Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
320/17.5GBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ;
ALCOOLÍMETRO;
PRAZO DE VALIDADE;
VALIDADE DA PROVA
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1.º, N.ºS 2 E 3, 2.º, N.ºS 1, 2 E 7, DO DL N.º 291/90, DE 20-09; ART. 10.º DA PORTARIA N.º 1556/07, DE 1556/2007, DE 10-12
Sumário:
I – A conjugação das normas dos referidos n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 2.º do DL n.º 291/90, de 20-09, conduz às seguintes conclusões:
- A aprovação do modelo de alcoolímetro permite que, no prazo da sua validade, o fabricante introduza no mercado respectivo o aparelho aprovado, desde que mantenha as suas características técnicas;
- Se, no decurso desse prazo, aquele «introduzir alteração ou substituição de componente ou por adjunção de dispositivo complementar, modificações que possam influenciar os resultados das medições ou as condições regulamentares de utilização» nos novos aparelhos, deve sujeitar o modelo a nova aprovação complementar (art. 2.º, n.º 5);
- Porque as especificações atinentes ao aparelho aprovado não podem ser alteradas sem prévia aprovação complementar, e caso esta não seja obtida, a aprovação é revogada se ocorrer desconformidade com o modelo aprovado [n.º 6, al. a)] ou se se revelar defeito que torne os aparelhos de medição impróprios para o fim a que se destinam [n.º 6, al. b)].
II – Ocorrendo renovação da aprovação do modelo, pode o fabricante ou importador introduzir no mercado respectivo, no decurso do novo prazo, aparelhos do mesmo modelo e com as mesmas especificações.
III – Caso contrário, ao fabricante ou importador do modelo fica vedada a introdução de novos aparelhos no mercado, sem prejuízo de os aparelhos referentes ao modelo aprovado – e anteriormente introduzidos no mercado – poderem permanecer em utilização «desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis» (art. 2.º, n.º 7), quais sejam, as que resultam das verificações periódicas (art. 4.º) ou extraordinárias (art. 5.º).
IV – Tal entendimento é reforçado pela norma do artigo 10.º da Portaria n.º 1556/07, de 19/12, donde resulta que o exame de pesquisa de álcool no sangue será válido, desde que o alcoolímetro utilizado se encontre em bom estado de conservação e não tenha excedido os erros máximos admissíveis na verificação periódica (anual).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
No Juízo Local Criminal de Porto de Mós, da Comarca de Leiria, no Processo Sumário que aí correu sob o nº 320/17.5GBPMS, foi o arguido AA submetido a julgamento, acusado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69º, 1, a), ambos do Código Penal.
Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos (transcrição):
Pelo exposto, decide-se:
a) Condenar o arguido, AA, pela prática, no dia 11 de Novembro de 2017, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 [setenta] dias de multa à razão diária de € 6,00 [seis euros], perfazendo € 420,00 [quatrocentos e vinte euros]:
b) Condenar o arguido, AA, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados por um período de 4 [quatro] meses;
Para cumprimento da pena acessória determino que o arguido proceda à entrega, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, a sua carta de condução, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela (cfr. artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
c) Condenar o arguido, AA, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, tendo em conta a simplicidade da causa, a confissão, a duração do julgamento e o número de intervenientes processuais - artigos 513.º, n.ºs 1 e 3, 514.º, n.º 1, e 344.º, n.º 2, al. c), todos do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à tabela III anexa.
Após trânsito:
- Boletins à D.S.I.C.,
- Comunique a proibição de conduzir à A.N.S.R. [cfr. artigo 69.º, n.º 4 do Código Penal e artigo 500.º, n.º 1 do Código de Processo Penal].
Notifique e registe.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
I.- Da prova produzida em audiência de julgamento não podem ser dados como provados os seguintes factos:
a)- Que as bebidas alcoólicas ingeridas pelo arguido lhe tenham determinado uma taxa de álcool de 1,701 g/l;
b)- Que o arguido soubesse que a taxa de álcool por si apresentada sempre seria superior a 0,5 g/l;
c)- Que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo e querendo praticar facto proibitivo e punível por lei;
II.- Nos termos do Art.º 14 da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que revogou o decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da Justiça e da Saúde (Portaria n.º 1006/98, de 30 de Novembro) e que sejam aprovados por Despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
III.- No entanto esta aprovação, está ainda dependente da aprovação prévia de marca e modelo pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros aprovado pela Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto em vigor na data da aprovação de modelo e actualmente revogada pela Portaria n.º 1556/2007, de 20 de Dezembro.
