Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
404/12.6TBCNT-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CO-EXECUTADOS
DEPOIMENTO DE PARTE
TESTEMUNHA
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 455, 553, 617 CPC
Sumário: 1. Partes são as pessoas que requerem e as pessoas contra quem se requer a providência judiciária. Esta noção formal de parte abstrai dos titulares da relação material controvertida centrando-se na relação processual.
2. A oposição à execução que corre termos por apenso a uma acção executiva, não tem, necessariamente, equivalente nas suas partes processuais.

3. Os executados que não deduziram oposição à execução, não são partes nestes autos que correm por apenso, não podendo qualificar-se como compartes dos oponentes, sendo terceiros face à oposição à execução.

4. Não podem por isso prestar depoimento de parte, atento o disposto no artº 553 nº 3 do C.P.C. pelo que podem ser ouvidos como testemunhas, nos termos do artº 617 do C.P.C.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

JL (…) e mulher EM (…) vêm deduzir oposição à execução, por apenso à execução contra si intentada pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A. em que são também executados JC (…) e MC (…).

O título executivo apresentado representa duas escrituras públicas de mútuo com hipoteca, identificando-se como mutuários os executados JC (…) e MC (…) e outorgando também nas escrituras os oponentes, constituindo-se como fiadores e principais pagadores das obrigações assumidas pelos mutuários.

Notificado da oposição apresentada vem o Banco exequente contestar a mesma, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador afirmando a validade e regularidade da lide, dispensando-se a selecção da matéria de facto e organização da base instrutória e determinando-se o cumprimento do artº 512 nº 1 do C.P.C.

No seu requerimento probatório apresentado vem o Banco exequente requerer, entre outras diligências probatórias, o depoimento de parte dos co-executados mutuários aos artigos do requerimento de oposição e da contestação que identifica; requer ainda a sua inquirição como testemunhas, caso se considere que estes não são partes no presente apenso.

Foi proferido despacho em que o Mmº Juiz “a quo” se pronuncia sobre os meios de prova requeridos pelas partes, decidindo quanto a esta questão: “Indefiro o depoimento de parte dos co-executados, por inadmissibilidade legal, uma vez que, não tendo os mesmos deduzido oposição, inexiste matéria nestes autos que seja susceptível de confissão pelos mesmos.”

Não se conformando com esta decisão vem o Banco exequente interpor recurso da mesma, pedindo a revogação do despacho recorrido e formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido em 17.01.2013 na parte em que não se pronunciou sobre a admissão da inquirição como testemunhas dos co-executados mutuários.

2. No requerimento probatório apresentado pelo ora recorrente foi requerido o depoimento de parte dos co-executados mutuários e ainda que, caso se entendesse que os co-executados não podiam depor como parte, estes fossem inquiridos como testemunha – cfr. ponto II in fine do requerimento

probatório apresentado pelo ora recorrente.

3. No requerimento probatório apresentado pelo ora recorrente é facilmente identificável o pedido – caso se entendesse que os co-executados não podiam depor como parte, estes fossem inquiridos como testemunha – mas também a razão e fundamento do pedido apresentado – o ora recorrente tem como fundamento inequívoco garantir produção de prova essencial à descoberta da verdade.

4. Ora, dispõe o artigo 660.º do C.P.C. que o Juiz deve resolver todas as questões que tenham sido submetidas a apreciação pelas partes.

5. Do mesmo modo, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 668.º n.º 1 alínea d) do CPC deve o Tribunal a quo conhecer de todas as questões que lhe cumpre apreciar, sob pena de nulidade da sentença – leia-se do despacho, face ao disposto no artigo 666.º n.º 3 do mesmo Código.

6. Assim, nos termos conjugados dos artigos 660.º e 668.º n.º 1 alínea d), ambos do C.P.C., é nula a sentença – leia-se o despacho, face ao disposto no artigo 666.º n.º 3 do mesmo Código – quando o Juiz não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar, designadamente, aquelas que são submetidas a apreciação pelas partes.

7. O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.10.2008, disponível em www.dgsi.pt.

8. No caso sub judice Tribunal a quo não se pronunciou sobre o peticionado pelo ora Recorrente – audição dos co-executados como testemunhas, no caso de não se entender que os mesmos podem depor como parte – violando, na perspectiva do recorrente e com o devido respeito, o seu dever de pronuncia sobre as questões que lhe são submetidas e que devesse conhecer.

9. O despacho recorrido violou, por deficiente interpretação e aplicação o disposto nos artigos 660.º, 666.º n.º 3 e 668.º n.º 1 alínea d) do C.P.C

No seguimento de tal requerimento veio a ser proferido o seguinte despacho: “Do despacho proferido a fls. 51 resulta clara a posição deste tribunal de que os co-executados deverão ser ouvidos como partes, e não como testemunhas, mais resultando evidente que a razão do indeferimento em apreço se prende com o facto de, não tendo os co-executados deduzido oposição, não haver matéria que fosse susceptível de confissão pelos mesmos (o que constitui requisito para a admissão do depoimento de parte) e não por o Tribunal entender que os mesmos devessem ser ouvidos como testemunhas. Notifique, sendo o exequente para, no prazo de dez dias, esclarecer se mantem interesse no recurso por si interposto.”

