Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
364/05.0TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: INVENTÁRIO
PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 589º, Nº 1 E 1369º CPC; 2171º DO C. CIV..
Sumário: I – Em processo de inventário, a remissão para o regime geral respeitante à prova pericial decorrente do artigo 1369º do CPC, significa a possibilidade de existência (neste processo) de uma segunda perícia/avaliação, nos termos do artigo 589º, nº 1 do CPC.

II – Todavia, as especificidades do processo de inventário reforçam o ónus impendente sobre o requerente da segunda perícia de fundamentar a necessidade desta, alegando elementos concretos que, ultrapassando a mera divergência quanto ao valor anteriormente fixado, sugiram a existência de algum erro ou de alguma deficiência nos critérios adoptados na primeira avaliação ou na aplicação destes ao caso concreto.

III – Do artigo 2171º do CC resulta qual a ordem de redução das liberalidades inoficiosas, para reposição da legítima, ordem essa que privilegia, nessa redução, as liberalidades em vida do de cuius (as doações), em detrimento das disposições testamentárias, primeiramente afectadas pela redução.

IV – Assim, esgotando a redução o conteúdo das disposições testamentárias, no preenchimento da legítima afectada por quaisquer liberalidades inoficiosas, mantém-se, em detrimento do testamento, a integridade e a vigência das doações efectuadas pelo de cuius.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Está em causa – e assim relatamos o contexto geral que conduziu o processo a esta instância de recurso – um inventário instaurado em 03/10/2005[1], por óbito de Maria … (falecida em 23/09/2004[2]).

Com efeito, os Requerentes do inventário (que são Apelantes neste recurso e Agravantes nos dois recursos desta espécie arrastados pela apelação): J… e marido, D…, A e marido, E… e C (este[3], Requerente inicial do inventário, viria a falecer em 28/12/2005[4], o que viria a determinar a cumulação aqui do respectivo inventário[5]), todos estes Requerentes, dizíamos, instauraram o presente inventário, demandando os seguintes Requeridos (seus irmãos e cunhados): M (veio esta a ocupar as funções de cabeça de casal[6]) e marido, M…, N e marido, J… e O… e mulher, S… (Requeridos no inventário e Apelados no recurso).

Trata-se aqui, pois, resumindo as coisas, do inventário por óbito de Maria e por óbito de A… (Inventariados), travado, fundamentalmente, entre os seus cinco filhos, sublinhando-se no subsequente relato, para compreensão da situação, as mais relevantes incidências patenteadas pela marcha do processo até ao despacho determinativo da partilha.

É o relato deste complexo percurso que se segue neste primeiro item do Acórdão.

1.1. Consta desde logo a fls. 109/111 o auto de declarações da cabeça de casal, sendo que daí decorre terem os Inventariados sido casados em regime de comunhão geral de bens, falecendo a Inventariada Maria sem deixar testamento. Apurou-se, ainda, embora a cabeça de casal o não tenha logo referido, que o Inventariado C…, à data do seu decesso, deixou testamento (o que está junto a fls. 64/66 e foi lavrado em 27/09/2005), instituindo herdeiras da sua quota disponível as duas filhas aqui Requerentes, J… e A…[7].

Mais declarou a cabeça de casal não existir passivo (asserção que na posterior marcha do processo veio a alterar-se), estando em causa a partilha de bens móveis e de bens imóveis, indicando nesse momento a cabeça de casal terem existido três doações por banda dos inventariados (veio a verificar-se que, na realidade, haviam sido cinco essas doações).

1.2. A fls. 120/123 vº apresentou a cabeça de casal a relação de bens (inicial).

1.3. Tenha-se presente que, no desenvolvimento do inventário apurou-se terem existido – e têm, obviamente, reflexo no enquadramento da partilha – as seguintes cinco doações realizadas pelos Inventariados:

(a) Escritura de fls. 142/147 – em 18/11/2003, os dois Inventariados doaram, por conta da quota disponível de cada um[8], à sua filha M… (a cabeça de casal) e ao marido desta o “[…] prédio urbano, sito no lugar de …, freguesia de Serrazes, Concelho de São Pedro do Sul, composto por um edifício destinado a habitação e comércio ou indústria, com loja de dois compartimentos e primeiro andar e quintal … inscrito na matriz respectiva sob o artigo […]”;

(b) Escritura de fls. 149/151 – em 20/08/2003, os dois Inventariados doaram, por conta da legítima da donatária (filha deles), M…, o […] prédio rústico […] denominado ‘Outeiro …’, sito no lugar e freguesia de Serrazes, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do concelho de S. Pedro do Sul sob o número trezentos e um, da freguesia de Serrazes”;

(c) Escritura de fls. 152/155 – em 06/08/1991, os dois inventariados doaram, por conta da sua legítima, à filha M…, “[…] o seu prédio rústico, culto de sequeiro, denominado ‘Outeiro…’, nos limites da freguesia de Serrazes, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de S. Pedro do Sul sob o número …, com reserva de usufruto”; através da escritura adicional de fls. 156/159, em 28/08/2003, os dois Inventariados rectificaram a anterior escritura de doação (à filha M…) no sentido de a referida doação ser efectuada por conta da quota disponível deles e não da legítima da donatária[9];

(d) Escritura de fls. 160/164 – Em 28/08/2003, os dois Inventariados doaram ao seu filho, O…: 1. o prédio rústico, composto de terreno de cultura, vinha e oliveiras, sito ao …, freguesia de Serrazes, inscrito na matriz sob o artigo …; 2. o prédio urbano, destinado a comércio ou indústria, sito no lugar de …, freguesia de Serrazes, inscrito na matriz sob o artigo ; 3. o prédio urbano, composto de casa de arrumações, sito no lugar de …, freguesia de Serrazes, inscrito na matriz sob o artigo …; os prédios descritos são doados, o nº. 1 e 3 por força da quota disponível dos doadores e o nº. 2 por conta da legítima do donatário;

(e) Escritura de fls. 165/168 – em 04/01/1996, os dois inventariados doaram, por conta da sua quota disponível, ao seu filho, O…, o prédio urbano constituído por casa de habitação, sito nos limites do lugar de …, da freguesia de Serrazes, inscrito na matriz sob o artigo … (em 29/12/2000, através da escritura adicional de fls. 169/171, os Inventariados/Doadores rectificaram a área deste prédio indicada na escritura).

            1.4. No decurso da tramitação do inventário, numa marcha pautada por diversos incidentes e questões atinentes à determinação do conteúdo activo e passivo do acervo hereditário e do valor dos bens que o integram, surgiu, apresentada pela cabeça de casal na sequência da conferência documentada a fls. 661/662, uma “relação unificada de bens”, condensando as posições (as relações de bens) de todos os interessados. Consta esta relação de fls. 666/684 e seguiu-se-lhe a conferência de interessados documentada a fls. 695/699.