IV.- Tal aprovação prévia de modelo foi efectuada pelo Instituto Português de Qualidade, através do despacho de aprovação de modelo com o n.º 211.06.07.3.06, datada de 24 de Abril de 2007, e foi publicado na II Série do Diário da República em 6 de Junho de 2007.
V.- Tal Despacho do Instituto Português de Qualidade (IPQ) fixou a validade da mesma aprovação por um período de 10 anos a contar da data da sua publicação no Diário da República.
VI.- Assim, a validade de tal aprovação expirou em 06/06/2017, pelo que no dia 6 de Outubro de 2017, tal analisador – Drager 7110 MK IIIP – não se encontrava aprovado pelo IPQ - que precede a aprovação de utilização na fiscalização rodoviária pela ANSR – conforme impõe a legislação em vigor.
VII.- Em consequência, o talão emitido pelo referido analisador quantitativo, junto aos autos a fls. 4 não pode servir de meio prova.
VIII.- Nos termos do Art.º 125 do C.P.P só são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
IX.- Ora, como os analisadores só podem ser utilizados nas condições acima referidas, pelo que senão as respeitarem, como aconteceu no caso em apreço, não podem os talões emitidos por tais analisadores servir de meio de prova.
X.- Ora, não podendo servir de meio de prova tal documento, não existe nos autos qualquer outra prova que permita levar à conclusão que o arguido conduzia o seu veículo automóvel com uma taxa de álcool de 1,701 g/l.
XI.- Aliás, a própria meritíssima Juíza reconhece que o Tribunal recorrido se convenceu que a taxa de alcoolémia apresentada pelo arguido corresponde à apurada pelo alcoolímetro DRAGER 7110 MK III P, com n.º ARAA 0039, por se tratar de aparelho devidamente aprovado para o efeito e sujeito à competente verificação metrológica.
XII.- Se a interpretação defendida na douta sentença recorrida fosse a correcta, o disposto no n.º 2 do Artigo 2º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 10 Dezembro, seria inócua, senão mesmo inútil.
XIII.- E não se aplicaria em situação alguma!!!
XIV.- Porque razão aliás o IPQ faz constar, em respeito do aliás também previsto no n.º 3, do Art.º 6 da Portaria n.º 1556/2007, de 19 de Dezembro, no próprio despacho de aprovação de todos os modelos de medição (alcoolímetros) o seu prazo de validade de 10 anos, se depois não se aplica????
XV.- Aliás, esta norma legal até dispõe que a validade da aprovação de modelo só não será de 10 anos se o próprio despacho de aprovação constar o contrário.
XVI.- Ora como acima já se referiu, o último despacho que aprovou o modelo utilizado na fiscalização objecto dos presentes autos – Despacho n.º 1107/2007 – não contrariou o disposto na supra citada norma legal, tendo ficado a constar expressamente o seguinte: “a validade desta aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data da publicação no Diário da República. (sublinhado nosso)
XVII.- Aliás, o disposto no Art.º 10 da Portaria n.º 1556/2007 revela, de forma inequívoca, tal como o disposto no n.º 7 do Art.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/90, que estamos perante normas transitórias que só se aplicariam aos aparelhos cuja autorização de uso tivesse sido determinada por legislação anterior.
XVIII.- Esta excepção, que tem na sua epígrafe “Disposições transitórias” tem a ver com possíveis alterações de requisitos para a sua aprovação com a nova legislação e nunca com os prazos de validade das referidas aprovações.
XIX.- Porque senão estaríamos perante normas inúteis como seriam as previstas no n.º 2 do Art.º 2 do Decreto-Lei n.º 291/90 e n.º 3 do Art.º 6 da Portaria 1556/2007, que impõem expressamente um prazo de validade para os instrumentos de medição,
XX.- Sendo que em relação aos alcoolímetros o prazo de validade pode ser diferente, mas este terá de constar no próprio despacho de aprovação de modelo como está expressamente previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros actualmente em vigor (Art.º 6, n.º 3, da Portaria n.º 1566/2007).
