Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/19.9T8FVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 04/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - F.VINHOS - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 362, 380, 381 CPC
Sumário: 1.- Na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais fectuam-se dois tipos de juízos: um juízo de simples/mera probabilidade quanto à verificação do direito invocado pelo requerente; e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito séria quanto ao “periculum in mora”.

2.- A providência de suspensão só faz sentido com a alegação/prova dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação, pois mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros.

3.- É justamente também por isto que só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.

4.- Ao contrário do que ocorre com o procedimento cautelar comum – em cujo art. 362.º/1 do CPC se fala “em lesão grave e dificilmente reparável” – considera-se desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis ou de difícil reparação, “apenas” se impondo ao requerente o ónus de demonstrar que a suspensão da deliberação é essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”.

5.- O “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.

Decisão Texto Integral:


            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“F (…), L.da”, intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, do CPC, contra “A (…)”, já ambas identificadas nos autos, pedindo se decrete a suspensão das deliberações da requerida, tomadas na Assembleia Geral de 29 de Janeiro de 2019.

Alega, para tanto, que é associada da requerida.

O Presidente da Assembleia Geral da requerida, convocou uma AG, que se realizou na sobredita data, que se destinava, entre o mais, a eleger os novos órgãos sociais, a qual deveria ser convocada por meio de aviso postal, expedido para cada um dos associados, com a antecedência mínimas de 8 dias, com a menção do dia, hora e local da reunião e respectiva ordem do dia.

Não obstante, tal convocatória foi feita via facebook, no dia 14 de Janeiro de 2019, apenas tendo chegado a 29 associados.

Não foi cumprido o prazo para apresentação das listas concorrentes, que deveria ter lugar até ao dia 20 de Janeiro e só no dia 21, também, via facebook, foi apresentada a lista B, que viria a sair vencedora, de que fazia parte o Presidente da Mesa da AG.

Contrariamente ao permitido, foram admitidos novos sócios, propositadamente para as eleições, sendo as fichas de inscrição assinadas pelo Presidente da Direcção da lista B, o que só a Direcção podia fazer e outros votaram, sem terem as quotas em dia, ou pelo menos, sem ter sido feito esse controlo.

Mais alega que com tal procedimento ficou descredibilizada e denegrida a imagem da requerida e poder conduzir a que alguns contratos feitos com terceiros, designadamente, a Aveiro Expo, responsável pela Feira de Março, que está em vias de se iniciar, e Porto Lazer, se venham a frustrar, inviabilizando o protocolo com o Município de Aveiro, o que acarretará avultados prejuízos patrimoniais para os associados da requerida.

Conclusos os autos, ao M.mo Juiz a quo, este, cf. decisão de fl.s 37 a 38 v.º, indeferiu liminarmente a petição inicial, absolvendo a requerida da instância, por considerar não terem sido alegados factos que densifiquem o “dano apreciável”, ficando as custas a cargo da requerente.

 

Inconformada com a mesma, interpôs recurso, a requerente, F (…), L.da, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 53), apresentando as seguintes conclusões:

I – A Requerente, aqui Recorrente, apresenta-se a pleito com o propósito de desencadear o procedimento cautelar destinado à suspensão de deliberações sociais.

II – Neste pressuposto a recorrente logra identificar os pressupostos cumulativos para a obtenção do pretendido decretamento, construindo a sua posição por forma a demonstrar cristalinamente o seu preenchimento.

III – Destarte, elencando-se sumariamente os requisitos de aplicabilidade do procedimento cautelar, a Recorrente é parte legitima na presente ação, por ser associada da recorrente.

IV – Prosseguindo, é seguro afirmar-se que estão concretamente elencadas as ilegalidades de que padece a atuação da Recorrida, desde a convocatória para a Assembleia Geral, até ao momento da tomada de posse da Lista B, cuja prova documental produzida será suficiente para revelar inequivocamente o fumus bonus iuris.

V – O Tribunal a quo, recuperando os requisitos de aplicabilidade do presente procedimento cautelar, considerou inútil o conhecimento dos pressupostos elencados supra por julgar não verificado o pressuposto da demonstração e alegação do dano apreciável.

VI – Todavia a aqui Recorrente não se conforma com a respetiva decisão, porquanto havia carreado para os autos todos os factores que indiciariam, do mesmo modo, o terceiro requisito relativo ao dano apreciável.

