Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
291/15.2T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
TEMPO DE FORMAÇÃO DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 111º E 113º, Nº 1, AMBOS DO CÓDIGO DE TRABALHO.
Sumário: I – A formação do trabalhador só deve contar para a contagem do período experimental, para além dos casos em que é determinada pelo empregador previamente à celebração do contrato de trabalho, quando se tenha já iniciado a execução do contrato de trabalho.

II – Compreende-se que assim seja, porque na formação anterior ao início do contrato o trabalhador/formando não está sob o poder de direcção da futura entidade empregadora.

III – Salvo situações pontuais, a avaliação do interesse da manutenção do vínculo laboral só poderá ocorrer quando o empregador possa exercer o seu poder de direção, de conhecimento sobre as aptidões técnicas do trabalhador e da sua valorização pelo empregador, o que na grande maioria das vezes só poderá acontecer após o início de execução da relação laboral.

Decisão Texto Integral:





                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... veio instaurar contra, B... Lda, a presente acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a importância de € 59.657,391, acrescida de todas as retribuições e subsídios que se vencerem até ao transito em julgado que conhecer do pedido e bem assim juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

                        Alegou, tal como consta da sentença recorrida, que, após contactos tidos com a Ré em Fevereiro de 2014, veio a aceitar proposta de trabalho que esta lhe fez, para o que denunciou o seu contrato de trabalho no seio de outra empresa, e passou a prestar funções de piloto sénior de helicópteros e aeronaves para a Ré, tendo, em Maio do mesmo ano, frequentado na Suíça, uma ação de formação, cujos custos forma suportados pela Ré.

                        Foi-lhe proposta a retribuição de €4.500,00/mês, a que acresceriam €100,00, por cada dia de permanência em Angola, ao serviço da Ré e ainda o pagamento de todas as despesas de alojamento, viagens, documentos, licenças necessárias à prestação do serviço do Autor, transportes e despesas médicas.

                        Em Abril de 2014, celebrou com a Ré contrato de trabalho por tempo indeterminado, sob a forma verbal, para iniciar em Maio, e em Julho do mesmo ano foi-lhe pedido para assinar um contrato de trabalho, o que fez, apesar de não corresponder à verdade que somente nessa data iniciasse as suas funções.

                        Em 27 de Novembro de 2014, a Ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho, com a invocação de que se encontrava em período experimental, o que não aceita e tem por despedimento, cuja ilicitude requer seja declarada, com as legais consequências.

                        A Ré apresentou contestação, alegando que efectivamente em meados de Fevereiro de 2014 abordou o Autor, quando este ainda trabalhava para a C... , empresa esta que, por decisão governamental, veio a iniciar processo de extinção e liquidação de activos.

                        O Autor e bem assim os outros pilotos contratados iniciaram funções a partir do primeiro dia de Junho de 2014, sendo que a formalização do contrato de trabalho, mercê de várias alterações do respectivo articulado de ambas as partes, apenas veio a ocorrer em Julho.

                        No período em que o Autor esteve ao serviço da Ré em Angola não demonstrou ter as características profissionais que eram expectáveis, o que determinou o regresso antecipado do Autor e a consequente entrega a este da declaração de denúncia do contrato de trabalho, no período experimental, em 27 de Novembro de 2014.

                        Conclui pugnando pela sua absolvição dos pedidos formulados pelo Autor.

                        Na data designada para realização da audiência de julgamento a Ré, apesar de devidamente notificada, não compareceu nem se fez representar por mandatário judicial, pelo que foi proferido despacho, ditado para a acta,  de onde consta que se considerariam provados os factos alegados pelo Autor, que sejam pessoais da Ré, caso esta, não viesse, no prazo legal, a justificar a falta, nos termos do disposto no artigo 71º, nº2, do CPT, prosseguindo o julgamento com a produção de prova requerida pelo Autor, de que não prescindiu.

                        A Ré não justificou a falta.

                        Realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido .

                                                                       x

                        Inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

[…]

                       

                        A Ré não contra-alegou.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                   - a impugnação da matéria de facto;
                   - se o contrato cessou no decurso do período experimental, contando-se para o mesmo o período de formação do Autor.
                                                               x
                        A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
                        […]

                               

                                                                       x
                        - a reapreciação da matéria de facto:
                        […]
                       

                        - o decurso do período experimental:

                        Falecendo a argumentação do Autor de, tendo em conta que o contrato se iniciou antes de Junho de 2014, já ter decorrido o período experimental, importa agora saber se, para esse decurso, se deve contabilizar o tempo de formação do Autor, a que se refere o facto 5.

