Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92/15.8PTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
TEP
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 03/29/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 17.º, 97.º, N.º 2, 138.º, N.º 4, ALS. T) E X), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL), E ART. 337.º, N.º 1, DO CPP.
Sumário: Pertence ao tribunal da condenação, não ao TEP, a emissão de mandados de detenção visando o cumprimento, pelo condenado, de pena de prisão, imposta por sentença transitada em julgado.
Decisão Texto Integral:






I. Relatório:
O Sr. Juiz do Juízo Local Criminal de Leiria suscitou, no âmbito do processo n.º 92/15.8PTLRA, a resolução de conflito negativo de competência (material) existente entre o próprio e a Sr.ª Juíza do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, porquanto ambos se atribuem reciprocamente competência, negando a própria, para emissão de mandados de detenção visando o cumprimento da pena de 6 (seis) meses de prisão, imposta, por sentença transitada em julgado, ao arguido A.... .

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, no sentido de a competência para o fim acima indicado pertencer ao primeiro dos dois tribunais referidos.

Por sua vez, a Sr.ª Juíza do TEP de Coimbra respondeu, nos termos constantes de fls. 42/51, pugnando pela atribuição de competência, visando a prática do referido acto, ao Juízo Criminal Local de Leiria.
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II. Fundamentação:
1. Elementos, relevantes, a considerar:
A) Através de sentença condenatória já transitada em julgado, o arguido A... foi condenado, por sentença proferida, em 05-01-2016, no âmbito do processo sumário n.º 92/15.8PTLRA, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
B) Em 13-12-2016, a Sr.ª Juíza do TEP de Coimbra lavrou o despacho de fls. 21 a 29 destes autos, cujo teor aqui dou por reproduzido, no qual, em alargado quadro argumentativo, deu nota dos fundamentos subjacentes à posição final de considerar competente para o efeito em causa o Juízo Local Criminal de Leiria.
C) Neste, o Sr. Juiz sufragou o entendimento de a competência pertencer ao TEP, despacho que, de imediato, se transcreve, nos segmentos de maior relevância:
«(…).
Entendemos que, do cotejo das normas previstas no art.º 138.º, n.º 2, do CEPMPL e do disposto no art.º 470.º, nº 1 do CPP, (…) a execução das penas privativas da liberdade são executadas pelo Tribunal de Execução das Penas, atento o disposto no art.º 138.º, n.º 4, al. t)» daquele diploma legal.
Desta forma, e salvaguardando-se o devido respeito por posição contrária, e na esteira do entendimento da decisão da 5.ª Secção Criminal do STJ, de 8-4-2016, proferido no conflito de competência n.º 264/12.7GCACB.S1, entendemos que “a questão da emissão do mandado de detenção, após o trânsito em julgado da sentença/acórdão que condenou o arguido em pena de prisão efectiva faz parte integrante do acompanhamento e fiscalização de penas privativas da liberdade, pois é uma acção tendente a iniciar o cumprimento deste tipo de penas, feito após o trânsito em julgado da decisão condenatória (cfr. o n.º 2 do art. 138.º do CEPMPL), pelo que, pertence à competência material dos Tribunais de Execução das Penas” – no mesmo sentido, vejam-se as demais decisões de conflitos negativos de competência citados, pelo Ministério Público, na douta promoção que antecede.
Com efeito, e com o devido respeito que nos merece entendimento diverso, esta solução jurídica é a que resulta da interpretação literal e teleológica das normas “supra” referidas; com efeito, a competência material para emitir mandados de detenção é expressamente conferida na alínea t) do n.º 4 do art.º 138.º do CEPMPL, não distinguindo a norma a que tipo de mandados se refere, mas nele se englobarão necessariamente os mandados para cumprimento inicial da pena, pois só assim se compreenderia a ratio do preceito estabelecido no art.º 477.º, n.º 1 do CPP – veja-se, neste sentido, decisão de conflito negativo de competência proferido pela 4.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra de 29/06/2016, proferido no processo n.º 65/11.0TXCBR-C.C1, onde se afirma que “(…) a lei especial prevalece sobre a norma geral, iniciando-se a intervenção do tribunal de execução das penas com o trânsito em julgado da decisão condenatória (elemento literal) e não com o início da execução da pena aplicada”. E continua: “afigura-se-nos manifesto que o legislador quis expressamente consagrar que nestes casos em que há passagem de mandados de detenção para cumprimento inicial da pena de prisão, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decreta o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade”.
Termos em que, entendemos que este Juízo Local Criminal é materialmente incompetente para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido, com vista a que o mesmo cumpra a pena de prisão na qual foi condenado.
(…)»
*
2. Apreciação:
Já acima ficou escrito, o cerne do dissídio existente entre os dois Juízes conflituantes consiste em determinar quem detém competência material para emissão de mandados de detenção finalisticamente dirigidos à execução da pena de prisão - 6 (seis) meses - imposta, por sentença transitada em julgado, ao condenado A... : se o tribunal da condenação, ou, ao invés, o tribunal de execução das penas.

Inserido nos Títulos I e II do Livro X da Parte II do CPP, e reportados à execução da pena, nomeadamente da pena de prisão, dispõem os artigos 470.º, 477.º, n.º 1, e 478.º, ambos do CPP.
O primeiro, sob a epígrafe “Tribunal competente para a execução”:
«1 - A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
2 – (…)».
O segundo (“Comunicação da sentença a diversas entidades”):
«1 - O Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade.
(…).
O último (“Entrada no estabelecimento prisional”):
«Os condenados em pena de prisão dão entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz competente».