VII – Assim, considerou a Recorrente que o factor que motivou o sentido da decisão Recorrida orbita em torno da errada interpretação do n.º 1 do artigo 380.ºdo Código de Processo Civil.

VIII – Concretizando, a aqui Recorrente, apreciando a letra da lei, o seu espírito e a convicção doutrinária e jurisprudencial, admite ter o ónus de alegar e provar que a execução do ato que se pretende suspender pode causar dano apreciável.

IX – Por seu turno entendeu o Tribunal recorrido que não será suficiente provar que o ato pode causar um dano, sendo necessário provar o próprio dano.

X – Esta posição não é consentânea com a unicidade e sistematicidade do Direito e tem como fim único redundar este regime em pura letra morta, dada a óbvia impossibilidade de provar factos futuros e que, em boa verdade, ainda não aconteceram.

XI – Razão pela qual se insurge veementemente a Recorrente para com a posição do Tribunal Recorrido, que se fixa a um crivo de tal forma estreito e peregrino que tem o condão de desvirtuar, por completo, o presente procedimento cautelar.

XII – Ainda que, em tese, poderá a Recorrente e Recorrida, visto que os interesses desta também se encontram em crise, desencadear uma batalha judicial para responsabilizar os membros a quem imputam os prejuízos, será certo afirmar que existem danos que são impossíveis de repor.

XIII – A perda de uma vida nunca terá um correspondente monetário que o satisfaça e, na mesma linha, a perda de reputação, sócios e poder junto das entidades parceiras públicas e privadas, será irrecuperável.

XIV – Por este motivo, conquanto a recorrente tenha logrado demonstrar a sua qualidade de sócia, as ostensivas ilegalidades que decorrem da atuação da Recorrida, evidentemente manietada e a elevadíssima probabilidade de, a breve trecho, se verificarem danos apreciáveis, foi o procedimento cautelar requerido liminarmente indeferido.

XV – Face a tudo quanto ficou exposto, considera a Recorrente que o Tribunal a quo violou o n.º 1 do artigo 380.º do Código de Processo Civil,

Termos em que,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e decretando-se o Procedimento Cautelar de Suspensão das Deliberações Sociais, assim se fazendo Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se deve ser ordenado o prosseguimento dos autos, por se verificarem todos os requisitos exigíveis para se decretar a pretendida providência, designadamente, que foi alegada a existência de dano apreciável, a provar-se a factualidade alegada na p.i..

A matéria de facto a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.

Se deve ser ordenado o prosseguimento dos autos, por se verificarem todos os requisitos exigíveis para se decretar a pretendida providência, designadamente, que foi alegada a existência de dano apreciável, a provar-se a factualidade alegada na p.i..

Como resulta do teor das conclusões de recurso, acima transcritas, a recorrente defende que alegou factos suficientes para consubstanciar a existência de “dano apreciável”, pelo que a petição inicial não deveria ter sido liminarmente indeferida e, consequentemente, deveria ter sido ordenado o prosseguimento dos autos, o que ora peticiona.

Ao invés, na decisão recorrida, defendeu-se que não se mostram alegados factos concretos dos quais se possa extrair a conclusão de que o requisito em questão, se mostra preenchido.

Efectivamente, nesta, justificando tal decisão, refere-se o seguinte:

“No caso em apreço, independentemente de aferir da (i)legalidade aparente da deliberação, nem havendo pedido concreto quanto a qualquer delas, quedando sem se saber a qual ou quais deliberações e de qual órgão se pretende visar, constata-se que do teor do requerimento inicial não se vislumbram factos donde se infira que a execução da deliberação possa causar dano apreciável à requerente.

Com efeito, a requerente limita-se a dizer “(...), recebeu o legal representante da Requerente um e-mail a 4 de Fevereiro de 2019, assinado pelo Adjunto do Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, afirmando que tomou conhecimento que o acto eleitoral aqui em crise não decorreu de forma regular, encarando como representante da Associação o seu anterior Director (…) considerando a proximidade com a Feira de Março e a extrema necessidade de se viabilizar o protocolo com o Município de Aveiro (…) uma decisão que se prolongue no tempo causará avultados prejuízos patrimoniais para todos os associados, bem como uma verdadeira delapidação irrecuperável da reputação e prestígio da Associação”.

Daqui decorre, e de forma manifesta, que não foi alegado qualquer prejuízo concreto e a razão de ser do mesmo, limitando-se a alegação na mera invocação de um e-mail a propósito de um protocolo, limitando-se na conclusão, geral e abstracta de avultado prejuízo. Ou seja nem foi alegado o concreto prejuízo nem a gravidade subjacente.