            Nesta, só foi aprovado por todos os Interessados parte do passivo (fls. 696)[10] e houve acordo quanto à partilha dos bens móveis (fls. 696/697), outro tanto não sucedendo relativamente às restantes verbas (imóveis) relacionadas, sendo que, pelas Interessadas J… e A… foi dito pretenderem licitar sobre os bens doados pelos Inventariados, declaração à qual os interessados donatários deduziram oposição, requerendo, como resulta do artigo 1365º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[11], a avaliação desses bens, o que foi logo aí determinado pelo Tribunal[12] (trecho de fls. 698 da conferência).

            1.4.1. Consta o relatório da avaliação assim desencadeada de fls. 705/707, sendo que os Interessados Requerentes (J… e a sua irmã, A…) apresentaram a reclamação de fls. 710/711[13], logo aí requerendo que tivesse lugar uma segunda avaliação.

            Determinou a Exma. Juíza (no despacho de fls. 717) a prestação de esclarecimentos adicionais pelo perito[14], o que veio a ocorrer a fls. 722 (e foi completado a fls. 786, suprindo uma omissão), insistindo os Requerentes na sua discordância, reiterando esse pedido de uma segunda avaliação (fls. 728/730). A tomada de posição sobre esta segunda avaliação ocorreu através do despacho de fls. 780/782, que a negou (foi esta decisão objecto de um dos recursos aqui em causa; o de agravo interposto a fls. 784, admitido a fls. 787 e alegado a fls. 790/797, trecho processual este ao qual adiante retornaremos neste relato).

            1.4.2. Entretanto, na conferência de interessados documentada a fls. 695/699 (v. item 1.4., supra, cfr. fls. 696) havia a Senhora Juíza relegada para momento posterior a tomada de posição sobre a verba nº 1 do passivo (aí só aprovada pelos Interessados Requeridos[15]). Ora, consubstancia tal decisão o despacho de fls. 736/738 – e dele irá nascer o primeiro recurso de agravo a apreciar nesta instância (respeitante, como se verá, a uma questão de custas incidentais) –, que excluiu do acervo hereditário passivo (não reconhecendo nessa verba do passivo) o valor de €18.338,63 (reconheceu €2.806,15), tributando o incidente (respeitante à verificação de uma dívida, nos termos dos artigos 1355º e 1356º do CPC) nos seguintes termos: “Custas do incidente a que deram causa pela cabeça de casal e pelas interessadas J… e A…, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC relativamente à cabeça de casal e em 1 UC, relativamente às interessadas, por cada uma (artigo 16º do Código das Custas Judiciais)” (transcrição de fls. 738).

            Na sequência de recurso dos três interessados Requeridos (fls. 740/741[16]) foi o agravo respectivo reparado a fls. 755/757, nos seguintes termos:


“[…]
Face ao exposto, na senda do nosso despacho sob recurso e reparando o mesmo, decide-se:
a) reconhecer judicialmente a quota-parte da dívida da herança à cabeça de casal relativamente aos interessados … que a aprovaram, no valor de €4.228,95 (quatro mil, duzentos e vinte e oito euros e noventa e cinco cêntimos), a cargo de cada um;
b) quanto ao remanescente, conhecer apenas da existência do valor de €2.806,15 (dois mil, oitocentos e seis euros e quinze cêntimos), sendo que os interessados J… e C…, apenas são responsáveis na medida da sua quota parte, a saber, no valor de €561,23 (quinhentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos).
[…]
Custas pelo incidente a que deram causa, a cargo das interessadas J… e A…, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC, por cada uma (artigo 16º do Código das Custas Judiciais).
[…]”
[transcrição de fls. 756/755, sublinhado acrescentado destacando-se o trecho sob recurso]

            1.4.2.1. (trecho processual que originou o 1º recurso de agravo) Estas Interessadas (referimo-nos às Requerentes J… e A…) condenadas que foram em custas – e assim caracterizamos este primeiro recurso – solicitaram a fls. 760 a aclaração da respectiva responsabilização tributária, esclarecimento que lhes foi negado a fls. 765/766[17], tendo interposto recurso de agravo (admitido a fls. 770) – referente à respectiva condenação em custas a fls. 755 – que alegaram a fls. 772/777, aí concluindo o seguinte:


“[…]
1. As ora agravantes e interessadas nos autos de inventário em epígrafe, não deram causa a qualquer incidente.
2. Sendo que, quando decidiram não reconhecer a verba nº. 1 do passivo da relação de bens de fls. 666-684, utilizaram o preceituado na legislação em vigor, e uma vez que a documentação apresentada pela cabeça de casal não era de per se bastante para fundamentar tal verba do passivo.
3. Tendo decidido acatar a quantia de €2.806,15 (na sequência do despacho de fls. 736-738), as mesmas foram condenadas em custas.
4. Ao serem – novamente – condenadas por uma parte do passivo que não reconheceram, e resultando tal em custas por algo a que não deram causa, não existe base legal para condenar as ora agravantes e interessadas em custas.
5. Ao que acresce que, aquando do agravo (por parte da cabeça de casal e demais interessados) as ora agravantes optaram por não produzir contra-alegações.
6. Não sendo de aplicar, in casu, o preceituado na norma constante no artigo 16º do Código das Custas Judiciais às ora interessadas, deverão, as mesmas ser isentas de quaisquer custas.
7. Assim se requerendo a revogação do despacho sob recurso de agravo.
[…]”
            [transcrição de fls. 776/777]

            1.5. (trecho processual que originou o 2º recurso de agravo) Como antes indicámos (item 1.4.1., supra), solicitaram as Interessadas Requerentes do inventário (J e C…), face à avaliação dos bens doados, determinada nos termos do trecho final do nº 1 do artigo 1365º do CPC, a realização de uma segunda avaliação. Recaiu sobre esta pretensão, negando-a, o despacho de fls. 780/782[18]a este se refere o segundo recurso de agravo aqui em causa –, do qual as Requerentes, inconformadas, agravaram a fls. 784 (despacho de admissão a fls. 787, fixando o regime de subida diferida), produzindo as alegações correspondentes a fls. 790/797, aí concluindo o seguinte:
“[…]

            1.6. (trecho processual que, directamente, originou o recurso de apelação) No subsequente desenvolvimento do inventário, ocorreu a continuação da conferência de interessados (interrompida pela necessidade de avaliação dos bens doados), nos termos documentados na acta de fls. 814/816.

