veículo em estado de embriaguez são, no essencial, os seguintes:

- Seria “um contra-senso que o condutor não habilitado legalmente a conduzir, podendo vir a obter licença ou carta de condução logo pouco depois da sentença condenatória, não se visse inibido de conduzir, quando o já habilitado fica sujeito a tal sanção” – Ac. do Trib. da Relação de Lisboa, de 19/09/95, Col. Jur. Ano XX, 1995, Tomo IV, pág. 147.

- Após a publicação da Lei n.º 77/2001, o Código da Estrada foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28-09, tendo este diploma mantido como um dos requisitos para a obtenção do título de condução a circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir decisão que tenha imposto a proibição de conduzir [cf. art. 126.º n.º1, alin. d) do C.E.]. A manutenção deste requisito para a obtenção da carta de condução pressupõe que a proibição de conduzir possa [deva] ser aplicada a quem não for dela titular.

- No mesmo sentido aponta o facto de o conteúdo material da sanção em causa ser o da imposição de uma proibição de conduzir e não o da previsão de uma suspensão dos direitos conferidos pela titularidade da carta de condução.

- A aplicação da proibição de conduzir visa não só assegurar de uma forma reforçada a tutela dos bens jurídicos como também evitar que o agente de tal crime volte a praticar factos semelhantes.

- Acresce, ainda, o facto de o art. 353.º do Código Penal criminalizar a violação de proibições impostas por sentença criminal a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade.

Da violação dessa proibição pode resultar para o agente, ainda que não seja titular de carta de condução, a responsabilização pela prática, em concurso efectivo, de um crime do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, e de um crime do referido art. 353.º, pois que este tipo legal visa tutelar a autoridade pública e não a segurança das comunicações.

- A não aplicação da pena acessória num caso como este traduzir-se-ia num privilégio injustificado para quem teve um comportamento globalmente mais grave do que a [simples] condução em estado de embriaguez (cf., entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 12-09-2007, acima mencionado).

Na doutrina, Germano Marques da Silva (in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32 e nota 54) também entende que «a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha licença» e acrescenta ainda que «diferentemente quando for aplicada a medida de segurança de cassação e o agente não seja titular de licença, caso em que ao agente não pode ser concedida licença durante o período de interdição», dado que «a proibição de conduzir veículo motorizado não pressupõe habilitação legal».

O art. 10.º do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que veio alterar o Código da Estrada, prevê no seu art. 10.º que a Direcção-Geral de Viação deve assegurar a existência de registos nacionais de condutores, de infractores e de matrículas, organizados em sistema informático, nos termos fixados em diploma próprio, com o conteúdo previsto nos art. 144.º e 149.º do Código da Estrada no que se refere ao registo dos condutores.

Para dar cumprimento ao referido normativo foi publicado e já está em vigor o DL n.º 98/2006, de 6 de Junho, que regula o registo de infracções de não condutores (infractores não habilitados). Neste diploma, o legislador, no art. 4.º, enumera vários elementos que deverão constar no registo de infracções do não condutor (RIO) e um dos elementos é a pena acessória aplicada pelo tribunal relativa a crimes praticados no exercício da condução.

Parece-nos, face ao conjunto de argumentos aduzidos e considerando, nomeadamente a criação do registo de infracções de não condutores, que o legislador, com as alterações operadas ao art. 69.º do Código Penal, não quis excluir da condenação na pena acessória de proibição de conduzir os infractores não habilitados com carta de condução que cometam os crimes mencionados nas diversas alíneas do n.º 1 daquele preceito, não obstante os sinais contraditórios espelhados nalgumas normas postas em destaque”.

Perfilha-se este entendimento.

Para a sua sustentação aponta-se também o confronto do artigo 69.º, n.º 1 e n.º 7, com o artigo 101.º, n.º 4, do Código Penal, cujo teor anteriormente se deixou enunciado. A conjugação destas normas evidencia que, ao estabelecer a pena acessória, o artigo 69.º, na sua redacção actual, prevê a condenação nessa pena mesmo em relação ao condutor não habilitado e a sua exclusão quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a interdição da concessão do título de condução, na certeza de que esta interdição pressupõe que o agente não é titular de título de condução.

Considerando os elementos apontados e contrariando o entendimento expendido pelo arguido, não se afigura que estejamos perante uma argumentação meramente literal e sem sustentação, sendo antes a interpretação correcta do quadro legal que se deixou enunciado.»

3. No caso dos autos, como se viu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel na via pública sem para tal estar habilitada, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º do Código Penal.

Em sede de sentença condenatória e pelas razões anteriormente expendidas, não foi o arguido sujeito à pena acessória prevista no artigo 69.º, quanto ao segundo dos crimes, quando é certo que o deveria ter sido, dado que não se acolhem as razões afirmadas na sentença recorrida.

Em consequência, esta não pode manter-se.

Importa então determinar a medida da pena acessória de proibição de conduzir, tendo em conta que a mesma obedece aos critérios definidos no artigo 71.º do Código Penal.

Ponderam-se para o efeito os factos provados e que se deixaram consignados em sede própria, salientando-se uma actuação do arguido com dolo directo e a expressiva taxa de álcool no sangue, com reflexos no grau de ilicitude; consideram-se as prementes exigências de prevenção geral e, no âmbito da prevenção especial, a existência de antecedentes, consubstanciados em anterior condenação, cerca de um ano antes dos factos a que se reportam os presentes autos, por crime idêntico.

Da ponderação de todos estes elementos, considera-se ajustado fixar a proibição de conduzir nos seis meses propostos pelo recorrente.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em conformidade, decidem:

1.1. Revogar a sentença recorrida na parte em que não condenou (absolveu) o arguido na pena acessória de proibição de conduzir pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, mantendo-a quanto ao remanescente.

1.2. Condenar o arguido, enquanto autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses.

2. Sem custas.

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(Joaquim Correia Pinto -Relator)

(Fernanda Ventura)