Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2811/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA DOS BENS
MODALIDADE
NOTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 886º, 886º-A E 889º DO CPC
Sumário: I – Do artº 886º-A do CPC (redacção do D.L. nº 329-A/95, de 12/12) resulta, para além do mais, que o juiz antes de proferir despacho que ordene a venda executiva, deve (sempre) ouvir o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, a fim de se permitir uma decisão fundamentada sobre os referidos aspectos da venda.
II – Podendo a venda judicial ser feita por meio de propostas em carta fechada – artº 886º, nº 2 – também a venda de bens imóveis pode ser feita extrajudicialmente e, consequentemente, pelas formas definidas nas als. do nº 3 do artº 886º, designadamente por negociação particular, desde que se verifiquem os pressupostos a que se referem as als. a) e c) do artº 904º do CPC, isto é, quando assim o requeiram o exequente, o executado ou alguns dos credores preferentes ...

III – Quando não tenha ouvido o executado sobre a modalidade de venda é omitida uma formalidade processual que a lei prescreve, sendo que tal irregularidade pode influir na decisão da causa, mormente no regime de venda do bem, com o que se comete uma nulidade prevista no artº 201º, nº 1, do CPC .

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- No processo de execução sumária que pende no Tribunal Judicial de Tomar ( 1º juízo ) sob o nº 20-A/1993 e em que é exequente a A... e executados B... e outros, por requerimento de 2-12-2003, os executados B... e mulher requereram ao Mº Juiz a declaração de nulidade derivada do facto de não terem sido notificados, no momento oportuno, para se pronunciarem sobre a modalidade da venda dos bens penhorados.
1-2- Foi tal requerimento indeferido com o fundamento de que, tratando-se de bens imóveis, a modalidade da venda é a judicial por meio de proposta em carta fechada e, consequentemente, apenas era permitido aos executados pronunciarem-se sobre o valor dos bens a vender e já não sobre a modalidade da venda.
1-3- Não se conformando com esta decisão, dela vieram recorrer os executados, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com e com efeito devolutivo.
Por despacho do relator, foi o processo mandado descer à 1ª instância, para que subisse no momento oportuno ( quando estivesse concluída a venda dos bens, a sua adjudicação ou remissão - art. 923º nº 1 do C.P.Civil -).
O processo regressou à comarca e após a respectiva adjudicação dos bens voltou a esta instância.
1-4- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- Estando a execução pendente desde 1993, é de aplicar o art. 886º A. do C.P.Civil na redacção anterior à do DL 183/2000.
2ª- Sendo que, ainda que a redacção actual desse artigo aponte a venda judicial por propostas em carta fechada como única modalidade de venda para os imóveis, ainda assim, sempre os executados teriam que ser ouvidos quanto à modalidade de venda relativamente a cada categoria de bens penhorados, quer se trate de móveis ou imóveis.
3ª- Daí que antes de ser proferido despacho para efeitos de venda judicial dos bens penhorados, por meio de propostas em carta fechada, deveriam os executados ter sido ouvidos.
4ª- Pelo que o despacho recorrido deve ser revogado e, consequentemente, ser anulado todo o processado após esse despacho.
5ª- Por outro lado o despacho recorrido é susceptível de causar aos recorrentes prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pelo que o despacho que admitiu o recurso deveria ter determinado a subida do recurso nos próprios autos e fixado o efeito suspensivo.
6ª- Deve esse despacho ser alterado no sentido de ser fixado ao recurso a subida nos próprios autos e efeito suspensivo e, em consequência ser anulado o processado subsequente a esse despacho.
7ª- Foram violados os arts. 201º, 886º A e 740º nº 2 al. d) do C.P.Civil.
1-5- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
1-6- O Mº Juíz sustentou a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- É do seguinte teor o despacho recorrido:
Conforme de fls. 97 e 98 os executados sustentam ter ocorrido nulidade decorrente de uma não notificação para se pronunciarem sobre a modalidade da venda dos bens. Não lhes assiste, no entanto, razão. De facto, tratando-se de bens imóveis a modalidade da venda é a judicial, por meio de propostas em carta fechada ( cfr. 886º nºs e 2 e 889º do C.P.Civil, anterior redacção ), pois que no caso não está em causa a previsão dos artigos 902º a 904º e 906º do C.P.Civil. Assim, apenas se lhe permitia, como permitiu, pronunciarem-se sobre o valor dos bens a vender ( cfr. fls. 92 e 93 ), o que não fizeram. Indefere-se, pois, o requerido a fls. 97 a 98”.