            Nesta, tendo-se restringido o acordo às verbas nº 1 (rendas de imóvel) e nº 61 (terreno das campas dos Inventariados), permanecendo o desacordo quanto à divisão das restantes verbas (imóveis) descritas na relação de fls. 666/684, iniciaram-se licitações, nos termos do nº 1 do artigo 1363º do CPC, com o resultado documentado a fls. 815/816[19].

            1.6.1. Cumprido que foi o disposto no nº 1 do artigo 1373º do CPC, foi proferido despacho determinativo da partilha (mesmo artigo 1373º, nº 2), nos termos constantes de fls. 838/840[20], sendo elaborado pela Secretaria, nos termos do artigo 1376º, nº 1, o mapa informativo de fls. 848[21], sendo que, depois de cumprido o disposto no artigo 1377º do CPC, sem qualquer tomada de posição dos Interessados, foi elaborado o Mapa da Partilha de fls. 851/861:
“[…]

           

1.7. Colocado este mapa à apreciação, dele reclamaram as Interessadas J… e A… a fls. 864[22], pretendendo a rectificação do mesmo.

            Recaiu sobre esta reclamação, desatendendo-a, o despacho de fls. 870/871[23], seguindo-se-lhe a Sentença homologatória da partilha de fls. 872 – esta, integrada pelo aludido despacho de fls. 870/871, constitui a decisão objecto da presente apelação[24].

            1.7.1. Inconformadas, interpuseram, a fls. 877, as Requerentes J… e A…, o presente recurso de apelação, adequadamente recebido a fls. 879, sendo que o alegaram a fls. 881/902, rematando essa peça processual com as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação


            2. Como sucede com qualquer recurso, o âmbito objectivo deste – e referimo-nos tanto à apelação, enquanto recurso dominante, como aos dois agravos interlocutórios arrastados pela subida a final daquela – é delimitado pelas conclusões com as quais as Apelantes (as Agravantes) remataram, num e noutro caso, as respectivas alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), importando decidir as questões colocadas através dessas conclusões[25] – e, bem assim, se se colocarem, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outras precedentemente apreciadas e decididas nesta instância (artigo 660º, nº 2 do CPC).

            Os factos relevantes para a subsequente apreciação – parte substancial deles são de índole processual – estão documentados no processo e resultam do longo (mas necessário) relato constante de todo o antecedente item 1.

            Estão em causa, sempre interpostos pelas mesmas Interessadas (J… e A…), dois recursos interlocutórios de agravo, cuja subida foi diferida, e um recurso final de apelação, reportado à Sentença homologatória da partilha. Este último, como recurso dominante que é, arrastou aqueles dois agravos que permaneciam latentes no processo.

            2.1. Determina a este respeito o artigo 710º, nº 1 do CPC que a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição, sendo que esta regra materializa-se aqui através das seguintes incidências: (a) será julgado em primeiro lugar o agravo admitido a fls. 770, referido à condenação em custas das Agravantes a fls. 755, recurso que foi alegado a fls. 772/777; (b) em segundo lugar, será julgado o agravo reportado à negação da segunda perícia solicitada pelas Requerentes (despacho de fls. 780/782), interposto a fls. 784, recebido a fls. 787 e alegado a fls. 790/797; (c) finalmente, apreciaremos a apelação respeitante à decisão final culminante do inventário consubstanciadora da partilha, interposta a fls. 877, admitida a fls. 879 e subsequentemente alegada, nos termos acima expostos.

            Note-se, enfim – e assim esgotamos as questões preambulares –, tendo presente o disposto no nº 2 do artigo 710º do CPC, que o primeiro agravo (condenação em custas) apresenta um óbvio interesse autónomo para as Agravantes, independentemente da decisão que seja tomada quanto às outras questões recorridas, quer no segundo agravo, quer na apelação; e, quanto ao segundo agravo, existe um condicionamento por este relativamente à decisão final objecto da apelação, circunstância que sempre o posiciona (ao segundo agravo) como influente na decisão da causa, já que corresponde esta à realização da partilha de determinada maneira, sendo que o possível aumento, por via de uma segunda avaliação, do valor dos bens imóveis doados, induziria uma outra realidade respeitante aos valores envolvidos na partilha e, logicamente, conduziria a uma partilha realizada em moldes distintos.

            Haverá, pois, que conduzir a apreciação nesta instância, cronologicamente, através dos dois agravos, por ordem de interposição, culminando na apelação (o subsistente interesse das Agravantes naqueles intui-se, aliás, da reafirmação dos argumentos a eles respeitantes nas alegações da apelação).


O Primeiro Recurso de Agravo (item 1.4.2.1., supra)

            2.2. (a) Está em causa a condenação em custas das Agravantes a fls. 757, aquando da reparação de um agravo interposto pelos aqui Agravados (os outros Interessados), nos termos explicitados pela Senhora Juíza a quo a fls. 765/767, em que a regra de causalidade respeitante à imputação das custas (artigo 446º, nº 1 do CPC) é explicitada através da circunstância das Agravantes não terem aprovado o passivo (todo o passivo) na conferência de interessados, dando assim causa ao incidente.

            São estas as razões da opção ora agravada quanto à condenação em custas das Requerentes/Agravantes.

            Ora, vistas as coisas em função destas razões, temos dificuldade em equacionar a questão da não aprovação do passivo neste caso como suscitação de um incidente estruturalmente anómalo, fora de um quadro referido às várias alternativas equacionadas logo à partida dentro da tramitação normal do inventário, incidente este relativamente ao qual possamos afirmar que as Agravantes, em última análise, tenham ficado vencidas (v. a articulação entre os artigos 1354º a 1356º do CC, aqui em causa). Certo é que, não tendo elas (as aqui Agravantes) aprovado, na conferência de interessados, toda a verba do passivo relacionada em “um” de fls. 683 pelas Requeridas, parte substancial dessa verba até nem foi reconhecida como suficientemente documentada pela Senhora Juíza a quo a fls. 737 (nesta parte este despacho não foi afastado, em rigor, pela posterior reparação do agravo), no que correspondeu a uma preponderante vitória – chamemos-lhe assim – da posição das aqui Agravantes (a posição de não aceitarem essa dívida como elegível), em detrimento da posição assumida e sustentada pela parte contrária (que a considerava suficientemente documentada e, nessa medida, elegível por todos os interessados).

            Não cremos, pois, que exista uma clara derrota da posição das ora Agravantes, que sustente uma evidente aplicação do critério da causalidade pelo vencimento. Mais correcto nos parece, com efeito, tomando por referência o nº 2 do artigo 16º do Código das Custas Judiciais[26], assente na especificidade da situação configurada, dispensar as Agravantes do pagamento de qualquer taxa de justiça respeitante ao reconhecimento da verba do passivo não aprovada na conferência. Esta parece-nos, com efeito, a solução mais equilibrada.

