Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
507/19.6T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 704º, Nº 1 NCPC.
Sumário: I - Salvo tratando-se de questão de conhecimento oficioso, se uma certa questão não foi objeto de decisão em 1.ª instância, então não pode ser objeto de recurso, porquanto nada foi decidido quanto a ela, não havendo, por essa razão, decisão recorrível a tal respeito.

II - As situações jurídicas geradoras de direitos, de títulos jurídicos, constituem-se, em regra, no âmbito de um processo de formação progressiva, onde existe um início, etapas subsequentes e um termo.

III - Assim, por razões de tutela de expetativas, proporcionalidade e economia processual, muito embora a sentença só constitua título executivo depois do trânsito em julgado (salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo – n.º 1 do artigo 704.º do CPC), a petição executiva que se funda em sentença condenatória não deve ser indeferida liminarmente com fundamento na circunstância de ainda não ser título executivo, devendo-se aguardar pelo despacho de recebimento do recurso.

Decisão Texto Integral:





I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da seguinte decisão liminar:

«1. (…).

2. O Embargante invoca a nulidade do registo da penhora, bem como a respetiva citação, porquanto não foi respeitado o n.º 4 do artigo 753.º do CPC.

Resulta da alegação do Embargante que não foi omitido qualquer ato – nem o registo da penhora nem o da citação.

Assim, está em causa a oportunidade do registo da penhora e da respetiva citação.

De facto, da consulta dos autos verifica-se que a penhora dos imóveis terá ocorrido em 28 de novembro de 2019, o auto de penhora foi lavrado em 28 de janeiro de 2020 e a citação do executado concretizada em 27 de outubro de 2020.

De acordo com o disposto no artigo 856.º do CPC, ex vi artigo 626.º, n.º 2 do CPC, a notificação deve efetuar-se no ato de penhora e, não sendo possível, nos cinco dias posteriores. O mencionado prazo é meramente ordenador, indicativo ou disciplinador porque destinado a ordenar, balizar ou regular a tramitação e cujo incumprimento não extingue o direito de praticar os respetivos atos, apenas podendo acarretar para o infrator consequência, mormente, disciplinares, por violação de zelo no desempenho das suas tarefas, não gerando assim qualquer ilegalidade suscetível de inquinar o ato.

Assim, nem o registo da penhora e subsequente citação enfermam de qualquer ilegalidade que importe a sua invalidade.

Por outro lado, o Embargante não alega que a esse retardamento tenha causado prejuízo à sua defesa.

Improcede assim a argumentação do Executado e, em consequência, improcede a arguida nulidade.

3. O Embargante invoca ainda a inexistência e inexequibilidade do titulo executivo porquanto a sentença foi alterada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

As sentenças, ainda que não transitadas em julgado, constituem titulo executivo se delas foi interposto recurso com efeito devolutivo.

Como resulta da ação executiva, o Tribunal da Relação, a titulo definitivo, modificou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo que a execução se modificou, ex tunc, em conformidade com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra.

Por tal facto, foi proferido despacho a julgar extinta a execução quanto à executada E... e a determinar o cancelamento de todas as penhoras que incidam sobre bens da sua titularidade.

Improcedem assim as invocadas exceções de inexistência e inexequibilidade.

4. Os Embargante invocam ainda a prescrição dos juros liquidados em sede de requerimento executivo.

O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro titulo executivo – artigo 311.º, n.º 1 do Cód. Civil.

Quando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo – artigo 311.º, n.º 2 do Cód. Civil.

Assim, o direito que seja reconhecido por sentença transitada em julgado ou por outro titulo executivo passa a estar sujeito ao prazo prescricional ordinário de 20 anos, independentemente do prazo a que estava inicialmente subordinado.

Estando em causa uma sentença de condenação in futurum [ Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, Coimbra Editora, pág. 88 e ss; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 754 e 2 ss ] é necessário distinguir duas hipóteses: se a sentença condenar em prestações ainda não constituídas (v.g. juros vincendos), o prazo prescricional aplicável é o previsto no artigo 310.º do Cód. Civil, isto é, o prazo de cinco anos, uma vez que assim o impõe a razão de ser da prescrição quinquenal, cfr. n.º 2 do artigo 311.º do Cód. Civil; no caso de a sentença respeitar a um direito atual relativo a uma prestação a realizar no futuro e fixar prazo para a respetiva realização, o prazo prescricional será o ordinário, contando-se desde o momento fixado na sentença para a prestação.