Quer isto dizer que o requerimento dos executados, ora recorrentes, foi indeferido por o Mº Juiz entender que não tinham de se pronunciar sobre a modalidade da venda dos bens penhorados, visto que tratando-se de bens imóveis, a modalidade da venda seria ( obrigatoriamente ) a judicial por meio de propostas em carta fechada.
Os agravantes não concordam com esta posição entendendo que, ainda que a redacção actual do art. 886ºA. aponte para a venda judicial por propostas em carta fechada como única modalidade de venda para os imóveis, mesmo assim sempre os executados teriam que ser ouvidos quanto à modalidade de venda relativamente a cada categoria de bens penhorados, quer se trate de móveis ou imóveis.
Está assente que a venda de que se trata é de bens imóveis e que, na realidade, os executados não foram notificados para se pronunciarem sobre a modalidade da venda.
Foi informado pelo tribunal recorrido que a acção executiva deu entrada em juízo em 30-6-1993 ( vide ofício junto a fls. 24 ). Nesta conformidade deve aplicar-se à venda dos bens penhorados, o regime introduzido pelo Dec-Lei 329-A/95 de 12/12, por força do disposto no art. 26º nº 3 deste diploma[ De sublinhar que o DL 183/2000 de 10/8, invocado pelos recorrentes, não introduziu qualquer alteração no regime do processo executivo.]. É certo que este regime veio a ser alterado pelo Dec-Lei 38/2003 de 8 de Março. Todavia, o mesmo não tem aplicação ao caso presente, visto que o art. 21º do diploma estabelece que o respectivo normativo só terá aplicação aos processos ( novos ) instaurados a partir de 15-9-2003.
Estabelece o art. 886º do C.P.Civil ( diploma de que serão as disposições a indicar, sem menção de origem ):
1- A venda dos bens penhorados pode ser judicial ou extrajudicial.
2- A venda judicial é feita por meio de propostas em carta fechada.
3- A venda extrajudicial pode revestir as seguintes formas:
a) Venda em bolsas de capitais ou de mercadorias;
b)Venda directa a entidades que tenham direito a adquirir determinados bens;
c) Venda por negociação particular;
d) Venda em estabelecimento de leilões”.
Para o que aqui importa, convém reter que a venda dos bens penhorados pode ser judicial ou extrajudicial e que a venda judicial deve ser feita por meio de propostas em carta fechada.
Acrescenta o art. 886º-A:
1- O juiz, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, determina, no próprio despacho em que ordene a venda:
a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados;
b) O valor base dos bens a vender, determinado nos termos dos números seguintes;
c) A eventual formação de lotes com vista à venda em conjunto de bens penhorados
4- O despacho previsto no nº 1 é notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender ...”.
Desta disposição resulta, para além do mais, que o juiz antes de proferir despacho que ordene a venda, deve ouvir o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender. A audição tem, evidentemente, a ver com a decisão que o juiz terá, posteriormente, de proferir, ou seja, sobre a modalidade da venda dos bens, sobre o valor base dos bens a vender e sobre a eventual formação de lotes com vista à venda em conjunto de bens penhorados[ Essa decisão deverá ser notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, nos termos do nº 4 do referido 886º-A.]. Essa audição permitirá ao juiz uma decisão fundamentada sobre os aspectos em causa.
O Mº Juiz considerou não ser necessária a audição dos ditos interessados porque, tratando-se de bens imóveis, a modalidade da venda teria que ser a judicial, por meio de propostas em carta fechada, nos termos dos arts. 886º nºs e 2 e 889º, sendo que no caso não estava em causa a previsão dos artigos 902º a 904º e 906º. Assim, no seu entender, apenas era permitido aos mesmos pronunciarem-se sobre o valor dos bens a vender e já não sobre a modalidade da venda.
Parece-nos não ser correcta esta posição.
Com efeito, se é certo que a venda judicial deve ser feita por meio de propostas em carta fechada ( art. 886º nº 2 ), não nos parece menos certo que a venda de bens imóveis pode ser feita ( também ) extrajudicialmente e, consequentemente, pelas formas definidas nas alíneas do nº 3 do art. 886º, designadamente, por negociação particular.
O art. 889º nº 1 estabelece que “quando não se verifiquem os casos previstos nos arts. 902º a 904º e 906º, são os bens penhorados vendidos por meio de propostas em carta fechada”.
