Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1612/17.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOAS
MANDATO
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
OBRIGAÇÕES DO MANDATÁRIO
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL RECORRIDO: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1161.º, ALÍNEA E) E 1180.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I - Para que ocorra uma interposição fictícia de pessoas num negócio jurídico bilateral é absolutamente necessário que ocorra um pactum simulationis entre aqueles que nele intervêm.

II - Quando alguém intervém num negócio em nome próprio, mas no interesse e por conta de terceiro, sem que se demonstre que essa interposição resulta de um acordo com a contraparte desse negócio, está-se perante uma interposição real de pessoas, na qual o interveniente no negócio agiu como mandatário do terceiro, embora não assumindo a sua representação.

III – Se, posteriormente, o mandante encarregar o mandatário de alienar a um terceiro o direito que ele adquiriu, em nome próprio, o mandatário fica constituído na obrigação de entregar ao mandante tudo o que recebeu em execução do mandato.

Decisão Texto Integral:








                       Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

O Autor intentou contra os Réus a presente acção declarativa de condenação, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe € 37.242,00, relativos ao remanescente do preço de venda da nua propriedade de um imóvel, e € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Em síntese invoca que o pai do autor e avô dos réus adquiriu um apartamento para habitação, cujo usufruto vitalício constituiu a favor da cidadã com quem, na altura, pese embora ainda casado, fazia vida, e colocou os réus, seus netos, como titulares da nua propriedade do mesmo imóvel com o único fito de subtrair tal bem à esfera patrimonial de um filho que, se bem que perfilhado, não reconhecia nem queria beneficiar, o que era do conhecimento quer do referido ascendente do autor e dos réus quer da irmã e tia dos mesmos, quer da usufrutuária.
Posteriormente, falecido o referido ascendente, o autor e a sua irmã, mãe dos réus, acordaram em proceder à venda do apartamento, devendo o aqui Autor beneficiar de metade do respectivo preço, mas que os Réus, que receberam, como se proprietários fossem, a totalidade dessa quantia, apenas lhe transferiram parte da mesma, faltando entregar-lhe € 37.242,00.
Fundamentou o pedido de pagamento desta quantia, em primeira linha, na obrigação do mandatário sem representação entregar ao mandante o que recebeu na execução do mandato, e subsidiariamente, nas figuras do abuso de direito e no enriquecimento.
Invocou ainda ter sofrido danos morais em consequência da conduta dos Réus, pelos quais pretende ser indemnizado, no valor de € 20.000,00.

Contestaram os Réus, alegando, em síntese, que o imóvel em causa foi adquirido pelo falecido avô e pelos netos contestantes, pelo que lhes pertence, não ao Autor e sua irmã, que mandataram advogada para o vender, na sequência do que emprestaram, ao Autor a quantia de € 39.985,00, quantia, cujo reembolso pedem, em reconvenção, bem como a pagar-lhes € 12.500,00 de indemnização a título de litigância de má-fé.

Posteriormente, foi admitida a ampliação do pedido reconvencional, no sentido de ser fixado um prazo de 30 dias para o pagamento da quantia mutuada.

O Autor apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção e pedindo a condenação dos réus por litigância de má-fé.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido formulado.