XXI.- Com o maior respeito pela interpretação constante na douta sentença recorrida é bom que se tenha a noção que foram conjugadas duas normas transitórias - n.º 7 do Art.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/90 e o Art.º 10 da Portaria 1556/2007 -,
XXII.- Que visam regulamentar o uso de instrumentos de medição que já se encontravam em utilização e que tinham sido objecto de autorizações, ou mesmo aprovações de modelo, com base na legislação anterior.
XXIV.- Tais situações transitórias previstas nessas normas legais não se poderiam referir ao prazo de validade do despacho das Aprovações de Modelo dos instrumentos de medição, porque senão perderiam a sua característica essencial - que era a sua transitoriedade - e passariam a vigorar para sempre, tornando inúteis outras normas constantes nos mesmos diplomas legais, o que não se aceita.
XXV.- Se tais normas se aplicassem ao caso dos autos, nomeadamente ao prazo de validade dos despachos de aprovação de modelo, teria que se concluir que esse prazo não existiria, porque os aparelhos poderiam ser utilizados para sempre enquanto se mantivesse esta legislação em vigor.
XXVI.- Ora, não se pode, em situação alguma, fazer uma interpretação das normas jurídicas que tenha como consequência, ou que imponha, a inutilidade de outras, como seria o caso.
XXVII.- Se a interpretação constante na douta sentença fosse a correcta, tal só poderia significar que as normas constantes no n.º 2 do Art.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/90 e n.º 3 do Art.º 6 da Portaria 1556/2007, seriam inúteis, dado que não se vislumbra em que situação se poderiam aplicar.
XXVIII.- Em que situação é que tal prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro – de 10 anos – termina, se as referidas normas transitórias se aplicassem a aparelhos que tivessem a sua aprovação caducada???
XXIX.- Nenhuma!
XXX.- Com a interpretação plasmada na douta sentença recorrida sobre a validade da aprovação de modelo, o prazo de validade dessa mesma aprovação não existe!
XXXI.- Os despachos de aprovação de modelo passavam a não ter qualquer prazo de validade, embora o legislador tivesse entendido que deveriam ter sempre.
XXXII.- Ou seja, os despachos de aprovação de modelo só deixariam de ter validade quando fossem revogados, o que notoriamente não é o pretendido, quer pelo legislador, quer pelos técnicos responsáveis pela aprovação de modelo que fizeram constar a validade no próprio despacho de modelo, mesmo sendo coincidente com o prazo supletivo previsto pelo legislador.
XXXIII.- Os referidos despachos de aprovação de modelo teriam validade para sempre!
XXXIV.- Demonstrado que está que tal aparelho não se encontra devidamente aprovado pelas entidades competentes, não existe prova nos autos da taxa de alcoolémia que o arguido apresentava no dia 6 de Outubro de 2017, no exercício da condução do seu veículo automóvel.
XXXV.- Teriam que ser dados como não provados os seguintes factos:
- Que as bebidas alcoólicas ingeridas pelo arguido lhe tenham determinado uma taxa de álcool de 1,568 g/l;
- Que o arguido soubesse que a taxa de álcool por si apresentada sempre seria superior a 0,5 g/l;
- Que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo e querendo praticar facto proibitivo e punível por lei;
XXXVI.- Assim, alterada a matéria de facto dada como provada e não provada nos termos acima referidos, ficando pois a decisão da matéria de facto em conformidade com a prova produzida em audiência de julgamento, ou mais concretamente com a ausência de prova, a sentença deverá ser revogada e em consequência o arguido, ora recorrente, absolvido.
XXXVII.- Dessa forma foram violados dois dos princípios fundamentais do Direito Penal e Processo Penal, que são “in dubio pro reo” e da presunção de inocência do arguido, o primeiro consagrado no Artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
XXXVIII.- Se aceitássemos não ser possível discutir-se o valor apurado, estaríamos em face de uma norma violadora do n.º 1, do artigo 32º da C. R. P. e, “por isso, inconstitucional já que se estariam a restringir direitos fundamentais.”
XXXIX.- Ao considerar válido o talão de fls. 4 emitido por um aparelho, que contrariamente ao afirmado na douta sentença recorrida, que não se encontrava devidamente aprovado para o efeito, a sentença violou o Art.º 2, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 291/90, 20 de Setembro, o Art.º 14 da Lei n.º 18/2007, bem como Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, nomeadamente o n.º 3 do Art.º 6º, e ainda, o Art.º 125 do C. P. Penal.
