Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
784/03.4TBTMR-AP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: NULIDADE DO CONTRATO
EFEITOS
INSOLVÊNCIA
PAGAMENTO
CREDORES
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 289º E 290º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Nos termos do artigo 289º do código civil (CC), tanto a declaração de nuli­dade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

II - Por sua vez, o artigo 290º do mesmo código determina que as obrigações recí­procas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou da anulação devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.

III - A declaração de falência limita a disponibilidade do património da falido, impondo que nos pagamentos aos seus credores se observe o que a esse respeito a lei dispõe, não podendo, salvo os casos previstos na lei de existência de alguma prefe­rência no pagamento, serem satisfeitos alguns credores em detrimento de outros.

IV - O previsto no artigo 290º do C. Civil não tem aplicação no processo de falência regulamentado por lei especial, que visa, tendencialmente, uma igualdade dos credores na satisfação dos seus créditos sobre o produto da venda dos bens que integram a massa falida, exceptuando os casos dos créditos expressamente previstos com pagamento preferencial – aqueles referentes a bens sobre que recaiam direitos reais de garantia invocáveis na falência – e entre os quais não se encontram os resultantes da declaração de nulidade dos negócios jurídicos do falido.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Por apenso ao processo de falência de F…, Limitada, em acções instauradas por J…, L.da, e N…, L.da, contra a falida, H…, L.da, M…, L.da, S…, L.da, M…, L.da, e A…, Lda., foi proferida decisão única na 1ª instância que as julgou nos seguintes moldes:
- Declaro nulas as transmissões da totalidade dos bens da Ré F…, L.da, nos contratos de constituição de sociedade celebrados em 16.4.1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de …, constantes de fls. … Livro de Escrituras Diversas n.º s ...
- Em consequência, declaro nulo o contrato de arrendamento celebrado entre as Rés M…, L.da e A…, L.da, celebrado a 23.7.1999 no 1º Cartório Notarial de …
- Condeno a Ré F…, L.da no pagamento à Autora S…, L.da, na quantia de 89.756.541$10 acrescida dos juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Foi ainda ordenado o cancelamento dos registos de aquisição efectuados sobre os imóveis envolvidos nessas transmissões.
Em recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra foi profe­rido acórdão com a seguinte decisão:
Nos termos expostos acordam em:
1 – julgar improcedente a apelação da recorrente A…, L.da;
2 – julgar parcialmente procedente a apelação das recorrentes … e revo­gar, consequentemente, a sentença recorrida na parte em que declarou a nulidade da transmissão da totalidade dos bens da Ré F…, S. A. nos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16.4.1997, nulidade que deverá confinar-se aos bens imóveis, julgando-se ineficaz, em relação às Autoras, a alienação dos bens móveis discriminados no documento complementar das escrituras desses mesmos contratos de constituição de sociedade com que foi realizada a entrada da dita F…, S. A.;
3 – Manter no mais a sentença recorrida.
Deste acórdão foi interposto recurso para o STJ que negou a revista.
Na sequência do trânsito da decisão proferida naquelas acções, em 3.2.2014 foi proferido o seguinte despacho:
Como decorre deste apenso de apreensão de bens, certidão junta por fotocópia de fls. .., já transitou em julgado a sentença da 1ª Instância que declarou nulas as transmissões da totalidades dos bens da falida F…, SA., nos contratos de constituição de sociedades celebrados no dia 16 de Abril de 1997, no 4º Cartório Notarial de Lisboa.
Assim, por tais constituições de sociedades e no dia 16 de Abril de 1997, foi constituída a sociedade H... Lda., tendo como únicos sócios a …,Lda. e F…, SA., sendo a entrada como sócia da falida F…, realizada pela transferência pelo seu administrador para a referida H…, da fracção autónoma designada pela letra “C” …, sendo o valor da entrada de 10.100.000$00 e ainda dos bens móveis melhor descriminados a fls. …, que aqui se considera como devidamente reproduzido para os devidos efeitos legais.