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O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O autor iniciou os presentes autos contra os réus para peticionar o cumprimento do mandato sem representação que lhes havia conferido.
2. Para o efeito, alegou que, de comum acordo com os réus; a irmã e o seu falecido pai, tinha sido decidido que os réus surgiriam como proprietários em representação dos verdadeiros, ou seja, o autor e a sua irmã.
3. A título subsidiário, pedia ainda o autor a condenação dos mesmos réus no pagamento do mesmo valor, por aplicação das regras jurídicas que impedem o abuso de direito e as que sancionam o enriquecimento sem causa.
4. O autor deduziu finalmente contra os réus um pedido de condenação no valor de € 20.000,00 para minimamente compensar os danos não patrimoniais suportados pelo autor.
5. Todos os pedidos foram julgados totalmente improcedentes, sendo dessa decisão que se apresenta o presente recurso.
6. O recorrente considera a sentença recorrida nula por aplicação do disposto do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c), d) e e).
7. O tribunal recorrido admite e certifica como sendo verdade que o imóvel identificado nos autos era, de facto, propriedade do autor (juntamente com a sua irmã), por vontade do seu pai, já falecido, e que foi quem, na verdade, pagou o seu preço na totalidade.
8. Para que a decisão final fosse coerente com os factos provados e a versão demonstrada no processo, teriam os réus que ter sido condenados na entrega do remanescente do preço que, sem dúvida, é devido ao real proprietário do imóvel transacionado.
9. O autor pediu ainda a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais causados: porém, nada se lê na sentença recorrida quanto a esse pedido, sendo nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d).
10. Igualmente será nula, com o mesmo fundamento legal, por não ter analisado nem qualificado o contrato de venda do imóvel (apenas se tendo debruçado quanto ao contrato de compra).
11. A questão colocada ao tribunal pelo autor não fica, portanto, resolvida, se se seguir o raciocínio do tribunal recorrido: a compra do imóvel foi um negócio simulado; a venda não se sabe o que foi.
12. O raciocínio do tribunal conduz à nulidade da sentença, também por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea e): ao invés de apreciar esta questão, o tribunal recorrido analisa exclusivamente (e fá-lo mal, ainda para mais) o negócio pelo qual os réus compraram o imóvel (que veio a ser vendido).
13. O negócio de compra (separado da venda em mais de 35 anos) não tem influência no negócio da venda. Nem o tribunal recorrido invoca qualquer vício do negócio de compra do imóvel para ter consequência no negócio da venda: não é porque a compra do imóvel foi julgada (mal) como simulada que o pedido do autor é improcedente.
14. A sentença é ainda nula, com o mesmo fundamento, por ter invocado e julgado aplicável ao caso concreto direito que não foi discutido pelas partes: não foi alegado por nenhuma das partes e, querendo o tribunal aplicar o instituto da simulação, não permitiu que cada uma das partes previamente se pronunciasse sobre essa solução.
15. O tribunal julgou mal os factos identificados na sentença com os números 33 a 39 e 43 dos factos não provados, impondo-se decisão diversa em face da prova produzida.
16. Aliás, a conclusão quanto aos factos identificados com os números 33 e 34 decorrem do demais que o tribunal considerou provado: o imóvel era, de facto, do autor (e da sua irmã), a venda foi promovida e tratada pelo autor, por sua iniciativa, e não recebeu o valor que lhe seria devido pela venda. Foi a sua família que assim o traiu: os seus sobrinhos.
17. Esses os demais devem, de todo o modo, ser considerados como provados, por confronto com a prova testemunhal produzida em particular pela testemunha A. (na sessão do dia 20 de abril de 2021, a iniciar em 38’14’’ e a terminar em 41’51’’) e da testemunha B. (na sessão do dia 20 de abril de 2021, a iniciar em 6’33’’ e a terminar em 7’54’’).
18. A partir de tal prova, os factos não provados com os números 33 a 39 e 43 teriam que ser sido considerados como provados, com as consequências legais devidas: a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização ao autor a título de danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.
19. O que aconteceu, à data da compra do imóvel identificado nos autos, é que estes réus intervieram no negócio em representação do ora autor e da irmã deste (e mãe dos réus), que eram, para todos os efeitos, os donatários do negócio que o falecido C. quis fazer e fez. Aliás, tal prova resultou feita nos autos que deram origem à sentença de que se recorre.
20. Não tendo ficado provado (porque não houve) qualquer conluio entre as partes no processo (aí se incluindo o falecido C. ) e o vendedor do imóvel em 1979 nem com o comprador, em 2016, não pode considerar-se ter havido simulação, porque não há o elemento essencial que é o acordo simulatório.
21. O acordo que existia estava feito apenas entre o falecido C. , o autor e sua irmã e os ora réus. Esse acordo era o de que os réus seriam os proprietários formais do imóvel, mas os reais seriam o autor e sua irmã (e mãe dos réus).
22. Desde o momento da compra do imóvel que os réus têm vindo a atuar por conta e no interesse de outros – o autor e a irmã – e nunca em nome próprio.
23. Os réus aparecem na escritura de compra do imóvel em representação do autor e da sua irmã, a pedido e por acordo com o falecido C. (e com o conhecimento do autor e sua irmã, naturalmente); não tendo nunca atuado como proprietários (como ficou provado e como, de facto, não eram), aparecem na escritura de venda do mesmo imóvel, novamente em representação dos verdadeiros proprietários.
24. O tribunal recorrido parece ter entendido que, havendo mandato sem representação, o pedido teria que ser feito em favor da herança e herdeiros do falecido C. .
25. O processo não tem qualquer elemento que lhe permita concluir que os herdeiros do falecido C. ou alguns deles ficaram ou não prejudicados. Essa não é uma questão a apreciar pelo tribunal recorrido.
26. Mesmo que tivessem ficado, quem poderia invocar e pretender aplicar o instituto da colação seria o herdeiro afetado na sua herança, apenas esse herdeiro prejudicado tendo legitimidade para, querendo, exigir a restituição à massa dos bens a partilhar.
27. A consideração dos negócios de compra e de venda do imóvel como simulações, significaria, na prática, impedir que o autor pudesse exercer o seu direito. É que, entre simuladores (e seus herdeiros, que lhe sucedem na mesma posição) e quando está em causa um documento autêntico, como seria o caso, não seria admissível outra prova que não fosse a confissão de um dos simuladores.
28. Sem prejuízo do que ficou dito, estava o julgador vinculado a julgar o pedido apresentado pelo autor em conformidade, mesmo que pretendesse aplicar o instituto da simulação em vez do mandato sem representação.
29. O tribunal não está vinculado à solução de direito que as partes lhe apresentam, nos termos do artigo 5.º, n.º 3 do Código do Processo Civil e em respeito pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
30. Se o tribunal recorrido conclui que o comportamento das partes é, na verdade, concretizador de uma simulação e não de um contrato de mandato sem representação, que o declare. Não pode, no entanto, deixar de conhecer o pedido que lhe foi apresentado, à luz desse novo enquadramento jurídico, que lhe parece mais ajustado.
31. O facto jurídico invocado pelo autor é a venda feita pelos réus de um imóvel que, de acordo com a sua tese, era, na verdade, seu e da sua irmã. Estes são os factos: a causa de pedir (que se não confunde com o direito aplicável, como parece fazer o tribunal recorrido). Com estes factos, de resto, o tribunal recorrido está de acordo e julgou-os provados.
32. Impõe-se a conclusão de que o tribunal recorrido não estava vinculado a aplicar o direito que o autor julgou ser o mais adequado mas estava vinculado a aplicar algum direito para resolver o litígio que lhe foi apresentado a julgamento.
33. Aplicando o instituto da simulação, o resultado seria o mesmo: o negócio que foi feito pelo falecido C. não teria sido uma compra de usufruto apenas, mas uma compra da nua propriedade e da posse, tendo ficado com a posse para si próprio e para a sua companheira e tendo doado a nua propriedade a seus dois filhos, sendo um deles o autor. A doação era, portanto, o negócio dissimulado, e o autor o verdadeiro proprietário (de metade) do imóvel.
34. Nos termos do artigo 241.º, n.º 1 do Código Civil, a doação não ficaria prejudicada pela declaração de nulidade que o tribunal recorrido decretasse quanto à alegada compra da nua propriedade pelos réus.
35. A consequência teria, ainda assim, que ser a procedência do pedido do autor (com fundamento de direito diferente daquele que tinha invocado): se o imóvel vendido em 2016 era propriedade do autor (e da sua irmã) desde 1979 (por doação do falecido C. ), o produto da venda tem que ser entregue aos seus reais proprietários, designadamente ao autor, na proporção de metade.
36. Subsidiariamente, teria que se concluir que os réus teriam atuado em abuso de direito, tirando partindo de uma presunção que lhes advinha do registo que tinham em seu favor, para venderem um imóvel que sabiam não ser seu e para se apoderarem do preço.
37. Tal comportamento foi, ao mesmo tempo, totalmente contraditório com toda a atuação dos réus ao longo de mais de 35 anos, desde 1979, o que seria sancionado pelo previsto no artigo 334.º do Código Civil.
38. Ainda subsidiariamente, os réus teriam que ser condenados por aplicação do disposto no artigo 473.º do Código Civil: se está provado que os réus não são os proprietários do imóvel que venderem, tendo-se apropriado do produto da venda, está verificado o requisito da falta de causa para poderem beneficiar do dinheiro que receberam e não entregaram ao autor.
Conclui pela procedência do recurso.