            Significa isto o provimento deste primeiro agravo, com a revogação da condenação das Agravantes nas custas do incidente. No final expressaremos decisoriamente tal resultado, dispensando as Agravantes do pagamento de taxa de justiça respeitante ao incidente tributado nos moldes constantes de fls. 757.


O Segundo Recurso de Agravo (item 1.5., supra)

            2.3. (b) Interessa-nos agora, constituindo o fundamento do segundo agravo, a não admissão da segunda perícia solicitada pelas Requerentes, na sequência dos esclarecimentos adicionais prestados pelo perito a fls. 722/726, relativamente à perícia consubstanciada no relatório inicial de fls. 705/707, agravo interposto a fls. 784, admitido a fls. 787 e reportado ao despacho de fls. 780/782.

            Trata-se aqui, constituindo o objecto pericial, da avaliação de determinados imóveis, desencadeada pela oposição dos donatários à pretensão dos outros interessados de licitarem sobre bens doados pelos Inventariados (tratou-se, pois, quanto a essa perícia de avaliação de dar seguimento ao disposto no nº 1 do artigo 1365º do CPC).

            Confronta-se a pretensão das Agravantes à realização de uma segunda perícia, com o entendimento do Tribunal, negando essa pretensão, de estarem claros, depois dos esclarecimentos adicionais, os pressupostos que conduziram à fixação do valor considerado pelo perito. Rege a este respeito, no que concerne à avaliação incidental de bens em sede de inventário, o artigo 1369º do CPC: “[a] avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações”.

Vale este critério do único perito designado pelo tribunal, desde logo, como derrogação do regime geral expresso no princípio da perícia colegial previsto no artigo 569º do CPC, entroncando a questão da admissibilidade da realização de uma segunda perícia – incidência cuja possibilidade de existência no processo de inventário é discutível[27] – na articulação entre as especificidades deste processo e a remissão para o regime geral da produção de prova pericial (que prevê a realização de uma segunda perícia no artigo 589º). É neste sentido que aceitamos, seguindo o entendimento desta Relação no Acórdão de 27/10/1998 (Artur Dias)[28], como princípio, a admissibilidade de uma segunda avaliação em processo de inventário, em função da inexistência de uma opção expressa do legislador de a excluir (rectius, de não a excepcionar na remissão constante do artigo 1369º do CPC).

Valem, todavia, a respeito da efectiva determinação da realização de uma segunda perícia a requerimento de uma parte, as especificidades decorrentes do regime geral:

Artigo 589º
Realização de segunda perícia
1 – Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
---------------------------------------------------------------------------------------

Resulta esta disposição (é ela que contém o tal regime geral) da reforma de 1995 do processo civil (introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), que, na concreta incidência que aqui nos interessa (requerimento por uma das partes), é caracterizada relativamente ao regime pregresso[29] nos seguintes termos:
“[…]
Quando a iniciativa desta [da segunda perícia] é da parte, não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente. Não era assim anteriormente: a parte não tinha de apresentar qualquer justificação e dificilmente a repetição da diligência podia ser considerada impertinente ou dilatória (nunca, segundo Alberto dos Reis, CPC anotado, II, pp. 302/303).
[…]”[30]

“[…]
A realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, pressupondo que a parte alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões porque discorda do relatório pericial apresentado (ou da opinião maioritária vencedora).
[…][31]

A caracterização prática deste (novo) regime introduzido pela Reforma de 95, tem sido sujeito na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores a uma leitura hábil que tende a reconduzir o indeferimento da realização da segunda perícia, por não cumprimento do ónus argumentativo introduzido pelo trecho final do nº 1 do artigo 589º do CPC – por ausência de alegação fundada das razões da discordância –, à falta de indicação de quaisquer razões (limita-se a parte, “à moda antiga”, passe a expressão coloquial, a requerer a segunda perícia), ou à falta de substanciação de fundamentos sérios aptos a alicerçar qualquer discordância do resultado da perícia realizada, para além da simples afirmação da discordância em si mesma.

Assim, no inventário, cremos existirem motivos acrescidos para que o controlo desses motivos seja potenciado, nos termos em que o indica Carlos Lopes do Rego, anotando o artigo 1369º do CPC:
“[…]
A remissão feita para a parte geral do Código não inviabiliza, em absoluto, a realização de segunda avaliação no inventário, cumprindo, porém, a quem a requeira convencer que ocorre deficiência na primeira perícia que dificulta substancialmente o alcançar dos fins do inventário (nomeadamente, quando fundadamente se alegue que ocorreu avaliação desproporcionada, susceptível de inquinar a base das licitações) […].
[…]”[32].

            Ora, tendo isto presente, vendo a avaliação realizada a fls. 705/707, completada ela pelos esclarecimentos de fls. 722/726, entendemos terem ficado suficientemente explicitados os critérios valorativos adoptados pelo perito, sendo que percebemos, face a eles, a racionalidade do valor alcançado (percebemos, aliás, a falta de fundamento das críticas das Agravantes a fls. 710/711) e alcançamos, enfim, o sentido justo da decisão recorrida (a de fls. 780/782) ao situar a questão no plano da simples discordância de determinados valores que, não obstante, foram determinados em termos tecnicamente fundamentados. Existem razões acrescidas no inventário para que as questões surgidas sejam bem resolvidas de forma expedita e, neste caso concreto, a decisão agravada foi rigorosa na determinação do valor, equilibrando devidamente o factor tempo com a garantia de uma solução justa.

            Vale tudo isto, enfim, pela confirmação dessa decisão recorrida, como no final expressaremos, negando provimento a este agravo (ao agravo admitido a fls. 787).

O Recurso Final de Apelação (itens 1.6. e 1.7., supra)

            2.4. (C) Refere-se a apelação – o recurso central trazido a esta instância – à Sentença homologatória da partilha de fls. 872, sendo que a captação do conteúdo dispositivo desta decorre aqui da sua implícita integração pelo despacho de fls. 870/871, o qual, por sua vez, deverá ser conjugado com o despacho de fls. 840: o primeiro destes (o de fls. 870/871), em rigor, confirma as operações de partilha indicadas neste último (o de fls. 840), designadamente na asserção que as Apelantes criticam e que se expressou nos seguintes termos: “[i]mputam-se na quota disponível do inventariado as doações efectuadas, e o excesso, havendo-o, na legítima dos interessados donatários”; “[o] remanescente da quota disponível, se o houver, é dividido em duas partes iguais pelas herdeiras testamentárias J… e A…” (transcrição de fls. 840). Foi nestes termos, com efeito, que se determinou a efectivação da partilha e é contra esta forma de a realizar que as indicadas Apelantes se insurgem nesta apelação. Insurgem-se, todavia, contra o que resulta da lei e tem expressão no artigo 2171º do Código Civil (CC), relativo à ordem das reduções impostas pela inoficiosidade de liberalidades:
A redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão.