Assim [Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de março de 2007, em CJ Ano XXXII, T. II, 2007, PÁG. 17-19, citado por Ana Filipa Morais Antunes, em ob. cit.] quando a obrigação de juros está coberta por sentença judicial, o prazo prescricional perde autonomia no que toca aos juros vencidos, abrangidos pelo título, passando a haver um único prazo de prescrição que é de 20 anos.

Os juros posteriores à data da sentença prescrevem no prazo de cinco anos.

Revertendo ao caso em apreço.

Encontram-se abrangidos, pela sentença exequenda e, por isso, sujeitos ao prazo de 20 anos de prescrição, os juros vencidos até à prolação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja, 11 de junho de 2019.

Os juros vencidos a partir dessa data estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 310.º, al. d) do Cód. Civil.

Sendo que:

“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”

Improcede, assim, a invocada exceção.

5. Diante de todo o exposto, entendo que os embargos de executado são manifestamente improcedentes.

Assim, convido o Embargante a pronunciar-se sobre a respetiva inadmissibilidade».

Depois foi proferido o seguinte despacho, em 17 de maio de 2021:

«Com os fundamentos que constam do despacho que antecede, o Tribunal notificou o Embargante para, querendo, se pronunciar sobre o indeferimento liminar dos embargos de executado.

O Embargante, nada disse ou veio requerer.

Assim, com os fundamentos vertidos no despacho de 26 de abril de 2021 (referência ...) que aqui, por economia, dou por integralmente reproduzidos, entendo que os embargos de executado são manifestamente improcedentes pelo que indefiro liminarmente os embargos de executado, ao abrigo do disposto no artigo 732.º, n.º 1, al. c) do CPC.

Custas a cargo do Embargante…».

b) O Embargante recorre com os fundamentos que indica nas seguintes conclusões:

«O presente recurso é interposto como manifestação da não concordância, por parte do ora recorrente, perante o douto despacho que decidiu pela improcedência dos embargos de oposição à execução deduzidos pelo ora recorrente/embargante, para a qual se remete com a devida vénia.

2- O ora recorrente impugna o teor do despacho recorrido, discordando quanto ao seu teor sobre os dois primeiros pontos: a atuação negligente do Senhor Agente de Execução e da inexistência ou inexequibilidade do título dado à execução.

3- Quanto ao não respeito pelo Senhor Agente de Execução do prazo de citação e as delongas entre os actos praticados por este: atendendo a que foi supra alegado, deveria o despacho recorrido ter declarado a extinção da instância, por deserção, em cumprimento dos art. 277º, al. c) e 281º, n.º 5 do C.PC.

4- Não o fazendo, violou assim o despacho recorrido essas normas, bem como o teor dos art. 753º, n.º 4 do C.P.C. e art. 856º ex-vi art. 626º, n.º 2, ambos do CPC.

5- Para além de que, deve ser implementado por lei uma sanção pela inércia, falta de zelo ou negligência do Agente de Execução na prática dos seus actos.

6- Com efeito, no caso em apreço, o executado/ora recorrente foi citado cerca de quase um ano após o registo das penhoras em bens imóveis, o que pode acarretar vários prejuízos pelo desconhecimento da existência quer da acção executiva, quer das penhoras.

7- Para além disso, e com muito mais relevo para a questão a decidir nos autos: o recorrido não dispunha de título exequível para intentar ação executiva.

8- À data de interposição da ação executiva a sentença não tinha transitado em julgado, nem tinha sido interposto recurso da mesma.

9- A ação executiva entrou 6 dias após terem as partes sido notificadas da sentença, que alegadamente serve de título executivo.

10- Ora, a sentença foi notificada em período de férias judiciais, conforme supra alegado.

11- Ainda não se encontrava a decorrer, nem o prazo de recurso, nem o prazo de reclamação.

12- Tendo o recorrente invocado a falta de título ou exequibilidade do título dado à execução, o despacho recorrido deveria ter reconhecido essa falta de título executivo bastante ou inexequibilidade do título.

13- A sentença foi notificada às partes em 21/12/2018.

14- A ação executiva foi interposta e, 27/12/2018.

15- O recurso foi interposto em 12/02/2019.

