Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/11.6 PECBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: FURTO QUALIFICADO
CRIME PÚBLICO
JOVEM DELINQUENTE
CONDENAÇÕES ANTERIORES
JUÍZO DE PROGNOSE
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 4º JUÍZO DO TRIBUNAL CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113º Nº 1, 202º D) E E), 203º Nº 1, 204º Nº 2 E) E DECRETO-LEI N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO
Sumário: 1.- Estando em causa a imputação ao arguido da prática de um crime de furto qualificado, isto é, de natureza pública, não opera para efeitos do exercício do direito de punição, a necessidade de qualquer “queixa” do pretenso lesado.

2.- Justifica-se o afastamento da aplicação do regime especial do jovem delinquente a arguido que, confrontado por diversas advertências condenatórias anteriores, jamais se mostrou capaz de arrepiar o seu comportamento de resiliência e inadaptação social.

Decisão Texto Integral: Precedendo audiência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I. Relatório.

1.1. Submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum singular, isto porquanto acusado pelo Ministério Público, no uso da faculdade concedida pelo art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, realizado o contraditório, viu-se o arguido A..., entretanto já melhor identificado nos autos, e actualmente detido no E.P. de Paços de Ferreira, condenado, isto além do mais por ora irrelevante, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. através das disposições conjugadas dos art.ºs 203.º, n.º 1; 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, als. d) e e), todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão efectiva.

1.2. Inconformado com tal veredicto, veio o mesmo arguido interpor o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. No decurso da audiência de julgamento a única testemunha que depôs, directora do colégio queixoso/ofendido declarou que foi furtado uma quantia de € 125,00 a qual estava num cofre e pertencia à Associação de Pais.

2. O Colégio (...) e a Associação de Pais são entidades juridicamente distintas.

3. Porque alegadamente foi furtada uma quantia de € 125,00 em dinheiro da Associação de Pais, era esta que deveria ter apresentado queixa, através dos seus órgãos representativos, nos termos dos art.ºs 203.º, n.º 3 e 113.º, ambos do Código Penal.

4. A omissão desta circunstância acarreta a nulidade de todo o processado nesta parte.

Sem prescindir,

5. Nem se apurou em sede de julgamento de que modo, porque razão de ciência a Directora do Colégio (...) sabia que o pequeno cofre fechado da Associação de País – cuja administração não lhe compete – tinha aquele montante em dinheiro e não outro.

6. De resto os Dirigentes da Associação de Pais em nada intervieram nestes autos.
Relativamente ao Colégio (...):

7. Da propriedade deste nada foi furtado.

8. Únicamente ocorreram danos nas suas instalações.

Consequentemente,
9. Ao deparar-se com esta factualidade, s.m.o., deveria tribunal
a quo ter, pelo menos, notificado o arguido para uma alteração substancial de factos, modificando a qualificação dos mesmos para um crime de dano, o que não ocorreu.

10. Isto, acaso fosse de admitir que a mera existência de uma impressão palmar do arguido fosse suficiente para se concluir que foi ele o autor dos danos de que de resto nem acusado foi – e do alegado furto – de que nem existe queixa do titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação – a ofendida dona do dinheiro, Associação de Pais.

11. O que se não concede.

12. Ninguém viu o arguido dentro das instalações do colégio.

13. Muito menos a danificar ou furtar o que quer que seja.

14. As filmagens existentes nos autos não o identificam, sequer por semelhança.

15. Ninguém identificou “o vulto” que fugia.

16. No dizer da testemunha ouvida, das 18 horas em diante entrou na escola uma multidão de gente.

17. Não podendo esta afirmar se para causar os danos entraram um ou mais.

18. Sendo certo que quem entrou deveria conhecer minimamente o Colégio para chegar por onde chegou ao gabinete da directora.

19. Sendo que o arguido nunca foi identificado como antigo aluno da instituição ou pessoa que lá estivesse estado em algum momento.

20. A existência de uma impressão palmar de um arguido não significa que o mesmo tenha cometido o crime de que vem acusado, ou outro.

21. Simplesmente que esteve em contacto com o objecto onde essa impressão apareceu.

22. A decisão recorrida padece pois dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como de erro notório da apreciação da prova.

23. Impondo-se, consequentemente, a absolvição do recorrente.

24. Concedendo, e para a hipótese de assim não se entender, deve o recorrente beneficiar do regime penal destinado aos jovens delinquentes, atento os elementos constantes do relatório social elaborado e de os crimes praticados terem ocorrido numa determinada fase da sua vida, não se repetindo na actualidade.

25. Decidindo pela forma em que o fez, a decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 113.º e 203.º, n.º 1, já citados; 359.º, 410.º, n.º 2, als. a) e c), ambos do Código de Processo Penal, bem como 32.º, n.º 2, este da Constituição da República Portuguesa.

Terminou pedindo que se decida em conformidade com o assim expendido.

1.3. O Ministério Público contra-alegou à motivação de recurso, pugnando pela sua improcedência.

1.4. Proferido despacho sobre a sua admissibilidade, cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos para este tribunal ad quem.