            Esta questão, as possíveis incidências da ordem das reduções supressoras das liberalidades inoficiosas, é exposta por Luís Carvalho Fernandes – que curiosamente coloca, argumentativamente, a mesma questão aqui pressuposta pelas Apelantes – em termos que julgamos ser útil transcrever neste trecho da fundamentação:
“[…]
Como é manifesto, o problema de saber se a redução obedece a uma ordem específica – e qual ela seja – coloca-se sempre que haja várias liberalidades e estas, no seu conjunto, afectem a legítima. Em tais casos, qualquer delas, em abstracto, pode ser tida por inoficiosa. Importa, por isso, determinar qual delas deve ser, efectivamente, reduzida, ou, sendo várias as afectadas, por que ordem. Também é fácil compreender que a situação se agrava se estiverem em causa disposições feitas em datas diferentes ou disposições de natureza diferente.
Perante qualquer destas situações, uma solução possível seria a de reduzir todas as disposições, sem qualquer distinção, na proporção do seu valor, em quanto fosse necessário para preencher a legítima afectada[[33]]. Sem pôr inteiramente de lado este critério, outra foi a solução pela qual o legislador optou, em primeiro lugar, como resulta dos artigos 2171º a 2173º, esta é a de atender à natureza da disposição e, se necessário e justificado, ao tempo em que ela foi feita; nesta base é estabelecida uma ordem da redução que se passa a expor.
O critério adoptado pela lei implica duas relevantes consequências: a primeira envolve a necessidade de ordenação das liberalidades, para efeito de redução; a segunda significa que, na prática, a inoficiosidade pode vir a verificar-se só em relação a liberalidades que ocupam o primeiro lugar na ordem de redução; as colocadas nos lugares imediatos apenas serão atingidas – e segundo a sua ordem – se a redução da primeira, mesmo ficando ela plenamente eliminada, não permitir repor o valor da legítima e na medida do que ainda seja necessário repor.
A ordenação das liberalidades é feita, nos artigos 2171º e 2173º, nº 1 primeira parte, do seguinte modo, em termos de prioridade da redução:
a) disposições testamentárias a título de herança;
b) disposições testamentárias a título de legado;
c) disposições feitas em vida.
[…]
As liberalidades feitas em vida só são atingidas pela redução por inoficiosidade quando o valor das testamentárias (a título de herança e de legado) não assegure o preenchimento da legítima.
[…]”[34] (sublinhado acrescentado)

Ora, estando em causa, dizem-no as Apelantes, o descaso do testamento – chamemos-lhe assim, crendo nós interpretar correctamente o respectivo argumento –, enquanto expressão relevante da última vontade do Inventariado seu pai (v. as conclusões 17 a 20 do recurso de apelação), esquecem elas, no entanto, que a observância dessa vontade pressupunha, seguindo a ordem das reduções previstas no artigo 2171º do CC, a existência de algum remanescente que desse – que ainda desse – conteúdo à disposição testamentária, depois de operada nesta a redução prioritarizada pelo Código Civil, como o é a do testamento. Com efeito, não há – é o que resulta das contas –, qualquer remanescente que deixe espaço – que ainda deixe espaço –, depois da aludida redução, para considerarmos qualquer entrega às Apelantes por conta da quota disponível que lhes foi atribuída pelo testamento.
Note-se que este privilegiamento das doações (das liberalidades em vida do autor da sucessão), que, em rigor, segue o regime que já vinha do Código de Seabra[35], é explicitada, na sua racionalidade jurídica, por Pires de Lima e Antunes Varela, nestes termos:
“[…]
[A] prevalência das doações sobre as disposições da última vontade, nesta formação coerciva da legítima facultada por lei, resulta de algum modo do carácter irrevogável que, em princípio, caracteriza as doações e implicitamente resulta do disposto nos artigos 969º e seguintes, por um lado, e da advertência, feita no artigo 2156º, de que, ao testar, o autor da herança não pode dispor da quota de bens que, como legítima, é legalmente destinada aos herdeiros legitimários.
[…]”[36]


            Note-se, retomando o sentido do artigo 2171º do CC, em vista das situações nas quais, como aqui sucede, a redução esgota o objecto quantitativo do testamento, que, não obstante a letra da lei só falar em redução, “[…] é claro que se toda a atribuição a título de herdeiro for inquinada a instituição caduca, e por isso se passa aos legatários. Da mesma forma, se todo o legado for atingido, não se dá uma mera redução, mas a caducidade da instituição de legatário, e por isso se passa às liberalidades feitas em vida”[37]. É isto, é tão simples quanto isto, o que sucede com a disposição testamentária aqui pretendida fazer actuar pelas Apelantes: destituída de sentido (de conteúdo quantitativo) que ficou através da redução, não dispõe ela de espaço disponível na partilha aqui em causa.
            A decisão apelada foi, pois, correcta ao estabelecer essa incidência.
            Improcede, assim, a apelação.
            2.5. Esgotada a apreciação dos três recursos (dos dois agravos e da apelação), resta reflectir decisoriamente o resultado dessa apreciação, deixando aqui nota (em sumário elaborado pelo relator) dos aspectos centrais do antecedente percurso argumentativo conducente à decisão dos recursos:
I – Em processo de inventário, a remissão para o regime geral respeitante à prova pericial decorrente do artigo 1369º do CPC, significa a possibilidade de existência (neste processo) de uma segunda perícia/avaliação, nos termos do artigo 589º, nº 1 do CPC;
II – Todavia, as especificidades do processo de inventário reforçam o ónus impendente sobre o requerente da segunda perícia de fundamentar a necessidade desta, alegando elementos concretos que, ultrapassando a mera divergência quanto ao valor anteriormente fixado, sugiram a existência de algum erro ou de alguma deficiência nos critérios adoptados na primeira avaliação ou na aplicação destes ao caso concreto;
III – Do artigo 2171º do CC resulta qual a ordem de redução das liberalidades inoficiosas, para reposição da legítima, ordem essa que privilegia, nessa redução, as liberalidades em vida do de cuius (as doações), em detrimento das disposições testamentárias, primeiramente afectadas pela redução;
IV – Assim, esgotando a redução o conteúdo das disposições testamentárias, no preenchimento da legítima afectada por quaisquer liberalidades inoficiosas, mantém-se, em detrimento do testamento, a integridade e a vigência das doações efectuadas pelo de cuius

III – Decisão

            3. Face a tudo o que antecedentemente se expôs, decide esta composição da Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
            A) Conceder provimento ao primeiro agravo (respeitante à condenação em custas das Agravadas a fls. 757, agravo interposto a fls. 768 e admitido a fls. 770), revogando a condenação em custas, a culminar o despacho de fls. 755/757, das Interessadas J… e A….
            B) Negar provimento ao segundo agravo (referido ao despacho de fls. 780/782, agravo interposto a fls. 784 e admitido a fls. 787), mantendo o despacho de fls. 780/782 que indeferiu a realização de uma segunda perícia requerida pelas Interessadas ora Agravantes, J… e A...
            C) Finalmente, julgar improcedente o recurso de apelação interposto (a fls. 877 e admitido a fls. 879) pelas mesmas Interessadas, J… e A…, confirmando, com o alcance resultante do item 2.4. (c), supra, a Sentença homologatória da partilha de fls. 872.