Por seu turno, o artigo 138.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (doravante apenas CEPMPL), introduzido no sistema jurídico pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, prescreve:
«1 - (…).
2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
3 - (…).
4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;

E estatui o artigo 17.º do dito compêndio legislativo:
«O ingresso de recluso em estabelecimento prisional só pode ter lugar nos seguintes casos:
a) Mandado do tribunal que determine a execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) Mandados de detenção;
c) Captura, em caso de evasão ou ausência não autorizada
(…)».

A imperiosa necessidade de conferir unidade ao sistema jurídico, determinou o legislador a alterar, através da própria Lei n.º 115/2009, o artigo 91.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), que incorporou, no essencial, a normatividade contida no referido diploma [textualmente, mas sem a mínima influência no caso posto em conflito, os dois diplomas apenas diferem nos quadros previsivos de duas alíneas; a alínea i) da última Lei não contempla o segmento final da alínea j) do n.º 4 do artigo 138.º do CEPMPL (“bem como da substituição ou da revogação das respectivas modalidades”), e a alínea t), ainda da mesma Lei, em relação à alínea u) do n.º 4 do mesmo artigo 138.º, tem o seguinte aditamento “do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”).

De igual modo, o artigo 114.º da nova Lei da Organização do Sistema Judiciário, criada pela Lei 62/2013, de 26 de Agosto, quando comparado com o artigo 138.º do CEPMPL, não apresenta, no quadro específico revelado nos autos, modificações que importe considerar.

Sobre a questão a decidir, a jurisprudência dos Tribunais da Relação tem revelado visões antinómicas.
Que se tenha conhecimento, no específico domínio revelado, no sentido de a competência recair na alçada do TEP, pronunciou-se a Relação de Coimbra, no âmbito de, pelo menos, três conflitos, relativos aos processos 89/10.4GCFIG-A.C1, 734/11.4PBFIG-A.C1 e 205/14.7TXCBR-C.C1, cujos despachos estão datados de 26-03-2014, 09-04-2014 e 03-08-2015, respectivamente.
Ex adverso, ou seja, atribuindo competência material ao tribunal da condenação, registamos, sem a preocupação de completude, os despachos dos Srs. Presidentes das 3.ª e 9.ª Secções Criminais da Relação de Lisboa, de 15-12-2011 e 08-06-2015 (procs. n.ºs 455/08.5PCAMD-A.L1-3 e 2615/11.2TXLSB-D.L1-9), o Ac. da mesma Relação, de 18-06-2015, e ainda o Ac. da Relação do Porto proferido com data de 07-05-2014 (proc. n.º 119/01.0TAVLC-A.P1) – todas estas decisões estão publicadas, as duas primeiras e a última, no site do ITIJ, e a terceira, na CJ, tomo II, págs. 148/150.
Reconhecendo o melindre jurídico da vexata quaestio, tenho como mais conforme à teleologia do CEPMPL a segunda das duas enunciadas posições.

O artigo 138.º, n.º 2, do CEPMLP, delimita a competência do TEP, situando-a impressivamente nos domínios do acompanhamento e fiscalização da pena de prisão, e bem assim da modificação, substituição e extinção, da mesma, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do CPP, norma esta que, perante a entrada em vigor de lei mais favorável, faculta ao condenado a reabertura da audiência de modo a possibilitar a aplicação do novo regime substantivo penal.
Mas as normas já citadas, e outras inclusas no CEPMPL ou na lei adjectiva penal, não definem expressamente o tribunal a quem compete, no concreto caso, a emissão dos mandados de detenção.
Afigura-se-me, contudo, que, por determinismo sistemático e racional, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, previstos nos artigos 17.º, als. a) e b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CMPMPL, são decorrência funcional dos actos cuja prática - cfr. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2 e 4 – está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir.
Reproduzindo certa passagem contida na resposta apresentada, no âmbito do presente conflito, pelo Sr.ª Juíza do TEP: «previu o legislador, em consonância quer com o disposto no art. 478.º, quer com o estatuído no art. 138.º, n.º 4, al. t), que a detenção pode ter lugar por competência própria de diversos tribunais, em função da competência material do tribunal que proferiu a decisão».
Assim, a título meramente exemplificativo, ao TEP competente emitir mandado de detenção visando a comparência de um libertado condicionalmente a certo acto processual, emitir mandados destinados à captura de recluso que se tenha ausentado ilegitimamente de Estabelecimento Prisional, e também emitir mandados de detenção consequenciais de contumácia declarada ao abrigo do artigo 138.º, n.º 4, alínea x, mas não, por conseguinte, como na situação génese deste conflito, proceder à emissão de mandados de detenção destinados a cumprimento de pena de prisão imposta por sentença transitada em julgado.
Como nota final, não há que conferir predominância ao texto do ponto 15 da exposição de motivos da proposta de lei 252/X, que esteve subjacente à aprovação do CEPMPL, deste teor: “No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, atualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema”, porquanto, a alusão expressa, como traço delimitador de competência, ao trânsito em julgado da sentença, deve ser sensata e ponderadamente vista, tendo em devida conta, como acima foi feito, as disposições legais envolvidas, supra indicadas, e a interpretação, também já evidenciada, que elas potenciam.
Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projectam a teleologia das normas consideradas no sentido de a emissão de mandados de detenção contra condenado em pena de prisão, por sentença com trânsito em julgado, pertencer ao Tribunal da condenação.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo ao Juízo Criminal Local de Leiria competência material para a emissão dos mandados de detenção.
Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.
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Coimbra, 29 de Março de 2017
(Documento elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra)


(Alberto Mira)