Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3735/17.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIORIDADE DE PASSAGEM
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS483, 562, 566 CC, 29, 30 CE
Sumário: 1 - O critério estabelecido nos artigos 29.º e 30.º do Código da Estrada para saber quem goza de prioridade de passagem não é determinado pelo veículo que penetra em primeiro lugar na área de interceção das vias.

2.- O critério é o seguinte: um condutor deve ceder passagem quando se apresenta pela esquerda se existir a criação de um perigo de colisão com um veículo que se apresenta pela direita, se este mantiver a velocidade e a direção, caso o condutor que vem pela esquerda não abrande ou pare.

3. - O condutor que goza de prioridade de passagem, por se apresentar pela direita, não pode entrar na zona de interceção sem verificar se circula aí algum veículo com o qual possa colidir.

4. - Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstrato da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause, pelo menos, uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade.

Decisão Texto Integral:



I. Relatório

a) A autora P (…) instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de acidente de viação, contra a ré M (…) S.A., alegando, em síntese, que no dia 19.08.2016, pelas 18:50 horas, no entroncamento em que se intercetam a Rua do Pinhal e a Rua da Fonte Duro, em Regueira de Pontes, Leiria, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula DI (...), sua propriedade, e o veículo ligeiro de matrícula (...) GG, seguro na Ré, tendo aquele sido embatido pelo “GG” e o “DI” sofrido danos materiais, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante global de €7.942,48, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento.

A Ré contestou sustentando, em síntese, que a culpa pelo acidente dos autos se deveu ao condutor do veículo propriedade da Autora que não cedeu a prioridade ao veículo seguro, o qual se lhe apresentava pela direita, num local sem sinalização vertical ou outra.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

b) Sintetizando, a questão colocada ao tribunal pelas partes consistiu em saber se se provavam a favor da autora os factos relativos aos pressupostos da obrigação de indemnizar e, em caso afirmativo, se, com base no contrato de seguro, a Ré devia ser responsabilizada pela indemnização e respetivo montante.

c) Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e no final foi proferida decisão, com este dispositivo:

«I - Julgar a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenar a ré, M (…), S.A., a pagar à autora, P (…), a quantia global de €5.713,98 (cinco mil setecentos e treze euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 26.09.2017, sobre aquele montante, e nos vincendos, até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.--

II – Condenar a autora e a ré no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo vencimento, o qual se fixa para a primeira, em 28,1% e, para a segunda, em 71,9%».

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da ré Seguradora, cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) A autora contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

II. Objeto do recurso

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - Em primeiro lugar cumpre analisar as questões relativas à impugnação da matéria de facto, ou seja:

(I) Verificar se o «facto provado nº 8» deve ser considerado «não provado» ou, quanto muito, reescrito de forma mais consentânea com o facto n.º 23 e a inspeção judicial, nestes termos:

«O DI iniciou o atravessamento da dita intersecção, não sendo possível, devido à vegetação alta existente no local, visualizar a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro».

(II) Verificar se o «facto provado nº 12» deve ser excluído por não se traduzir num facto stricto sensu, mas sim, numa conclusão ou juízo de valor, quanto às causas do acidente.

(III) Verificar se o «facto provado n.º 13» contém evidente lapso de escrita, o qual dificulta ou torna dúbia a apreensão do seu exato sentido e se encerra uma aparente contradição com o teor do facto provado n.º 15, devendo aquele facto ser retificado nos seguintes moldes: «A viatura GG embateu com a sua parte frontal na frente lateral do veículo DI».

2 – Em segundo lugar, relativamente ao grau de culpa no acidente, cumpre verificar se a mesma deve ser atribuída em exclusivo ao condutor do veículo da Autora, porquanto devia ter cedido a prioridade de passagem ao veículo GG, que se apresentava pela sua direita no entroncamento, e, dada a visibilidade reduzida, ou mesmo, praticamente nula, para o seu lado direito, devido à vegetação alta existente no local, se devia ter reduzido significativamente a marcha ou mesmo parar antes de chegar ao entroncamento.