XL.- Em resumo, não se tendo apurado nos autos que o arguido conduzisse o veículo automóvel em causa apresentando uma taxa de álcool igual ao superior ao limite mínimo legal (quer em matéria criminal, quer em matéria contraordenacional), por não se ter apurado, em concreto, a mesma, não se encontra desde logo preenchido o elemento objectivo do ilícito de que o arguido foi condenado, pelo que se impõe a absolvição do arguido, com o que V. Exas.
Farão como sempre JUSTIÇA!
Respondeu o MP em primeira instância, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:
1-Na sua motivação de recurso, o Arguido discorda da douta sentença proferida nos presentes autos invocando, em suma, que a validade da aprovação do alcoolímetro no qual foi efectuado o teste de alcoolemia que serviu de prova a estes autos, havia expirado no dia 06-10-2017, pelo que, o dito aparelho não se encontrava aprovado pelo IPQ (Artigo 14.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, e Despacho de aprovação de modelo com o n.º 211.06.07.3.06, datado de 24 de Abril de 2007, que foi publicado na II Série do Diário da República, em 6 de Junho de 2007-que fixou a validade da mesma aprovação em 10 anos a contar da data da sua publicação no Diário da República).
2- Pelo que, segundo o seu entendimento, o talão emitido pelo referido aparelho não poderia servir como meio de prova, nos termos do artigo 125.º do C.P.P.
3-Tendo de ser o que conduz à absolvição do arguido.
4- O Ministério Público entende, salvo melhor opinião, que não lhe assiste razão.
5- No caso ora submetido a apreciação resulta do talão de fls. 4, não impugnado pelo arguido, que este foi sujeito a fiscalização, no dia 11-11-2017, com o alcoolímetro marca DRAGER, modelo 7110 MKIII P, n.º de série ARAA-0039.
6- O aparelho DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, foi aprovado pelo IPQ, tendo o despacho sido publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 109, de 06 de Junho 2007, sendo que o n.º de série referido foi verificado por aquele Instituto [IPQ] em 15-05-2017.
7- A ANSR aprovou, pelo Despacho n.º 19684/2009, de 25 de Junho, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27 de Agosto de 2009, a utilização do sobredito aparelho (após homologação levada a cabo pelo IPQ).
8- De acordo com o referido despacho n.º 11037/2007 [do IPQ], a validade da aprovação do aparelho de fiscalização da taxa de álcool acima referido é de 10 anos a contar da data da publicação no Diário da República – em conformidade, aliás, com o que resulta do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro
11- Assim, contados os 10 anos desde a data da publicação dessa aprovação técnica (06-06-2007), aquando da sua utilização no caso dos autos (06-10-2017), a aprovação do aparelho já teria caducado (em 06-06-2017).
12- Todavia, ao contrário do defendido pelo Arguido, o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não acarreta necessariamente que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de ser utilizados e/ou utilizáveis, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, o que resulta da conjugação do disposto no n.º 7 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, com o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro [desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis e estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica], e como é este o caso.
13- Ora, conforme decorre do talão junto a fls. 4 dos autos, não impugnado pelo arguido, o aparelho no qual foi feita a medição ao arguido – DRAGER, modelo 7110 MKIII P, n.º ARAN0039 – foi verificado em 15-05-2017, verificação que se mantém válida até 31 de Dezembro de 2018.
14- Face ao exposto, entende o Ministério Público, ao contrário do que defende o Arguido, que o resultado da medição efectuada é válido como meio de prova, permitindo considerar provados todos os factos dados como assentes na douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
15- Em consequência do que se acha dito, entendemos dever improceder, na totalidade, o recurso interposto pelo Arguido/Recorrente, devendo manter-se na íntegra a douta sentença recorrida, assim farão V. Ex.as a costumada Justiça!
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso.
Ainda respondeu o recorrente, concluindo como anteriormente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:
1. No dia 11 de Novembro de 2017, cerca das 03h14m, na Estrada ---, área deste Juízo Criminal, o arguido, AA, conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ---, apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,701 gramas/litro, correspondente à TAS de 1,79 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista.
2. Ao agir como descrito, o arguido actuou em livre manifestação de vontade, com o propósito concretizado de conduzir um veículo motorizado na via pública, influenciado por um estado de alcoolemia superior ao limite máximo permitido por lei para o exercício da condução de veículos na via pública, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida penalmente.