Foi nesse mesmo dia ainda constituída a sociedade M…, Lda., tendo como únicos sócios a S…, Lda. e F…, SA., sendo a entrada como sócia da falida F…, realizada pela transfe­rência pelo seu administrador para a referida M… do prédio urbano sito em …, sendo o valor da sua entrada de 14.000.000$00 e ainda os bens móveis melhor descritos a fls. 542.
Ainda nesse mesmo dia, foi também constituída a sociedade S…, Lda., e são únicos sócios a tendo como únicos sócios a …, Lda. e F…, SA., sendo a entrada como sócia da falida F…, realizada pela transferência pelo seu administrador para a referida … do prédio urbano sito …, sendo o valor da entrada de 15.000.000$00 e, ainda no mesmo dia é constituída a sociedade M…, Lda., e são seus únicos sócios tendo como únicos sócios a …, Lda. e F…, SA., sendo a entrada como sócia da falida F…, realizada pela transferência pelo seu administrador para a referida …, composta por duas fracções autónomas designadas pelas letras “A e B”, do prédio urbano sito em …, sendo o valor da entrada de 30.000.000$00.
Interposto recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferido acórdão, também já transitado em julgado, conforme fotocópia de fls. 560 e ss., em que manteve a sentença da 1ª instância que declarou a nulidade das transferências quanto aos bens imóveis, mas que manteve a validade das transferências quanto aos bens móveis supra expostos, unicamente no caso dos autos porque as autoras (J…, Lda., e N…, Lda.), em tal processo haviam requerido a impugnação pauliana, com a consequente declaração de ineficácia da alienação de tais bens móveis quanto a estas duas autoras, vindo então a Relação a declarar a ineficácia das transferência dos bens móveis supra expostos quanto à N… e à J…, Lda..
Por fim, interposto recurso para o STJustiça tal como decorre de fls. 584 e ss., sobrevém decisão final e já transitada em julgado, que mantém o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
O auto de apreensão de bens relativo às transferências de bens da falida F… para as … supra exposto, encontra-se lavrado pela Sra. LJ conforme fls. 306 e 307, o que terá sido pelo menos em 17.03.2010.
Os quais ficaram definitivamente registados a favor da massa falida, conforme certidões registrais e em 22.01.2013, fls. 663, em 11.01.2013 fls. 672, fls. 677, fls. 683 e fls. 687.
O auto de apreensão de bens relativo ao prédio urbano denominado de “Venda Nova”, sito na freguesia de … foi feito em 7 de Fevereiro de 2006 e consta de fls. 17, registada a favor da massa falida conforme fls. 274.
Posto isto, cabe agora decidir do fim dos novos bens imóveis que recentemente foram registados a favor desta massa falida e se prendem pois unicamente com a dita declaração de nulidade das transferências que o administrador da F… fez para as ditas ...
Ora, nos termos do artigo 289º do código civil (CC), tanto a declaração de nuli­dade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou se, a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Por sua vez, o artigo 290º do mesmo código determina que as obrigações recí­procas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou da anulação devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.
Temos que visto tudo o acima exposto, e tendo em conta os acórdãos quer da 1ª instância quer da 2ª instância já produzidos, os imóveis que compunham as quotas sociais da parte social da ora falida F…, SA., como eram compostas de bens imóveis pertença desta falida, foram tais transferências declaradas nulas e por isso retroagiram para o património da massa falida (daí atualmente, estarem apreendidas à conta desta falência e a seu favor registadas).
Sucede que as mesmas assumiram o valor contabilizado de cada uma das entra­das/participações sociais e supra referidas, relativamente às sociedades constituídas ...
Mantém-se pois a necessidade de restituir em dinheiro tais participações sociais nas ditas ...
Dizemos em dinheiro, porque os bens imóveis não são possíveis de restituir enquanto tais, nas ditas participações sociais.
