Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
212/12.4TATND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: SANÇÃO
EXTEMPORANEIDADE
ACTO PROCESSUAL
DESISTÊNCIA
RESTITUIÇÃO
MULTA
Data do Acordão: 11/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 107.º-A DO CPP E 145.º (ANTIGA REDACÇÃO; ACTUALMENTE ART. 139.º) DO CPC
Sumário: Visando o pagamento da sanção pecuniária a que se reporta o art. 107.º-A do CPP garantir o direito à prática de acto processual fora de prazo - mas dentro do prazo de complacência previsto no artigo 145.º (antiga redacção; actualmente, art. 139.º) do CPC -, e não o direito à apreciação desse acto, a desistência do direito exercido através do acto praticado não determina a restituição da multa.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

No processo n.º 212/12.4TATND do Tribunal Judicial de Tondela - 2.º Juízo, veio o arguido A..., devidamente identificado nos autos, recorrer do despacho de 31/01/2014, constante de fls. 197 a 199, que lhe indeferiu o seu requerimento de fls. 190, reiterado pelo despacho de 18/02/2014, constante de fls. 207 e 208, em que solicitava a devolução do montante de 204,00 € que pagou a título de multa por apresentação de acusação aperfeiçoada no 3.º dia útil após o termo do prazo normal, acusação que não foi apreciada.

E para tal o recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«1.a Os doutos despachos fazem uma errónea e deficiente aplicação da lei e do direito.

2.a  O pagamento de multa nos termos dos artigos 107.º, n.° 5, e 107.°-A, ambos do Código de Processo Penal, visa garantir o direito à prática de acto fora do prazo normal.

3.a Não tendo a peca processual, no caso a acusação, sido sequer admitida (considerada nas palavras do douto despacho do Ministério Público), nenhuma razão de facto ou de direito permite sustentar que possa ser arrecadado o valor da multa, devendo em consequência ser devolvida ao ora recorrente, até porque assim legitimamente e em tempo o requereu.

Nestes termos, nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas., devem ser revogados os doutos despachos recorridos e, em consequência, serem substituídos por um outro que determine a devolução da multa paga (€ 204,00), assim se fazendo, Justiça».

O recurso foi admitido por despacho de fls. 215.

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto, referindo:

«1. O recorrente no requerimento de interposição de “recurso” apresentado entende que devem ser revogados os despachos recorridos, sem sequer referir quais eles são.

2. Contudo, entendemos nós, porque o recorrente diz que lhe deve ser devolvida a multa
paga, que se refere aos despachos judiciais de fls. 197-199 e 207-208.

3. O recorrente, parecendo querer recorrer de matéria de direito, ignorou olimpicamente o imposto no artigo 412.°, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, pois não indica, sequer, as
normas jurídicas violadas, limitando-se a dizer que "os
doutos despachos fazem uma errónea e
deficiente aplicação da lei e do direito".

4. Certos que estamos, bem entendido, do doutamente decidido nos despachos de fls.
197-199 e 207-208, bem fundamentados e, pois, não merecedores de qualquer censura, e por se
nos afigurar manifesta a falta de razão do recorrente na sua alegação, não nos merece a mesma,
por isso, com todo o respeito embora, mais do que a presente sumaríssima resposta.

5. Termos em que - concluindo - se propugna a um só e mesmo tempo pela rejeição do recurso, por ser manifesta a sua improcedência, nos termos do art. 420.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., ou, se assim se não entender, pelo seu não provimento e pela confirmação dos doutos despachos recorridos.

V. Ex.as, porém, e como sempre, farão justiça!»

Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 226 a 227, no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo penal, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

Conforme pacificamente é entendido, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença (art.º 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – v. art.º 412.º, n.º 1, do mesmo Código, e a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, acórdão do STJ de 13.05.1998, em BMJ n.º 477, pág. 263; acórdão do STJ de 25.06.1998, em BMJ n.º 478, pág. 242; acórdão do STJ de 03.02.1999, em BMJ n.º 484, pág. 271; e Simas Santos/ Leal-Henriques, in “Recurso em Processo Penal”, a pág. 48.
Tendo presente as conclusões do recorrente, a questão a apreciar por este Tribunal consiste em saber se deve ou não ser devolvida a quantia de 204,00 € paga a título de multa por apresentação de acusação aperfeiçoada no terceiro dia útil após o termo do prazo normal, acusação que não foi apreciada.

O despacho recorrido é do seguinte teor:

«Fls. 204 e 205: Visto.

Assiste razão ao requerente, quando refere que o montante que pagou a título de multa, o foi por apresentação tardia de segunda acusação particular, alegadamente aperfeiçoada, que não foi admitida pela Digna Magistrada do Mº Pº titular do inquérito, o que motivou então a dedução, tempestiva, de pedido de intervenção hierárquica.

Porém, os fundamentos aduzidos no despacho proferido de fls. 197 a 199, mantêm-se válidos, na medida em que o pagamento da multa o foi por apresentação tardia de peça processual, a segunda acusação particular, a qual foi apreciada, em 1ª Instância, pela Digna Magistrada titular dos autos, não tendo sido considerada, nos termos e pelos fundamentos plasmados a fls. 124.

Inconformado, o ora requerente, deduziu pedido de intervenção hierárquica, no âmbito do qual peticionou, “nos termos expostos e nos demais de Direito aplicável, vem requerer a V. Exª que se digne admitir a acusação corrigida por ter sido apresentada em tempo e ser aquela que melhor correspondência encontra com a factualidade que resulta dos autos” – cfr. fls. 149.