3. O arguido agiu de modo livre e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
4. O arguido confessou, de forma integral e sem reservas, os factos pelos quais vem acusado.
Mais se provou que:
5. O exame de pesquisa de álcool no ar expirado mencionado em 1. supra foi realizado no aparelho DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MKIII P, n.º ARAA-0039, autorizado pela ANSR através do despacho n.º 19684/2009, de 25.06, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27.09.2009, e aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 109, de 06.06.2007, tendo o aparelho sido verificado pelo IPQ em 15.05.2017.
E que:
6. O arguido é solteiro.
7. Mora com os pais e um irmão [maior de idade] em casa própria dos primeiros.
8. O arguido é operador de máquinas de profissão, auferindo e um salário de €700,00.
9. O arguido tem por habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.
Bem como que:
10. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

DECIDINDO:
Analisadas as conclusões que o recorrente retira da motivação do seu recurso, logo se constata que a questão essencial que através delas coloca à nossa apreciação, se prende com aquela de saber se, face à invocada caducidade da aprovação do modelo de analisador quantitativo usado no caso presente, não pode ser considerado válido o ‘talão’ de fls. 4 e, assim, devem ser remetidos para os factos não provados os seguintes:
- Que as bebidas alcoólicas ingeridas pelo arguido lhe tenham determinado uma taxa de álcool de 1,568 g/l;
- Que o arguido soubesse que a taxa de álcool por si apresentada sempre seria superior a 0,5 g/l;
- Que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo e querendo praticar facto proibitivo e punível por lei.
Na sequência, invoca o recorrente que, a assim não ser, a interpretação do tribunal viola o princípio constitucional de presunção de inocência (artº 32º, 2, CRP), de que o princípio ‘in dubio pro reo’ é manifestação. Afirma ocorrer também violação do nº 1 de tal artº 32º, pois que a aceitar que não é possível discutir o valor apurado, estaríamos face a uma norma «inconstitucional já que se estariam a restringir direitos fundamentais».
A sentença recorrida, em sede de fundamentação probatória, referiu que a convicção do tribunal assentou, entre o mais, no teor da medição efectuada com recurso ao aparelho ‘alcoolímetro’ em causa. E fê-lo com a seguinte fundamentação:
A medição da TAS, no âmbito da fiscalização prevista no artigo 153º do Código da Estrada é feita através de um aparelho específico, de um analisador quantitativo, mas de um aparelho que respeite as características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [ANSR], precedida da homologação do respectivo modelo pelo Instituto Português da Qualidade [IPQ] nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA].
O regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se previsto no Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro. Estabelece o seu artigo 1.º, n.º 2, que, os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respectivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português da Qualidade.
No que aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos especificamente respeita, o regime geral do mencionado Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro está hoje, nos termos do seu artigo 15º, regulamentado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. Este RCMA define, no artigo 2º, nº 1, os alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos como os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado. Já o artigo 5º estabelece que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do IPQ e compreende quatro operações (tudo em conformidade com o diploma regulamentado, ou seja: com o artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro):
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica; e
d) Verificação extraordinária.
Sendo certo ainda que, de acordo com o artigo 14º da Lei n.º 18/2007, de 17.05 (diploma que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas), só podem ser usados analisadores cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da ANSR, precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº.1556/2007, de 10.12.
Relativamente ao prazo de validade da aprovação do modelo, dispõe o artigo 6º, nº 3, Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro, que o mesmo é de dez anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.
No caso em apreço resulta do talão de fls. 4 que o arguido foi sujeito a fiscalização com o alcoolímetro marca DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MKIII P, n.º ARAA-0039.
Tal aparelho foi aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 109, de 06.06.2007.
A ANSR aprovou, pelo Despacho n.º 19684/2009, de 25.06, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27.09.2009, a utilização do sobredito aparelho (após homologação levada a cabo pelo IPQ).
De acordo com o referido despacho.º 11037/2007, a validade da aprovação do aparelho de fiscalização da taxa de álcool acima referido é de 10 anos a contar da data da publicação no Diário da República – em conformidade, aliás, com o que resulta do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20.09.
Esta norma que prevê a caducidade de 10 anos, conforme vem sendo consentaneamente entendido, reporta-se à aprovação técnica pelo IPQ e não à aprovação jurídico-administrativa pela ANSR. Nesta senda é que, contados os 10 anos desde a data da publicação dessa aprovação técnica (06.06.2007), aquando da sua utilização no caso dos autos (11.11.2017), a aprovação do aparelho já teria caducado (em 06.06.2017). Esta a tese defendida pela defesa para considerar que o resultado da medição efectuada não pode valer como meio de prova (cfr. artigo 125º do Código Processo Penal), de onde se não pode considerar provado o facto da acusação relativo à taxa apresentada pelo arguido já que a mesma foi obtida apenas através da referida medição.