3 – Em terceiro lugar, se a questão não se mostrar prejudicada, cumpre verificar qual deverá ser o montante da indemnização tendo em consideração o apuramento de «culpas» que poderá resultar de eventual alteração da matéria de facto e da valorização relativa à privação de uso, porquanto a Autora não alegou nem provou, segundo a recorrente, quaisquer despesas ou prejuízos concretos, ou que utilidades que pretendia retirar do seu veículo e que se frustraram mercê da dita paralisação.

E bem, ainda se a atribuição um valor diário de paralisação de €40,00, violou o princípio que veda a condenação vertido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, porquanto excede o que foi pedido pela Autora.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

1 – Facto provado n.º 8.

A Recorrente pretende que o «facto provado nº 8» seja considerado «não provado» ou, quanto muito, reescrito de forma mais consentânea com o facto n.º 23 e a inspeção judicial, nestes termos: «O DI iniciou o atravessamento da dita intersecção, não sendo possível, devido à vegetação alta existente no local, visualizar a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro».

Na sentença, o facto provado n.º 8 tem esta redação:

«8. E porque nada o impedia, nem era visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro, o “DI” iniciou o atravessamento da dita intersecção».

Procede a impugnação da recorrente, pelas seguintes razões:

a) O embate entre os veículos ocorreu num entroncamento formado pelas estradas designadas como Rua da Fonte Duro (onde circulava o GG) e a Rua do Pinhal (onde circulava o DI).

Resultou provado no «facto provado n.º 23» que «A visibilidade era reduzida».

A visibilidade era reduzida para ambos os veículos, como resulta do facto provado n.º 23. E resulta da própria natureza da realidade física, que é a mesma para ambos os condutores, pelo que tendo «A» visibilidade reduzida em relação a «B», este também tem visibilidade reduzida em relação a «A».

b) A Ré impugna o facto provado n.º 8, mas a ideia expressa neste facto n.º 8 só se compreende na sequência do facto provado n.º 7 onde se afirma que «O condutor do veículo DI, ao aproximar-se da referida intersecção, abrandou a sua marcha e verificou se podia atravessar essa intersecção em segurança».

Afirma-se no facto provado n.º 7 que o condutor do DI, apesar da «visibilidade reduzida» inerente à geografia do local, «…verificou se podia atravessar essa intersecção em segurança», isto é, diz-se que o condutor do DI agiu de modo a certificar-se se vinha ou não vinha algum veículo a circular pela Rua da Fonte Duro, que ficava à sua direita.

E é então que no facto provado n.º 8 se afirma «E porque nada o impedia, nem era visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro, o “DI” iniciou o atravessamento da dita intersecção».

Ou seja, afirma-se que o condutor do DI agiu de modo a certificar-se se vinha ou não vinha algum veículo a circular pela Rua da Fonte Duro, que ficava à sua direita, e porque para ele não «… era visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro» iniciou o atravessamento da dita intersecção.

Ora, para esta afirmação corresponder à realidade tinha de se verificar esta situação:

O condutor do DI, antes de penetrar na área de interceção das duas vias, teve visibilidade e olhou efetivamente para a Rua da Fonte Duro em toda a sua largura e viu que não circulava nesta rua qualquer veículo.

Porém, como é sabido que existiu um embate entre o veículo DI e o veículo GG, no interior dessa interceção das vias, e este último circulava pela Rua da Fonte Duro, então tal embate só é explicável porque o veículo GG circulava na Rua da Fonte Duro e era visível para o condutor do DI quando este teve visibilidade para toda a largura daquela via, porque se o GG não fosse visível para este condutor isso significava que o GG ainda estava longe e, neste caso, não teria ocorrido qualquer embate porque o GG só chegaria ao local do embate depois do DI ter passado.