1.5. Aqui, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto limitou-se a ter vista dos autos para conhecimento do processo, uma vez que o recorrente requereu tempestivamente a realização de audiência (cfr. art.ºs 411.º, n.º 5 e 416.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal).

Impondo-se o prosseguimento do processo, na observância do regime constante no art.º 421.º, do Código de Processo Penal, foi determinada a abertura de conclusão ao M.mo Juiz Presidente desta Secção, a fim de que o mesmo designasse data para realização de audiência.

Aprontada e realizada esta diligência processual, cabe então ponderar e decidir.


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II. Fundamentação de facto.

2.1. Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:

(Da audiência de discussão e julgamento):

1. No dia 8 de Setembro de 2011, entre as 18.00 horas e as 22.56 horas, o arguido, aproveitando a circunstância de ser a sessão solene de abertura do ano lectivo para os pais, entrou nas instalações do Colégio (...), sitas na cidade de Coimbra, onde permaneceu escondido.

2. O arguido escondeu-se no edifício central do Colégio, onde se situam o gabinete da directora, a contabilidade, a secretaria e o gabinete de apoio aos pais, com intenção de procurar e apoderar-se de bens facilmente transportáveis com valor económico e de dinheiro que ali encontrasse.

3. Pela altura em que todas as pessoas saíram das instalações do Colégio, com um objeto não concretamente apurado, o arguido forçou a porta da secretaria e da contabilidade que se encontravam fechadas á chave e acedeu a esses espaços, nos quais remexeu nas gavetas dos armários.

4. Numa das gavetas do armário da secretaria o arguido encontrou um cofre móvel, que tinha no seu interior a quantia de € 125,00, que levou consigo, apoderando-se de ambos.

5. Pelas 22.56 horas foi accionado o alarme do Colégio, que soou ao ser detectada a presença do arguido.    

6. Com a actuação descrita o arguido causou um prejuízo patrimonial ao Colégio, equivalente ao valor dos bens que subtraiu do interior do estabelecimento de ensino e que levou consigo, e pelas portas e janela forçadas.

7. O arguido agiu livre voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer seu e integrar no seu património o cofre e o dinheiro supra referidos, de que se apoderou, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que ao ficar com eles o fazia contra a vontade e sem autorização do seu legítimo dono.

8. Sabia o arguido que não podia introduzir-se naqueles espaços fechados e vedados ao público.

9. O arguido sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.

(Mais se provou que):

10. O arguido é solteiro, não aufere quaisquer rendimentos, tem dois filhos menores, com 4 e 2 anos de idade. Antes de estar detido, vivia com a companheira em casa arrendada e era feirante. Tem perspectivas de trabalhar como feirante. Possui o 4.º ano de escolaridade e encontra-se a frequentar a escola de novas oportunidades no estabelecimento prisional.

11. O arguido foi condenado:

- No processo n.º 1519/08.0 PCCBR, do 4.º Juízo Criminal de Coimbra, por sentença proferida em 3.06.2009 transitada em julgado em 14.09.2009, num crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º n.ºs 1 e 2, 73.º, 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 9.6.2008, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano;

- No processo n.º 326/08.5 PABCL, do 2.º Juízo Criminal de Barcelos, por sentença proferida em 26.10.2009 transitada em julgado em 25.11.2009, num crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º, 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 16.6.2008; um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 16.6.2008 e dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 19.5.2008, na pena única de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses tendo a suspensão sido revogada;

- No processo n.º 862/08.3 PBGMR, da 2.ª Vara Mista de Guimarães, por sentença proferida em 12.11.2009 transitada em julgado em 7.12.2009, num crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal e um crime de burla informática e nas comunicações de forma tentada, praticados em 4.6.2008, nas penas de 1 ano e seis meses de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade e pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 500,00 de multa;

- No processo n.º 1035/07.8 PGMTS, do 1.º Juízo Criminal de Matosinhos, por sentença proferida em 26.11.2009 transitada em julgado em 16.12.2009, num crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 15.1.2008, na pena especialmente atenuada, por aplicação do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro e art.º 73.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal, de 7 meses de prisão substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 1050,00 de multa;

- No processo n.º 762/08.7 PHVNG, da 1.ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida em 23.11.2009 transitada em julgado em 8.01.2010, num crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. f) do Código Penal, praticado em 9.12.2008, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano;

- No processo n.º 749/08.0 GAPRD, do 1.º Juízo Criminal de Paredes, por sentença proferida em 18.12.2009 transitada em julgado em 20.1.2010, num crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 29.7.2008, na pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, num total de € 1200,00 de multa, tendo sido revogada a pena de substituição e cumprida a prisão efectiva;

- No processo n.º 1106/07.0 PBMTS, do 3.º Juízo Criminal de Matosinhos, por sentença proferida em 10.02.2010 transitada em julgado em 12.3.2010, num crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 10.9.2007, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano, tendo sido revogada a suspensão e cumprida a prisão efectiva;