Os Réus apresentaram resposta, defendendo a confirmação da decisão recorrida.

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1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são as seguintes:
- a sentença é nula ?
- deve a decisão da matéria de facto ser alterada, considerando-se provados os factos n.º 33 a 39 e 43 ?
- o Autor tem direito ao pagamento de metade do remanescente do preço

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2. Da nulidade da sentença
O Autor imputa à sentença diversos vícios geradores da sua nulidade.
Em primeiro lugar refere que se verifica uma contradição entre a fundamentação de facto e a decisão, uma vez que, aplicando as regras do silogismo judiciário, os factos provados nunca poderiam conduzir à decisão recorrida, o que integra a causa de nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil.
A nulidade prevista na al. c), do nº 1, do art.º 615º, do C.P.C., verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resul­tado expresso na decisão, mas a resultado oposto, ou seja, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta àquela que logicamente deveria ter chegado.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos.
O Autor, usando os factos provados sob os n.º 6, 8, 10, 45, 47, 51 e 64, defende que a sentença julgou provado que o imóvel era, de facto, ainda que não de direito, propriedade do autor, na proporção de metade.
Sendo assim, e para que a decisão final fosse coerente com os factos provados e a versão demonstrada no processo, teriam os réus que ter sido condenados na entrega do remanescente do preço que, sem dúvida, é devido ao real proprietário do imóvel transacionado.
Na fundamentação da sentença escreveu-se a este respeito:
E, como visto, à luz dos factos provados, não ocorreu qualquer contrato segundo o qual os réus se tenham comprometido a fazer reverter, ao património dos seus tio e mãe, o imóvel, antes uma disponibilidade dos mesmos réus para, a solicitação e em acordo de vontades com o seu avô, figurarem formalmente como adquirentes num negócio originariamente pretendido em favor dos dois favorecidos filhos do falecido. Nos termos e com os intervenientes apontados pelo autor na petição, não houve contrato, de mandato ou outro.

… os aqui réus, a terem adquirido o direito de (nua) propriedade sobre o apartamento transaccionado, unicamente o poderia ter sido por via do contrato, em consonância, aliás, com o disposto, entre outros, nos art.ºs 874º, 978º e 1316º do código civil; o que, como visto – seja por simulação seja por falta de representação do mandato – não ocorreu. Assim, quem não tem direito, não o pode exercer de modo ilegal, desde logo porque, pura e simplesmente, o não exerce de todo.

Desde logo, dificilmente se pode aceitar que os réus tenham adquirido fosse o que fosse à custa do aqui autor, pois que eles foram beneficiados, aí sim, pelo seu avô, que lhes permitiu figurar como donos do que, correctamente, não seriam.
Aqui chegados, cumpre aferir se deve ser determinada a restituição da quantia pedida.
Quando se entende que ocorreu uma simulação, não pode, simultaneamente, admitir-se ter ocorrido um mandato. Tratar-se-ia de extravasar o objecto do processo, como ele foi trazido a juízo, e que tem a virtualidade de definir os limites da causa, designadamente, os poderes de cognição do julgador.