O Banco Exequente vem referir que mantém interesse no recurso interposto e alargar o âmbito do mesmo, apresentando as seguintes conclusões:

1. A recorrente mantém interesse no recurso interposto a fls. do despacho proferido em 17.01.2013.

2. No recurso oportunamente interposto, o Recorrente veio requerer ao Tribunal a quo que esclarecesse se o facto de não se ter pronunciado sobre a prestação do depoimento de parte por parte dos executados se tratara de lapso ou de indeferimento de um meio de prova requerido.

3. O Recorrente não concorda com o Tribunal, de que tal entendimento resultasse do despacho recorrido, havendo efectiva omissão de pronúncia no despacho de 17.01.2013, precisamente por isso se viu na necessidade de requerer um esclarecimento, sendo que perante a posição agora assumida pelo Tribunal a quo, não pode o recorrente deixar de alargar o âmbito do recurso interposto a fls., porquanto não se concorda com o entendimento perfilhado e plasmado no despacho agora proferido.

4. O Tribunal a quo entende que os co-executados apenas podem ser ouvidos como partes e não como testemunhas, pelo que não tendo deduzido Oposição não há matéria sobre a qual possa versar a sua confissão, pelo que não podem ser ouvidos.

5. O processo de Oposição à execução, correndo embora por apenso aos autos principais, é um processo novo, em que não se verifica uma dependência estrutural relativamente ao processo principal.

6. Assim sendo, admite-se que em virtude da falta de dedução de Oposição pelos executados JC (…) e MC (…) estes não podem ser considerados compartes dos Opoentes nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 553º nº 3 do C.P.C., porquanto são estranhos ao processo de Oposição, não podendo como tal ser considerados Opoentes e, portanto, como comparte de quem efectivamente deduziu essa oposição, “in casu” os executados JL (…) e E (…).

7. Aos executados JC (…) e MC (…) apenas lhes assiste, então, a qualidade de executados, pelo que deverão os mesmos ser admitidos a depor como testemunhas – artigo 617º do CPC a contrario.

8. Sem prescindir, para que se tratassem de verdadeiros compartes, necessário se tornava ainda que os executados JC (…) e MC (…) tivessem um interesse próprio, por definição antagónico ao dos Opoentes, na prova dos factos sobre os quais pretende obter a confissão, o que não sucede, pelo que sempre o depoimento de parte dos ditos J (…) e E (…) seria insusceptível de concretização.

9. Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao indeferir o depoimento como testemunha dos Executados JC (…) e E (…) porquanto, pelos motivos expostos, estes não podem depor como parte, donde resultava a possibilidade da sua audição como testemunhas nos termos do disposto no artigo 617º do CPC a contrario, sendo assim que os artigos 616º e 617º deveriam ter sido interpretados e aplicados.

10. O despacho proferido violou, por deficiente interpretação e aplicação o disposto nos artigos 552º, 553.º,616º e 617º a contrario, do C.P.C

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões (artº 635 nº 3 e nº 4 e 639 nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine

- dos co-executados não serem parte nos autos de oposição à execução, podendo ser ouvidos como testemunhas.

III. Fundamentos de Facto

Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.

IV. Razões de Direito

Há que referir, como questão prévia, que a nulidade da decisão suscitada no requerimento de recurso inicialmente interposto, por referência à alegada omissão de pronuncia do tribunal “a quo” sobre a requerida inquirição dos co-executados como testemunhas, a existir, estaria sempre suprida em face do despacho posteriormente proferido e do qual o Banco exequente também vem recorrer. Não importa por isso agora a este tribunal avaliar se anteriormente houve ou não omissão de pronuncia, pelo facto do tribunal não se ter pronunciado sobre todas as questões submetidas à sua decisão, por tal se revelar inútil, estando prejudicada a apreciação de tal questão.

- dos co-executados não serem parte nos autos de oposição à execução, podendo ser ouvidos como testemunhas.

Entendeu a decisão recorrida que os co-executados apenas podem ser ouvidos como parte e não como testemunhas, não admitindo porém os mesmos a prestar depoimento de parte por não haver nos autos matéria susceptivel de ser confessada por eles.

Alega a Recorrente que a oposição à execução, embora correndo por apenso a esta, é um processo novo, sendo que os executados que não deduzem oposição não são parte no mesmo, não podendo ser considerados compartes na oposição, antes são estranhos à mesma, devendo por isso ser admitidos a depor como testemunhas, já que não poder ser concretizado qualquer depoimento de parte, por os mesmos não poderem confessar os factos sobre os quais se pretende obter a confissão.

