Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
120/13.1T3AGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 281º CPP
Sumário: 1.- O instituto da suspensão provisória do processo, verificados um conjunto de pressupostos, consagra uma vertente negociadora, permitindo a composição do conflito penal mediante acordo do Ministério Público, do arguido e do juiz;

2.- Proferindo o Ministério Público despacho no sentido da opção pela suspensão provisória do processo, remete o processo ao juiz de instrução para que seja proferido despacho de concordância;

3.- A concordância judicial com a proposta de suspensão provisória do processo passa pela comprovação dos pressupostos formais do instituto e esta exige a narração dos factos que, na tese do Ministério Público, resultam indiciados do inquérito;

4.- Havendo total ausência de descrição desses factos, impedido fica o juiz de se pronunciar quanto à concordância com a pretendida suspensão.

Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

No termo do inquérito que correu nos presentes autos o Ministério Público proferiu despacho decidindo aplicar ao caso o instituto da suspensão provisória do processo e remeteu os autos ao senhor juiz de instrução, para efeitos do art. 281º, nº 1, do C.P.P.

O senhor juiz devolveu o processo ao Ministério Público por, segundo disse, ter dúvidas quanto aos factos que o Ministério Público entendia estarem indiciados.

O Ministério Público remeteu, de novo, o processo ao senhor juiz de instrução, para prolação de despacho de concordância ou discordância, sem que tivesse descrito os factos que entendia resultarem indiciados do inquérito porque, conforme defendeu:
- a remissão para as declarações prestadas pela ofendida são suficientes para o preenchimento do pressuposto formal de indicação dos factos;
- não existe norma legal que imponha que o despacho que determina a suspensão provisória do processo tenha a estrutura de uma acusação;
- as garantias do arguido estão asseguradas, já que ele foi confrontado com o registo das declarações da ofendida, confessou a prática dos factos e concordou com a proposta de suspensão provisória do processo.

            O senhor juiz de instrução proferiu despacho determinando, de novo, a devolução do processo ao Ministério Público para que fixasse os factos que imputava ao arguido, por entender ser imprescindível que no despacho de suspensão provisória do processo o Ministério Público tomasse posição quanto aos factos que, na sua perspetiva, estariam indiciados.