As 6 fotografias tiradas no local no âmbito da audiência de julgamento mostram o local.

Verifica-se pelas fotografias 4 e 5 que o condutor do veículo DI só podia ter visibilidade para a estrada da Rua da Fonte Duro, em toda a sua largura e extensão quando estivesse já na zona de interceção de ambas as vias ou muito próximo do limite dessa interceção.

O mesmo se verificando em relação ao condutor do veículo GG.

Ou seja, cada um dos condutores só podia ter visibilidade em relação à via que ia intercetar quando estivesse praticamente a iniciar a penetração na área intercetada, pelo que tinha de reduzir a velocidade até ficar bem próximo da imobilização.

Mas se esta factualidade tivesse acontecido não tinha ocorrido, por certo, o embate (salvo se provocado por algum equívoco, como, por exemplo, supondo ambos que tinham prioridade e que o outro a reconhecia, acabando ambos por avançar e embater; mas não foi este o caso).

Resulta do exposto, para efeitos de formação da convicção, que sendo um facto certo o embate e que este ocorreu na área delimitada pela interceção das duas vias, então não podem corresponder à realidade estas afirmações constantes dos factos provados:

(I) Que o condutor do DI «…ao aproximar-se da referida intersecção (…) verificou se podia atravessar essa intersecção em segurança»; e que

(II) Não era para ele «… visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro…».

Como resulta do já referido, se o condutor do DI tivesse estado em condições factuais de poder verificar se podia atravessar com segurança, isso teria implicado a sua quase imobilização ao chegar à linha de interceção das vias e tinha implicado ter tido visibilidade para a via situada à sua direita e visto o veículo GG a aproximar-se.

Pelo exposto, procede a alteração ao facto provado n.º 8, substituindo apenas na redação proposta a palavra «circulação» pela palavra «aproximação», pois verifica-se, designadamente pela fotografia n.º 4 já referida, que seria visível para o condutor do DI uma viatura que circulasse da Rua da Fonte Duro se esta estivesse nas imediações da linha de interceção das duas vias, mas não se viesse a circular alguns metros antes dessa linha.

O facto provado n.º 8 passará a ter esta redação:

«O DI iniciou o atravessamento da dita intersecção, não sendo possível, devido à vegetação alta existente no local, visualizar a aproximação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro».

Para não existir contradição com a nova redação do facto provado n.º 8, tem de eliminar-se do facto provado n.º 7 a parte relativa ao facto do condutor do DI «ter verificado» que não circulava qualquer veículo pela Rua da Fonte Duro.

Tal não significa que o condutor do CI não tenha olhado nessa direção, significa apenas que tendo olhado ou não tendo olhado, só era possível para ele «ter verificado» a circulação de veículos nessa outra via se praticamente se tivesse imobilizado ao chegar à área de interceção das duas vias, caso em que obrigatoriamente teria de ter visualizado a aproximação do GG.

O facto provado n.º 7 ficará então com esta redação:

«O condutor do veículo DI ao aproximar-se da referida intersecção abrandou a sua marcha, para atravessar essa intersecção em segurança».

2 – Facto provado n.º 12.

A recorrente pretende que o «facto provado nº 12» seja excluído por não traduzir num facto stricto sensu, mas sim, numa conclusão ou juízo de valor, quanto às causas do acidente.

O facto provado n.º 12 tem esta redação:

«O embate deu-se porque a condutora da viatura GG, ao se aproximar da intersecção, não abrandou a sua marcha, nem imobilizou a sua marcha antes de entrar na intersecção, na qual já se encontrava o DI».

Assiste em parte razão à recorrente, mas apenas na parte em que é formulado um juízo de atribuição de culpa à condutora do veículo GG, que é matéria de direito.

Subsiste a parte factual, que não é impugnada: a condutora da viatura GG, ao aproximar-se da intersecção, não abrandou a sua marcha, nem imobilizou a sua marcha antes de entrar na intersecção, na qual já se encontrava o DI».