É indiscutível que o depoimento de parte visa a prova por confissão. Tal resulta, desde logo, do regime do depoimento de parte actualmente regulado nos artº 452 ss. do C.P.C., com anterior correspondência nos ex- artº 552 do C.P.C., cujo capítulo é denominado “Prova por confissão e declaração das partes”, correspondendo a secção I à prova por confissão das partes.

De acordo com a previsão do artº 453 nº 3 do C.P.C ex-artº 553 nº 3, cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também dos seus compartes, tendo o mesmo por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.

Por seu turno, o artº 352 do C.Civil diz-nos que a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, podendo assumir a modalidade de confissão judicial ou extrajudicial, conforme dispõe o artº 355 nº 1 e podendo a confissão judicial provocada ser feita em depoimento de parte, nos termos do artº 356 nº 2 do C.Civil.

De considerar ainda o disposto no artº 496 do C.P.C. equivalente ao ex-artº 617 que se refere aos impedimentos da prova testemunhal, dispondo que estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como parte.

A propósito do conceito de parte e seu interesse, diz-nos Artur Anselmo de Castro, in. Direito Processual Civil Declaratório, Vol II, pág. 99: “Depois, essa noção assume ainda relevo no que respeita a saber quem pode depor como parte e como testemunha. A lei pretende que todas as pessoas que tenham conhecimento de algo relacionado com o processo e susceptível de influir na decisão final, sejam ouvidas ou como partes ou como testemunhas. Ora, sê-lo-ão nesta última qualidade, entre outras, as pessoas que, podendo ser parte na causa, o não são.

Em face deste regime legal, importa então em saber se os executados que não deduziram oposição à execução, nesta podem ser ouvidos como parte, o que acontece se forem considerados parte contrária, ou comparte nos autos, já que se assim não for tem de entender-se que podem ser ouvidos como testemunhas, por não haver o impedimento do artº 496 do C.P.C.

Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in. Manual de Processo Civil, pág. 107 dão-nos a noção de parte como a pessoa pela qual e contra a qual é requerida através da acção a providência judiciária.

Partes são então as pessoas que requerem e as pessoas contra quem se requer a providência judiciária a que tende a acção. Esta noção formal de parte abstrai dos titulares da relação material controvertida centrando-se na relação processual.

A oposição à execução que corre termos por apenso a uma acção executiva, não tem, necessariamente, equivalente nas suas partes processuais. Basta o caso, como o dos autos, em que apenas uma parte dos executados na execução vêm deduzir oposição, dando assim origem a uma nova providência.

Refere Lebre de Freitas, in. Acção Executiva, pág. 163, que: “Um dos corolários da autonomia estrutural dos embargos de executado relativamente à acção executiva é a possibilidade de não serem as mesmas as partes num e noutro processo. Basta, para tanto que, havendo vários executados litisconsortes, nem todos embarguem a execução.”

Considera-se assim que os executados que não deduziram oposição, não são parte nestes autos de oposição à execução que correm por apenso, não podendo qualificar-se como compartes dos oponentes, sendo terceiros face à oposição à execução. São comparte na execução, mas já não na oposição que corre termos por apenso, onde não se apresentam como sujeitos processuais.

Para efeitos do disposto no artº 553 nº 3 do C.P.C., actual artº 453 nº 3 o executado que não deduz oposição não pode ser considerado parte contrária, nem comparte do oponente. Neste sentido também já se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/06/2004, in. www.dgsi.pt ainda que com referência a um processo de embargos de executado.

Não podendo dizer-se que os co-executados são parte contrária nem comparte dos executados que deduzem oposição, para efeitos destes autos, tendo apenas a qualidade de executados mas não de oponentes, não podem os mesmos depor como parte, nos termos do artº 553 nº 3 do C.P.C., contrariamente ao que considerou o despacho recorrido, podendo antes ser ouvidos como testemunhas, conforme o disposto no artº 617 do C.P.C. “a contrario”.

Nesta medida, julga-se procedente o recurso interposto e revoga-se o despacho recorrido, que se substitui por outro que admite a inquirição como testemunhas dos co-executados mutuários.

V. Sumário

1. Partes são as pessoas que requerem e as pessoas contra quem se requer a providência judiciária. Esta noção formal de parte abstrai dos titulares da relação material controvertida centrando-se na relação processual.

2. A oposição à execução que corre termos por apenso a uma acção executiva, não tem, necessariamente, equivalente nas suas partes processuais.

3. Os executados que não deduziram oposição à execução, não são partes nestes autos que correm por apenso, não podendo qualificar-se como compartes dos oponentes, sendo terceiros face à oposição à execução.

4. Não podem por isso prestar depoimento de parte, atento o disposto no artº 553 nº 3 do C.P.C. pelo que podem ser ouvidos como testemunhas, nos termos do artº 617 do C.P.C.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que admite a inquirição como testemunhas dos co-executados.

Sem custas.

Notifique.

                                                            *

                                               Coimbra, 28 de Janeiro de 2014

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)

                                               Luís Cravo (2º adjunto)