            Fica o primeiro agravo sem custas, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea g) do Código das Custas Judiciais.
            São as Agravantes/Apelantes, J… e A…, condenadas nas custas do segundo agravo e da apelação.
 J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Data que marca a aplicação do regime dos recursos anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Assim, qualquer disposição do Código de Processo Civil doravante citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelo mencionado DL 303/2007, refere-se à versão anterior à introduzida por este Diploma.
[2] Consta o Assente de óbito respectivo de fls. 4.
[3] Trata-se do cônjuge da de cuius Maria …, a Inventariada inicial.
[4] Assento de óbito de fls. 41.
[5] O despacho que determinou essa cumulação consta de fls. 68.
[6] V. o despacho de fls. 68.
[7] Para clarificação do quadro dos intervenientes no processo, aqui deixamos a lista destes com as referências complementares resultante das declarações da cabeça de casal:

1 – M…, casada com M…, sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua da …;

2 – N… casada com J…, sob o regime da comunhão geral de bens, residentes em …;

3 – J… casada com D…, sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua …;

4 – A… casada com E…, sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua …;
5 – O… casado com S…, sob o regime da comunhão geral de bens, residentes em ...

[8] “Que por esta mesma escritura, doam aos terceiros outorgantes, sua filha e genro, respectivamente, pelas forças das quotas disponíveis de cada um, o imóvel atrás identificado” (escritura respectiva a fls. 146).
[9] “Que vêm agora rectificar aquela escritura no sentido de que a doação é feita por força da quota disponível dos doadores e não por conta da legítima da donatária, mantendo-se tudo o resto o que nela se contém” (fls. 158/159).
[10] Vale a tal respeito o seguinte trecho da acta desta conferência:
“[…]

Afirmam ainda todos os interessados presentes ou representados que aprovam o passivo relacionado sob as verbas n.ºs 2 e 3, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1354.º, n.º 1, do CPC.

Quanto à verba relacionada sob o n.º 1 do passivo, apenas os interessados … a aprovam pelo valor de €21.144,78, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1356.º, do CPC.

Em seguida, pela Mma. Juíza, foi proferido o seguinte:


DESPACHO

Porquanto o valor da divida relacionada sob a verba n.º 1 do passivo é de montante elevado e requer a apreciação de diversos documentos juntos aos autos pela cabeça de casal, determino que após o terminus desta diligência os autos me sejam conclusos a fim de proferir decisão sobre a mesma nos termos previstos nos artigos 1356.º, última parte e 1355.º, ambos do CPC.

Notifique.
[…]”
                [transcrição de fls. 696]
[11] “Se houver herdeiros legitimários e algum interessado declarar que pretende licitar sobre os bens doados pelo inventariado, a oposição do donatário, seja ou não conferente, tem como consequência poder requerer-se a avaliação dos bens a que se refira a declaração”.
[12] Aqui se transcreve o despacho correspondente:
“[…]

Uma vez que foi requerida a licitação sobre os bens doados pelas interessadas J… e A… e os donatários se opõem à requerida licitação, tendo requerido a avaliação desses bens, ao abrigo do disposto no artigo 1365.º, do CPC, determino a sua avaliação.

Para proceder à avaliação ora requerida nomeio o habitual perito deste Tribunal, Sr. F…, conhecido em juízo.

Para o efeito e previamente será efectuado, no prazo de 10 dias, o pagamento de um preparo para despesas no valor de 3 UCs, da responsabilidade dos interessados que requereram a avaliação.

Após o pagamento do preparo, será notificado o Perito agora nomeado para proceder à avaliação dos bens imóveis doados e identificados a fls. 679 a 681, para o que se concede o prazo de 20 dias.
[…]”
                [transcrição de fls. 698]
[13] Estruturou-se a reclamação nos seguintes pontos:

- Existe uma apreciação genérica e imprecisa sobre a composição de cada um dos imóveis avaliados;

- Não há referência ao preço do metro quadrado, atribuído aos prédios urbanos nas respectivas áreas de localização;

- Não há referência específica ao material usado e respectiva influência no valor atribuído;

- Não há concretização sobre a “idade” dos prédios urbanos.
[14] Disse a Magistrada nesse despacho:
“[…]

Notifique o senhor perito subscritor do Relatório apresentado a fls. 705 e 706 para, no prazo de 10 dias, prestar os esclarecimentos que entender por convenientes, completando o seu relatório, face à reclamação apresentada pelos interessados J… e outros, remetendo-se cópia de fls. 710 e 711.

[…]

Quanto ao pedido de 2.ª avaliação, oportunamente e caso os interessados J… e outros o mantenham, após os esclarecimentos que o Sr. Perito venha a prestar, nos pronunciaremos sobre o mesmo.
[…]”
                [transcrição de fls. 717]
[15] Trata-se da verba 1 relacionada a fls. 683, nos seguintes termos: “[d]evem as heranças dos inventariados à cabeça de casal e sua filha, M…, a quantia total nunca inferior a €21.144,78, respeitando a todas as despesas que ela [teve] com os autores das mesmas em vida(na saúde e na doença e em todos os cuidados a eles respeitantes) e após os óbitos (funeral e restantes despesas atinentes), já que, para além dos documentados daquele valor (€21.144,78), outras há, não documentadas, que se não reclamam dada a dificuldade da sua prova”.
[16] Para compreensão da situação, sendo evidente que os agravantes tinham razão, aqui se transcrevem as conclusões desse recurso (que viria a ficar sem efeito, mercê de ter sido reparado):
“[…]

1ª: O passivo descrito, aprovado apenas por 3 dos 5 interessados, todos maiores e capazes, deve considerar-se judicialmente reconhecido, relativamente à quota-parte de cada um na mesma, devendo a sentença que julgue a partilha condenar no seu pagamento e, até, pela quota-parte no activo, havendo-o a final (termos dos arts. 1356-1, ex vi 1354-1 e 1358, todos do CPC e 2097 e 2098-1 e 2, ambos do CC).