Suprime-se, por isso, a apenas esta parte:

«O embate deu-se porque …».

3 – Facto provado n.º 13.

Cumpre verificar se o «facto provado n.º 13» contém lapso de escrita que dificulta ou torna dúbia a apreensão do seu exato sentido e se encerra uma aparente contradição com o teor do facto provado n.º 15, devendo aquele facto ser retificado nos seguintes moldes: «A viatura GG embateu com a sua parte frontal na frente lateral do veículo DI».

Procede esta alteração, por ser a que resulta de toda a dinâmica do embate e não ser controvertida.

Assim o facto provado n.º 13 terá esta redação:

«A viatura GG embateu com a sua parte frontal na frente lateral direita da viatura DI, a qual já se encontrava e circulava no interior da intersecção das duas vias».

4 – As alterações efetuadas implicam que se façam as correspondentes adaptações nos factos declarados não provados, para evitar eventuais incongruências factuais, designadamente:

No facto não provado da alínea «i» suprime-se «não», ficando com esta redação:

«i. que o condutor do DI tenha cedido a passagem ao veículo GG que se apresentava pela sua direita».

No facto não provado da alínea «j» suprime-se «sem se deter», ficando com esta redação:

«j. que o DI, sem abrandar a marcha, avança no cruzamento e, ato contínuo, o DI embate com a sua parte lateral direita na parte frontal direita do GG.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. No dia 19.08.2016, pelas 18:50 horas, na interceção entre a Rua do Pinhal e a Rua da Fonte Duro, freguesia de Regueira de Pontes, concelho e distrito de Leiria, ocorreu um embate entre dois veículos automóveis.

2. Foram intervenientes nesse embate o veículo ligeiro de matrícula DI (...), de marca Mitsubishi, modelo L 200, de cor preta, do ano de 2007, propriedade da autora, conduzido por P (…), marido da autora, e o veículo ligeiro de matrícula (...) GG, marca Mitsubishi, modelo L200, propriedade de C (…)

3. A viatura GG era conduzida por M (…).

4. A responsabilidade civil pela circulação do veículo GG encontrava-se transferida para a ré através da apólice n.º (...).

5. O veículo DI circulava na Rua do Pinhal e o veículo GG circulava na Rua da Fonte Duro;

6. Ambas as viaturas faziam-se deslocar nas respetivas vias, no sentido da intersecção entre a Rua do Pinhal e a Rua da Fonte Duro;

7. O condutor do veículo DI ao aproximar-se da referida intersecção abrandou a sua marcha, para atravessar essa intersecção em segurança.

8. O DI iniciou o atravessamento da dita intersecção não sendo possível, devido à vegetação alta existente no local, visualizar a aproximação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro.

9. Quando o DI já se encontrava no interior da intersecção, é embatido, ao longo da frente lateral direita, pela viatura GG.

10. O embate ocorreu no interior da dita intersecção.

11. A viatura GG fez-se entrar na referida intersecção quando a viatura DI já se encontrava a percorrê-la.

12. O embate deu-se porque a condutora da viatura GG, ao se aproximar da intersecção, não abrandou a sua marcha, nem imobilizou a sua marcha antes de entrar na intersecção, na qual já se encontrava o DI.

13. A viatura GG embateu com a sua parte frontal na frente lateral direita da viatura DI, a qual já se encontrava e circulava no interior da intersecção das duas vias.

14. M (…) conduzia a viatura GG a pedido do respetivo proprietário, C (...), que lhe havia pedido para que o acompanhasse à oficina, a fim de aí recolher o veículo GG que acabara de ser reparado.

15. Em virtude do embate acima referido, a viatura DI sofreu danos na sua frente lateral direita.

16. A autora ordenou a reparação dos danos do DI na oficina V (…), Lda. que consistiu na substituição das respetivas peças, tais como farol, pisca, guarda-lama, pala, porta, dobradiça, kit de fixação, borracha, suporte estribo, jante, material de pintura, bem como na mão de obra de chapa, mão de obra mecânica, alinhamento de direção.