Somos em crer que esta disposição como que estabelece um regime geral para venda dos bens penhorados, regime que será o da venda através de propostas em carta fechada. É este o regime da venda judicial. Todavia, as outras formas de venda (extrajudiciais ) não são excluídas pelo dispositivo, como resulta do seu teor. Antes pelo contrário, a norma expressamente exclui desse espécie de venda, os casos previstos nos arts. 902º a 904º e 906º. Assim, a venda através de propostas em carta fechada não terá lugar, quando se verifique o caso de os bens deverem ser vendidos em bolsas ( art. 902º), quando os bens devam ser entregues a determinadas entidades ( art. 903º ), quando haja lugar à negociação particular ( nos termos do art. 904º ) e caso os bens devam ser vendidos em estabelecimento de leilão ( art. 906º ). Isto é, quando se verifiquem os casos previstos nos arts. 902º a 904º e 906º, a venda extrajudicial será possível.
Revertendo estas regras para o caso dos autos, diremos que os bens imóveis penhorados poderão, obviamente, ser alienados extrajudicialmente, através de negociação particular. Ponto é que se verifiquem os pressupostos a que se referem as als. a) e c) do art. 904º, ou seja, “quando assim o requeiram o exequente, o executado ou alguns dos credores preferentes e, ouvidos os restantes interessados na venda, o juiz considere, face às razões invocadas, ocorrer vantagem manifesta nessa modalidade de venda” e “quando, nos termos do art. 895º, se haja frustrado a venda judicial dos bens e juiz não determine a venda em estabelecimento de leilão”.
Assim sendo, o fundamento utilizado pelo Mº Juiz para não proceder à audição dos executados ( de que a modalidade da venda teria que ser a judicial, por meio de propostas em carta fechada, visto se tratar da venda de bens imóveis ), não é correcto.
De resto, olhando para o preâmbulo do Dec-Lei 329-A/95 de 12/12, verifica-se que aí se considera a necessidade, por parte do juiz, de audição dos interessados, sobre as formas de venda. Na verdade expressamente aí se diz que ... “no que respeita à venda dos bens penhorados - para além de se ampliarem e flexibilizarem as situações em que é possível proceder às diversas modalidades de venda extrajudicial -, estabelece-se como forma de venda judicial a venda mediante propostas em carta fechada, inspirada no regime já em vigor no Código de Processo Tributário, eliminando-se - por razões que obviamente se prendem com a indispensável «moralização» e transparência da acção executiva, nesta fase essencial - a arrematação em hasta pública, o que, desde logo, obrigou a significada reformulação sistemática do Código nesta área. Dentro da mesma intenção de acautelar os interesses de exequente e executado e de salvaguardar o próprio prestígio do tribunal, estabelece-se quanto a todas as forma de venda que incumbe ao juiz, ouvidas as partes (sublinhado nosso ) determinar quer a modalidade da venda ...”.
Resulta assim e em síntese, que o juiz, nos termos do referido art. 886º-A, antes de ordenar a venda dos bens penhorados, deve ( sempre ) ouvir o exequente, o executado e os credores reclamantes de créditos com garantia sobre esses bens, com a finalidade acima aludida.
Ao não ter ouvido os executados, antes de ter proferido despacho ordenando a venda dos bens penhorados, o Mº Juiz a quo omitiu uma formalidade que a lei prescreve, sendo que a irregularidade pode influir na decisão da causa, mormente no regime de venda do bem, razão por que se cometeu uma nulidade nos termos do art. 201º nº 1. A arguição foi tempestiva, já que se indicia que foi invocada logo que os executados foram notificados para se pronunciarem sobre o valor dos bens a vender, isto é, logo que cometida a nulidade, a parte foi notificada para um termo do processo ( art. 205º nº 1 ).
Haverá pois que colmatar a nulidade, ouvindo os indicados interessados (entre os quais os executados/agravantes ), antes de se proferir o despacho a que alude o art. 886º-A e que acima se referiu. Anula-se consequentemente todos os actos praticados a partir da omissão da dita formalidade ( art. 201º nº 2 ), concretamente o despacho que ordenou a venda dos bens e todo o processado posterior.
2-2- No agravo os recorrentes sustentam ainda que o despacho de recebimento do recurso deve ser alterado no sentido de ser fixado ao recurso a subida nos próprios autos e o efeito suspensivo.
O relator deste acórdão, com base nas suas atribuições ( art. 701º nº 1 ) já decidiu a questão, tendo considerado que ao agravo foram atribuídos a subida e o efeito adequados, tendo, outrossim, ordenado a remessa do processo à comarca para os fins acima referidos, pelo que mais nada se nos oferece acrescentar à questão.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento ao recurso, anulando-se todos os actos praticados a partir da omissão da supra-referida formalidade, concretamente o despacho que ordenou a venda dos bens e todo o processado posterior.
Sem custas.