- No processo n.º 384/08.2 GAEPS, do 2.º Juízo Criminal de Esposende, por sentença proferida em 5.03.2010 transitada em julgado em 13.4.2010, num crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º do Código Penal e num crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticados em 25.4.2008, nas penas de 40 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, num total de € 320,00 de multa e na pena de 3 anos de prisão;

- No processo n.º 333/08.8 PABCL, do 1.º Juízo Criminal de Barcelos, por sentença proferida em 22.3.2010 transitada em julgado em 20.04.2010, num crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 22.05.2008, na pena de 2 anos e dois meses de prisão suspensa na sua execução por um dois anos e 2 meses;

- No processo n.º 98/09.6 PAGDM, do 1.º Juízo Criminal de Gondomar, por sentença proferida em 1.2.2011 transitada em julgado em 7.01.2013, num crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 13.02.2009, na pena de 3 anos de prisão;

- No processo n.º 1413/08.5 GBPNF, do 2.º Juízo Criminal de Penafiel, por sentença proferida em 22.2.2011 transitada em julgado em 29.10.2012, num crime de abuso de cartão de crédito na forma tentada p. e p. pelo art.º 225.º, n.º 1 e num crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, als. a) e e) do Código Penal, praticado em 19.11.2008, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão;

- No processo n.º 105/08.0 GEVCT, do 1.º Juízo Criminal de Viana do Castelo, por sentença proferida em 17.6.2011 transitada em julgado em 15.11.2012, num crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º do Código Penal, praticado em 19.05.2008, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 15 meses, com regime de prova;

- No processo n.º 591/11.0 PEGDM, do 1.º Juízo Criminal de Gondomar, por sentença proferida em 6.11.2012 transitada em julgado em 12.12.2012, num crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 8.04.2011, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

2.2. Já no que concerne a factos não provados, precisou a decisão recorrida:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

2.3. Por fim, é como segue o teor da motivação probatória inserta na mesma sentença recorrida:

Para a formação da convicção do Tribunal quanto à factualidade provada, analisou-se crítica e conjuntamente a prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador. Nomeadamente foi tido em conta o depoimento da testemunha B..., professora e directora do Colégio (...), à data dos factos, que foi conjugado com a prova documental existente nos autos.

A testemunha referiu os acontecimentos do dia dos factos, esclarecendo que nesse dia aquele estabelecimento de ensino não esteve a funcionar como tal, nem esteve aberto ao público em geral, por se tratar de um dia de abertura do ano lectivo e apenas receber pais e alunos após as dezoito horas da tarde, para ter lugar uma cerimónia de abertura do mesmo. Esclareceu que antes da cerimónia começar os portões da escola encontravam-se fechados, pelo que não poderia ter entrado ninguém na escola antes da abertura dos portões, às dezoito horas, para receber os pais e alunos. Por outro lado, disse ter-se certificado de ter deixado a porta e janela do seu gabinete trancadas e ser do seu conhecimento que as portas da secretaria e contabilidade também foram trancadas, antes da cerimónia começar. Mais referiu que a cerimónia decorreu até às 21.00 horas num pavilhão ao lado do edifício central, sendo a partir dessa hora que os portões foram novamente abertos para os pais saírem e, até por volta das 21.40 horas, os portões permaneceram abertos. A testemunha soube descrever o interior dos gabinetes de contabilidade, secretaria e directoria, uma vez que é ela mesma a directora do colégio, sendo também por isso do seu conhecimento os objectos existentes naquelas, bem como a quantia existente no cofre móvel subtraído, que segundo a testemunha, era dinheiro que tinham recebido de alguns pais de alunos, dias antes. Mais acrescentou que quando o alarme soou, se dirigiu ao edifício central, ao lado daquele onde decorreu a cerimónia e viu apenas um vulto a sair daquele edifício, a correr em direcção ao muro que rodeia o colégio. A testemunha ainda acrescentou que as câmaras de filmar estavam ligadas no dia e hora dos factos e captaram um indivíduo a circular pelo interior do colégio, por zonas do colégio onde não deveria estar, especialmente naquele dia e àquela hora.

O depoimento da testemunha pareceu totalmente isento, foi prestado de forma espontânea, clara e sem nenhumas contradições, considerou-se por isso credível e foi tido em conta pelo tribunal.

Este depoimento foi conjugado com as filmagens existentes nos autos, (a fls. 36 e 37), do interior do edifício central do colégio, imagens estas gravadas na noite dos factos segundo o que relatou a testemunha, onde se visualiza um indivíduo a entrar naquele colégio e depois a circular no interior deste, por locais em que não havia mais ninguém. Embora as imagens não possuam nitidez suficiente que possibilitem reconhecer e identificar o rosto do indivíduo que nelas aparece, existem outras provas que conjugadas com estes elementos permitem concluir tratar-se do arguido. Pois vejamos, desde logo, horas após os factos descritos foi colhida uma impressão palmar, numa gaveta de um armário do gabinete da contabilidade, gabinete este cuja porta foi forçada, se encontrava remexido e com objectos revoltados como se observa na reportagem fotográfica existente a fls. 25. Dos vestígios lofoscópicos colhidos na gaveta do armário da contabilidade, após efetuados os competentes exames laboratoriais realizados pela directoria do centro da polícia judiciária, (cfr. fls. 120 a 125) concluiu-se pela identificação positiva com a região hipotenar do quirograma da mão direita do arguido, uma vez que se assinalaram treze pontos identificativos comuns, das resenhas existentes naquela directoria, com o vestígio colhido.