2.
Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1ª) O Ministério Público, atendendo à factualidade indiciada nos autos da prática pelo arguido A…, na pessoa da menor B…, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. no art. 171º-1 do CP, optou, depois de considerar verificados todos os seus pressupostos legais, constantes do art. 281º-1-7 do CPP, por determinar a suspensão provisória do processo por 20 meses, mediante a imposição ao arguido das injunções de entregar a quantia de €500,00 à Associação Humanitária Mão Amiga, sita em Albergaria-a-Velha, e de prestar 350 horas de trabalho a favor de entidades públicas, nos termos propostos nos autos pela DGRSP;
2ª) Suscitada, pela segunda vez, a intervenção do Mº JIC, nos termos do art. 281º-1-7 do CPP, foi pelo mesmo proferido despacho onde ordenou a devolução dos autos ao MP, mais uma vez sem se pronunciar quanto à concordância (ou não) com a SPP, com o fundamento de que o MP deveria, no despacho que proferiu, ter tomado "posição específica quanto aos factos concretos que considera suficientemente indiciados", despacho este com o qual se discorda e que determinou a interposição do presente recurso;
3ª) A suspensão provisória do processo caracteriza-se como um mecanismo de diversão processual, onde se visam alcançar os fins do direito penal e processual penal por outra via, a consensual, por oposição à conflitual, característica do Estado de Direito tout court;
4ª) A intervenção do Juiz de Instrução Criminal neste âmbito cinge-se à concreta verificação dos pressupostos da admissibilidade da aplicação da S.P.P., bem como em assegurar que as concretas injunções ou regras de conduta propostas não ofendam a dignidade do arguido, não lhe sendo legítimo formular sugestões ou dirigir orientações ao MP, no sentido de condicionar a sua actuação na fase de inquérito;
5ª) Ao contrário do que entende o Mº JIC, consideramos que o despacho que determina a SPP, proferido pelo MP, não obedece (por não existir menção expressa nesse sentido ou remissão legal) a qualquer formalismo processual, designadamente o previsto no art. 283º do mesmo diploma, referente ao despacho de acusação, para além de que inexiste, nesta matéria, normativo semelhante ao disposto no art. 395º-3 do CPP, respeitante ao processo especial sumaríssimo;
6ª) A remissão feita pelo MP, no que toca à factualidade suficientemente indiciada, para as declarações para memória futura prestadas, perante o Mº JIC, pela menor B…, é admissível e deverá aceitar-se por razões de economia processual, para além de não contender com as garantias de defesa do arguido, na medida em que o mesmo foi confrontado com aquelas, confessou a prática dos factos ali descritos, mostrou arrependimento e concordou com a concreta proposta de SPP que lhe foi dirigida;
7ª) O despacho do MP que determina a SPP, não obedecendo a qualquer formalidade imposta por lei, para além de evidenciar o preenchimento de todos os pressupostos exigidos para a aplicação de tal instituto, deverá apenas ser perceptível para todos os intervenientes processuais, os quais já, em momento prévio, tomaram conhecimento do recorte factual/histórico abrangido pelo inquérito;
8ª) O objecto do processo penal português, de estrutura acusatória, apenas se fixa com o despacho de acusação, onde fica definido o thema decidendum, conforme se infere do teor dos arts. 309º e 379º, ambos do CPP;
9ª) No âmbito de um inquérito suspenso provisoriamente, no caso de o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta determinadas, o processo prossegue com a dedução, pelo MP, de acusação pública contra o arguido, nos termos do art. 282°-4 do CPP;
10ª) Tratando-se de um instituto processual de simplificação e consenso, o legislador optou por considerar que a decisão de suspensão não é susceptível de impugnação, tal como decorre do art. 281º, nº 5, do CPP;
11ª) Não é legítima a posição do Mº JIC quando pretende convencer o MP a seguir o seu entendimento sobre os requisitos que deverão constar de despacho proferido, pelo MP, em inquérito, ao invés de proferir o despacho a que está vinculado por lei, in casu, de concordância (ou não) com a SPP, o que implicou um efectivo impasse processual, apenas ultrapassável, pelo MP, com a interposição do presente recurso;
12ª) Ao não decidir sobre a SPP, nos termos em que a mesma foi determinada pelo MP, o despacho recorrido violou, de modo claro, as normas dos arts. 281º-1-7 do CPP e 8°-1 do C. Civil, aplicável ex vi art. 4º do CPP».

3.
O recurso foi admitido.

O Sr. P.G.A. respondeu, defendendo a manutenção do decidido porque, propendendo o Ministério Público para a suspensão provisória do inquérito, então trata-se de despacho que põe termo ao inquérito. Para além disso entende, ainda, que dado que a suspensão só é possível quando se indiciar a prática de um qualquer crime com uma determinada moldura penal máxima o juiz, para se pronunciar, concordando ou discordando com a suspensão, tem que verificar se os requisitos legais se verificam.
4.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
 