Sucede que, ao contrário do aqui defendido pelo arguido, o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não acarreta necessariamente que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de ser utilizados e/ou utilizáveis, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos. Tal resulta cristalino da conjugação do disposto no n.º 7 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 291/90, de 20.09., com o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 1556/07, de 19.12.: o exame de pesquisa de álcool no sangue será válido, desde que o “alcoolímetro” utilizado se encontre em bom estado de conservação e não tenha excedido os erros máximos admissíveis na verificação periódica (anual).
Ora, conforme decorre do certificado de verificação junto a fls. 12 dos autos, datado de 15.05.2017 e válido até 31 de Dezembro de 2018, esse o caso do aparelho DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MKIII P, n.º ARAA-0039, utilizado no exame efectuado nos autos.
Decorre, de todo o exposto, que o resultado da medição efectuada é válido como meio de prova, permitindo considerar provado – como se considerou – o facto inscrito em 1. supra da corresponde rubrica – que o arguido, AA, conduzia, nas circunstâncias de tempo e lugar aí melhor descritas, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ---, apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,701 gramas/litro, correspondente à TAS de 1,79 g/l registada, deduzida a margem de erro legalmente prevista.
Conforme resulta provado nos autos (em 5.), «o exame de pesquisa de álcool no ar expirado mencionado em 1. supra foi realizado no aparelho DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MKIII P, n.º ARAA-0039, autorizado pela ANSR através do despacho n.º 19684/2009, de 25.06, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27.09.2009, e aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 109, de 06.06.2007, tendo o aparelho sido verificado pelo IPQ em 15.05.2017».
Pretende o recorrente que na data em que foi efectuado o exame em causa (11/11/2017) haviam decorrido já mais de 10 anos sobre a publicação em DR do despacho do IPQ que aprovou o modelo (6/6/2007), razão pela qual tendo tal validade expirado, não se encontrava o concreto analisador quantitativo usado – Drager 7110 MK IIIP, n.º ARAA-0039 - aprovado pelo IPQ, razão pela qual a medição com ele efectuada não pode servir como meio de prova.
Sustenta a decisão recorrida entendimento contrário, com a seguinte argumentação: «o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não acarreta necessariamente que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de ser utilizados e/ou utilizáveis, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos. Tal resulta cristalino da conjugação do disposto no n.º 7 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 291/90, de 20.09., com o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 1556/07, de 19.12.: o exame de pesquisa de álcool no sangue será válido, desde que o “alcoolímetro” utilizado se encontre em bom estado de conservação e não tenha excedido os erros máximos admissíveis na verificação periódica (anual)».
No entanto, o recorrente contesta a aplicabilidade ao caso da norma daquele artº 2º, nº 7, já que afirma a sua natureza transitória, por visar «regulamentar o uso de instrumentos de medição que já se encontravam em utilização e que tinham sido objecto de autorizações, ou mesmo aprovações de modelo, com base na legislação anterior».
O regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se actualmente regulado pelo Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro.
Os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respectivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português da Qualidade. (artº 1º, 2)
No que aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos especificamente respeita, o regime geral em causa, por força da norma do seu artº 15º, foi regulamentado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
Este Regulamento define, no artigo 2º, nº 1, os alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos como os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.
Já o artigo 5º estabelece que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do IPQ e compreende quatro operações (tudo em conformidade com o diploma regulamentado, ou seja: com o artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro):
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica; e
d) Verificação extraordinária.
Sendo certo ainda que, de acordo com o artigo 14º da Lei n.º 18/2007, de 17.05 (diploma que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas), só podem ser usados analisadores cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da ANSR, precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº. 1556/2007, de 10.12.
Nos termos do nº 2 do artº 2º daquele DL, «a aprovação do modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação».
Vimos já que, relativamente ao modelo aqui em causa, esse período decorreu já, pois que esse prazo já decorreu sobre a sua aprovação pelo IPQ, através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 109, de 06.06.2007.
No entanto, cremos não ocorrer qualquer caducidade do concreto aparelho em causa, mas apenas da aprovação do respectivo modelo.