Isto permite-nos afirmar com toda a segurança, que o arguido esteve no dia dos factos descritos, no interior do gabinete da contabilidade do colégio (...), e mexeu na gaveta do armário. Ora o gabinete de contabilidade, nas palavras da testemunha, tinha sido fechado à chave e não havia qualquer motivo justificativo que permitisse licitamente ao arguido entrar naquele gabinete no dia e hora dos factos, e principalmente mexer na gaveta do armário. A porta da contabilidade, segundo a testemunha, fora forçada e tudo no seu interior estava revirado, este facto pode ser confirmado igualmente pelas imagens fotográficas existentes a fls. 25 dos autos. Segundo as regras da experiência comum, partindo dos indícios existentes, tudo indica que foi o arguido que esteve no interior da contabilidade e revoltou o seu interior, obviamente à procura de algo.

Dando por certo que o mesmo esteve ali, e que todos os elementos analisados apontam para a presença de uma só pessoa na prática dos factos referidos, também se conclui que foi o arguido que forçou a porta de acesso entre a contabilidade e a secretaria. Seguindo este raciocínio lógico, foi o arguido que remexeu o interior da secretaria tal como fizera no gabinete da contabilidade e encontrou o cofre móvel, que levou com a dita quantia monetária. E do mesmo modo, tal raciocínio se aplica à introdução do arguido através da janela, no gabinete da directora situado no 2.º andar.   

Relativamente à valoração das impressões palmares, que na conjugação dos elementos existentes, permitem formar a convicção do tribunal, poderá dizer-se que, como é sabido: “(…) o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva: a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detectada aquela impressão. (…); b) Mas se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detectada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional); c) Embora não faça prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarado como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória. (…) – vide, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.01.2010 (Relator Cruz Bucho), acessível em www.gmail.com”. Mais se acrescenta que a testemunha referiu não conhecer o arguido, não o reconhecendo como tendo sido alguma vez aluno do colégio, sendo certo que os alunos não frequentam o gabinete de contabilidade ou outros, naquelas circunstâncias, sem autorização, e os gabinetes de contabilidade e secretaria não estariam certamente abertos ao público, especialmente numa noite de cerimónia de abertura do ano lectivo.

Esta circunstância permitiu à testemunha afirmar com absoluta segurança que o edifício central estava vedado ao público naquela noite, pois a cerimónia que recebia pais e alunos decorria num pavilhão ao lado daquele.

Assim sendo, embora, aqueles vestígios lofoscópicos não façam prova directa da participação do arguido no facto criminoso, a impressão palmar deve ser encarada como um indício de tal participação, por ter sido recolhida do interior de um gabinete fechado, cuja porta foi forçada e o interior remexido, bem como a porta de ligação para a secretaria e interior desta também ter sido forçada (fls. 25) e se encontrar igualmente revolvido o seu interior como referiu a testemunha, tendo sido daí subtraído um cofre com a indicada quantia em dinheiro. A impressão palmar colhida é, segundo as regras da experiência, a prova de que o arguido se introduziu ilegitimamente naqueles gabinetes no dia dos factos e praticou o descrito, pelo que, deste modo resultaram provados os factos 1. a 6.

Os factos provados relativos ao elemento intelectual e volitivo do dolo (factos em 7.) resultaram do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas, de acordo com as regras da razoabilidade e da experiência comum, já que o dolo e o conhecimento são realidades não diretamente apreensíveis, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

O Tribunal entendeu que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei pelo simples facto de estar inserido na sociedade e de ser de conhecimento geral a proibição de fazer seus objectos pertencentes a outrem.

As condições socioeconómicas do arguido foram dadas como provadas com base nas suas declarações, que não suscitaram reservas ao Tribunal, não obstante quanto ao mais, e no que respeita aos factos, o arguido ter-se remetido ao silêncio.

Considerou-se ainda o Certificado de Registo Criminal do arguido junto aos autos, a fls. 91 a 104.


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III. Fundamentação de Direito.

3.1. Como se mostra por demais consabido, o âmbito do recurso é delimitado através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas aquelas que o tribunal ad quem tem de apreciar [cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 335, bem como a jurisprudência uniforme do STJ - cfr. Ac. de 28 de Abril de 1999, in CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência aí citada -], mas isto sem prejuízo todavia das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, publicado no DR, I.ª Série-A, de 28 de Dezembro seguinte].

