Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
303/15.0T9PMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 03/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ART 100.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS; ARTIGO 125.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART 100.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS; ARTIGO 125.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário: Por força do disposto no artigo 100.º do CIRE, a declaração de insolvência da arguida constitui a causa de suspensão da prescrição (da pena de multa em que aquela foi condenada) prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do CP.
Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

O Ministério Público, veio interpor recurso do despacho de fls. 500, proferido em 18-2-2021, que declarou prescrita a pena de multa aplicada à arguida D..., Ldª.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:

1. A arguida «D..., Ldª.» foi condenada na pena de 100 [cem] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros], perfazendo € 500,00 [quinhentos euros], pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social, p. e p., pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 1 e 3 e 107.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), com referência ao artigo 105.º, nº 1, deste último diploma, bem como pelo artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal.

2. A decisão transitou em julgado em 03-11-2016.

3. A mesma sociedade havia sido declarada insolvente no processo n.º 99/12.7TBPMS, que correu termos no Tribunal Judicial de Porto de Mós, Comarca de Leiria, por sentença de 28-02-2012, transitada em 02-05-2012, processo que hoje corre termos no Juízo de Comércio de Alcobaça - Juiz 2, Comarca de Leiria.

4. O processo de insolvência não se mostra encerrado a esta data, correndo ainda os autos de liquidação.

5. O Sr. Administrador de Insolvência declarou, nos presentes autos, que a sanção proposta pelo Ministério Público seria levada em conta na liquidação da sociedade, que se encontrava a correr, no âmbito de processo de insolvência (cf. ref. ... de 26-09-2016).

6. Compete ao Administrador de Insolvência reconhecer não só os créditos que foram objeto de reclamação, como também aqueles cujos direitos “constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento” (artigo 129.º, nº 1, in fine, do CIRE).

7. O prazo de prescrição da pena de multa é de 4 (quatro) anos – artigo 122.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

8. Tal prazo começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena [artigo 122.º, n.º 2 do Código Penal] – 03-11-2016.

9. Discordamos do entendimento do Tribunal «a quo» quando não julga verificada a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 125.º, n.º 1, al. a), que dispõe que «a prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: por força da lei, a execução não pode começar ou continuar a ter lugar.».

10. O Ministério Público entende que a declaração de insolvência da arguida não pode deixar de constituir uma causa de suspensão do prazo de prescrição da pena de multa em que aquela foi condenada, nos termos do artigo 100.º do CIRE [ex vi artigo 125.º, n.º 1, al. a) do Código Penal], cujo texto é o seguinte: «A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo».

11. Atento o disposto no artigo 88.º, n.ºs 1 e 3 do CIRE, que dispõe:

«1-A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executiva ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.

2- As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrada nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto» (sublinhado nosso).

12. Assim, temos que a eventual exclusão do crédito resultante da pena de multa aplicada ao insolvente redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público, que se visa prosseguir com a condenação.

13. Acresce que, são créditos sobre a insolvência, os créditos que recaem sobre o insolvente e assumem caráter patrimonial, que sejam garantidos por bens da massa insolvente e cujo fundamento seja prévio à declaração de insolvência, bem como, aqueles cujos titulares demonstrem que os adquiriram no decurso do processo de insolvência, respetivamente, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 47.º CIRE (sublinhado nosso).

14. Neste conceito se enquadra a dívida resultante de pena de multa aplicada à insolvente durante o processo de insolvência.

15. Mal se compreenderia que o legislador quisesse que sociedades, que praticam crimes, pudessem ser condenadas até ao momento da sua extinção e, depois, esvaziasse o conteúdo da punição, sabendo que a sociedade não poderia satisfazer, por si, o montante em dívida, pelo facto de ter todo o seu património apreendido à ordem do processo de insolvência, sem que essa circunstância pudesse ser causa de suspensão do prazo de prescrição da pena.

16. Que sentido faria o legislador afirmar, no artigo 245.º do CIRE que a exoneração do devedor (instituto próprio do processo de insolvência) importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados e, em seguida, excepcionar os créditos resultantes das penas de multa, se o artigo 100.º do CIRE não tivesse aplicação às penas de multa?

17. É o próprio legislador que qualifica os créditos resultante das penas de multa como créditos sobre a insolvência.

18. Nem faria sentido determinar a suspensão/impedir (d)a execução com base na declaração de insolvência e, depois, afirmar que essa suspensão/impedimento de instauração (do processo executivo) não é causa de suspensão da prescrição da pena de multa.

19. Conclui-se que, com referência à insolvência, a suspensão do prazo de prescrição da multa aplicada à sociedade «D..., Lda», ainda está em curso, uma vez que, até hoje, não foi proferida decisão judicial de encerramento do processo de insolvência.

20. Pelo que, somos de concluir que, salvo melhor opinião, a pena de multa, aplicada no presente processo, não se encontra prescrita, não se tendo sequer iniciado o prazo de prescrição.