16- O despacho a admitir o recurso e a fixar o efeito do recurso foi notificado as partes em 13/03/2019.

17- Só nesta data a sentença se constituiu título executivo bastante.

18- Antes dessa data carecia o recorrido de um título executivo.

19- Conforme supra alegado e o invocado pelo recorrente nos embargos de oposição à execução deduzidos, o despacho recorrido deveria ter conhecido da falta de título ou inexequibilidade do título.

20- Decidindo como decidiu, violou, entre outros, cujo suprimento, desde já se requer, as normas contidas nos artigos 10, n.º5 e n.º6, 259º, 260º, 628º, 641º, 647º, 703º, al. a), 704º, n.1, 729º, al. a) e 732º, n.º4 do CPC

21- A ação executiva intentada pelo recorrido não assenta em título executivo.

22- Foi intentada com base numa sentença proferida, em que nem sequer o prazo de recurso ou de reclamação estavam a decorrer.

23- Atendendo a falta de titulo exequível, deveria o despacho recorrido ter declarados procedentes os embargos quanto à esta questão e determinado a extinção da execução, com o consequente levantamento das penhoras efectuadas.

24- O recorrente discorda, assim, do teor do douto despacho recorrido quanto ao supra exposto, e consequentemente quanto ao alegado em matéria de prescrição de juros de mora, conforme supra alegado.

25- Pelo que é nula a sentença, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. c) e d) do C.P.C., o que se alega, para os devidos e legais efeitos.

26- Com efeito, atendendo os factos invocados no despacho recorrido, o mesmo só poderia ter reconhecido que o recorrido carecia de um título exequível para intentar ação executiva.

27- Requer ainda a atribuição do efeito suspensivo dos autos de ação executiva, de que depende os autos de embargos, conforme supra alegado.

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, devem as presentes conclusões proceder e, por via disso, deve a presente apelação obter provimento, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que decida pela procedência dos embargos quanto ao facto de inexistir título exequível, conforme supra alegado e declarar a extinção da execução, com a consequente anulação das penhoras efectuadas, por falta de título executivo bastante, conforme supra alegado.

Com as legais consequências, assim se fazendo Justiça!»

c) O Embargado/exequente contra-alegou e concluiu deste modo:

«A. Deverá ser mantido na íntegra, o douto despacho recorrido.

B. Não ocorreu qualquer nulidade nem existiu erro de julgamento.

C. Os fundamentos invocados pelo embargante não constituem qualquer fundamento para a oposição à execução ou para a oposição à penhora, levando ao seu indeferimento liminar.

D. Por outro lado, a oposição à execução e à penhora não é o meio processual idóneo para invocar nulidade processual decorrente da eventual falta de verificação do prazo de citação após a penhora.

E. O meio processual próprio para o recorrente arguir a nulidade da eventual falta de verificação desse prazo seria através de requerimento a apresentar no próprio processo executivo, e não por recurso ao presente incidente de oposição à execução e à penhora, posto que esse alegado “vício processual” não consubstancia fundamento típico deste meio defensional.

F. Na situação alegada pelo recorrente, a omissão de notificação do ato de penhora não constitui uma nulidade principal, mas uma nulidade de cariz secundário, caindo na previsão do artigo 195.º do CPC.

G. A alegada nulidade (secundária) cometida não comprometeu o conhecimento por parte do recorrente da realização do ato da penhora, nem a possibilidade de contra ela reagir, não sendo, por isso, processualmente relevante.

H. O prazo previsto no artigo 856.º do CPC, ex vi artigo 626.º, n.º 2 do mesmo diploma, é meramente ordenador, indicativo ou disciplinador porque destinado a ordenar, balizar ou regular a tramitação e cujo incumprimento não extingue o direito de praticar os respetivos atos, apenas podendo acarretar para o infrator consequência, mormente, disciplinares, por violação de zelo no desempenho das suas tarefas, não gerando assim qualquer ilegalidade suscetível de inquinar o ato.

I. Para que este tipo de nulidade possa ser conhecido pelo tribunal, torna-se mister que o mesmo seja tempestivamente arguido pela parte interessada.

J. Relativamente às nulidades perpetradas na ausência da parte (como é a situação vertente), tem esta de a arguir, no prazo geral de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1 do CPC), contados a partir do momento em que intervém em ato processual posterior ou em que é notificada para ato processual posterior.