In casu, porque não intercede fundamento conducente a qualquer intervenção oficiosa, atentando às conclusões do recorrente, resulta integrar thema decidendum aquilatar se i) padece de nulidade o segmento da decisão recorrida que ponderou da subtracção dos € 125,00 em numerário; ii) relativamente ao Colégio (...) apenas pode ter ocorrido (lesando-o) a prática de um crime de dano, alteração/comunicação substancial que haveria de se fazer ao arguido, e não fez; iii) inquinam a decisão recorrida os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto e de erro notório na apreciação da prova; iv) por fim, e acaso subsista a condenação do recorrente, sempre se impõe o recurso ao regime penal para jovens delinquentes.

Vejamos:

3.2. A primeira pretensão do recorrente sustenta-se num equívoco, qual seja o de olvidar a natureza do crime ajuizado.

Na verdade, acaso estivesse em causa a prática de um crime de furto simples, de natureza semi-pública [ut art.º 203.º, n.º 3, do Código Penal], porque consequentemente seu pressuposto positivo de punição, impunha-se com efeito o prévio exercício legítimo [ou seja, pelo ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação – cfr. art.º 113.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal] e tempestivo [cfr. art.º 115, do mesmo diploma substantivo] do direito de queixa.

Ora, sucede porém que em causa estava a imputação ao mesmo de um crime de furto qualificado, isto é, de natureza pública e, como assim, relativamente ao qual não opera, nomeadamente para efeitos do exercício do direito de punição, a necessidade de qualquer “queixa” do pretenso lesado.

Em mera nota final diga-se ainda que sequer colhe a possível previsão do art.º 204.º, n.º 4, do Código Penal, em cujos termos Não há lugar à qualificação se a coisa furtada fôr de diminuto valor.

Para efeitos deste normativo, ex vi do seu antecedente art.º 202.º, al. c), considera-se Valor diminuto, aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto, isto é, na situação presente, € 102,00 [cfr. art.ºs 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, alterado aquele através do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro]. Ou seja, se os bens subtraídos tivessem de considerar-se como de valor diminuto transmudava-se a natureza do crime eventualmente cometido e agora já poderia relevar o propalado e adequado exercício (ou não) do direito de queixa. Todavia, porque o valor dos bens subtraídos foi, no mínimo, o correspondente aos mencionados € 125,00, o caso sub judice não cai nessa previsão e daí que irreleva processualmente para o prosseguimento da acção penal exercida a alegada falta de direito de queixa da Associação de Pais do Colégio (...).

3.3. Segundo item colocado à ponderação deste Tribunal pelo recorrente o de relativamente ao Colégio (...) apenas poder ter ocorrido (lesando-o) a prática de um crime de dano, alteração/comunicação substancial que haveria de se lhe (ao arguido) ter feito, e não fez.

Esta questão mostra-se prejudicada pela solução que demos à antecedente; na verdade, embora assumindo “lógica” na defesa além oposta pelo recorrente – afastado o objecto processual furto cingido à subtracção da quantia em dinheiro e cofre em que se encontrava pelo não exercício do direito de queixa da lesada Associação de Pais, restariam da factualidade elencada apenas os “danos” sobrevindos ao Colégio –, claudica todavia pela subsistência que sufragámos manter-se quando ao objecto processual primitivamente definido qual seja o do crime de furto qualificado efectivamente ocorrido.

Mas, por uma segunda ordem de razões também não relevaria. Pensamos numa menor precisão em que aqui incorre o mesmo recorrente. Como resulta do depoimento da testemunha B..., directora do estabelecimento de ensino visado, também essa instituição foi ofendida pelo crime de furto: se efectivamente os € 125,00 subtraídos eram pertença da Associação de Pais, já o pequeno cofre em que se encontravam na secretaria era pertença do Colégio, como sobressai do minuto 6.20 a 6.44 dessas declarações.

Questão distinta assumem os propalados danos sobrevindos ao Colégio nos estores da janela através da qual o agente da infracção se introduziu no gabinete da directora, bem como os ocasionados nesse mesmo gabinete, na secretaria e na contabilidade como a dita testemunha mais relatou. Desde logo porque quiçá emerge na hipótese presente um concurso aparente (consunção) entre o crime de furto e o crime de dano, como facto posterior não punível: os danos foram causados por meio de escalamento e arrombamento, com vista a possibilitar a consumação do furto. Trata-se então, vem-se sufragando, de um facto concomitante não punido, situação diversa (na qual intercede concurso efectivo) em que o crime de furto houvesse sido cometido por modo distinto do escalamento e arrombamento [cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, pág. 555, nota 33].

Mas, acresce que independentemente de se discutir da sua autonomia ou não, certo é que não foram tais danos discriminados ou alvo de qualquer pretensão reclamada por um qualquer sujeito processual e daí que não tivesse o tribunal a quo de quanto a eles se pronunciar.

Vale por dizer, em conclusão, da improcedência deste argumento do recorrente.