                        A este propósito escreveu-se na sentença:

                        “Uma das linhas de exposição do Autor com vista a considerar-se a sua relação de trabalho iniciada antes de 01 de junho de 2014, baseava-se na frequência, em Maio, desse mesmo ano, de uma ação de Formação na Suíça, cujos custos foram

suportados pela Ré e que decorreu durante 4 dias, entre 20 e 24 – vd. folhas 82 -.

                        Contudo, segundo elementos dos autos, e resultantes de depoimento das testemunhas, também colegas do Autor na empresa onde trabalhavam antes – C... – e que igualmente vieram depois, a partir de Junho de 2014, a iniciar funções na

Ré, juntamente com o Autor, tal formação, foi efetuada em período de férias daquela empresa onde trabalhavam, sendo que o vínculo do Autor na mesma, perdurou até 30/05/14.

                        É certo que no artigo 113º do C.T, se diz que o período experimental se conta, a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo ação de formação determinada pelo empregador. Contudo, não se provou nem que a aludida ação de formação fosse determinada pela Ré (não obstante esta ter assumido os custos da mesma), que aliás nessa data ainda não detinha sequer poder de direção sobre o Autor e colegas deste, que também frequentaram a dita ação de formação, dado o vínculo laboral que ele e os outros, ainda mantinha na C... , nem, ainda que o tivesse sido, se poderia de alguma forma enquadrar, naquelas ações de formação a que se reporta o citado normativo, pois as ações de formação desenvolvidas antes da celebração do contrato de trabalho, como é o caso, não relevam para efeitos de contagem do período experimental - vd. a este respeito, Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho – 3ª edição- p.590”.

                        Esta argumentação merece a nossa inteira concordância.

                        Não está provado que a acção de formação do Autor tenha sido determinada pela Ré.

                        Dispõe o artº 111º, nº 1, do CT:

                         “1 - O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”.

                        Por sua vez, o artº 113º, no seu nº 1, rege:

                        “1 - O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo ação de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período”.

                        Como é bom de ver, e numa interpretação que nos parece a ser mais adequada com a redacção de tais disposições legais e com os princípios gerais da regulamentação legal sobre a relação jurídico-subordinada que caracteriza o contrato de trabalho, a formação do trabalhador só deve contar para a contagem do período experimental, para além dos casos em que é determinada pelo empregador previamente à celebração do contrato, quando se tenha já iniciado a execução do contrato de trabalho- é o que resulta claramente da concatenação das expressões “tempo inicial de execução do contrato de trabalho”, constante do nº 1 do artº 111º, e “conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador”, contida no nº 1 do artº 113º.

                        Compreende-se a solução legal, porque na formação anterior ao início do contrato o trabalhador / formando não está sob o poder de direcção da futura entidade empregadora.

                        Como igualmente é de  fácil percepção se tivermos em conta a razão de ser e a natureza do período experimental.

O mesmo constitui um lapso de tempo durante o qual as partes avaliarão se lhes interessa a manutenção do vínculo, atentas as circunstâncias concretas que se lhes forem revelando, permitindo-se que até ao termo do mesmo o rescindam sem necessidade de invocação de justa causa ou anúncio de aviso prévio. O referido período poderá ser excluído por acordo escrito da partes- nº 3 do artº 111º, ou reduzido por instrumento de regulamentação colectiva convenção colectiva ou por acordo escrito das partes- nº 5 do artº 112º. Tal período funciona como uma cláusula de segurança para as partes, permitindo-lhes libertar-se, sem custos ou promessas demasiadas, de um vínculo contratual que se revelou indesejável e é contrário a expectativas criadas.

Como se escreveu no recente Ac. desta Relação de 7/4/2016, proc. 639/14.7T8LRA.C1 (relator Azevedo Mendes), durante esse período o empregador poderá avaliar das qualidades e aptidões do trabalhador para a função que exerce, para a adequada integração na organização e para a prossecução dos seus fins; por sua vez, o trabalhador poderá avaliar do seu interesse na continuação da sua integração na estrutura organizativa do empregador. O período experimental assume, contudo e naturalmente, maior relevância para o empregador na medida em que, sendo para este muito mais exigente o condicionalismo legal para a cessação do contrato de trabalho, lhe permite resolvê-lo sem necessidade de invocação de justa causa ou de qualquer outro motivo legalmente previsto para a cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa

                Como refere Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag, 489) “no período experimental tanto poderão ser testadas as competências profissionais e técnicas do trabalhador, como aspectos mais pessoais que a prestação de trabalho co-envolve. Na realidade, a inserção do trabalhador numa determinada estrutura organizativa, uma vez que a pessoa do trabalhador será chamada a interagir com uma multiplicidade de outros sujeitos (colegas, superiores hierárquicos, fornecedores, clientes), justifica que certos aspectos da personalidade do trabalhador possam ser também relevantes para que o empregador tome uma decisão definitiva quanto à conveniência em contratá-lo, pelo que tais facetas da sua personalidade poderão também ser avaliadas durante o período experimental”.