17. A reparação do DI importou para a autora o dispêndio da quantia de €5.942,48.

18. Durante o tempo em que a viatura DI se encontrou a reparar, a autora ficou privada de a utilizar.

19. A ré declinou a sua responsabilidade na produção do acidente mediante carta datada de 21.09.2016, num total de 33 dias desde a data indicada no ponto.

20. A viatura DI encontrou-se na oficina em trabalhos de reparação durante, pelo menos, 30 dias.

21. A autora empregava o DI diariamente nos seus afazeres pessoais, familiares e profissionais e não dispunha de outro veículo.

22. O traçado da via é ligeiramente curvo e plano.

23. A visibilidade era reduzida.

24. No dia, hora e local do embate o veículo GG circulava em direção à referida intersecção, pela Rua do Fonte Duro, sendo sua pretensão mudar de direção à esquerda.

25. O veículo DI circulava pela Rua do Pinhal (sentido Regueira de Pontes-Milagres), igualmente em direção à dita intersecção.

26. No sentido de circulação do DI a Rua do Fonte Duro situa-se do respetivo lado direito

27. O veículo DI, no momento do embate, era conduzido por Pedro Silva Santos, no interesse e sob a direção da autora.

28. No dia acima indicado no ponto 1 não existia nas duas vias em apreço qualquer sinal vertical ou outro tipo de sinalização rodoviária nas duas vias em apreço.

29. A autora não recorreu a um veículo de aluguer.

30. Na Rua Fonte Duro, onde o veículo GG se fazia circular, e imediatamente antes do entroncamento, encontrava-se, antes da data de 19.08.2016, a sinalização vertical de STOP (sinal tipo B2).

2. Matéria de facto – Factos não provados

a. que o veículo GG fosse conduzido, no dia indicado supra no ponto 1 dos factos provados, por C (…).

b. que a visibilidade do local supra indicado fosse boa.

c. que não chovia mas o piso encontrava-se molhado e sujo com terra e areias, devido à circulação de máquinas agrícolas que aí se fazia nos terrenos circundantes.

d. que a condutora do GG conhecia o entroncamento em questão, bem como a existência da sinalização STOP na rua em que se fazia circular.

e. que após a data do embate a autora e o seu marido tiveram de alterar o seu quotidiano, as suas vidas e os seus afazeres, outros tiveram de adiar e outros deixaram mesmo de realizar e que outras vezes socorreram-se de boleias de familiares e de amigos, ou mesmo ao serviço de táxi.

f. que segundos mais tarde, o veículo DI abeira-se do cruzamento e o seu condutor não toma quaisquer precauções e, designadamente, não atenta no veículo, que se apresentava na intersecção de vias, pela sua direita e que entrava no cruzamento.

g. que o período de reparação do DI tenha sido de 6 dias úteis.

h. que no circunstancialismo supra referido no ponto 12, o condutor do DI já tivesse percorrido mais de metade da distância da zona da intersecção em causa.

i. que o condutor do DI tenha cedido a passagem ao veículo GG que se apresentava pela sua direita.

j. que o DI, sem abrandar a marcha, avança no cruzamento e, ato contínuo, o DI embate com a sua parte lateral direita na parte frontal direita do GG.

k. que a viatura DI tenha permanecido na oficina em trabalhos de reparação durante 60 dias.

l. que o veículo GG, ao chegar à intersecção, tenha abrandado a sua marcha, tendo o seu condutor verificado, então, que não surgia qualquer veículo, quer da sua esquerda, quer da sua direita.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 – A primeira consiste em estabelecer a culpa quanto ao acidente.

Nos termos do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Nas palavras de Antunes Varela, «Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo» ([1]).

Ainda segundo o mesmo autor, no âmbito da negligência cabem, em primeiro lugar, os casos «…em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar» (negligência consciente), assim como se compreendem os casos «…em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» (negligência inconsciente) ([2]).