3.4. Recorrente que prossegue na sua senda impugnatória descortinando a emergência na decisão recorrida dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto e de erro notório na apreciação da prova, isto porquanto – e conforme suas conclusões 12 a 21 – ninguém o viu dentro das instalações do colégio, e muito menos a danificar ou furtar o que quer que seja; as filmagens existentes nos autos não o identificam, sequer por semelhança; ninguém identificou “o vulto” que fugia; no dizer da testemunha B..., das 18 horas em diante entrou na escola uma multidão de gente não podendo ela afirmar se para causar os danos entraram um ou mais, sendo certo que quem entrou deveria conhecer minimamente o Colégio para chegar por onde chegou ao gabinete da directora e que o arguido nunca foi identificado como antigo aluno da instituição ou pessoa que lá estivesse estado em algum momento; a existência de uma impressão palmar de um arguido não significa que o mesmo tenha cometido o crime de que vem acusado, ou outro, simplesmente que esteve em contacto com o objecto onde essa impressão apareceu.

Quid iuris?

Como se mostra consabido, a matéria de facto pode sindicar-se por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, naquilo que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou, através da sua impugnação ampla a que se refere o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido art.º 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que decorrer da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – [cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª edição, 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª edição, 339; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 77 e ss.].

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites indicados pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do Código de Processo Penal.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa – [sobre estas questões, v. os Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.].

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder à tríplice especificação estabelecida pelo elencado art.º 412.º.

Como flui exuberantemente da leitura quer da motivação, quer das conclusões do recurso apresentadas, almejando questionar a factualidade que determinou a sua condenação pelo crime de furto qualificado, o recorrente ficou-se a um meio caminho entre as duas formas de impugnação indicadas, sem observar estruturalmente os requisitos que cada uma delas lhe impunha.

Com efeito, sem se ater unicamente ao texto da decisão recorrida e nele escalpelizar os dois invocados vícios, arrimando-se à primeira das aludidas formas de impugnação, cinge-se depois numa duvidosa forma de impugnação ampla, a controverter a suficiência que a decisão recorrida atribuiu à recolha dos seus elementos palmares, pois que à míngua de qualquer prova directa foi considerado por via deles como o agente da subtracção dos bens ocorrida.

Em rectas contas o que se descortina então é que no recurso atinente à matéria de facto o arguido se limita a procurar abalar a convicção formada pelo tribunal a quo. O recorrente não põe em causa o teor do depoimento coligido, e dos demais elementos probatórios recolhidos, mormente da sua própria impressão palmar encontrada numa gaveta de um armário do gabinete da contabilidade. O que questiona é a relevância que lhes foi conferida pelo tribunal recorrido e que, em sua opinião, é insuficiente, quando conjugada com as regras da experiência comum.

Ou seja, a discordância do recorrente limita-se à valoração da prova pelo tribunal. Tarefa todavia aí livremente formada e fundamentada.

Discorre a respectiva motivação probatória quando avoca o depoimento da testemunha B..., professora e directora do Colégio (...), à data dos factos, a qual referiu os acontecimentos do dia dos factos, esclarecendo que nesse dia aquele estabelecimento de ensino não esteve a funcionar como tal, nem esteve aberto ao público em geral, por se tratar de um dia de abertura do ano lectivo e apenas receber pais e alunos após as dezoito horas da tarde, para ter lugar uma cerimónia de abertura do mesmo; esclareceu que antes da cerimónia começar os portões da escola encontravam-se fechados, pelo que não poderia ter entrado ninguém na escola antes da abertura dos portões, às dezoito horas, para receber os pais e alunos; disse ter-se certificado de ter deixado a porta e janela do seu gabinete trancadas e ser do seu conhecimento que as portas da secretaria e contabilidade também foram trancadas, antes da cerimónia começar; referiu que a cerimónia decorreu até às 21.00 horas num pavilhão ao lado do edifício central, sendo a partir dessa hora que os portões foram novamente abertos para os pais saírem e, até por volta das 21.40 horas, os portões permaneceram abertos; descreveu o interior dos gabinetes de contabilidade, secretaria e directoria, uma vez que é ela mesma a directora do colégio, sendo também por isso do seu conhecimento os objectos existentes naquelas, bem como a quantia existente no cofre móvel subtraído, que segundo a testemunha, era dinheiro que tinham recebido de alguns pais de alunos, dias antes; acrescentou que quando o alarme soou, se dirigiu ao edifício central, ao lado daquele onde decorreu a cerimónia e viu apenas um vulto a sair daquele edifício, a correr em direcção ao muro que rodeia o colégio; acrescentou que as câmaras de filmar estavam ligadas no dia e hora dos factos e captaram um indivíduo a circular pelo interior do colégio, por zonas do colégio onde não deveria estar, especialmente naquele dia e àquela hora.

Depoimento conjugado com as filmagens existentes nos autos (a fls. 36 e 37), do interior do edifício central do colégio, imagens estas gravadas na noite dos factos segundo o que relatou a testemunha, onde se visualiza um indivíduo a entrar naquele colégio e depois a circular no interior deste, por locais em que não havia mais ninguém. E elementos esses sobremaneira conjugados com a recolha, poucas horas após o sucedido, de uma impressão palmar, numa gaveta de um armário do gabinete da contabilidade, gabinete este cuja porta foi forçada, se encontrava remexido e com objectos revoltados como se observa na reportagem fotográfica existente a fls. 25 que laboratorialmente examinada permitiu concluir (cfr. fls. 120 a 125) pela identificação positiva com a região hipotenar do quirograma da mão direita do arguido, uma vez que se assinalaram treze pontos identificativos comuns, das resenhas existentes naquela directoria, com o vestígio colhido.