2ª: Ao passivo relacionado, de €21.144,78 haverá que subtrair-se a quantia em dívida reconhecida ou resolvida, de €2.806,15, como dívida vencida das heranças, devendo a sentença que julgue a partilha condenar no seu pagamento.

3ª: Outrossim, a quantia restante daquela dívida relacionada, de €18.338,63, deve ser também judicialmente reconhecida no tocante às quotas-partes dos interessados e ora agravantes, ficando estes a coberto de futura demanda, face à aprovação na presente sede de inventário (€18.338,63 x 5 = €3.667,72 x 3 = €11.003,00), sem custas pela c.c. e agravante, que nenhuma causa deu à não aprovação.
[…]”
                [transcrição de fls. 752].
[17] Negando a aclaração, não deixou a Senhora Juíza a quo de observar o seguinte:
“[…]

Ora, compulsada a aludida decisão que reparou o primeiro despacho proferido, mormente no que ao segmento condenatório de custas diz respeito, e tendo em conta os considerandos supra tecidos, não se vislumbra que a mesma padeça de um qualquer vício ou obscuridade.

Ao invés, da mesma resulta suficientemente esclarecido o motivo de tal condenação, tanto mais que o incidente em causa foi originado conquanto as interessadas não aprovaram o passivo, tendo havido necessidade, por parte do tribunal, mercê de tal não aprovação, de pronunciar-se quanto a tal matéria.

No fundo, o despacho de reparação foi elaborado na senda do primeiro despacho sobre o qual recaiu o recurso, e reparado nos precisos termos requeridos, sendo que naquele primeiro já as interessadas tinham sido condenadas em custas.
[…]”
                [transcrição de fls. 765/766]
[18] Do qual destacamos:
“[…]

O objecto da avaliação é o definido a fls. 698.

É então por referência à resposta a uma tal avaliação realizada pelo Sr. Perito que se afere da necessidade de realizar ou não uma 2ª perícia.

Ora, o Sr. Perito ao proceder à avaliação dos bens relacionados, veio em requerimento posterior esclarecer como tinha chegado aos respectivos valores, valores esses com os quais as licitantes não concordam por considerarem não constar do relatório efectuado um conjunto de premissas que deviam ter sido no mesmo exaradas para se poder concluir pela atribuição dos valores em causa.

Assim, ao abrigo do que dispõe o artigo 589º, n.º 1 do Código de Processo Civil ora aplicável, ‘qualquer das partes pode requerer a realização de uma segunda perícia (…) alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado’.

Afigura-se-nos assim que, em face das razões invocadas pelas interessadas que fundamentam a sua discordância relativamente ao relatório pericial, não lhes assiste qualquer razão.

Ao invés, o Sr. Perito nomeado esclareceu fundadamente os valores atribuídos aos prédios objecto da perícia.

Se aquelas interessadas não concordam com tais valores, isso não é questão para ser resolvida nesta sede, nem tão pouco motivo para recorrer a uma segunda perícia.

Todavia, quanto ao valor atribuído à verba n.º 3, ele não poderá ser tido em consideração, por ter sido calculado com base no que ‘provavelmente’ existiria no local.

As perícias têm que fundamentar-se em dados objectivos, e não podem passar por especulações sobre o que existiria no local.

Mais se constata que o Sr. Perito não procedeu à avaliação da verba b2) de fls. 680, omissão que se impõe suprir.

Como assim, e sem necessidade de outros considerandos, indeferindo a realização da segunda perícia, determina-se que o Sr. Perito proceda à avaliação do prédio em falta, no prazo de 20 dias.
[…]”
                [transcrição de fls. 780/781].
Note-se que esta determinação final foi cumprida pelo Senhor perito a fls. 786.
[19] Que foi o seguinte:
“[…]

--- Verba n.º 62 - licitada em comum e na proporção dos respectivos quinhões pelos interessados …, pelo valor global de €15.000,00 (quinze mil euros). -------------------------

--- Verba n.º 63 - licitada pela interessada J…, pelo valor de €15.000,00 (quinze mil euros). -----------------------------------------------------------------------------------------

--- Verba n.º 64 - licitada em comum e na proporção dos respectivos quinhões pelos interessados …, pelo valor global de €3.000,00 (três mil euros). ------------------------------

--- Verba n.º 65 - licitada em comum e na proporção dos respectivos quinhões pelos interessados …, pelo valor global de €10.000,00 (dez mil euros). ---------------------------

--- Verba n.º 66 - licitada pela interessada J…, pelo valor de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros). -----------------------------------------------------------------------------------------
[…]”
                [transcrição de fls. 815/816]
[20] Interessa deste despacho o seguinte trecho:
“[…]

Assim, e atento o supra exposto, deverá proceder-se à partilha da seguinte forma, no que respeita aos bens deixados pela inventariada Maria:

1 – Soma-se o valor dos bens deixados, com o aumento das licitações e o valor dos bens doados, por forma a achar o valor dos bens a partilhar, subtraindo-se o passivo aprovado, nos termos em que o foi.

2 – Divide-se o valor dos bens a partilhar, correspondendo metade à meação do cônjuge sobrevivo, C…, nos bens comuns do casal, que como tal lhe será adjudica, nos termos dos artigos 1721º e seguintes do Código Civil, e a outra metade, que constitui o valor da herança a partilhar, à meação da inventariada;

3 – Por sua vez, a meação da inventariada é dividida em três partes iguais, constituindo uma a quota disponível e as outras duas a quota indisponível. Esta quota indisponível, por sua vez, divide-se em quatro partes iguais, correspondendo uma delas ao valor do quinhão hereditário de C… que, como tal, lhe será adjudicado (nos termos dos artigos 2133º, n.º 1, al. a), e 2139.º do Código Civil); As restantes três partes serão divididas em 5 partes iguais, correspondendo cada uma delas ao valor do quinhão hereditário dos 5 filhos da inventariada, a quem deverão ser adjudicadas, atento o exposto no artigo 2136º do Código Civil.

4 – Imputam-se na quota disponível da inventariada as doações efectuadas, e o excesso, havendo-o, na legítima dos interessados donatários.

5 – O preenchimento dos quinhões far-se-á de acordo com o resultado da conferência de interessados.

[…]

Quanto aos bens deixados pelo inventariado C… proceder-se à partilha da seguinte forma:

1 – Soma-se o valor da sua meação nos bens comuns do casal com a sua quota hereditária na herança da inventariada Maria … e com o valor dos bens próprios, por forma a achar o valor dos bens a partilhar, subtraindo-se o passivo aprovado, nos termos em que o foi.