A negligência consiste, por conseguinte, na omissão de um dever de cuidado pedido pela lei e pelas circunstâncias do caso, dever este que, caso tivesse sido observado teria, na prática, obstado à produção do evento.

Cumpre, portanto, averiguar se algum dos intervenientes omitiu algum dever de cuidado que, no caso, uma vez observado, teria evitado o embate.

Vejamos, pois, se a culpa quanto à ocorrência do acidente deve ser atribuída em exclusivo ao condutor do veículo propriedade da Autora, como pretende a Ré, porquanto devia ter reduzido significativamente a marcha, ou mesmo parar, antes de chegar ao entroncamento, dada a visibilidade reduzida, ou mesmo, praticamente nula, para o seu lado direito, devido à vegetação alta existente no local, pois devia ceder a passagem a qualquer veículo que se apresentasse pela sua direita no entroncamento, como era o caso do veículo GG.

A alteração dos factos, resultante da impugnação da matéria de facto formulada pela Ré, implica alteração da solução jurídica do caso, pois resulta dos mesmos que o condutor do veículo DI se aproximou de uma via situada à sua direita, para a qual não tinha visibilidade, salvo ao chegar à respetiva área de interceção das vias, e avançou sem verificar que circulava nessa via outro veículo com o qual veio a embater.

No caso, o embate ocorreu na zona de interceção das duas vias, num entroncamento onde a visibilidade para ambos os condutores era reduzida, pois, como já se referiu acima, só quando os veículos estavam a entrar na zona de interceção das duas vias é que começavam a ter visibilidade para a outra via em toda a sua largura,

Ou seja, eram obrigados, ambos, a praticamente imobilizar os seus veículos para verificarem se vinha outro veículo a circular na outra via.

Nestes casos, o artigo 30.º do Código da Estrada determina que «Nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita», salvo se existir sinalização a determinar outro modo de proceder.

No caso, relativamente à estrada por onde circulava o GG, não existia sinalização, muito embora tenha existido anteriormente sinalização vertical ostentando um sinal «STOP».

Mas na data do acidente não existia.

Verifica-se, por isso, que o condutor do veículo DI estava onerado com a obrigação de ceder passagem ao condutor do veículo GG.

Nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 29.º (Princípio geral), do mesmo código, «1. O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste.

2 - O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito».

Verifica-se, por conseguinte, que o condutor do veículo DI estava onerado com o dever de «abrandar a marcha, se necessário parar (…), por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste».

E o condutor do veículo GG estava onerado com o dever de «… observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito».

Um parêntesis.

Como os acidentes de viação são dinâmicos, para imputar a produção do acidente a um qualquer veículo ou peão envolvidos, é, em regra, necessário conhecer, com a exatidão possível nas circunstâncias de cada caso, a posição relativa dos diversos intervenientes e a evolução dessas posições nos momentos que precederam o embate.

Se se tratar de um embate entre dois veículos, as partes devem alegar a distância que separava os veículos entre si quando se tornaram mutuamente visíveis aos respetivos condutores; se algum deles estava imobilizado, deve alegar-se a que distância ficou visível para o condutor que seguia em movimento; se se trata de um peão, cumpre alegar a que distância se encontrava o veículo quando, por exemplo, o peão iniciou a travessia da via e ficou visível para o condutor, etc.

De igual modo, deve indicar-se a velocidade dos veículos ou o tipo de marcha do peão (lenta, normal, apressada, corrida ou outros termos mais apropriados para descrever a realidade).

Estes factos são importantes porque é face a eles que o tribunal poderá averiguar se algum dos condutores (ou peão) vinha a infringir algum dever estradal e que tempo teve cada um dos intervenientes para adotar a conduta devida e adequada a evitar o embate, tendo em conta a distância de visibilidade e a velocidade a que cada interveniente seguia.