K. O recorrente foi citado em 27.10.2020, pelo que poder-se-á razoavelmente concluir que desde, pelo menos, 27.10.2020 estaria em condições de saber que em 28.11.2019 foi realizada a penhora dos 2 imóveis, tanto mais que disso faz expressa referência na sua oposição mediante embargos de executado.

L. Considerando que o recorrente somente veio a arguir a nulidade no requerimento de oposição à execução e à penhora, apresentado em 23.11.2020, resulta que nessa data já há muito se havia verificado o dies ad quem do prazo fixado no n.º 1 do artigo 149.º do CPC, considerando-se, assim, sanada a irregularidade.

M. As sentenças, ainda que não transitadas em julgado, constituem título executivo se delas for interposto recurso com efeito devolutivo.

N. A sentença judicial condenatória é clara nos termos da sua condenação no pagamento ao exequente, ora recorrido, da quantia exequenda e respetivos juros de mora.

O. A força executiva de uma sentença não se confunde com o seu valor de caso julgado, pois pode haver execução antes do trânsito em julgado.

P. Decorre da sentença condenatória que a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível, podendo a execução seguir os seus termos normais, sem prejuízo da execução se modificar ou extinguir de acordo com a decisão definitiva do recurso interposto.

Q. Quanto aos fundamentos dos embargos invocados pelo executado, é manifesto que os mesmos não podem ser atendidos, pois que não se enquadram nem no artigo 729.º, nem tão-pouco no artigo 784.º do CPC.

R. Pelo que, sendo os embargos de executado manifestamente improcedentes, impunha-se a sua rejeição liminar pelo tribunal a quo.

S. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

Termos em que deverá V. Exa. julgar o recurso improcedente, por não provado, com as legais consequências, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!».

d) No despacho que admitiu o recurso foi referido que «2. A decisão proferida nos autos teve em consideração a matéria alegada pelo Embargante em sede de embargos de executado.

Porém, analisado os fundamentos de recurso verifico que o Embargante não se limita a discordar da decisão proferida nos autos.

De facto, através das suas doutas alegações de recurso, o Embargante amplia os fundamentos/argumentos aduzidos na sua petição inicial de embargos de executado, nomeadamente, os fundamentos em que alicerça a matéria de exceção».

II. Objeto do recurso.

O âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

De acordo com a sequência lógica das matérias cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão colocada respeita à nulidade da decisão recorrida (conclusão 25.ª), por infração ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) e d) do C.P.C., resultante, se bem se interpreta, dos fundamentos que a seguir se indicam nos pontos 2 e 3.

2 –  A segunda questão colocada pelo recurso consiste em saber se o atraso do Senhor Agente de Execução relativamente à observância do prazo de citação e decurso de tempo entre os atos praticados por este deviam ter dado origem a um despacho do juiz declarado a extinção da instância, por deserção, por força do disposto nos artigos 277.º, al. c) e 281.º, n.º 5 do C.PC.

Cumprindo verificar, em primeiro lugar, duas questões, que são estas:

a – Se esta problemática foi suscitada na petição de embargos e foi objeto de decisão.

b – Se, de acordo com as contra-alegações, este fundamento pode ser atendido, porquanto não se enquadrará nem no artigo 729.º, nem no artigo 784.º do CPC.

3 – Por fim, coloca-se a questão e saber se existe título executivo ou se este é exequível, entendendo o executado que não existe título porque a ação executiva entrou em juízo 6 dias (em 27/12/2018) após as partes terem sido notificadas da sentença (em 21/12/2018) que serve de título executivo, sendo certo que a sentença foi notificada em período de férias judiciais, ou seja, numa altura em que ainda não se encontrava a decorrer nem o prazo de recurso –  interposto em 12/02/2019 –, nem o prazo de reclamação.

Como o despacho a admitir o recurso e a fixar o efeito do recurso só foi notificado as partes em 13/03/2019, só nesta data a sentença se constituiu título executivo bastante.

Por isso, o despacho recorrido deveria ter conhecido da falta de título ou inexequibilidade do título.

Cumprindo verificar, de acordo com as contra-alegações, se este fundamento pode ser atendido, porquanto não se enquadrará nem no artigo 729.º, nem no artigo 784.º do CPC.