E não se diga (como implicitamente o faz o recorrente) que a sua condenação não pode assentar apenas em presunções naturais, como o fez a decisão da 1.ª instância, sob pena de um tal uso do art.º 127.º, do Código de Processo Penal, constituir violação ao art.º 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa:

A primeira nota ao assunto serve para frisar o exagero da consideração de que foi condenado apenas com base em presunções naturais. Nada de mais errado: o depoimento da testemunha B... precisa que a zona invadida esteve até vedada ante o dia particular que se vivenciou no Colégio, e que ela própria se certificou de que o seu gabinete e áreas adjacentes ficaram com as janelas e portas respectivas fechadas; que após o disparar do alarme vislumbrou com outras Irmãs a saída das instalações do Colégio pela porta de emergência do 3.º piso de um indivíduo; que o arguido jamais foi referenciado no Colégio como seu aluno, ou seja, perante o acesso restrito, não pode deixar de assumir particular incidência o surgimento de um elemento externo como o é a impressão palmar do arguido.

Como consta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2004, in Colectânea de Jurisprudência (Acs do STJ), 2004, Tomo III, pág. 197, o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.

Em sede de apreciação, a prova pode ser objecto da formulação de deduções ou induções, bem como da correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.

Desde logo, é legítimo o recurso a tais presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º, do Código de Processo Penal; e o art.º 349.º, do Código Civil, prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (cfr. art.º 351.º, do mesmo Código Civil).

Depois, as presunções simples ou naturais são meros meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.

Como expendia Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, I, págs. 333 e ss., as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cederão perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto.

Também Vaz Serra, em Direito Probatório Material, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 112 pág. 99, dizia que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência».

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

O caso presente que de modo algum aponta para uma apreciação arbitrária da prova produzida.

Continuemos com a decisão recorrida quando explanou:

Isto permite-nos afirmar com toda a segurança, que o arguido esteve no dia dos factos descritos, no interior do gabinete da contabilidade do colégio (...), e mexeu na gaveta do armário. Ora o gabinete de contabilidade, nas palavras da testemunha, tinha sido fechado à chave e não havia qualquer motivo justificativo que permitisse licitamente ao arguido entrar naquele gabinete no dia e hora dos factos, e principalmente mexer na gaveta do armário. A porta da contabilidade, segundo a testemunha, fora forçada e tudo no seu interior estava revirado, este facto pode ser confirmado igualmente pelas imagens fotográficas existentes a fls. 25 dos autos. Segundo as regras da experiência comum, partindo dos indícios existentes, tudo indica que foi o arguido que esteve no interior da contabilidade e revoltou o seu interior, obviamente à procura de algo.

Dando por certo que o mesmo esteve ali, e que todos os elementos analisados apontam para a presença de uma só pessoa na prática dos factos referidos, também se conclui que foi o arguido que forçou a porta de acesso entre a contabilidade e a secretaria. Seguindo este raciocínio lógico, foi o arguido que remexeu o interior da secretaria tal como fizera no gabinete da contabilidade e encontrou o cofre móvel, que levou com a dita quantia monetária. E do mesmo modo, tal raciocínio se aplica à introdução do arguido através da janela, no gabinete da directora situado no 2.º andar.   

Relativamente à valoração das impressões palmares, que na conjugação dos elementos existentes, permitem formar a convicção do tribunal, poderá dizer-se que, como é sabido: “(…) o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva: a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detectada aquela impressão. (…); b) Mas se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detectada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional); c) Embora não faça prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarado como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória. (…) – vide, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.01.2010 (Relator Cruz Bucho), acessível em www.gmail.com”. Mais se acrescenta que a testemunha referiu não conhecer o arguido, não o reconhecendo como tendo sido alguma vez aluno do colégio, sendo certo que os alunos não frequentam o gabinete de contabilidade ou outros, naquelas circunstâncias, sem autorização, e os gabinetes de contabilidade e secretaria não estariam certamente abertos ao público, especialmente numa noite de cerimónia de abertura do ano lectivo.

Esta circunstância permitiu à testemunha afirmar com absoluta segurança que o edifício central estava vedado ao público naquela noite, pois a cerimónia que recebia pais e alunos decorria num pavilhão ao lado daquele.

Assim sendo, embora, aqueles vestígios lofoscópicos não façam prova directa da participação do arguido no facto criminoso, a impressão palmar deve ser encarada como um indício de tal participação, por ter sido recolhida do interior de um gabinete fechado, cuja porta foi forçada e o interior remexido, bem como a porta de ligação para a secretaria e interior desta também ter sido forçada (fls. 25) e se encontrar igualmente revolvido o seu interior como referiu a testemunha, tendo sido daí subtraído um cofre com a indicada quantia em dinheiro. A impressão palmar colhida é, segundo as regras da experiência, a prova de que o arguido se introduziu ilegitimamente naqueles gabinetes no dia dos factos e praticou o descrito, pelo que, deste modo resultaram provados os factos 1. a 6.