O caso dos autos pode, porém, ser solucionado apesar de faltarem estes elementos.

Continuando.

Vejamos, pois, se o condutor do veículo DI estava de facto onerado com o dever de ceder passagem.

Como se refere na sentença, «…o direito de prioridade de passagem não é um direito absoluto, mas um direito relativo, o que significa que pode ter de ceder perante outras circunstâncias que o caso concreto impuser.

Ou seja, o direito de prioridade de passagem, não sendo um direito absoluto, pressupõe por parte do condutor que dele goza a adoção de precauções indispensáveis em ordem a evitar acidentes, de modo que tal direito só pode ser afirmado e aplicado em toda a sua plenitude quando ambos os veículos cheguem ao mesmo tempo ao ponto de interceção das duas vias» ([3]).

Na sentença entendeu-se que não existiu chegada à área de interceção da vias «ao mesmo tempo».

Considerou-se que «…pese embora o “GG” se apresentasse pelo lado direito do “DI”, este já se encontrava a percorrer a via, sensivelmente a meio da intersecção (entroncamento) entre as vias compostas pela Rua da Fonte Duro (por onde seguia o “GG”) e pela Rua do Pinhal (por onde seguia o “DI”), quando foi embatido pelo “GG”…».

Não se afigura que esta descrição corresponda exatamente à realidade.

Por um lado, não é determinante, para saber quem goza de prioridade de passagem ou quem a perde se a tinha, saber quem penetra em primeiro lugar na área de interceção das vias.

Não é este o critério estabelecido nos artigos 29.º e 30.º do Código da Estrada como se verá.

E, por outro, o facto de ambos os veículos terem embatido um no outro mostra que «chegaram ao mesmo tempo».

Com efeito, quando o artigo 29.º do Código da Estrada dispõe que o condutor que se apresenta pela esquerda deve «abrandar a marcha, se necessário parar (…), por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste», isso quer dizer, em primeiro lugar, que o condutor que se apresenta pela esquerda deve abrandar a marcha (e parar se for necessário), o que implica proibição de acelerar a marcha; em segundo lugar, deve certificar-se se vem algum veículo pela direita a aproximar-se e se, sendo o caso, se continuar a marcha (à mesma velocidade, pois não deve acelerar a marcha), gerará um perigo ou incrementará o perigo de colisão com o outro veículo, caso este mantenha a respetiva velocidade e direção.

Por conseguinte, a situação factual «chegar ao mesmo tempo» à área de interceção das duas vias, afasta a hipótese de poder ocorrer uma «corrida» entre condutores, de modo a um deles conseguir entrar em primeiro lugar na área de interceção das vias, para assim impedir o outro de gozar de prioridade de passagem, se a tinha, ou a dar prioridade de passagem de facto a quem não a tinha.

«Chegar ao mesmo tempo» significa, que, cumprindo as regras do Código da Estrada, que impõem redução de velocidade, um condutor estando em condições factuais de avistar o outro, gerará ou incrementará um risco de colisão com ele se continuar a marcha à mesma velocidade e o outro condutor também.

Não é, pois, determinante para saber quem goza de prioridade de passagem ou quem a perde se a tinha, saber quem penetra em primeiro lugar na área de interceção das vias.

O critério estabelecido nos artigos 29.º e 30.º do Código da Estrada para saber quem goza de prioridade de passagem não é determinado pelo veículo que penetra em primeiro lugar na área de interceção das vias.

O critério é este: um condutor deve ceder passagem quando se apresenta pela esquerda, se existir a criação de um perigo de colisão com um veículo que se apresenta pela direita, se este mantiver a velocidade e a direção, caso o condutor que vem pela esquerda não abrande ou pare.

Por conseguinte, sendo certo que consta dos factos provados que o condutor do veículo DI, que se apresentava pela esquerda, já tinha entrado na área de interceção das vias quando o condutor do GG aí entrou, também é certo que o embate ocorreu na área de interceção, o que revela necessariamente que o condutor do DI não cumpriu a regra de ceder a passagem.