21. É nossa convicção que, ao declarar a pena de multa, em que foi condenada a arguida sociedade prescrita, com reporte a 04-11-2020, o Tribunal «a quo» violou o disposto no artigo 125.º, n.º 1, al. a), conjugado com o artigo 126.º, n.º 3 ambos do Código Penal, por referência aos artigos 88.º, 100.º e 245.º, n.º 2, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

22. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarada a nulidade do Despacho recorrido, por violação 125.º, n.º 1, al. a), conjugado com o artigo 126.º, n.º 3 ambos do Código Penal, por referência aos artigos 88.º, 100.º e 245.º, n.º 2, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, devendo ser substituído por outro que, ordene a prossecução dos autos.

                                                                       *

A arguida não respondeu.

Nesta instância, o Exmº Procurador da República emitiu parecer, no sentido de o recurso ser provido e revogado o despacho recorrido em conformidade.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II – FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:

A sociedade arguida D, Ld.ª foi responsabilizada pela prática, em coautoria material e na forma continuada, de um crime de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social, p. e p., pelos artigos 6º, 7º, n.º1 e 3 e 107º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), com referência ao artigo 105º, n.º 1, deste último diploma, bem como pelo artigo 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 100 [cem] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros], perfazendo          € 500,00 [quinhentos euros].

A sobredita pena de multa prescreve no prazo de quatro anos, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, o qual começou a correr «no dia em que transit[ou] em julgado» a sentença condenatória, isto é, em 03.11.2016.

A Sociedade Arguida não pagou aquela pena de multa.

Os presentes autos têm aguardado o decurso dos autos de insolvência que (ainda na presente data) correm termos sob o n.º 99/12.7TBPMS, no âmbito dos quais a Sociedade Arguida foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado a 02.05.2012.

Por conseguinte, e uma vez tendo presente a inexistência de uma qualquer causa de suspensão ou interrupção daquele prazo, a pena de multa em que a Sociedade Arguida foi condenada encontra-se prescrita desde o dia 04.11.2020, o que, justamente, declaro.

Notifique, dando baixa estatística; remetam boletins; bem ainda comunique ao Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria [em observância da Circular n.º 4/2016 do Conselho Superior da Magistratura quanto ao procedimento de comunicação das prescrições].


***


APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, a questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se a pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada não se encontra prescrita, contrariamente ao que foi considerado no despacho recorrido.


*

Com interesse para a decisão, importa considerar a seguinte tramitação:

-- O Ministério Público acusou em processo sumaríssimo os arguidos (…), (…) e “D..., Ldª.”, por factos ocorridos no período compreendido entre Abril de 2010 a Dezembro de 2011, imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime da Abuso de Confiança em relação à Segurança Social e, propôs a aplicação aos arguidos a pena de multa;

concretamente, à sociedade arguida a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5.

-- Por sentença de 3-10-2016, foi a sociedade arguida “D..., Ldª.” condenada pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social, p. e p., pelos artigos 6º, 7º, n.º 1 e 3 e 107º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), com referência ao artigo 105º, n.º 1, deste último diploma, bem como pelo artigo 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 100 [cem] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros], perfazendo € 500,00 [quinhentos euros].

A sentença transitou em julgado em 3-11-2016.

-- Por sentença de 28-2-2012, transitada em 2-5-2012, a mesma sociedade havia sido declarada insolvente (proc. n.º 99/12.7TBPMS, Juízo de Comércio de Alcobaça - Juiz 2, Comarca de Leiria).

-- O Administrador de Insolvência informou, nos presentes autos, que a sanção proposta pelo Ministério Público seria levada em conta na liquidação da sociedade, que se encontrava a correr, no âmbito de processo de insolvência (cf. ref. 3136496 de 26-09-2016).

-- O processo de insolvência não se mostrava encerrado à data de prolacção do despacho impugnado, correndo ainda os autos de liquidação.

-- A sociedade arguida não pagou a pena de multa.

-- E, em 18-2-2021, foi proferido o despacho recorrido, que declarou extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada à sociedade arguida.

Considerou o despacho recorrido que tal pena de multa prescreve no prazo de quatro anos, a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória (em 3-11-2016), nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, pelo que, inexistindo qualquer causa de suspensão ou interrupção daquele prazo, a pena de multa em que a Sociedade Arguida foi condenada se encontrava prescrita, desde o dia 4-11-2020.

O recorrente/MP insurgiu-se contra, o assim, decidido, por considerar que a prescrição da pena ainda não ocorreu, por força da suspensão do prazo de prescrição decorrente da sentença de declaração de insolvência, tendo o despacho recorrido violado o disposto no artigo 125º, n.º 1, al. a), conjugado com o artigo 126º, n.º 3, ambos do Código Penal, por referência aos artigos 88º, 100º e 245º, n.º 2, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Afigura-se-nos que assiste razão ao recorrente.

Vejamos:

In casu havia a sociedade arguida sido declarada insolvente.

A declaração de insolvência da sociedade é um dos casos de dissolução da sociedade [art. 141º, n.º 1, al. e) do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].

A sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, mantendo a personalidade jurídica, continuando a ser-lhe aplicável, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (n.ºs 1 e 2 do art. 146º do CSC) e, a sociedade só se extingue com o culminar da fase de liquidação e partilha, concretamente, com o registo do encerramento da liquidação (n.º 2 do art. 160º do CSC e, art. 3º, n.º 1, al. t), do Código do Registo Comercial.

Ora, a pena de multa que foi aplicada à sociedade arguida, que foi declarada insolvente, constitui uma dívida da sociedade insolvente, com eventuais implicações na massa insolvente.

O montante da pena de multa criminal constitui um crédito do Estado. O interesse que subjaz ao pagamento da multa criminal, para além dos fins das penas, prende-se com a salvaguarda do Estado de direito democrático face ao interesse na cobrança de tais montantes.

No caso vertente, a sociedade arguida não efectuou o pagamento voluntário da multa, e estava o Ministério Público impedido de instaurar a respectiva execução para obtenção do seu pagamento (artigos 469º e 491º, n.º 2 do CPP), por a tanto se opor o artigo 88º do CIRE que determina:

«1- A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.».   é nosso o sublinhado

Todavia,

O Administrador de Insolvência informou, nos presentes autos, que a sanção proposta pelo Ministério Público (ou seja, a pena de multa aplicada à arguida) seria levada em conta na liquidação da sociedade, que se encontrava a correr, no âmbito de processo de insolvência. – cfr. art. 129º, n.º 1, in fine do CIRE.

Concordamos, assim, com o recorrente quando observa que “Não faria sentido que o credor Estado pudesse ver extintos créditos (se se considerasse a pena prescrita), quando não instaurou execução, após a declaração de insolvência, por estar impedido por esta via.”

Nos termos do que dispõe o artigo 122º, n.º 1, al. d) do Código Penal a pena de multa prescreve no prazo de quatro anos e, “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena” (n.º 2 deste preceito).

Quanto às causas de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, estão as mesmas previstas respectivamente nos artigos 125º e 126º do CP.

Estabelece o artigo 125º do CP:

«1- A prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;». é nosso o sublinhado.

Ora, nos termos do artigo 100º do CIRE, sob a epígrafe “Suspensão da prescrição e caducidade”: «A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.».

                  Portanto,

                  Com a declaração de insolvência suspendem-se os prazos de prescrição e de caducidade durante o processo (art. 100º, do CIRE). E, a suspensão cessa com o encerramento do processo, reiniciando-se a contagem dos prazos a partir desse momento – art. 233º, n.º 1, al. a), do CIRE.

                  Como sublinha o recorrente: “A regra consagrada neste preceito (100º do CIRE) visa estabilizar o leque de créditos imputados ao devedor, cristalizando a sua exigibilidade com referência ao momento da declaração de insolvência, já que, «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» cfr. art. 1º, n.º 1 do CIRE.”

                  Acresce que, deverá ainda atender-se ao disposto no artigo 245º do CIRE, sob a epígrafe “Efeitos da exoneração”:

                  1- A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º

                  2- A exoneração não abrange, porém:

                  a) Os créditos por alimentos;

                  b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;

                  c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;

                  d) Os créditos tributários e da segurança social.»

                  São créditos da insolvência todos os créditos de natureza patrimonial que existam sobre o insolvente ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência, cfr. artigo 47º, n.ºs 1 e 2 do CIRE.

                  Concordamos, pois, com a argumentação do recorrente, quando refere: “Que sentido faria o legislador designar uma pena de multa por crédito sobre a insolvência e afirmar que a exoneração do devedor (instituto próprio do processo de insolvência) importa a extinção de todos os “créditos” sobre a insolvência (na terminologia da Lei) que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados e, em seguida, excepcionar os “créditos” resultantes das multas por crimes, se os artigos 88.º e 100.º do CIRE não tivessem aplicação às penas de multa? Mais uma vez, com o devido respeito, entendemos que nenhum.

                  Mal se compreenderia que o legislador quisesse que sociedades, que praticam crimes, pudessem ser condenadas até ao momento da sua extinção e depois esvaziasse o conteúdo da punição, sabendo que a sociedade não poderia satisfazer, por si, o montante em dívida, pelo facto de ter todo o seu património apreendido à ordem do processo de insolvência, sem que essa circunstância pudesse ser causa de suspensão do prazo de prescrição da pena.”.

                  Deste modo, dado que a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição (prazo que in casu nem chegou a iniciar-se, porquanto a sociedade arguida já havia sido declarada insolvente antes de ter sido condenada nos presentes autos), a pena de multa em que foi condenada não se encontra prescrita.


                  *****


                  III - DECISÃO

                  Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

                  - Julgar procedente o recurso e, em consequência, ordenar a prossecução dos autos.

                  Sem tributação.


                  *****

                  Coimbra, 17-3-2022

                  Texto processado em computador e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente - artigo 94º, n.º 2 do CPP

                  Elisa Sales (relatora)

                  Jorge Jacob (adjunto)