Isto porque vamos ordenar a liquidação e venda de cada um de tais bens imó­veis, no apenso “C” de liquidação da massa, que quanto a estes, apenas se vai iniciar agora, por via de todas as vicissitudes ocorridas até agora e supra relatadas.
Agora vai é determinar-se o seguinte: nos anúncios/publicitações feitas em cada um dos bens aqui apreendidos, vai colocar-se a menção de que sobre eles recaiu decisão judicial, devidamente transitada em julgado, que declarou a nulidade da sua transferência para cada uma das … a que o imóvel disser respeito, identifi­cando-o, e do valor da venda alcançado sai imediatamente para cada uma das … a que disser respeito, o valor da respectiva quota, acrescidos os juros de mora, desde a data em que cada um dos imóveis foi apreendido para esta massa falida atenta a simultaneidade atrás referida no artigo 290º do CC, e nos termos da taxa legal suple­tiva de 4 %, até à respectiva entrega da participação social em dinheiro, nos termos também do artigo 1270º do CC.
O remanescente fica dentro da massa falida.
Esta é a decisão deste tribunal quanto a esta questão.
Notifique à comissão de credores.
Notifique à Sra. LJ.
Na sequência de requerimento apresentado pela credora N…, L.da, foi aquela decisão rectificada nos seguintes termos:
… no segmento “… do valor da venda alcançada sai imediatamente para cada uma das … a que o imóvel disser respeito o valor da respectiva quota (…)”, na verdade e mais rigorosamente, determina-se que do valor da venda de cada imóvel agora aqui em questão, sairá somente o valor que se vier a apurar e com cada imóvel entrou para tais …, descontando-se previamente os valores nomeadamente, dos bens móveis que já foram transferidos (e mantidas tais transferências pelo STJ), para tais sociedades.
A Massa Falida, representada pela liquidatária judicial, insatisfeita com a decisão interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

A credora N…, L.da apresentou resposta, con­cluindo nos seguintes termos:

1. Da legitimidade da Recorrente
A credora na sua resposta ao recurso interposto pela Massa Falida coloca a questão da rejeição do recurso por falta de legitimidade da Recorrente, alegando que a liquidatária judicial não tem legitimidade para intervir na discussão das questões a que dizem respeito os direitos de terceiros, relativamente aos bens que devem integrar a Massa Falida, competindo-lhe a administração dos bens que por lei ou decisão judicial devam ser integrados e apreendidos para a falência, pertencendo essa legitimidade aos credores afectados por tais decisões.
Mais alega que a Massa Falida não é parte principal na causa nem se pode considerar parte vencida, não podendo por isso recorrer, acrescendo que não é pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão.
A decisão em causa é a proferida na sequência daquela já transitada em julgado que decidiu que a totalidade das transmissões dos imóveis efectuadas pela falida para as várias sociedades …, nos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16.4.1997, perante o notário do …, eram nulas.
Em consequência desta decisão os bens em causa foram apreendidos para a Massa Falida, integrando-a.
A Massa Falida é um património autónomo separado de cuja administra­ção está excluído o seu titular – o falido – estando a mesma entregue por lei ao liquidatário judicial.
Nos temos do disposto no art.º 134º do CPEREF compete ao liquidatário judicial:
1 - Ao liquidatário judicial, com a cooperação e fiscalização da comissão de credores, cabe o encargo de preparar o pagamento das dívidas do falido à custa do produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que integram o património dele.
2 - …
3 - …
4 - Ao liquidatário judicial compete ainda:
a) Representar a massa em juízo, activa e passivamente;
Ora, a decisão proferida ao decidir que o produto da venda dos bens imó­veis cujas transmissões foram julgadas nulas, se destinará, em primeira linha, ao pagamento do valor da quota social da falida nas sociedades em que cada imóvel interveio para o seu preenchimento, está a afectar a Massa Falida na medida em que lhe retira tais valores, diminuindo desse modo o montante disponível para repartição por todos os credores.