                        O período até 180 dias, da al. b) do nº 1 do artº 112º do CT, é fixado para “os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança“.

                        Sendo as empresas estruturas hierarquizadas, o grau de responsabilidade será tanto mais elevado quanto mais elevado for o nível hierárquico que se ocupa na organização da empresa. O mesmo se diga em relação às funções de confiança que, em princípio, estão também associadas ao desempenho de funções hierárquicas. Embora possa haver cargos que exijam elevado grau de responsabilidade ou funções de confiança independentemente do desempenho de funções hierárquicas, é sempre indispensável a consideração de factos que consubstanciem os conceitos de “cargos de complexidade técnica”, "elevado grau de responsabilidade" e de "funções de confiança”.

                        Não está em causa, nos presentes autos, a fixação do período em 180 dias, mas apenas, como se referiu, a contabilização do período de formação.

                        Para além da clareza da redacção legal, que acima abordámos, é manifesto que, salvo situações pontuais, a avaliação do interesse da manutenção do vínculo só poderá ocorrer quando o empregador possa exercer o seu poder de direção, de conhecimento sobre as aptidões técnicas do trabalhador e da sua valorização pelo empregador, o que, na grande maioria das vezes, só poderá acontecer após o início de execução da relação laboral.

                O carácter duradouro da relação de trabalho põe em movimento relevantes interesses das partes. Do ponto de vista da entidade empregadora, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se o trabalhador contratado mostrar que possui as qualidades e as aptidões laborais procuradas; do ponto de vista do trabalhador, pode acontecer que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem intolerável a permanência do vínculo assumido. Para tal só o desenvolvimento factual e efectivo da relação de trabalho pode esclarecer, com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os interesses, conveniências ou necessidades de ambas as partes. Para que o período de experiência assegure a referida função, é necessário que o contrato esteja a ser executado, isto é, que se inicie a prestação no seio da organização- cfr. Ac. Da Rel. de Lisboa de 7/3/2007, proc. 27/2007-4, in www.dgsi.pt.

                        Como tal, parece-nos incontroversa a argumentação de Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, pag. 590, quando afirma que ”a formação realizada antes da constituição da relação laboral não se enquadra na execução do contrato de trabalho e, por esse motivo, não se justifica a equiparação que a lei estabelece, ainda que só para efeitos de contagem do período experimental, à execução da prestação do trabalhador devida por força do contrato de trabalho”.

                        E nota 40 da pag. 589 de tal obra, o mesmo autor refere que “também Júlio Gomes (Direito do Trabalho, cit, 495), quando analisa a relevância da formação profissional no período experimental, se circunscreve sempre à formação desenvolvida na constância da relação de trabalho”.

                        Por sua vez, embora tirado no âmbito do CT de 2003, mas cuja argumentação nos parece manter-se plenamente válida,  dado que se não verificaram alterações de relevo na correspondente legislação, veja-se o Acórdão do STJ de 16/11/2010 (In, proc. nº 832/08.1TTSTB.E1.S1, www.dgsi.pt) :“1. O nº 1 do artigo 106º do Código do Trabalho de 2003, ao equiparar, para efeitos de contagem do período experimental, a execução da prestação pelo trabalhador “às acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste”, teve em vista os sujeitos de um contrato de trabalho, o que inculca a ideia de que as acções de formação contempladas no preceito são apenas aquelas que ocorrem na pendência do contrato de trabalho e não também as que se desenvolvem antes da celebração desse contrato, sendo certo que, antes da aludida celebração não existe empregador e o futuro empregador não dispõe de poder do poder de direcção que lhe permita determinar a frequência de acções de formação”.

                        Não nos merece, assim, qualquer censura a decisão recorrida.
                                                                       x
                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                           Coimbra, 09/06/2016

                                              

                                                                   (Ramalho Pinto)         

                                              

                                                                 (Azevedo Mendes)

                                              

                                                            (Joaquim José Felizardo Paiva)