Como é consabido, a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (cfr. artigo 581º, nº 4, do Código de Processo Civil). Acresce que, no nosso sistema jurídico vigora o princípio do dispositivo, à luz do qual é sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito (cfr. artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil). Ou seja, a necessidade de alegação da matéria de facto está intimamente conexionada com a natureza dos direitos e interesses que cabe definir ou reconhecer através de providências jurisdicionais.

Ora, para que o direito possa ser invocado em juízo e para que possam extrair-se os efeitos jurídicos que o requerente pretende, é necessária a alegação de factos concretos e não de meros conceitos legais ou conjecturas, o que não sucede no caso em apreço, padecendo, desde logo, o requerimento inicial de vício de ineptidão – cfr. neste sentido Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido pelo Exmo Juiz Desembargador Carlos Moreira em 21.06.2011, disponível em www.dgsi.pt.

Aqui chegados mais não resta do que concluir pelo indeferimento liminar do presente procedimento cautelar, e consequente absolvição da instância da Requerida (artigos 186.º, n.º 1 e 2, alínea a), 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2, 577.º, al. b), 578.º, 590.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil).”.

Com o devido respeito por este entendimento, não concordamos com o mesmo.

Conforme resulta do disposto no artigo 380.º, n.º 1 do CPC:

“Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”.

Como já referido, neste recurso, apenas está em causa saber se foram ou não, alegados factos dos quais se possa extrair a conclusão de que dos mesmos, a provarem-se indiciariamente, resulta verificado o requisito do dano apreciável, do “periculum in mora”.

Passando à análise deste requisito, deve atentar-se no seguinte:

Uma providência cautelar é por definição uma decisão provisória destinada a antecipar, em atenção ao periculum in mora, o efeito jurídico da decisão definitiva, ou seja, destinada a evitar o dano jurídico que pode vir a ocorrer no lapso de tempo que sempre leva a tomada duma decisão definitiva.

Daí que repetidamente se refira que na providência cautelar se efectuam dois tipos de juízos: um juízo de simples/mera probabilidade quanto à verificação do direito invocado pelo requerente; e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito séria quanto ao “periculum in mora”.

É o caso da presente providência cautelar de suspensão de deliberação social, em que o direito invocado é a pretensa invalidade da deliberação em causa, traduzindo-se o requisito do “periculum in mora” na demonstração de que, se tal deliberação for executada, daí resultará dano apreciável (cfr. art. 380.º/1/in fine do CPC).

Temos pois que uma providência de suspensão, como é o caso, só faz sentido com a alegação/prova dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação; uma vez que, mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros.

É justamente também por isto que só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.

“Periculum in mora” que, na presente providência, corresponde à verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência dum “dano apreciável”.

Efectivamente, ao contrário do que ocorre com o procedimento cautelar comum – em cujo art. 362.º/1 do CPC se fala “em lesão grave e dificilmente reparável” – considera-se desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis ou de difícil reparação, “apenas” se impondo ao requerente o ónus de demonstrar que a suspensão da deliberação é essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”.

Expressão esta que “integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa colectiva acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade” – cf. Abrantes Geraldes, in Temas Da Reforma Do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2001, a pág. 88.

Acrescentando-se ainda, no art. 381.º/2 do CPC, que o tribunal pode deixar de suspender a deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato se entender que o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que poderá derivar da execução[1].

De referir, ainda, no que concerne à natureza dos danos a ter em linha de conta que como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág. 74, se visa o impedimento “de danos futuros, que podem resultar de comportamentos activos ou omissivos de outrem, através da conservação da situação existente. Também à suspensão de deliberações sociais não escapa a consideração de que, mais do que restaurar provisoriamente acções pregressas, interessa prevenir danos futuros”.

Acrescentando a pág. 75 que:

“a suspensão de deliberações sociais não deve entender-se no seu sentido mais restrito, como simples impedimento da actividade dos órgãos sociais destinada a executá-la, antes deve estender-se à paralisação dos efeitos jurídicos que a deliberação seja susceptível de produzir”, reiterando a possibilidade de suspensão de deliberação social “enquanto se protraírem no tempo os respectivos efeitos, directos, laterais, secundários ou reflexos, suficientemente graves para serem causadores de dano apreciável” – pág.s 75/6, entre as quais se integra a deliberação que deu causa a eleição de membros dos órgão sociais e/ou proclamação de uma lista vencedora em eleições para os órgãos sociais, mesmo que empossados – cf. nota 99 de pág. 76.

