Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2265/08.0TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL MARÍTIMO
CONTRATO DE AGÊNCIA
NAVEGAÇÃO MARÍTIMA
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 78º,AL. F), E 90º, AL. T), DA LOFTJ (LEI Nº 3/99, DE 13/01). DEC. LEI Nº 76/89, DE 3/05; AL. F) DO ARTº 1º DO D.L. Nº 202/98, DE 10/07.
Sumário: I – Decorre do disposto no artº 78º, al. f), da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13/01) que são de competência especializada os tribunais marítimos.

II – No artº 90º, al. t), do dito diploma, dispõe-se que são da competência desses tribunais “todas as questões em geral sobre matérias de direito comercial marítimo”.

III – Estando em causa o alegado incumprimento de um contrato de agência (de navegação), a sua apreciação não passa exclusivamente por normas jurídicas civis e comerciais aplicáveis a tal espécie de contrato, uma vez que as obrigações dele decorrentes no âmbito da actividade do agente de navegação se estendem a todo um conjunto de tarefas logísticas ligadas à navegação.

IV – Donde concluir-se que os serviços, funções e tarefas desempenhados no contexto de um contrato de agência de navegação, respeitantes à actividade típica de um agente de navegação, embora regulada analogicamente pelas disposições respeitantes ao contrato de agência, são submetidos à disciplina do direito comercial marítimo.

V – Pelo que um qualquer litígio desta natureza se inscreve na competência do tribunal de competência especializada – o Tribunal Marítimo de Lisboa.

Decisão Texto Integral:          ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

         I- RELATÓRIO

         I.1- «A.... Ldª», com sede em Aveiro, intentou em 3.7.08 nos então juízos cíveis de Aveiro, acção de condenação sob a forma ordinária contra «B....», com sede na Holanda, pedindo a condenação desta sociedade a pagar-lhe a quantia de 181.508,00 € mais juros vincendos.

         Alegou, para o efeito, que, na sua actividade de agente de navegação, fez agenciamento dos navios da ré - empresa que se dedica ao transporte marítimo de cargas -, desde 1988 até 20.4.07, data em que a mesma ré resolveu terminar o contrato de agência, não mais recorrendo aos serviços da A., tendo posto termo ao contrato sem qualquer pré-aviso, e por isso tem a A. direito a ser indemnizada pelo prejuízo com tal ruptura, indemnização correspondente ao valor que auferiria pela cessação antecipada do contrato e a uma remuneração por clientela.

         Contestou a ré por excepção e impugnação, sendo que no âmbito da defesa excepcional invocou a incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal comum, por entender que a competência para a causa se radica no Tribunal Marítimo de Lisboa.

         Após réplica da A., que sustentou a improcedência da excepção dilatória invocada, foi proferido em 26.1.2010 despacho saneador no qual, após fixar o valor da acção, conheceu da deduzida excepção, julgando-a procedente, declarando o Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro incompetente em razão da matéria para julgar a presente acção, por caber tal competência ao Tribunal Marítimo de Lisboa, absolvendo assim a ré da instância.

         I.2- Inconformada apelou a autora, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:

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I.3- Contra-alegou a ré em defesa do julgado.

Nada obsta ao conhecimento do recurso.

Cumpre decidir.

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II - FUNDAMENTOS

A questão – única – a analisar, prende-se com a competência ou incompetência material do tribunal comum para o julgamento da causa.

Nos termos do art.67º, C.P.C., as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.

Neste âmbito, decorre do disposto no art.78º-f) da L.O.F.T.J. (Lei nº3/99, de 13.1, em vigor à data de propositura da acção) que são de competência especializada, os tribunais marítimos. E o art.90º do mesmo diploma enumera nas suas alíneas a) a s) as questões que compete conhecer ao tribunal marítimo. Na al.t) dispõe-se serem igualmente da competência desse tribunal “todas as questões em geral sobre matérias de direito comercial marítimo”.

A competência em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.

A A. aqui recorrente, afirmou, a título de causa de pedir, ter a ré denunciado sem qualquer pré-aviso o contrato de agência que verbalmente acordara com a A.. Alega (art.6º) que na execução desse contrato agenciava os navios da ré, coordenava e superintendia ás operações de carga e descarga no porto de Aveiro, e também procedia à promoção de vendas e angariação de cargas junto de empresas residentes em Portugal para o serviço de linha regular denominado «A.... – Liner Service».