Com efeito, resulta do preâmbulo do DL em estudo que o seu objectivo fundamental é «a completa harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição a entrada nos mercados da CEE em igualdade de circunstâncias com os fabricantes dos demais Estados membros, o que pressupõe a atribuição das marcas CEE de aprovação de modelo e de primeira verificação a que as competentes entidades portuguesas poderão passar a proceder».
Ou seja, o que está em causa, relativamente à aprovação do modelo, é a relação da administração nacional (enquanto Estado membro) com os fabricantes ou importadores deste tipo de instrumentos e não, exclusivamente, a fiabilidade do seu uso, a qual é assegurada mediante a sujeição dos mesmos à primeira verificação e às posteriores, sejam periódicas ou extraordinárias (v. artºs 2º, 1, 3º, 4º e 5º).
Daí que se possa extrair, da conjugação das normas dos referidos nºs 1, 2 e 7 daquele artº 2º, as seguintes conclusões:
- a aprovação do modelo permite que, no prazo da sua duração, o fabricante introduza no mercado respectivo o aparelho aprovado, desde que mantenha as suas características técnicas;
- se no decurso desse prazo, «introduzir alteração ou substituição de componente ou por adjunção de dispositivo complementar, modificações que possam influenciar os resultados das medições ou as condições regulamentares de utilização» nos novos aparelhos, deve sujeitar o modelo a nova aprovação complementar (artº 2º, 5);
- porque as especificações atinentes ao aparelho aprovado não podem ser alteradas sem prévia aprovação complementar, e caso esta não seja obtida, a aprovação é revogada se ocorrer desconformidade com o modelo aprovado (nº 6, a)) ou se revelar defeito que torne os aparelhos de medição impróprios para o fim a que se destinam (b)).
Ocorrendo renovação da aprovação inicial do modelo, pode o fabricante ou importador introduzir no mercado respectivo aparelhos do mesmo modelo e com as mesmas especificações pelo novo prazo de validade dessa renovação.
Não ocorrendo essa renovação, ao fabricante ou importador do modelo fica vedada a introdução de novos aparelhos no mercado, sem prejuízo de os aparelhos referentes ao modelo aprovado – e anteriormente introduzidos no mercado - poderem permanecer em utilização «desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis» (artº 2º, 7); e essas operações de verificação serão, como está bom de ver, as que resultam das verificações periódica (artº 4º) ou extraordinária (artº 5º). Tal entendimento é reforçado pela norma do artigo 10º da Portaria nº 1556/07, de 19/12, do qual resulta que o exame de pesquisa de álcool no sangue será válido, desde que o “alcoolímetro” utilizado se encontre em bom estado de conservação e não tenha excedido os erros máximos admissíveis na verificação periódica (anual).
Foi o que aconteceu no nosso caso, pois tendo o aparelho usado sido verificado pelo IPQ em 15/5/2017 (aparelho Drager 7110 MK IIIP, n.º ARAA-0039), à data do exame de pesquisa (realizado em 11/11/2017), estava ainda vigente a verificação periódica efectuada, que se mostrava válida até 31/12/2018 (v. o artº 4º, 5).
Não procede a argumentação do recorrente, no sentido de que as normas do artº 2º, nº 7 do DL 291/90 e artº 10º da Portaria nº 1556/07 se revestem de carácter transitório.
Em primeiro lugar porque a lei não lhes confere expressamente tal natureza, devendo nós presumir a sageza e inteligência do legislador, que terá sabido «exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artº 9º, 3, do C.Civil); depois porque a redacção daquele nº 7 se refere expressamente à manutenção em utilização de aparelhos cuja aprovação de modelo não seja renovada (por referência ao seu nº 2) ou revogada (referência ao seu nº 6), o que manifestamente visa reger sobre o futuro e não apenas «regulamentar o uso de instrumentos de medição que já se encontravam em utilização e que tinham sido objecto de autorizações, ou mesmo aprovações de modelo, com base na legislação anterior».
A esta argumentação lógica acresce o elemento sistemático consistente na constatação – efectuada de forma avisada pelo Ex.mo PGA, no seu douto parecer - de que se o legislador pretendesse conferir carácter transitório à norma do nº 7 do artº 2º, a teria integrado no artº 14º daquele DL que, expressamente se refere a «disposições transitórias». Mas não o fez.