*

FACTOS PROVADOS

5.
Dos autos resultam os seguintes elementos, relevantes para a decisão:
1º - no termo do inquérito o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
«Nos presentes autos estão suficientemente indiciados os factos relatados nas declarações para memória futura da menor B…, nascida a 25.07.2000, cujo suporte digital se mostra junto aos autos e para as quais se remete, por razões de economia processual, sendo que tal factualidade consubstancia, em abstracto, a prática, pelo arguido  A..., de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. no art. 171º-1 do Código Penal.
Em complemento àqueles apenas se acrescenta que o arguido (TIR a fls. 55) bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e que, assim, incorria em responsabilidade criminal.
Após uma análise crítica das circunstâncias do caso em apreço, entende o Ministério Público que deverá ter aqui lugar, ao abrigo do disposto no art. 281º-7 do CPP, a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (doravante, SPP).
Com efeito, tendo em conta a informação junta aos autos a fls. 3-6, subscrita pela psicóloga que acompanha a menor, bem como a posição assumida pela mãe desta, C… , quando inquirida a fls. 31, e, também, os concretos actos praticados pelo arguido e a percepção da menor quanto aos mesmos (evidenciada aquando da sua tomada de declarações), considera-se ser do interesse da menor a aplicação, aos presentes autos, da SPP.
Assim, cabe agora enunciar quais os pressupostos da sua aplicação, de verificação cumulativa, os quais se encontram plasmados no art. 281º-7 do CPP:
- Encontrar-se indiciado um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado;
- Concordância do Juiz de Instrução Criminal;
- Anuência do arguido;
- Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; e
- Ausência de aplicação anterior de SPP por crime da mesma natureza.
Volvendo ao caso concreto, verifica-se não se mostrar preenchida qualquer das circunstâncias plasmadas no art. 177º do CP; o arguido não tem antecedentes criminais e concordou com o uso deste mecanismo processual (cfr. fls. 25/59-60), bem como não há notícia de que alguma vez lhe tenha sido aplicada a SPP por qualquer crime (cfr. fls. 27 /8).
Assim sendo, encontram-se preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 281º, nº 7, do CPP.
Pelo exposto e nos termos dos arts. 281º, nº 2, al. e) e 7, e 282º, nº 1, ambos do CPP, determino a suspensão provisória do processo pelo período de 20 (vinte) meses mediante a imposição ao arguido  A..., das seguintes injunções:
I - Entregar à Associação Humanitária Mão Amiga, sita na Av. Bernardino Máximo de Albuquerque, nº 35, em Albergaria-a-Velha, a quantia de € 500,00, no prazo de 120 dias a contar da notificação do despacho que decrete a presente suspensão, fazendo prova, nos autos e no mesmo prazo, dessa entrega;
II - Prestar trabalho a favor de entidades públicas, por um período de 350 horas, nos termos propostos pela DGRSP a fls. 70-73.
Conclua os autos ao Mº JIC, nos termos e para os efeitos do art. 281º, nº 7, do CPP»;
2º - o senhor juiz de instrução proferiu o seguinte despacho:
«Afiguram-se-me dúvidas quanto aos factos que, concretamente, o MP entende dar por indiciados.
Assim, devolva os autos para os efeitos tidos por convenientes»;
3º - o Ministério Público tomou a seguinte posição, face ao decidido:
«Os presentes autos foram devolvidos a estes serviços, em consequência do despacho proferido pelo Mº JIC a fls. 78, onde se refere, singelamente, "afiguram-se-me dúvidas quanto aos factos que, concretamente, o MP entende dar por indiciados".
Com o devido respeito, não se compreende a razão de ser de tal despacho, na medida em que foi ordenada a remessa dos autos ao Mº JIC a fim de dar (ou não) a sua concordância à suspensão provisória dos autos, tal como determinado (e devidamente fundamentado) pelo MP a fls. 75/6.
No aludido despacho em que se determinou a SPP, fez-se, quanto à factualidade suficientemente indiciada, remissão para as declarações para memória futura prestadas pela menor B… (sendo este o elemento probatório decisivo), no dia 20.03.2013 e neste Juízo de Instrução Criminal, tendo sido esta diligência presidida (e conduzida) pelo mesmo Mº JIC, sendo que aquelas declarações ficaram registadas no sistema "habilus/citius", para além do suporte digital existente e apenso aos presentes autos.
Considera-se admissível a verificada remissão da factualidade indiciada para peças processuais (ou registos de gravações) constantes dos autos (as quais, encontrando-se devidamente identificadas, são de fácil e rápida consulta), por razões de economia processual (como se sabe, bastante prementes nos dias de hoje) e na medida em que o despacho que determina a SPP não tem de obedecer aos requisitos previstos no art. 283º do CPP (além do mais porque inexiste, quanto a este instituto processual, normativo que imponha, em caso de impossibilidade da sua aplicação, o aproveitamento de tal despacho como acusação, tal como sucede, por exemplo, no processo sumaríssimo, cfr. art. 395º-3 do CPP).
Por outro lado, as garantias de defesa do arguido mostram-se cabalmente asseguradas, na medida em que o mesmo, no momento do seu interrogatório (fls. 59-60) foi confrontado com o registo áudio das declarações prestadas pela menor ofendida (tendo sido enviado, juntamente com a carta precatória remetida ao MP de Albergaria-a-Velha, suporte digital das referidas declarações), tendo aquele confessado a prática dos factos ali descritos, mostrando arrependimento e concordando com a proposta de SPP que lhe foi apresentada pelo MP.
Saliente-se, ainda, que o instituto da SPP é um mecanismo processual de simplificação e consenso.
A SPP aparece no nosso actual figurino jurídico-processual como uma faculdade do MP no termo do inquérito, faculdade que, condicionada aos requisitos enunciados no art. 281º do CPP, é um afloramento do princípio da oportunidade, traduzindo-se, também, numa manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal.
Assim e pelo exposto, conclua, de novo, os autos ao Mº JIC, para prolação de despacho de concordância (ou não) com a SPP determinada nos presentes autos, nos termos do art. 281º-7 do CPP»;
4º - o senhor juiz proferiu o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no artigo 276º nº1 do CPP o MP encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação. São estas as duas decisões de natureza substantiva que o MP pode, em alternativa, proferir.
Tratando-se de arquivamento, pode o mesmo fundar-se em falta de indícios (nº2 do art. 277º) ou por prova de se não ter verificado o crime ou de o arguido o não ter praticado ou ainda de não ser legalmente admissível o procedimento (nº1).
Não se configurando nenhuma das apontadas hipóteses, a decisão do MP é uma decisão material de acusação, no sentido da afirmação da verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade do arguido, nomeadamente, quanto à verificação de indícios suficientes da prática de um certo crime.
Não obstante tal decisão material de acusação, pode o MP decidir-se pela não sujeição do arguido a julgamento mediante a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, desde que verificados os requisitos legais, nomeadamente a concordância do Juiz de Instrução, do assistente (se o houver) e do arguido, em conformidade com o art. 281º do CPP.
De tal forma é assim que, o processo prossegue, sem mais, para julgamento, designadamente se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta - art. 282º nº4 do CPP.
Porque é assim, é imprescindível que no despacho proferido quanto à suspensão provisória do processo, o MP tome posição específica quanto aos factos concretos que considera suficientemente indiciados e, bem assim, quanto ao crime que concretamente imputa ao arguido.
Tal posição não pode, salvo melhor entendimento, ser feita mediante remissão genérica para os elementos de prova constantes dos autos e também não pode dar-se por satisfeita por mera remissão para o teor genérico de depoimentos prestados ainda que gravados.
Essa técnica obsta a que se fixe nos autos o objecto do processo e impede uma total compreensão da decisão do MP nomeadamente quanto à qualificação jurídica seguida, para além de que torna inviável qualquer controlo das decisões (do MP e do JIC) quanto à suspensão.
Não estando fixados nos autos pelo MP os factos que concretamente se imputam ao arguido, entendemos não estarem reunidos os necessários pressupostos para nos pronunciarmos quanto à concordância com uma eventual suspensão provisória do processo.
Notifique e, após, devolva ao MP para os efeitos tidos por convenientes».