Sendo a Massa Falida prejudicada pela decisão em causa, tem a mesma legitimidade para dela recorrer, devidamente representada pela Liquidatária Judicial.
3. Caso julgado
Defende a credora N…, L.da, na sua resposta, que o despacho recorrido não contém uma decisão nova uma vez que no despacho, já transitado em julgado e proferido em 13.12.2013, foi decidido que sobre estes imóveis impende a questão de uma vez apreendidos para esta falência se ter de inteirar em dinheiro nas sociedades cridas … a sua saída.
Mais defende que, com base neste despacho, foi julgado findo por inutili­dade superveniente da lide o recurso que tinha sido por si interposto da sentença de graduação de créditos, visando a exclusão dos referidos imóveis do regime normal de graduação.
Vejamos o conteúdo do despacho proferido em 13.12.2013, no que a esta questão importa:
“…
Assim, como sobre estes imóveis impende a questão de uma vez apreendidos para esta falência se ter de inteirar em dinheiro nas sociedades criadas … a sua saída, o que a vender-se a quem quer que seja se tinha de apor em todos os anúncios a sua situação jurídica, isto é a nulidade que sobre eles impende, não devem fazer parte desta liquidação, devendo ocorrer decisão judicial no apenso dos bens apreendidos quanto a eles.
….
Assim e em face a tudo o supra exposto e para não agravar por ainda mais a situação do interesse dos credores, mantenho em funções a Sr.ª LJ pelo tempo de mais 120 dias, improrrogáveis, no qual deve, desta feita com toda a diligência humana e profissional que lhe for possível, prover ao seguinte:
a) Não deve aceitar a proposta da N… de aquisição de todo aquele imóvel Prédio urbano denominado Venda Nova e que não é nenhum daqueles abrangidos pela nulidade das transmissões declarada.
b) deve ser publicitado no maior número de jornais…
c) de todos os actos de venda e publicidade deste imóvel…
d) deve fazer-se relatórios do estado de liquidação em cada momento da venda…”
O despacho proferido analisou a conduta da Liquidatária Judicial na liqui­dação da massa falida, determinando a sua conduta quanto à liquidação de um determinado imóvel apreendido, nada constando dessa mesma decisão quanto aos imóveis cujas transmissões foram julgadas nulas.
É certo que, num juízo de antecipação, o tribunal nesse despacho anunciou a decisão que iria tomar quanto à sua liquidação, não a tendo no entanto tomado, dizendo que deverá ocorrer decisão judicial no apenso de bens apreendidos quanto a eles.
Este anúncio da decisão que veio a tomar no despacho recorrido, não con­substancia uma qualquer decisão autónoma susceptível de formar caso julgado, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso interposto.
3. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente cumpre apreciar a seguinte questão:
A Massa Falida não tem a obrigação de retirar do valor da venda de cada imóvel cuja transmissão foi anulada, o valor da respectiva quota da falida em cada uma delas?
4. Dos factos
Com interesse para a decisão deste recurso importa considerar a verifica­ção de todos os factos acima mencionados no relatório.
5. O direito aplicável
A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida, defendendo que a declaração de nulidade das transmissões dos imóveis da falida não implica a consti­tuição no património das sociedades em questão de um direito à restituição em dinheiro das participações sociais integradas por aqueles bens.
Para fundamentar a sua discordância defende que tendo a declaração de nulidade efeito retroactivo haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, tudo se passando como se este não se tivesse realizado, não perdurando na ordem jurídica as transmissões dos imóveis feitas pela falida para as …, e consequentemente não existe na titularidade das mesmas, em consequência dessa declaração de nulidade, qualquer direito de crédito que deva ser pago pelo produto da venda dos imóveis.
Por decisão transitada em julgado foram julgadas nulas as transmissões dos imóveis efectuadas pela falida nos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16.4.1997, perante o notário do 4º Cartório Notarial de …, constantes de fls. ...