Na sequência, invoca o recorrente preterição da garantia constitucional da presunção de inocência, na sua variante de violação do princípio ‘in dubio pro reo’.
A operação de fixação da factualidade, resultante da prova produzida em julgamento, tem natureza complexa e nela se cruzam uma série de considerações que se prendem, por um lado, com o confronto crítico das provas, umas concordantes, outras discordantes entre si, e por outro, na sua conjugação com as regras da experiência, da normalidade do acontecer, tudo coado pelo bom senso, que é o senso comum, que deve presidir à análise lógica traduzida no raciocínio efectuado. E tudo deve ser transparente, por todos perceptível.
Dispõe o artº 127º do CPP que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente
Consagrando esta norma o princípio da livre apreciação da prova, devemos todavia acrescentar que o poder/dever que daí resulta não é arbitrário mas, antes, vinculado a um fim que é o do processo penal, ou seja, a descoberta da verdade. Por isso, mostrando-se devidamente fundamentado, o exercício desse princípio torna-se inalterável, desde que se mostre apoiado na prova produzida e não demonstre raciocínios inadmissíveis, ilógicos ou contraditórios, face às regras da experiência comum, da normalidade e do senso comum. Por outro lado, é sabido que o processo de formação da convicção do tribunal é complexo e dinâmico, já que nele intervêm simultaneamente a consideração da globalidade das provas produzidas e validadas em audiência, num ambiente de imediação e de oralidade, as regras da experiência e do senso comum, da normalidade do acontecer… de modo a procurar retratar e plasmar um ‘retalho da realidade’.
Para poder afirmar que o recorrente foi o autor dos factos, o tribunal socorreu-se das provas que refere, das quais retirou, após análise dialéctica, aquela conclusão.
O juízo crítico final – que a sentença descreve em termos de fundamentação – resulta assim demonstrado de forma segura e consistente, por se apoiar em provas válidas e seguras que apontam de forma clara e lógica para a autoria dos factos pelo recorrente.
Cremos, assim, que não estamos face a um estado de incerteza probatória persistente, que não se instalou uma dúvida justificada relativamente à autoria daqueles factos pelo arguido e aos respectivos contornos.
O princípio processual penal e constitucional do ‘in dubio pro reo’ tem como finalidade a salvaguarda dos direitos do arguido relativamente ao qual não existe prova suficiente de ser ele o autor dos factos acusados ou, de, pelo menos, estes terem acontecido daquele concreto modo narrado. Não se trata de relevar uma ou outra prova, isoladamente considerada, mas antes, pelo contrário, de conjugar entre si diversas provas objectivas e objectivadas, aliadas àquelas regras de interpretação e ao silogismo lógico em que se traduz o juízo factual.
Assim sendo, porque as provas são concludentes no sentido da autoria dos factos pelo arguido, não foi beliscado o princípio constitucional da presunção de inocência, de que aquele princípio de análise da prova é uma manifestação (artº 32º, 2, CRP), já que foi feita prova convincente e unívoca de que foi o recorrente o autor dos factos.
Aliás, a sentença recorrida foi peremptória em afastar a ocorrência de uma qualquer dúvida relevante acerca da configuração dos factos, pois que, para a formação da sua convicção probatória, conjugou a prova resultante da confissão do arguido com aquela outra obtida mediante a sua sujeição ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, através do aparelho DRAGER, nos termos referidos.
A interpretação que fazemos dos preceitos em questão, do modo explanado, não viola de forma algum a norma do artº 32º, 1, da CRP, não restringindo, de modo algum, qualquer direito fundamental, que aliás o recorrente mostra dificuldade em identificar.
Face ao que atrás explanamos, temos de concluir que permanecendo em utilização o instrumento de medição utilizado no caso, pois que sujeito a competente e vigente verificação periódica, é válida a leitura feita pelo mesmo, razão pela qual pode a mesma ser utilizada como meio de prova.
Não pode o recorrente invocar uma qualquer violação das suas garantias constitucionais de defesa ou de recurso, pois que, a desconsiderar o resultado da pesquisa quantitativa de álcool no sangue, mediante o uso do aparelho em causa, e pretendendo pô-lo em causa, sempre poderia ter requerido exame de contraprova, do qual, todavia, prescindiu.

Termos em que, nesta Relação, na total improcedência do recurso, se acorda em confirmar na íntegra a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC’s.

Coimbra, 24 de Abril de 2018

Jorge França (relator)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)