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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir respeita ao conteúdo do despacho do Ministério Público, de suspensão provisória do processo.
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            Conforme se refere, o despacho de suspensão provisória do processo consta do capítulo III do título relativo ao inquérito e que trata do encerramento do inquérito.
            E o inquérito pode terminar com o despacho de arquivamento, com o despacho de suspensão provisória do processo ou com o despacho de acusação.
            Cada um destes despachos corresponde, naturalmente, a uma diferente posição do Ministério Público, tomada perante os indícios que resultaram das diligências realizadas.
            Se o despacho de arquivamento assenta na existência de prova de não se ter verificado qualquer crime, de o arguido não ter cometido qualquer crime, de o procedimento ser inadmissível, ou na inexistência de indícios suficientes da verificação de crime e da sua imputação ao arguido, já a acusação assenta no oposto: na existência de indícios suficientes da prática de um crime e da sua autoria – art. 277º e 283º do C.P.P.
            Mas existe uma outra possibilidade, que é a do despacho de suspensão provisória do processo.

            O instituto da suspensão provisória do processo está regulado nos art. 281º e 282º do C.P.P.
            Segundo o nº 1 do art. 281º, cuja epígrafe é, precisamente, “suspensão provisória do processo”, «se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir».
            Sobre as injunções aplicáveis no caso pronunciam-se os nº 2, 3 e 4 da norma.
Resulta daqui, como se percebe e é entendimento generalizado, que o instituto da suspensão provisória do processo consagra uma vertente negociadora, permitindo a composição do conflito penal mediante acordo do Ministério Público, do arguido e do juiz.

