Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VASQUES OSÓRIO | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA MEDIDA DA PENA LIMITE MÁXIMO DA PENA PENA ACESSÓRIA FALTA LEI | ||
Data do Acordão: | 07/10/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA - PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL - SECÇÃO DE PROCESSOS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 237º Nº 3 CPP E 98º Nº 4 DA LEI 144/99 DE 31 DE AGOSTO | ||
Sumário: | 1.- Ultrapassando a pena de prisão aplicada na sentença penal estrangeira o máximo legal fixado pela lei portuguesa para o crime em questão, há lugar à redução da pena, nos termos previstos no nº 3 do art. 237º do C. Processo Penal. 2.- Não prevendo o Código Penal Português a pena acessória aplicada, deve a mesma ser expurgada da sentença revidenda por não ser exequível em território nacional. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I. RELATÓRIO
O Exmo. Procurador-Geral Distrital junto desta Relação requereu a revisão da sentença penal nº 14/11 de 17 de Maio de 2011, proferida no processo LCRI nº 32/10, da Câmara Criminal [chambre criminelle] do Tribunal de Apelo [Cour d’Appel] do Grão-Ducado do Luxemburgo, com vista à transferência para Portugal do cidadão português A..., nascido a 17 de Setembro de 1965 em ..., Vila Nova de Ourém, e aí residente quando no país, e actualmente preso, em cumprimento de pena, no Centro Penitenciário do Luxemburgo, alegando, em síntese: 1. O recluso A... foi julgado no Grão-Ducado do Luxemburgo e aí condenado na pena de 14 (catorze) anos de prisão e nas penas acessórias de interdição vitalícia de direitos previstos no art. 11º do Código Penal Luxemburguês, pela prática, em 30 de Outubro de 2009, de um crime de homicídio voluntário na forma tentada, p. e p. pelos arts. 52º e 393º do mesmo código, decisão que transitou em julgado em 18 de Junho de 2011; e estando o recluso detido à ordem do processo, ininterruptamente, desde a data da prática do crime; 2. O recluso está detido à ordem do processo, ininterruptamente, desde a data da prática do crime pelo, de acordo com o tribunal da condenação, atingirá o meio e o termo da pena respectivamente em, 23 de Setembro de 2016 e 18 de Agosto de 2023, e de acordo com a lei portuguesa, respectivamente, em 31 de Outubro de 2016 e 31 de Outubro de 2023; 3. O tribunal luxemburguês para o julgamento e condenação do recluso, tanto pela lei luxemburguesa como pela lei portuguesa, o recluso foi assistido por defensor no julgamento e em Portugal não foi instaurado procedimento criminal pelos mesmos factos; 4. O crime de homicídio simples na forma tentada, pelo qual foi o recluso condenado, encontra-se previsto e é punido na lei portuguesa, nos termos dos arts. 22º, 73º, nº 1, a) e b) e 131º do C. Penal, com a pena de 1 ano, 7 meses e 4 dias de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, e a pena acessória deve ser revista à luz dos arts. 65º a 69º do C. Penal; 5. Atento o disposto nos arts. 237º, nºs 1 e 3 do C. Processo Penal, 6º, nº 2, c) da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, e 10º, nº 2 e 11º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, e ainda o disposto na alínea c) da Resolução da Assembleia da República nº 8/93, de 24 de Abril, a sentença reúne os requisitos necessários para a sua revisão e confirmação; 6. O recluso requereu a sua transferência para Portugal, é cidadão português e tem família na área da sua naturalidade, em ..., Vila Nova de Ourém, o que pode facilitar a sua reinserção social; 7. O Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo deu o acordo de princípio favorável à transferência, reservando o acordo definitivo para momento posterior ao do conhecimento da decisão das autoridades portuguesas; 8. Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça do Governo Português autorizou a transferência para Portugal do cidadão A..., a fim de em Portugal cumprir o remanescente da pena de prisão em que foi condenado pela prática do crime de homicídio tentado; 9. A decisão condenatória proferida pelo tribunal luxemburguês, para poder se executada em Portugal, necessita de prévia revisão e confirmação por tribunal português, cuja competência, material e territorial, cabe ao Tribunal da Relação de Coimbra, tendo o Ministério Público legitimidade para formular o pedido, que tem fundamento legal nos arts. 6º, nº 2, c), 96º, nº 1, 98 a 100º, 115º e 123º, nº 1 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, 1º, 3º, 6º, nº 2, c), 7º, 8º, 9º, nº 1, a), 10º e 11º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas e 234º a 240º do C. Processo Penal e ainda nas declarações a), b) e c) da Resolução da Assembleia da República nº 8/93, de 20 de Abril. Conclui, pedindo que se declare revista e confirmada a sentença nº 14/11 de 17 de Maio de 2011, da Câmara Criminal do Tribunal de Apelo do Grão-Ducado do Luxemburgo, que condenou o cidadão português A....
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Instruiu o pedido com cópia autenticada, devidamente traduzida em português, do pedido de transferência para Portugal formulado pelo recluso, da sentença revidenda e das disposições legais aplicáveis, dos elementos relativos ao período de condenação já cumprido pelo recluso, e do despacho de S.ª Ex.ª a Ministra da Justiça a autorizar a transferência do condenado para Portugal.
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Foi nomeado defensor ao recluso e foi este citado para, querendo, deduzir oposição, no prazo de 15 dias, nos termos do disposto no artigo 981º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 240º do Código de Processo Penal.
Não foi deduzida oposição.
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Foi cumprido o art. 982º, nº 2 do C. Processo Civil.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto não apresentou alegações.