Nenhuma censura merece pois a decisão recorrida quando acolheu o acervo fáctico controvertido.

3.5. No que concerne à última das questões suscitadas – se era caso de ao arguido ser aplicável o regime previsto para os jovens delinquentes – condensa o mesmo a sua síntese conclusiva em que tanto se impõe dados os elementos constantes do relatório social elaborado e de os crimes praticados terem ocorrido numa determinada fase da sua vida, que ora se não repete.

No que concerne, pode ler-se o seguinte na decisão recorrida:

«Importa atentar a que o arguido A..., à data da prática dos factos, 8 de Setembro de 2011, tinha 20 anos de idade, uma vez que nasceu em 4.05.1991.

O que impõe que se pondere a aplicação do Regime Penal Especial para Jovens previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, por força do artigo 1.º, n.º 2 do citado diploma e artigo 9.º do Código Penal, que uma vez considerado aplicável, tem as consequências previstas no disposto no artigo 4.º desse diploma.

Por aplicação do disposto no artigo 204º, n.º 2 alínea e) do Código Penal, a moldura penal abstrata aplicável ao crime de furto qualificado reconduz-se a uma pena de prisão de 2 a 8 anos.

Todavia, a moldura penal abstrata que resultaria com a aplicação do Regime Especial para Jovens seria, quanto a este crime, e após efetuada a respetiva atenuação especial prevista no artigo 73.º n.º 1 do Código Penal, uma pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão.

Este diploma, porém, na opinião da jurisprudência maioritária, não é de aplicação automática. Neste sentido pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-06-2007 in CJ, Ano XV, Tomo II, p. 232 ss, cit. «A aplicação do diploma (…) não obstante tratar-se de um indivíduo com 19 anos à data da prática dos factos, não é, contudo, automática. Preceitua-se naquele diploma legal, no seu art.º 4.º, que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.º 73.º e 74.º do CP, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. (…) E tal como acontece com aplicação daquele regime de atenuação especial, também a aplicação do Regime Especial para jovens é um dever do julgador, desde que se mostrem verificados os seus pressupostos legais.”» Igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 31-01-2008 na CJ, Ano XVI, Tomo I, p. 218. A aplicação deste Regime Especial tem pois de ser ponderada sempre que a pena prevista para o jovem infrator seja a de prisão, como se interpreta dos artigos 4.º e 6.º n.º 1 do referido DL 401/82 e esteja em causa um agente com idade compreendida entre os 16 e que ainda não tenha completado os 21 anos (artigo 1.º). Neste regime especial prevêem-se especialidades quanto ás sanções, essencialmente medidas correctivas e de carácter reeducativo, que aparecem como substitutivas da pena de prisão, enunciadas no n.º 2 do artigo 6.º do DL 401/82. Como se refere no Preâmbulo do referido diploma, “Trata-se (…) de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social para ser conseguida não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que assim se facilitará aquela reinserção.”

Importa pois, ponderar a situação concreta do arguido A.... Sabe-se que as exigências de prevenção especial quanto a ele são elevadas, uma vez que já sofreu várias condenações pela prática de crimes da mesma natureza e não lhe serviram de emenda as advertências anteriores. Como tal não se vislumbra que com a referida atenuação resultassem vantagens na sua reinserção social, uma vez que se crê necessitar o arguido de interiorizar o desvalor da sua conduta e consciencializar-se de que deverá reger a mesma de acordo com as regras do direito. Pelo que considera o Tribunal não ter lugar a aplicação da atenuação especial relativa a jovens, no caso em apreço.»

De relevante ao tema as apuradas condições pessoais do recorrente [ponto 10 provado: O arguido é solteiro, não aufere quaisquer rendimentos, tem dois filhos menores, com 4 e 2 anos de idade. Antes de estar detido, vivia com a companheira em casa arrendada e era feirante. Tem perspectivas de trabalhar como feirante. Possui o 4.º ano de escolaridade e encontra-se a frequentar a escola de novas oportunidades no estabelecimento prisional, além das suas anteriores condenações, ut seguinte ponto 11].

Considerando-as, a alegação do recorrente em nada infirma a asserção conclusiva do Tribunal sindicado.

Na verdade, o quadro global que sobressai de todas essas circunstâncias da vida do arguido aponta ao invés do reclamado no sentido da ausência de reconhecimento de vantagem para a sua reintegração social, na opção de aplicação do regime legal em causa. Justifica-se o afastamento deste regime relativamente a arguido que, confrontado por diversas advertências condenatórias, jamais se mostrou capaz de arrepiar o seu comportamento de resiliência e inadaptação social.


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IV. Dispositivo.

Face ao exposto, decidimos negar provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UCs – art.ºs 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na actual versão, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e art.º 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo citado Decreto-Lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Notifique.


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Brizida Martins (Relator)

Orlando Gonçalves