            Se é verdade que o juiz não intervém aquando da tentativa de composição entre o Ministério Público e o arguido, se é verdade que o juiz não tem o poder de se imiscuir nos termos exatos do acordo, também é verdade que à suspensão do processo é imprescindível o acordo do juiz.
            E este acordo dependerá da verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a possibilidade de suspensão provisória do processo, quais sejam:
- o crime em causa ser punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente;
- haver concordância do arguido e do assistente;
- não ter sido previamente aplicado este mesmo instituto por crime da mesma natureza;
- não haver lugar a medida de internamento;
- verificar-se ausência de culpa elevada;
- ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta seja suficiente às exigências de prevenção que se façam sentir.
            Embora a lei não o diga concretamente entendemos, conforme defende o despacho recorrido, que estes pressupostos não são possíveis de sindicar perante um despacho de suspensão provisória do processo em que se verifique uma total ausência de descrição de factos indiciados imputados ao arguido.
            A suspensão provisória do processo, tal como a acusação, supõe que os autos indiciam a ocorrência de um crime e a sua autoria: este é o verdadeiro ponto de partida da análise posterior do juiz, quando a posição do Ministério Público vai para sua apreciação.
            Como dissemos, se é certo que o juiz não intervém na “negociação” entre o Ministério Público e o arguido e não se pronuncia sobre o concreto conteúdo do acordo firmado, a concordância judicial com a proposta de suspensão provisória do processo passa, desde logo, pela comprovação dos pressupostos formais do instituto e esta exige a indicação dos factos que, na tese do Ministério Público, resultam indiciados do inquérito.
            E a remissão para a prova produzida não substitui aquela concretização. Para além de, como bem sabemos, a mesma prova ser suscetível de poder ser valorada de forma diferente pelos diversos intervenientes processuais, a prossecução da posição aqui defendida pelo recorrente significaria, ao fim e ao cabo, que o juiz de instrução passaria a sindicar a prova produzida no inquérito e o juízo feito pelo Ministério Público no seu termo.
            Ora, os poderes do juiz não vão a este ponto. O juízo de concordância/discordância é formulado perante o despacho proferido pelo Ministério Público e não perante as provas produzidas que parece ser, em última instância, aquilo que o recorrente defende.
            Depois, também é perante os factos que o juiz aferirá da adequação das medidas aos fins preventivos que se façam sentir.
            E se o juiz também não se pode imiscuir nas medidas impostas e no prazo negociado, tem o dever de avaliar a adequação quer do período de suspensão quer das medidas indicadas, pois que se trata de uma decisão materialmente jurisdicional, que não pode abdicar de acautelar o princípio da proporcionalidade.
            A lei poderia ter pensado o instituto da suspensão provisória do processo arredado da intervenção do juiz, mas não foi esta a opção tomada. E então temos que concluir que a suspensão provisória do processo é, ainda, uma forma de administração da justiça pelos tribunais.

O recorrente defende que a intervenção do juiz de instrução se cinge à concreta verificação dos pressupostos da admissibilidade da aplicação da suspensão provisória do processo e a assegurar que as concretas injunções ou regras de conduta propostas não ofendam a dignidade do arguido.
Concordando em absoluto, um dos pressupostos de que depende a aplicação da suspensão provisória do processo é que o arguido tenha cometido factos tidos, pela lei penal, como crime.
Ora, do despacho proferido pelo recorrente não resulta que isto tenha sucedido.
            Neste mesmo sentido veja-se o que diz Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário ao Código de Processo Penal [1]: «a decisão do MP de determinação da suspensão contém uma narração dos factos suficientemente indiciados que fundamentam a aplicação de uma pena …».
            Este entendimento é, para nós, inevitável já que só perante factos consubstanciadores de ilícitos penais é que é possível a suspensão.

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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na improcedência do recurso, confirma-se na íntegra a decisão recorrida.

Sem custas.


Olga Maurício (Relatora)

José Calvário

[1] 1ª edição, pág. 722.