A Ilustre Defensora do arguido apresentou alegações que, por extemporâneas e não tendo sido satisfeito o pagamento da multa, não foram consideradas.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A – Com relevo para a decisão, colhem-se dos autos os seguintes elementos de facto: i) Por sentença – nº 14/11 – de 17 de Maio de 2011, proferida pela Câmara Criminal [chambre criminelle] do Tribunal de Apelo [Cour d’Appel] do Grão-Ducado do Luxemburgo no processo LCRI nº 32/10, tornada definitiva em 18 de Junho de 2011, o recluso A... foi condenado, como autor de um crime de um homicídio voluntário na forma tentada, p. e p. pelos arts. 52º e 393º do Código Penal Luxemburguês, na pena de 14 (catorze) anos de prisão e na pena ‘acessória’ de interdição vitalícia de direitos previstos no art. 11º daquele código a saber, o direito de exercer funções, empregos e cargos públicos, o direito de voto, de eleição e de ser eleito, o direito de usar condecorações, o direito de ser perito, testemunha instrumental ou ‘certificante’ em actos oficiais, o direito de depor em tribunal, o direito de fazer parte de conselho de família e de exercer funções num regime de protecção de incapazes, anão ser dos próprios filhos e mediante parecer favorável do juiz e do conselho de família se existir, o direito de porte e detenção de armas, e o direito de frequentar a escola, de ensinar e de ser trabalhador num estabelecimento de ensino. ii) Em síntese, a decisão teve por base os seguintes factos [aos quais, nos termos do art. 100º, nº 2, a) da Lei nº 144/99, está este tribunal vinculado]: - No dia 30 de Outubro de 2009, pelas 23h05, no «Auberge de la Paella», situado na rue des Minieres, em Dudelange, Grão-Ducado do Luxemburgo, A... provocou verbalmente e de forma repetida B... até conseguir que este, exasperado, reagisse fisicamente e então, A..., empunhando uma navalha com lâmina de 6,5 cm, desferiu com ela um golpe na região abdominal esquerda de B..., causando-lhe ferida perfurante com 8 cm de profundidade e lesão da artéria intercostal com sangramento intra-abdominal, tendo a vítima sobrevivido apenas devido à rápida intervenção dos serviços de socorro e a uma operação efectuada de urgência, tendo A... procurado atingir parte especialmente vulnerável do corpo de B..., e tendo a decisão de consumar o homicídio sido manifestada por actos exteriores que constituem um início de execução desse crime, os quais só não produziram efeitos graças a circunstâncias independentes da sua vontade; A... tomou consciência da gravidade dos factos praticados e tem antecedentes criminais. iii) O recluso esteve presente nas audiências de julgamento e foi assistido por advogado e intérprete. iv) O recluso está detido desde 30 de Outubro de 2009 ininterruptamente, pelos factos objecto da sentença a rever e confirmar. v) O recluso requereu às autoridades do Grão-Ducado do Luxemburgo a sua transferência para Portugal, a fim de neste país cumprir o remanescente da pena de prisão em que foi condenado e consentiu nessa transferência. vi) O Grão-Ducado do Luxemburgo deu o seu acordo de princípio à transferência do recluso, reservando o acordo definitivo para depois da comunicação da decisão das autoridades portuguesas. vii) A lei portuguesa tipifica como crime o homicídio voluntário tentado, e em Portugal não foi movido processo criminal pelos factos objecto da sentença revidenda. viii) Por despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça do Governo de Portugal de 27 de Dezembro de 2013, foi admitida a transferência do recluso para cumprir em Portugal o remanescente da pena de catorze anos de prisão em que foi condenado no Grão-Ducado do Luxemburgo. ix) O recluso tem nacionalidade portuguesa.
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B – Fixados os factos, analisemos o mérito do pedido à luz do direito aplicável. 3. O recluso foi ainda condenado na pena de interdição vitalícia dos direitos enunciados no art. 11º do Código Penal do Grão-Ducado do Luxemburgo, a saber: de exercer funções, empregos e cargos públicos; de voto, de eleição e de elegibilidade; de usar condecorações; de ser perito, testemunha instrumental certificante em actos oficiais; de depor em tribunal a não ser para fornecer simples informações; de fazer parte de conselho de família, de exercer funções num regime de protecção de incapazes menores ou maiores, a não ser dos próprios filhos e mediante parecer favorável do juiz das tutelas e do conselho de família se existir; de porte e detenção de armas; de frequentar a escola, de ensinar e de ser empregado num estabelecimento de ensino. Nos termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em declarar revista e confirmada a sentença nº 14/11, proferida pela Câmara Criminal [chambre criminelle] do Tribunal de Apelo [Cour d’Appel] do Grão-Ducado do Luxemburgo, no processo LCRI nº 32/10, relativa ao recluso A..., nascido a 17 de Setembro de 1965 em ..., Vila Nova de Ourém, e aí residente quando em Portugal, com excepção da pena privativa de liberdade ali imposta – catorze anos de prisão – que se reduz, nos termos do art. 237º, nº 3 do C. Processo Penal, a 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, e com excepção da condenação na pena ‘acessória’ de interdição vitalícia dos direitos enunciados no art. 11º do Código Penal do Grão-Ducado do Luxemburgo – elencados no ponto 3., supra – por não ser exequível em território nacional.
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Sem tributação. Honorários à Ilustre Defensora, a pagar pelos cofres. Após trânsito, observe-se o disposto nos arts. 103º, nº 3 e 123º, nº 2 , ambos da Lei nº 144/99.
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Coimbra, 10 de Julho de 2014
(Heitor Vasques Osório – relator) (Fernando Chaves) |