Isto, evidentemente, em obediência à regra inserta no nº 1 do art.º 609º do código de processo civil, segundo a qual “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, sem o que padece da nulidade cominada na alínea e) do nº 1 do art.º 615º do mesmo código.
Para a verificação da nulidade em apreço não se trata de saber da bondade e correcção do tratamento jurídico dado aos factos provados, mas apenas avaliar-se a sintonia ou ajustamento formal entre a fundamentação e a decisão, não a integrando o erro de julgamento, a sua injustiça, ou a sua desconformidade com o direito substantivo aplicável.
Ora, tendo a fundamentação da sentença recorrida entendido que não se tinha provado uma relação de mandato, que não se verificava um abuso de direito, nem um enriquecimento sem causa e que não era possível processualmente extrair conclusões da simulação detetada, o resultado da sentença é o desfecho lógico daquelas premissas, pelo que não se verifica uma contradição entre o raciocínio fundamentador e a conclusão decisória.
A arguição do Autor, nesta parte, revela apenas uma discordância relativa à subsunção dos factos ao direito aplicável, não revelando uma contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, pelo que não se verifica a nulidade apontada.

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Outra das causas invocadas pelo recorrente para sustentar a nulidade da decisão é a omissão de pronúncia – alínea d), do n.º 1, do art.º 615º do C. P. Civil – por não ter sido apreciado o pedido, por si formulado, de condenação dos Réus a indemnizá-lo pelos danos não patrimoniais que a sua conduta destes lhe provocou.
É verdade que, apesar da acção ter sido julgada pela sentença recorrida totalmente improcedente, juízo que abrangeu os dois pedidos formulados, percorrida a sua fundamentação não se encontra uma alusão às razões pelas quais este pedido foi especificamente julgado improcedente.
No entanto, há que ter presente que a procedência desse pedido estava dependente da procedência do pedido de restituição do remanescente do preço.
Na verdade, o Autor reclamou o pagamento de uma indemnização dos danos morais que para ele resultaram do facto dos Réus se terem recusado a entregar-lhe o referido remanescente, pelo que o reconhecimento do direito a essa entrega era pressuposto necessário à verificação da ilicitude da recusa originadora dos alegados danos morais.
Ora, tendo a sentença recorrida negado esse reconhecimento e concluído pela improcedência do primeiro pedido, e resultando dessa improcedência, como consequência directa e necessária, a improcedência do pedido indemnizatório, pode considerar-se que esse automatismo se encontra implícito na fundamentação da sentença recorrida, não se podendo, por isso, afirmar que exista uma omissão de pronúncia, causadora da nulidade da sentença, apenas porque na fundamentação desta não existe uma explicação expressa dessa improcedência em cadeia.
Por esta razão também se considera improcedente a arguição desta nulidade.


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O Autor alega ainda que na fundamentação da decisão recorrida não foi relevado os termos em que foi outorgado o contrato de alienação do imóvel em causa, tendo-se a sentença recorrida cingido aos termos em que foi celebrado o contrato de aquisição, o que se traduz numa omissão de pronúncia, geradora da nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, d), do Código de Processo Civil.
Esta alínea dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Uma coisa é o tribunal não apreciar uma questão que lhe foi colocada, coisa diferente é conferir a um determinado facto maior ou menor relevância para a decisão de uma determinada questão.
Ora é precisamente esta segunda situação que o Autor invoca como fundamento de arguição desta nulidade. O Autor entende que as circunstâncias em que foi outorgado o contrato de alienação do imóvel em causa eram determinantes para o apuramento da obrigação cujo cumprimento ele reclama na presente acção e que a sentença não deu relevância a essas circunstâncias, tendo apenas valorado as circunstâncias em que ocorreu a aquisição desse imóvel.
Trata-se, mais uma vez, duma discordância sobre o modo como a sentença recorrida subsumiu o direito aos factos provados e não de uma omissão sobre uma questão que o Tribunal deveria decidir.
A sentença da 1.ª instância decidiu as questões que lhe foram colocadas, entendendo que não se havia provado uma relação de mandato, nem se verificava uma situação de abuso de direito ou de enriquecimento sem causa, não tendo, por isso, incorrido em omissão de pronúncia, pelo que também esta arguição de nulidade improcede.

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Finalmente o Autor vem arguir que se verifica uma nulidade, por excesso de pronúncia, uma vez que a sentença recorrida conheceu da existência de simulação na celebração do contrato de aquisição do imóvel em causa, sem que tenha dado oportunidade às partes de se pronunciarem sobre esse enquadramento da questão que até esse momento ninguém tinha abordado.
Independentemente de sabermos se o não cumprimento do disposto no art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil, se traduz apenas numa nulidade na tramitação processual ou resulta num vício da sentença, na situação denunciada pelo Autor não se verifica a necessidade do cumprimento daquela imposição legal, que visa garantir um efectivo contraditório.
Na verdade, na sentença recorrida, perante a alegação do Autor que, subjacente à outorga dos contratos de aquisição e alienação do imóvel, estaria subjacente uma relação de mandato sem representação, em que os Réus tinham a posição de mandatários, a sentença recorrida negou que dos factos apurados resultasse essa relação, sustentando antes que se tinha verificado um fenómeno de simulação subjectiva no primeiro desses contratos.
Apesar da detecção de um vício na declaração negocial se revelar inovador no processo, a sentença não extraiu qualquer consequência desse enquadramento, uma vez que considerou que, não tendo a simulação sido invocada como causa de pedir, relativamente aos pedidos formulados, não podia extrair dessa constatação qualquer consequência no processo, uma vez que extravasaria o objecto da causa.
A referência à simulação traduziu-se, pois, num mero obiter dictum, sem qualquer influência no desfecho da acção, pelo que não se justificava, porque inútil, o cumprimento do disposto no art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Assim, mesmo para quem adira à tese que o incumprimento deste normativo resulta num vício da sentença, neste caso esse vício não se verifica, improcedendo também a arguição desta nulidade.