Por outro lado, da simples demora da sentença a proferir na acção definitiva, resulta um dano atendível.

Como refere Vasco da Gama Lobo Xavier, in O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, ano XXII, pág. 215:

“não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”.

Idêntica opinião propugna Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Almedina, pág.467, que ali escreve:

“O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação”.

Analisada a questão sob o prisma legal e doutrinário, por cotejo com a factualidade alegada, vejamos, se a mesma, a esta luz, será suficiente, a demonstrar-se, para que se possa ter por verificado o requisito do dano apreciável.

Inquestionavelmente, o “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.

Mais, tal concreta prova não tem única e necessariamente que ser extraível de factos e comportamentos (da requerida) praticados em data posterior à deliberação sob escrutínio.

Se assim fosse, fácil seria obstar ao sucesso da generalidade dos procedimentos de suspensão de deliberação: bastaria para tal que, no curto prazo (10 dias) de proposição da providência, nenhuma execução ou efeito fossem extraídos da deliberação em causa.

São pois, como acima já referido, as próprias consequências e efeitos práticos de tal entendimento – segundo o qual teriam que estar alegados/provados factos e comportamentos ocorridos em data posterior à deliberação sob escrutínio – que o desautorizam[2].

Como antes já se referiu, o “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro e que não raras vezes as deliberações produzem efeitos duradouros, persistentes e prolongados.

É, sem sombra de dúvidas, o caso da deliberação de eleição dos órgãos sociais de uma associação; já que tal deliberação tem como consequência passarem a ser os órgãos, alegadamente, ilegalmente, eleitos, que passam a gerir os destinos da pessoa colectiva em causa, com todas as consequências daí resultantes.

O que, só por si, mantendo-se tal situação durante o lapso de tempo que leva a ser tomada uma decisão definitiva, evidencia um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes.

A questão – o “dano apreciável” que cautelarmente se visa tutelar – está no que significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, o simples facto de alguém, alegadamente ilegalmente eleito, passar a gerir os destinos da requerida, em detrimento de outros que poderão vir a ser considerados como legalmente capacitados a fazê-lo.

O “dano apreciável”, repete-se, é um dano futuro e sobre o futuro é sempre difícil fazer previsões (quanto mais ter certezas), porém, a provar-se o alegado pela requerente, é indubitável que a requerida será gerida por órgãos que não deveriam considerar-se como regularmente eleitos, em detrimento de outros, pelo que pode/deve extrair-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos daí decorrentes, dado a direcção, assim eleita, poder deliberar, da forma como bem entender, sobre o destino e gestão da associação/requerida.

Por outro lado, acresce que a requerente nos artigos 50.º a 59.º do requerimento inicial, alegou que a credibilidade da requerida aumentou em virtude do trabalho desenvolvido pelos anteriores órgãos sociais e que, por via das circunstâncias que rodearam a eleição que se visa impugnar, poderá haver um incumprimento de contratos celebrados entre a requerida e terceiros, com prejuízos para os seus associados, sendo que, alguns destes já se manifestaram contra tal estado de coisas, o que, tudo, configura potenciais prejuízos quer para a requerida quer para, pelo menos, alguns dos seus associados.

Em suma, matéria que poderá configurar a existência de dano apreciável, para os fins em apreço.

Pelo que, face ao exposto, não poderá subsistir a decisão em análise, não sendo de indeferir liminarmente a petição inicial, impondo-se o prosseguimento dos autos, procedendo o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Custas, a fixar final.

Coimbra, 12 de Abril de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator)

Emídio Santos

Catarina Gonçalves

[1] Ou seja, este facto impeditivo da suspensão da deliberação social não exige, ao contrário do que sucede no procedimento cautelar comum (cfr. art. 368.º/2 do CPC), um excesso considerável entre o prejuízo decorrente da procedência da providência e aquele a que se pretende obviar, bastando que o prejuízo resultante da suspensão seja superior.

[2] Importa nunca perder de vista que a ponderação das consequências constitui um momento de argumentação jurídica, pelo menos para todos aqueles que entendem – e são hoje muitos – que a inferência jurídica não pode ficar alheia dos efeitos práticos da solução inferida.