Resulta claro da leitura da decisão da 1ª instância e acórdãos deste Tribu­nal e do S. T. J., que a confirmaram quanto aos imóveis, que a nulidade só abrange as transmissões dos mesmos, deixando incólumes os contratos de sociedade que lhe estavam subjacentes.
Sendo julgadas nulas as transmissões dos bens imóveis da falida que preencheram a sua quota em cada uma das sociedades respectivas, passando a integrar o capital social das mesmas, a nulidade declarada só abrange esta transmis­são, não perdendo no entanto a falida a sua qualidade de sócia nas referidas socieda­des.
A este respeito dispõe o art.º 25º, n.º 4, do C. das Sociedades Comerciais:
Se a sociedade for privada, por acto legítimo de terceiro, do bem prestado pelo sócio ou se tornar impossível a prestação, bem como se for ineficaz a estipula­ção relativa a uma entrada em espécie, nos termos previstos no art.º 9º, n.º 2, deve o sócio realizar em dinheiro a sua participação, sem prejuízo de eventual dissolução da sociedade, por deliberação dos sócios ou por se verificar a hipótese prevista no art.º 142º, n.º 1, b).
No caso que nos ocupa as várias sociedades …, em consequência da declaração judicial de nulidade das transmissões dos bens prestados pela falida, foram privadas dos imóveis que constituíam a entrada em espécie para o capital social de cada uma delas, resultando do preceito citado a obrigação para a falida de realizar em dinheiro a sua participação. A esta obrigação do sócio corresponde o correlativo direito de crédito das sociedades que ficaram privadas dos bens sobre o sócio cuja realização da entrada passa a estar em falta.
A decisão recorrida entendeu quanto a esta obrigação que se verifica a necessidade de restituir em dinheiro tais participações sociais nas ditas …, determinando que do valor da venda de cada imóvel agora aqui em questão, sairá somente o valor que se vier a apurar e com cada imóvel entrou para tais …, descontando-se previamente os valores nomeadamente, dos bens móveis que já foram transferidos (e mantidas tais transferências pelo STJ), para tais sociedades.
O remanescente fica dentro da massa falida.
Nenhuma objecção se oporia a esta decisão não fosse o caso do sócio ter sido declarado falido.
A declaração de falência limita a disponibilidade do património da falido, impondo que os pagamentos aos seus credores observe o que a esse respeito a lei dispõe, não podendo, salvo os casos previstos na lei de existência de alguma prefe­rência no pagamento, serem satisfeitos alguns credores em detrimento de outros.
Sendo cada uma das sociedades … credora da falida e não gozando o seu crédito de restituição em dinheiro do valor das participações sociais de qualquer garantia de pagamento preferencial, não se vislumbra fundamento legal para que o mesmo seja satisfeito da forma determinada pela decisão recorrida.
O previsto no artigo 290º do C. Civil não tem aplicação no processo de falência regulamentado por lei especial que visa, tendencialmente, uma igualdade dos credores, na satisfação dos seus créditos sobre o produto da venda dos bens que integram a massa falida, exceptuando os casos dos créditos expressamente previstos com pagamento preferencial – aqueles referentes a bens sobre que recaiam direitos reais de garantia invocáveis na falência – e entre os quais não se encontram os resultantes da declaração de nulidade dos negócios jurídicos do falido.
Assim, julgando-se procedente o recurso, deve a decisão recorrida ser revogada na parte que aqui foi objecto de análise.
Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que determinou “que do valor da venda de cada imóvel agora aqui em questão, sairá somente o valor que se vier a apurar e com cada imóvel entrou para tais …, descontando-se previamente os valores nomeadamente, dos bens móveis que já foram transferidos (e mantidas tais transfe­rências pelo STJ), para tais sociedades”.
Custas do Recurso por N…, Lda.
Coimbra, 11 de Novembro de 2014.

Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
Artur Dias