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3. Os factos
3.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O Autor pretende que a matéria de facto julgada não provada e constante dos pontos 33 a 39 e 43 dos factos não provados seja, após reapreciação das provas que indica, julgada provada.
 33. O autor desde aquela data que se sente traído pela sua própria família.
34. Confiou que os seus sobrinhos cumprissem com o que estava acordado e assente há anos.
35. Desde essa data que deixou de dormir.
36. Perdeu o apetite.
37. Vive os seus dias numa tristeza profunda, recusando sair com os amigos, mesmo os mais chegados.
38. Pensando constantemente neste assunto, e falando constantemente sobre ele.
39. O autor, que devia estar num ambiente calmo e sereno, vê-se assim a braços com um sentimento de revolta, de perda de confiança, e de grave inquietação com o seu futuro, atendendo a que precisa do seu dinheiro para fazer face aos seus graves problemas de saúde.
43. Os réus agiram em representação de sua mãe e de seu tio, o aqui autor D. , na celebração da escritura de compra e venda.
Apreciando:
Para a alteração pata provados dos factos 33 a 39 que foram julgados não provados o Autor convoca os depoimentos de A. e B. , respectivamente companheira e amigo do Autor.
Os excertos dos depoimentos em causa não se revelam aptos a julgar os factos como pretendido. Assim, o depoimento prestado por B. , no segmento em análise, nada esclarece quanto à matéria em causa. Por sua vez do depoimento de A. é exíguo, pois desacompanhado de quaisquer outras provas, para o julgamento pretendido, acrescendo que a relação que a testemunha mantem com o Autor coloca em causa a sua valoração.
O julgamento do facto contido sob o n.º 43 como não provado corresponde ao que resulta do teor da escritura de compra e venda da fracção predial referida no ponto 3, onde se constata que os Réus intervieram, nessa escritura, em nome próprio e não em representação do Autor e da irmã deste.
Assim, mantém-se inalterada a matéria de facto.