III. Fundamentação

a) Nulidade da decisão

O Embargante argui a nulidade da decisão recorrida com base nos argumentos que utiliza no recurso, referindo que a decisão infringiu o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) e d) do C.P.C.

Nos termos das disposições invocadas, a sentença é nula quando «c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» e «d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Não assiste razão ao recorrente, pelo seguinte:

(I) As nulidades de sentença, como é próprio das nulidades, resultam de vícios de natureza processual e estes respeitam à observação das formalidades dos atos processuais. As nulidades processuais têm a ver com a forma prescrita na lei processual para os atos e com o seu encadeamento processual, mas não com a matéria substantiva de que trata o processo.

 Por conseguinte, as questões de direito substantivo aplicáveis ao caso não originam a nulidade da decisão.

(II) No caso dos autos, não se descortina que «os fundamentos estejam em oposição com a decisão», nem ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» (al. c)).

Também não ocorre a situação da al. d), porquanto esta alínea se refere às questões colocadas pelas partes ou então a questões que a lei diz de modo tabelar que têm de ser apreciadas em certo momento processual.

No caso, as partes não tinham colocado quaisquer questões, nem o juiz omitiu o conhecimento de alguma questão que a lei lhe indicasse de modo expresso que devia conhecer no despacho inicial previsto no artigo 732.º do CPC.

Julga-se, por conseguinte, improcedente a arguição de nulidade da decisão recorrida.

b) Matéria de facto

A matéria a considerar é de natureza processual e é a que resulta do relatório que antecede.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 –  Vejamos se o atraso do senhor Agente de Execução relativamente à observância do prazo de citação e decurso de tempo entre os atos praticados por este deviam ter dado origem a um despacho do juiz declarado a extinção da instância, por deserção, por força do disposto nos artigos 277.º, al. c) e 281.º, n.º 5 do C.PC.

Cumprindo verificar como se disse, duas questões que são estas:

a – Se esta problemática foi suscitada na petição de embargos e foi objeto de decisão.

b – Se, de acordo com as contra-alegações, este fundamento pode ser atendido, porquanto não se enquadrará nem no artigo 729.º, nem no artigo 784.º do CPC.

Vejamos então.

Verifica-se que o recorrente não suscita na petição de embargos a questão da extinção da instância, por deserção, nos termos dos artigos 277.º, al. c) e 281.º, n.º 5 do C.P.C.

Logicamente tal questão não foi objeto de decisão.

Por conseguinte, se esta questão não foi objeto de decisão, em regra não pode ser objeto de recurso, porquanto nada foi decidido nesse sentido, não havendo, por essa razão, decisão recorrível a tal respeito.

Com efeito, como referiu Castro Mendes, «É afirmação corrente na Jurisprudência a de que se não podem levantar em recurso questões novas, que não foram suscitadas no tribunal recorrido».

“Os recursos visam modificar decisões e não emitir juízos de valor sobre matéria nova” [Ac. S.T.J., 30 Jan. 70, in BMJ, 193-319].

No entanto, deve entender-se que são arguíveis e devem ser apreciadas “ex novo” em recurso as questões do conhecimento oficioso, entre as quais as exceções dilatórias e as construções de direito.

Claro que esta regra tem a limitação seguinte: só podem suscitar-se em recurso questões novas de conhecimento oficioso não decididas já» - Direito Processual Civil – Recursos.  Edição da AAFDL/1980, pág. 27/28.

 Face ao exposto, devido ao facto de tal questão não ter sido suscitada na 1.ª instância, nem se tratar de questão de conhecimento oficioso por parte do Tribunal da Relação, não se conhece desta questão recursiva.

Sempre se dirá, brevemente, que a extinção da instância está vinculada ao comportamento negligente da parte – cfr. n.º 5 do artigo 281.º do CPC.

Ora, como o agente de execução não é parte, o seu comportamento negligente não desencadeia o efeito previsto nesta norma.

2 – Quanto à questão e saber se existe título executivo ou se este é exequível, entendendo o executado que não existe título porque a ação executiva entrou 6 dias (em 27/12/2018) após as partes terem sido notificadas da sentença (em 21/12/2018) que serve de título executivo, sendo certo que a sentença foi notificada em período de férias judiciais, ou seja, numa altura em que ainda não se encontrava a decorrer, nem o prazo de recurso (interposto em 12/02/2019), nem o prazo de reclamação.