Ou seja, o que o assistente almejou com a apresentação da segunda acusação particular, foi que fosse esse o objecto dos autos e não a que primeiro apresentou.

Nessa conformidade, o pagamento da multa, visou garantir a apreciação da peça processual em causa, impedindo a preclusão do direito do assistente em praticar tal acto.

Porém, repete-se, a sua relevância processual não fica afectada se for retirada ainda antes da sua apreciação ou se, como “in casu”, supervenientemente, a mesma perder efeito útil, seja porque motivo for, já que o que se visa com o pagamento da multa ali prevista é assegurar, excepcionalmente, a sua tempestividade, sancionada pelo excesso de prazo tolerado em relação ao prazo normal de apresentação, tolerância essa que o legislador, em todo o caso, optou por “censurar” com a cominação em multa.

Assim, a multa/sanção, nestes casos, visou garantir o direito à apresentação da peça processual em questão, salvaguardando-se, com o pagamento da mesma, o cumprimento do dever de o assistente fazer ainda em tempo, sob pena de extinção do direito à prática do mesmo, apenas e só.

Assim e face ao exposto, indefiro o que vem requerido pelo assistente.

Notifique.»

E porque no despacho recorrido se remete para os fundamentos aduzidos no despacho proferido de fls. 197 a 199, transcreve-se também este despacho.

«Fls. 190: Visto.

Veio o Patrono nomeado ao assistente, em consequência da desistência de queixa apresentada por aquele, solicitar a devolução do montante de 204,00 € que pagou a título de multa por apresentação tardia de reclamação hierárquica.

Funda tal pedido no facto de a desistência de queixa que apresentou, retirar efeito útil a tal intervenção hierárquica, pelo que não sendo a mesma apreciada, impõe-se a devolução do montante pago.

Decidindo, resulta, desde logo, que o montante pago pelo assistente o foi pela apresentação tardia de peça processual, importando saber se o requerente tem direito à devolução da multa paga ao abrigo do art° 107° n° 5, do C. P. Penal, na medida em que o pedido de intervenção hierárquica que formulou não foi ainda objecto de despacho e tendo vindo, entretanto, a apresentar desistência de queixa antes desse despacho ocorrer.

O direito do requerente, que "m casu" se constituiu assistente, à apreciação de pedido de intervenção hierárquica que formulou, supõe e exige que o acto da sua apresentação tenha sido exercido tempestivamente, com ou sem multa, nos termos do disposto nos art°s 278°, 107° n° 5, do C. P. Penal e, por remissão deste, no disposto no 139° n° 5, do C. P. Civil.

Porém, a sua relevância processual não fica afectada se for retirado ainda antes da sua apreciação ou se, supervenientemente, a mesma perder efeito útil, seja porque motivo for, já que o que se visa com o pagamento da multa ali prevista é assegurar, excepcionalmente, a sua tempestividade, sancionada pelo excesso de prazo tolerado em relação ao prazo normal de apresentação, tolerância essa que o legislador, em todo o caso, optou por "censurar" com a cominação em multa.

A não ser assim, não faria sentido que a multa tivesse de ser liquidada e paga antes da apreciação requerida, como acontece e exige a actual legislação, mas sim depois da concretização de tal apreciação, momento póstumo esse que a lei não prevê, nem sequer admite.

A multa/sanção, nestes casos, visou garantir o direito à apresentação do pedido, salvaguardando-se, com o pagamento da mesma, o cumprimento do dever de o fazer ainda em tempo, sob pena de extinção do direito à prática do mesmo, apenas e só.

Com efeito, como se decidiu no Ac. da Relação de Coimbra, de 14/4/2004 (relatado peio Exm° Juiz Desembg, Agostinho Torres, acessível in www.dgsi.pt), “visando o pagamento da multa nos termos do art 145º nº 6, do C PC, garantir o direito à prática de acto fora de prazo e não o direito à apreciação desse acto, a desistência do direito exercido através do acto praticado não é motivo de restituição da multa”.

Face a todo o exposto, indefiro o requerido, por falta de fundamento legal.

Notifique.»

Apreciando.

A questão a decidir no presente recurso consiste, como acima se disse, em saber se deve ou não ser devolvida a quantia de 204,00 € paga a título de multa por apresentação de acusação aperfeiçoada no terceiro dia útil após o termo do prazo normal, acusação que não foi apreciada.

Diga-se, desde logo, que não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, o assistente/recorrente praticou acto fora do prazo normal, mas dentro do terceiro dia útil após o termo do prazo, e para que tal acto fosse eficaz era, pois, necessário pagar a importância devida por tal incidente como efectivamente o assistente fez, ou seja, tal multa é devida com a prática do acto, requerimento apresentado, e a mesma não é devolvida mesmo que não haja apreciação ou decisão sobre o requerimento em causa, é, pois, o que se alcança do teor do disposto no art.º 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por força dos arts.º 4.º e 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

Portanto, a multa/sanção, neste caso, visa garantir o direito à prática de acto fora de prazo – apresentação de acusação aperfeiçoada – e não o direito à apreciação desse acto.

Por isso, o facto de, posteriormente, não ter sido apreciada tal peça processual por supervenientemente ter perdido utilidade, no caso por ter sido declarado extinto o procedimento criminal por desistência de queixa, não é motivo para restituição da multa.

Do que se deixa dito, há, pois, que concluir que o recurso tem forçosamente que sucumbir.

III – Decisão

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Coimbra, 19 de Novembro de 2014

               

(Frederico João Lopes Cebola - relator)

(Maria Pilar de Oliveira - adjunta)