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3.2. Factos provados
Os factos provados são os seguintes:
Da petição
1. Em 30 de Abril de 1988, faleceu no estado de casado, em segundas núpcias, C. , com última residência na freguesia do ..., ....
2. C. teve três filhos: D. , aqui autor, E. , e um terceiro filho havido fora do casamento, que perfilhou, F. .
3. No dia 20 de Dezembro de 1979, no Quarto Cartório Notarial de ..., G. , na qualidade de representante de H. , Limitada, como primeiro outorgante, C. e L. , como segundos outorgantes e os Réus, como terceiros outorgantes, declararam que o primeiro, em nome desta sociedade, vendia, a C. e L. , o usufruto simultâneo e sucessivo, por quatrocentos e quarenta contos, e aos Réus, a nua propriedade, por seiscentos e sessenta contos, da  fracção autónoma designada pela letra” M”, que corresponde ao 6.º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na avenida ..., 252-A, freguesia do ..., concelho de ..., descrito na conservatória do registo predial de ..., sob o n.º 850, e inscrito na matriz sob o artigo 3213 da freguesia de Alvalade.[1]
4. C. vivia em união de facto com L. , não obstante permanecer no estado de casado com a mãe do autor e de E. .[2]
5. A nua propriedade do imóvel ficou registada em nome dos aqui réus, netos de C. e filhos de E. , já na altura maiores.
6. C. , não obstante ter pago a totalidade do preço referente à compra do imóvel, não pretendeu que o mesmo ficasse registado em seu nome, à excepção do usufruto.
7. Resultante de uma relação extraconjugal que C. teve, nasceu um terceiro filho, de nome F. , que acabou por ser perfilhado por C. , mas por este nunca verdadeiramente assumido.
8. Por esse motivo, e para evitar que, à sua morte, aquele seu filho F. pudesse reclamar os seus direitos como sucessor legitimário, C. quis beneficiar a posição dos seus outros dois filhos, o aqui autor D. e sua irmã e mãe dos Réus, E. , e como tal entendeu colocar a nua propriedade em nome dos seus netos.
10. Aqueles netos e aqui réus estavam conscientes de que a nua propriedade daquele imóvel era de sua mãe e de seu tio, o aqui autor.
11. Por se estar a debater com vários problemas de saúde graves do foro oncológico, e necessitar de recursos económicos, o autor, em Maio de 2015, conversou com a irmã, no sentido de que esta lhe comprasse a sua meação da nua propriedade do imóvel.
14. A irmã do autor acedeu na venda, desde que o autor tratasse de todas as formalidades.
15. O autor pediu ajuda ao Sr. M., dado que este trabalhava no ramo imobiliário.
16. Este deslocou-se ao imóvel, e falou com a usufrutuária, no sentido de indagar do interesse desta na venda do usufruto, o que ela negou.
18. A usufrutuária deu a conhecer a M. que sabia que o imóvel, apesar de estar registado em nome dos netos, pertencia aos filhos do seu falecido companheiro, C. .
19. M. encontrou comprador interessado na aquisição da nua propriedade do imóvel, por 160.0000,00 (cento e sessenta mil euros).
20. Atendendo à existência da usufrutuária, o autor contratou como a advogada Senhora Dra. N., para que esta preparasse a minuta de carta a ser enviada, em nome dos seus sobrinhos e aqui réus, para aquela, dando-lhe conta dos elementos do negócio, mormente do preço, para que a usufrutuária pudesse exercer, querendo, o seu direito de preferência.
21. Foi efectuada uma notificação judicial avulsa, em Abril de 2016, de forma a que esta franqueasse a entrada no imóvel para obtenção de certificado energético e apresentação a potenciais interessados.
22. Tendo sido o autor que providenciou para que os réus, seus sobrinhos, assinassem as respectivas procurações, o que fizeram de imediato à sua solicitação.
23. Em 26 de Julho de 2016, os réus assinaram o contrato de promessa de compra e venda, onde receberam o sinal, no valor de 10% da compra, ou seja, € 16.000,00.
24. Em 28/07/2016 os réus entregaram ao autor metade do valor do sinal, descontado de metade da gratificação paga a M., num montante de € 3000,00, (sendo que os restantes € 3000.00 seriam pagos pela irmã), e menos € 832,00, que deduziriam.
25. Foi obtida a emissão de certificado energético do imóvel, necessário à venda.
26. Em 28/10/2016 foi realizada a escritura pública de compra e venda, e recebido o remanescente do preço no montante de € 144.000,00.
27. Escritura na qual o autor esteve presente conjuntamente com os seus sobrinhos e aqui réus, bem como a Senhora Dr.ª N..
28. A 4/11/2016, depois de descontado o cheque recebido no acto da escritura, o réu D. fez uma transferência bancária para a conta do tio, aqui autor, de € 35.590,00.
31. Desde Novembro de 2016 que o autor tenta contactar com os réus seus sobrinhos, e com a sua irmã, mas estes não lhe atendem as chamadas, nem retribuem as suas tentativas de contacto.
39. O autor é doente oncológico em recuperação.
45. Foi acordado entre todos que a escritura de aquisição do imóvel seria celebrada em nome dos réus, não obstante a nua propriedade do imóvel se destinar aos filhos de C. .
46. Ficaram também a cargo do autor D. e da irmã todas as despesas referentes à venda, mormente gratificação, certificado e despesas com a advogada.
47. Agiram todas as partes cientes de quem era a propriedade do imóvel, independentemente do que constava do registo.
51. Os réus, embora constassem no registo como proprietários do imóvel desde 1979, nunca agiram como tal.
64. Os réus sabem que a nua propriedade do imóvel em causa não é nem nunca foi sua.
Da contestação
16. Em data que não foi possível apurar, C. deu dinheiro para liquidação de um empréstimo do autor na I. , de valor que não foi possível apurar.
30. No final de Julho de 2016 a venda foi efectuada.
Réplica
19. O autor foi bancário no banco J. e auferia o correspondente vencimento.
27. Existe um património comum do autor e de E. , deixado pelo pai de ambos, e que a irmã do autor geria após a morte dos progenitores.
59. C. quis salvaguardar a posição dos seus dois filhos, o aqui autor e a sua irmã E. , em detrimento do seu outro filho.
60. Optando assim por registar a nua propriedade do imóvel a favor dos seus dois netos.