Como o despacho a admitir o recurso e a fixar o efeito do recurso só foi notificado as partes em 13/03/2019, só nesta data a sentença se constituiu título executivo bastante.

Por isso, o despacho recorrido deveria ter conhecido da falta de título ou inexequibilidade do título.

Cumpre verificar, de acordo com as contra-alegações, se este fundamento pode ser atendido, porquanto não se enquadrará nem no artigo 729.º, nem no artigo 784.º do CPC.

Quanto a este último aspeto verifica-se que o fundamento alegado faz parte do elenco dos fundamentos dos embargos de executado, como resulta do disposto na al. a) do artigo 729.º do CPC [«Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; …»].

Relativamente ao mérito do argumento, não procede, pelo seguinte:

a – Como referiu Castro Mendes, «Quanto aos recursos ordinários parece-nos haver que diferenciar entre recursos com efeito meramente devolutivo e recursos com efeito suspensivo. No primeiro caso, a decisão comporta-se em regra como acto eficaz sujeito a condição resolutiva; no segundo caso, comporta-se em regra como acto sujeito a condição suspensiva» - Recursos. Lisboa, Edição da AAFDL, 1980, pág. 54.

Assim é.

Nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 704.º (Requisitos da exequibilidade da sentença) do CPC, «1.  A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.

2. A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser».

Por conseguinte, a sentença constitui título executivo e é exequível quando contendo uma condenação e estando pendente de recurso, o recurso tem efeito devolutivo.

Esta situação de exequibilidade já se verificava quando foram deduzidos os embargos.

A questão que o recorrente sustenta agora consiste em objetar que a execução foi instaurada num momento em que não tinha sido ainda atribuído efeito ao recurso.

b – Mas não tem razão.

Muito embora seja certo que a execução foi instaurada num momento em que não tinha sido ainda atribuído efeito ao recurso, o que só sucedeu quando o tribunal admitiu o recurso e fixou o seu efeito, também é certo que as situações jurídicas geradoras de direitos, de títulos jurídicos, constituem-se em regra no âmbito de um processo de formação progressiva, onde existe um início, etapas subsequentes e um termo.

Este processo de formação sucessiva pode ter (ou não) etapas pré-determinadas na lei e quando tal ocorre, como no caso dos autos, tal situação permite, em regra, uma previsão razoável acerca do momento temporal em que se constituirá, por fim, o direito ou o título.

Enquanto o direito não se forma definitivamente, o beneficiário goza já de expetativas.

Nas palavras de Mota Pinto, «Por expectativa jurídica entendemos a situação activa, juridicamente tutelada, correspondente a um estádio dum processo complexo de formação sucessiva de um direito. É uma situação em que se verifica a possibilidade, juridicamente tutelada, de aquisição futura de um direito, estando já parcialmente verificada a situação jurídica (o facto jurídico) complexa, constitutiva desse direito» - Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição. Coimbra editora, pág. 180.

No caso dos autos ocorre um processo de formação sucessiva de um direito de acionar o devedor, conferido pelo esperado título executivo-sentença.

Com efeito, proferida sentença favorável ao demandante credor, que imponha uma obrigação ao réu devedor, inicia-se o prazo para o recurso e caso o recurso tenha efeito devolutivo, a sentença adquire força de título executivo.

Sendo assim, se o exequente instaura ação executiva num momento em que a sentença ainda não é título executivo, porque não transitou ainda em julgado, mas há a expetativa fundada de vir a ser título executivo em breve, o tribunal não deve indeferir liminarmente a execução, mas aguardar que o processo relativo à eventual formação do título executivo se complete.

Esta postura do tribunal justifica-se não só pela tutela da mencionada expetativa, como também pela desproporcionalidade que constituiria o indeferimento face à precipitação do exequente e ainda pelo princípio da economia processual, o qual, nas palavras de Manuel de Andrade, «É uma aplicação do princípio de menor esforço ou de economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo custo. Nesta conformidade deve cada processo resolver o máximo possível de litígios (economia de processos); e deve por outro lado comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades)» – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora/1979, pág. 388.

Com efeito, sendo indeferida a pretensão, seguir-se-ia dentro em breve nova pretensão com o mesmo conteúdo.

Improcede, por isso, este fundamento recursivo.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente


Coimbra, 7 de setembro de 2021