O pedido que contra a ré formulou, visa a compensação pela cessação antecipada do contrato e a indemnização de clientela.

No cálculo que faz, toma como base a remuneração geral de agência reportada ao ano de 2006, onde inclui a remuneração fixa (agency-fee), comissão de angariação, resultado transporte terrestre e resultado operação portuária.

Em defesa da sua posição no sentido de ser o tribunal comum o competente para a acção, diz a recorrente que, discutindo-se a existência de um contrato de agência e as consequências da sua resolução, o elemento essencial e preponderante radica no direito civil e comercial, e não no direito comercial marítimo.

Com o devido respeito, não pensamos assim.

A A. exerce a actividade de agente de navegação, cujo regime jurídico está previsto no DL76/89, de 3.5, alterado pelo DL148/91, de 12.4. O agente de navegação exerce actividades típicas naturalmente ligadas à actividade marítima, e por isso a sua actividade depende de prévia inscrição na Direcção-Geral da Navegação e dos Transportes Marítimos, bem como da obtenção de uma licença concedida pelas autoridades portuárias competentes.

Por outro lado, como vem salientado na decisão sob recurso, e ainda no Ac. da R. L. de 19.6.08 (proc.8527/07-6) que de perto seguimos, a figura do agente de navegação vem definida na al.f) do art.1º do DL 202/98, de 10.7, como “aquele que em representação do proprietário, do armador, do afretador ou do gestor, ou de alguns destes simultaneamente, se encarrega de despachar o navio em porto e das operações comerciais a que o mesmo se destina, bem como de assistir o capitão na prática dos actos jurídicos e materiais necessários à conservação do navio e à continuação da viagem”.

Acrescenta o art.9º do referido diploma que “a actividade do agente de navegação rege-se pelas disposições legais aplicáveis ao mandato com representação e, supletivamente, pelas disposições respeitantes ao contrato de agência”.

Portanto, em contrário do defendido, estando em causa o alegado incumprimento dum contrato de agência, a sua apreciação não passa exclusivamente pelas normas jurídicas civis e comerciais aplicáveis a tal contrato. As obrigações dele decorrentes no âmbito da actividade do agente de navegação, estendem-se a todo um conjunto de tarefas logísticas ligadas à navegação. Há toda uma actividade que tem na sua génese a navegação marítima, e por isso se lhe aplica por analogia o contrato de agência.

Tanto assim é que a própria autora alude nos arts.6º, 13º e 14º da petição, a um conjunto de serviços que desempenhava no âmbito da sua actividade de agente de navegação, tais como, operação de transporte terrestre da carga para satisfação das obrigações assumidas pela ré, operações portuárias de carga/descarga dos navios (estiva, tráfego e conferência), para além da promoção de vendas e angariação de cargas.

Donde concluir-se que os serviços que a A. prestava à ré, as funções que desempenhava e as tarefas que cumpria, tudo no contexto do contrato que as ligava, respeitavam à actividade típica de um agente de navegação – figura ligada à actividade comercial marítima -, regulada analogicamente, como se disse, pelas disposições respeitantes ao contrato de agência, mas submetida à disciplina do direito comercial marítimo. Tal como refere a ré/recorrida, a actividade do agente de navegação não se encontra regulada em legislação civil e comercial nem se subsume à actividade típica de um agente comercial.

É certo, como refere a recorrente, que não se levantam aqui questões que tenham subjacente a ideia de “risco do mar”, da competência dos tribunais marítimos. Todavia, e antes se salientou, toda a actividade desenvolvida pela A. como agente de navegação da ré e as questões que emergem do contrato em causa, estão em conexão directa com as operações portuárias e contratos de transporte de mercadorias por mar, e como tal ligadas ao direito marítimo. A peticionada compensação e indemnização de clientela, tal como a A. a estruturou, corresponde a situações peculiares atinentes ao tráfego marítimo e por causa dele, e por isso ligadas a matérias respeitantes ao direito marítimo.

Em suma, a matéria em causa invocada não pode deixar de enquadrar-se na citada al.t) do art.90º da Lei 3/99, ainda que admitamos ser controversa esta posição.

Donde estarmos perante um litígio formal que se inscreve na competência do tribunal de competência especializada, o Tribunal Marítimo de Lisboa, tal como decidido na 1ª instância.

Improcede, por isso, o recurso.

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III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão apelada.

Custas pela recorrente.