                                               *

4. O direito aplicável
Em 20.12.1979, C. e a sua companheira, L. , juntamente com os netos do primeiro, os aqui Réus, celebraram um contrato de compra e venda, através do qual os primeiros adquiriram o direito de usufruto simultâneo e sucessivo e os últimos a nua-propriedade de uma fracção predial a uma sociedade comercial.
Foi C. quem financiou o pagamento do preço quer do usufruto, quer da nua-propriedade.
Apesar de terem sido os Réus os intervenientes, como adquirentes da nua propriedade, naquele contrato, provou-se que foi acordado entre todos que a escritura de aquisição do imóvel seria celebrada em nome dos réus, não obstante a nua propriedade do imóvel se destinar aos filhos de C. , ou seja o Autor e E. .
Esse acordo teve como finalidade beneficiar estes dois filhos de C. , relativamente a um terceiro filho, F. , de forma a evitar que este pudesse reclamar os seus direitos, como sucessor legitimário de C. , relativamente àquela fracção predial.
Foi este o circunstancialismo provado que envolveu o descrito negócio de compra e venda e que revela uma situação de interposição de pessoas (os Réus) no negócio de compra e venda acima referido.
A sentença recorrida entendeu que essa interposição foi fictícia, pelo que o negócio celebrado foi simulado, enquanto o Autor nas alegações de recurso, tal como já havia sustentado na petição inicial, configura a interposição como real, tendo os Réus outorgado a escritura, na posição de compradores em nome próprio, enquanto mandatários do Autor e da irmã deste.
A interposição fictícia de pessoas num negócio jurídico caracteriza a simulação relativa subjectiva, como uma situação de divergência entre a vontade e a declaração, que se traduz num vício gerador da nulidade do negócio jurídico, sem prejuízo da eventual validade do negócio dissimulado.
Para que ocorra uma interposição fictícia de pessoas num negócio jurídico bilateral é absolutamente necessário que ocorra um pactum simulationis entre aqueles que nele intervêm [3]. A vontade divergente da declaração, é uma vontade comum aos outorgantes no negócio e não apenas de um deles. Sem esse conluio não é possível falar de simulação.
Assim, quando alguém intervém num negócio em nome próprio, mas no interesse e por conta de terceiro, sem que se demonstre que essa interposição resulta de um acordo com a contraparte desse negócio, já nos encontramos perante uma interposição de pessoas que não é fictícia, mas sim real, estando, por isso, afastada a existência de uma simulação. 
No presente caso quem interveio no negócio de compra e venda da nua-propriedade de uma fracção predial em 20.12.1979 foram os Réus, como compradores, e H. , Limitada, como vendedora.
Provou-se que foi acordado entre todos que a escritura de aquisição do imóvel seria celebrada em nome dos réus, não obstante a nua propriedade do imóvel se destinar aos filhos de C. , ou seja o Autor e E. .
O termo “todos” utilizado na factualidade provada acima transcrita e que corresponde ao alegado no artigo 45 da petição inicial, conforme resulta, sem margem para equívocos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, engloba apenas C. (quem financiou a compra), o Autor e E. (filhos de C. e a quem se destinava a nua-propriedade do imóvel adquirida) e os Réus (que intervieram no negócio de aquisição como compradores daquela nua-propriedade).
Foram estes e apenas eles os outorgantes do acordo, segundo o qual seriam os Réus quem outorgaria, em nome próprio, a escritura de compra e venda, embora no interesse e por conta do Autor e da sua irmã, E. , uma vez que o direito adquirido se destinava a estes últimos. Em lugar algum da fundamentação da matéria de facto se refere que a sociedade comercial vendedora da fração predial participou nesse acordo, pelo que se deve considerar a mesma excluída do âmbito do termo “todos” utilizado no ponto 45 da matéria de facto provada.
Não estando provado que a sociedade comercial vendedora tenha participado no pacto segundo o qual seriam os Réus a outorgar aquela escritura de compra e venda, apesar da fracção predial por eles adquirida, ter como destino o património do Autor e da sua irmã, e a respectiva compra ser financiada por C. , não se verifica uma interposição fictícia dos Réus neste negócio, não sendo possível designar este pacto como de simulação.
Estamos antes, perante uma interposição real dos Réus, agindo estes como mandatários do Autor e da sua irmã naquele negócio, mas não assumindo a sua representação [4].
Com efeito, relativamente às situações de interposição fictícia, o mandato sem representação delas se distingue pela circunstância que o estabelecimento de uma relação jurídica entre o mandatário e o terceiro é realmente querida, não só pelas partes intervenientes no negócio, mas também pelo próprio mandante, nos termos acordados com o mandatário, não existindo qualquer acordo entre o mandante e o terceiro, o qual é estranho à não participação do mandante no negócio.
Segundo a factualidade provada, a interposição real dos Réus no negócio de aquisição celebrado visou beneficiar a posição do Autor e do seu irmão, relativamente a um terceiro filho de C. , nascido fora do casamento.
Se essa intenção se reflecte no facto de ter sido C. a financiar a aquisição daquele imóvel e de este ter como seu destino final o património daqueles, já a interposição real dos Réus nesse negócio de aquisição apenas poderá ocultar a percepção de quem foram os verdadeiros beneficiários daquele financiamento, em nada impedindo que o filho preterido exerça os seus eventuais direitos relativos à herança do seu pai, face à doação ocorrida com o financiamento da aquisição.
Apesar de, como sucede muitas vezes, presidir à celebração de negócios de aquisição, por mandatário sem representação, uma intenção de ocultar a identidade da pessoa por conta da qual é efectuada a aquisição, não se revelando que estamos perante uma situação sob o alcance do art.º 280º do Código Civil ou de fraude à lei, o mandato é lícito, sem prejuízo da possibilidade de exercício dos meios de reacção por quem tenha sido lesado por essa ocultação.
No presente caso, apesar da intenção da interposição dos Réus no negócio de aquisição, com as limitações do quadro factual apurado, aparentar ser merecedora de censura, não é suficiente para determinar a invalidade do mandato conferido aos Réus, devendo considerar-se que o mesmo produziu os respectivos efeitos na relação entre os mandantes e os mandatários.
Tendo-se concluído que os Réus outorgaram, como compradores na escritura de compra e venda da nua-propriedade da fracção predial em causa, passaram a ser os titulares deste direito – art.º 1180º do C. Civil -, numa posição fiduciária [5], devendo agir no seu exercício, segundo as instruções do mandante – art.º 1161º, a), do C. Civil.
Provou-se que em 2015 o Autor decidiu alienar a nua-propriedade daquela fracção predial, tendo para isso obtido o acordo da sua irmã.
Apesar de ter sido acordado que a nua propriedade do imóvel se destinava aos dois filhos do casamento de C. , nada impede que estes encarreguem os mandatários intervenientes, em nome próprio, no negócio de aquisição da nua-propriedade do imóvel, de dar ao direito adquirido destinação diversa, designadamente determinando a sua alienação a terceiro [6]
Na sequência daquela decisão, os Réus, seguindo as instruções do seu tio, celebraram com terceiro um contrato-promessa de compra e venda da nua-propriedade da referida fracção, em 26.07.2016, pelo preço de € 160.000,00, tendo recebido o respectivo sinal, no valor de 10% da compra, ou seja, € 16.000,00.
Em 28.07.2016 os Réus entregaram ao autor metade do valor do sinal, descontado de metade da gratificação paga a M., num montante de € 3000,00, e menos € 832,00, que deduziram.
Em 28.10.2016 foi realizada a prometida escritura pública de compra e venda, tendo os Réus outorgado a mesma como vendedores e recebido o remanescente do preço no montante de € 144.000,00.
Os Réus nesta alienação da nua-propriedade da fracção em questão agiram, cumprindo as instruções do Autor e a concordância da irmã deste, voltando a agir em cumprimento da relação de mandato estabelecida aquando da aquisição da fracção predial cuja nua-propriedade foi agora vendida.
Estando o mandatário obrigado a entregar ao mandante tudo o que recebeu em execução do mandato – art.º 1161.º, e), do C. Civil -, estão os Réus obrigados a entregar ao Autor metade do remanescente do preço que receberam, ou seja € 72.000,00 - a outra metade deve ser entregue à irmã do Autor - e os € 832,00 deduzidos aquando da entrega de metade do valor do sinal recebido pelos Réus.
Tendo-se provado que do remanescente do preço recebido pelos Réus já foram entregues ao Autor € 35.590,00, encontra-se em falta o valor de € 37.242,00 (€ 72.000,00 + € 832,00 – € 35.590,00), pelo que os Réus devem ser condenados a pagar este valor ao Autor.
Como apenas se provou a interpelação dos Réus para o pagamento desta quantia com a propositura da presente acção, o vencimento de juros de mora, à taxa definida por lei, nos termos dos artigos 804.º, 805.º e 806.º, apenas se iniciou com a citação dos Réus para a presente acção.
O Autor pediu ainda a condenação dos Réus a pagarem-lhe € 20.000,00, de indemnização, pelos danos morais que sofreu em resultado da recusa dos seus sobrinhos em entregarem-lhe aquele valor. Não se provou a ocorrência de nenhum dos danos alegados, pelo que devem os Réus serem absolvidos do pedido de pagamento daquela indemnização.