2 – Divide-se o valor dos bens a partilhar em três partes iguais, constituindo uma a quota disponível e as outras duas a quota indisponível. Esta quota indisponível, por sua vez, divide-se em 5 partes iguais, correspondendo cada uma delas ao valor do quinhão hereditário dos 5 filhos do inventariado, a quem deverão ser adjudicadas, atento o exposto no artigo 2136º do Código Civil.

3 – Imputam-se na quota disponível do inventariado as doações efectuadas, e o excesso, havendo-o, na legítima dos interessados donatários.

4 – O remanescente da quota disponível, se o houver, é dividido em 2 partes iguais pelas herdeiras testamentárias J… e N…;

5 - O preenchimento dos quinhões far-se-á de acordo com o resultado da conferência de interessados.
[…]”
                [transcrição de fls. 839/840]
[21] Nos seguintes termos:
“[…]

Mapa Informativo
[…]

[22] No essencial, dizem nessa reclamação o seguinte: o inventariado C…, já no estado de viúvo, no dia 27.09.2005 outorgou testamento em favor das mesmas, onde as institui herdeiras da sua quota disponível; essa quota disponível deverá ser partilhada entre doações e testamento; pelo que no mapa de partilha deverá constar que a quota disponível do inventariado seria a dividir pelos 5 filhos.
[23] Deste consta, no que apresenta interesse para o ulterior recurso de apelação:
“[…]

[N]o caso em apreço, defendem os reclamantes que no mapa da partilha organizado não se refere a existência do testamento outorgado pelo inventariado C…, defendendo ainda que a quota disponível do mesmo deveria ser a dividir por 5 filhos - 3 donatários e 2 herdeiros testamentários.

Compulsado, porém, tal mapa verifica-se que o mesmo observa o despacho determinativo da forma à partilha de fls. 838, onde expressamente se refere que o remanescente da quota disponível do inventariado, se o houver, é dividido em 2 partes iguais pelas herdeiras testamentárias. Sucede que, como decorre das operações de partilha de fls. 853, após imputação das doações efectuadas pelo inventariado, nada resta da sua quota disponível, nada havendo a dividir por conta do testamento.

Assim sendo, e uma vez que não se verifica qualquer lapso, irregularidade ou desconformidade no mapa da partilha organizado a fls. 851, indefere-se, sem necessidade de outras reclamações, a reclamação apresentada.
[…]”
                [transcrição de fls. 870/871].
[24] Aqui a transcrevemos:
“[…]

Foi o presente inventário instaurado por óbito de Maria … e C…, os quais deixaram a suceder-lhes os interessados elencados a fl. 110.

Os bens a partilhar constavam da relação de fls. 666 e ss.

Realizada a conferência de interessados, nela os interessados acordaram quanto à adjudicação de parte dos acervos hereditários, tendo-se produzido licitações quanto aos bens sobre os quais não incidiu o referido acordo (cfr. as actas de fls. 695 a 699 e 814 a 816).

Subsequentemente elaborado o mapa de partilha, foi o mesmo objecto, sem sucesso, de reclamação.

Deste modo homologo a partilha tal como consta do mapa respectivo (fls. 851 a

861).

Mais condeno os interessados no pagamento do passivo, nos termos em que o mesmo foi reconhecido (cfr. o despacho de fls. 755 a 757).

Custas pelos herdeiros – artigo 1383º, nº 1 do CPC.
[…]”
                [transcrição de fls. 872]
[25] Tendo em conta que as Agravantes retomam na alegação final respeitante à apelação os anteriores recursos de agravo, importa sublinhar que valem, quanto a esses agravos, as conclusões formuladas, a seu tempo, em sede de motivação desses recursos.
[26] Estando em causa processo pendente em 20/04/2009, aplica-se neste caso o Código das Custas Judiciais, não o Regulamento das Custas Processuais (v. artigo 27º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).
[27] Nega essa possibilidade, por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 12/03/1998 (Coelho da Rocha), publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1998/II, pp. 201/203. Esta tese assenta numa determinada leitura do exórdio do Decreto-Lei nº 227/94, de 8 de Setembro, que reformulou o processo de inventário, simplificando-o, em termos de atribuir uma espécie de valor reforçado, próximo de uma “primeira avaliação”, à indicação de valor pelo cabeça de casal, funcionando o controlo avaliativo decorrente do nº 1 do artigo 1365º do CPC, já como uma espécie de segunda avaliação.
[28] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1998/IV, pp. 44/46.
[29] No Código anterior à reforma de 95 estava em causa o artigo 609º, nº 1 (artigo 613º do Código de 39):


Artigo 609º
(Prazo e função do segundo arbitramento)
1. É lícito a qualquer das partes requerer segundo exame, vistoria ou avaliação, dentro do prazo de oito dias depois de efectuado o primeiro, e ao tribunal ordená-lo oficiosamente, a todo o tempo, desde que o julgue necessário
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Este regime era correntemente interpretado, seguindo o pensamento de Alberto dos Reis, como desnecessidade, para a parte, de “[…] fundamentar o pedido de segundo arbitramento” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, p. 600).
[30] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra, 2008, p.554.
[31] Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Coimbra, 2004, p. 509.
[32] Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2004, p. 280.
[33] É neste ponto que o Autor pressupõe a questão colocada pelas Apelantes.
[34] Lições de Direito das Sucessões, 3ª ed., Lisboa, 2008, pp. 439/441.
[35] Cujo artigo 1493º, estabelecia que “[a] redução das doações inoficiosas começará pelas doações testamentárias ou legados, e só se estenderá às doações entre vivos, se não chegarem os bens doados”.
[36] Código Civil anotado, Vol. VI, Coimbra, 1998, p. 276.
Este privilegiamento da doação face ao testamento ocorre, identicamente, no Direito italiano, através da articulação entre os artigos 554 e 555 do Codice Civile:
Art. 554.
Riduzione delle disposizioni testamentarie.
Le disposizioni testamentarie eccedenti la quota di cui il defunto poteva disporre sono soggette a riduzione nei limiti della quota medesima.
Art. 555.
Riduzione delle donazioni.
Le donazioni, il cui valore eccede la quota della quale il defunto poteva disporre, sono soggette a riduzione fino alla quota medesima.
Le donazioni non si riducono se non dopo esaurito il valore dei beni di cui è stato disposto per testamento.[as doações só se reduzem depois de estar esgotado o valor dos bens dos quais se dispôs por testamento].
V., sobre a prevalência das doações, G Pescatore, C. Ruperto, Codice Civile annotato, 9ª ed., Tomo I, Milão, 1993, pp. 573/576.
[37] José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Sucessões, 5ª ed., Coimbra, 2000, p. 386.