                                               *
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida, decidindo-se:
a) condenar os Réus a pagarem ao Autor a quantia de € 37.242,00, acrescidos de juros de mora, desde a citação até integral pagamento, calculados à taxa definida por lei;
b) absolver os Réus do demais peticionado.
 
                                               *
Custas da acção e do recurso pelo Réus, na proporção de 65% e pelo Autor, na proporção de 35%.

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                                                                                   15.12.2021









[1]  Redacção alterada nos termos do artigo 662º, n.º 1, do C. P. Civil de modo a corresponder ao conteúdo da escritura publica correspondente.

[2]  Retirou.se deste ponto a factualidade já constante do ponto anterior.



[3] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 1998, pág. 186-187, Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2012, pág. 470, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., Almedina, pág. 681, e Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade. Dogmática e Jurisprudência em Diálogo, Gestlegal, 2020, pág. 13-17, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Gestlegal, 2021, pág. 661-664, a qual critica o Ac. do S.T.J. de 3.12.2015, proferido no Proc. n.º 2936/07, que entendeu que poderia verificar-se simulação apesar de apenas ter participado no respectivo pacto uma das partes do contrato “simulado”.
[4] No sentido de ocorrer um contrato de mandato sem representação nas situações em que a interposição é real, Carlos Mota Pinto, ob. e loc. cit., Pedro Pais de Vasconcelos, ob. e loc. cit., e A. Barreto Menezes Cordeiro, Da Simulação no Direito Civil, 2.ª ed., Almedina, 2017, pág. 86, e os seguintes acórdãos:
- do S.T.J. de 15.05.2003, Proc. n.º 03B1162, Relator Ferreira de Almeida.
- do S.T.J. de 12.07.2008, Proc. n.º 659/16, Relator: Fátima Gomes.
- da Relação do Porto de 23.06.2015, Proc. n.º 172/14, Relator Carlos Portela.
- da Relação do Porto de 27.01.2020, Proc. n.º 238/19, Relatora Fernanda Almeida.
- da Relação de Coimbra de 08.09.2015, Proc. n.º 316879/11, Relator Isabel Silva.
- da Relação de Coimbra de 09.05.2017, Proc. n.º 1941/12, Relator Jorge Arcanjo.
- da Relação de Guimarães de 05.02.2015, Proc. 2936/07, Relator: Espinheira Baltar.
- da Relação de Guimarães de 20.04.2017, Proc. 1195/14, Relatora Higina Castelo.
- da Relação de Guimarães de 18.12.2017, Proc. 170/16, Relator Sandra Melo.


[5] Pestana de Vasconcelos, A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência, Coimbra Editora, 2007, pág. 251-253.

[6] Januário Gomes, Em Tema da Revogação do Mandato, Almedina, 1989, pág. 136.