Vejamos melhor.

Como já se referiu acima, quando o condutor do DI se aproximou do entroncamento não tinha visibilidade para a via da direita, não podendo verificar se aí circulava, em aproximação, qualquer veículo, como era o caso do GG.

Por conseguinte, face às normas acabadas de invocar, o condutor do veículo DI tinha de abrandar a marcha e aproximar-se lentamente da zona de interceção das vias e «espreitar» para a direita, para verificar se «vinha lá» algum veículo.

Se tivesse procedido deste modo, teria verificado que circulava pela sua direita o veículo GG, pelo que o condutor do DI teria abrandado mais, ou mesmo parado, para permitir a passagem daquele (salvo se pudesse passar sem risco de colisão).

Não foi isto o que ocorreu, pois se tal tivesse ocorrido não teria existido o embate que ficou descrito nos factos provados.

Tem, pois, de se concluir que o condutor do DI estava obrigado a ceder passagem ao veículo GG e não procedeu em conformidade.

É responsável pela produção do acidente.

Cumpre agora verificar se o condutor do veículo GG também infringiu o dever mencionado no n.º 2 do artigo 29.º do Código da Estrada, onde se dispõe que «O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito».

A resposta é afirmativa.

Com efeito, a condutora do GG não tinha visibilidade para a sua esquerda a não ser quando se encontrasse a entrar na zona de interceção das vias.

Ora, numa situação como esta, mesmo gozando de prioridade de passagem, um condutor não pode entrar na zona de interceção sem verificar se circula aí algum veículo com o qual possa colidir.

Coloque-se a hipótese de no lugar do veículo DI se encontrar um veículo prioritário abrangido pelo disposto no artigo 64.º (Trânsito de veículos em serviço de urgência) do Código da Estrada, cujo n.º 1, dispõe que «Os condutores de veículos que transitem em missão de polícia, de prestação de socorro, de segurança prisional ou de serviço urgente de interesse público assinalando adequadamente a sua marcha podem, quando a sua missão o exigir, deixar de observar as regras e os sinais de trânsito, mas devem respeitar as ordens dos agentes reguladores do trânsito».

Verifica-se, por conseguinte, que nas circunstâncias factuais em que ocorreu o embate, a condutora do veículo GG devia ter abrandado a marcha a penetrar lentamente na zona de interceção e verificar se podia avançar sem perigo de colisão.

Tal dever era ainda reforçado pelo traçado das vias, pois a via por onde circulava o DI seguia em traçado reto, sendo que a via por onde circulava o veículo GG entroncava naquela.

Por isso, em tempos anteriores, existiu um sinal STOP dirigido a quem circulava nas condições em que circulava o veículo GG.

A condutora do GG não cumpriu tal dever, pois, se assim tivesse procedido, certamente teria evitado o embate.

Concluiu-se, pois, que ambos os condutores agiram com culpa.

Coloca-se agora a questão da comparação do maior ou menor contributo da culpa de cada condutor para a ocorrência do sinistro.
Nas circunstâncias factuais do caso, ambos os condutores tinham o dever geral de entrar na zona de interceção a reduzida velocidade,
Nesta primeira aproximação seria de repartir culpas em igual proporção.
Mas como sobre o condutor do DI residia ainda o dever de ceder passagem a quem se apresentava pela direita, a culpa deste é mais elevada.
Fixa-se, por isso, o grau de culpa para o condutor do DI em 75% e para a condutora do GG em 25%.

3 – Em terceiro lugar, cumpre fixar a indemnização.

Provou-se que o valor do dano ocasionado no veículo DI é de €5.942,48, quantia necessária à sua reparação.

A Ré é apensa responsável por 25% desta quantia, ou seja, €1485,62.

Quanto à indemnização pela privação de uso.

A Ré argumenta que não é devida qualquer indemnização porquanto a Autora não alegou nem provou quaisquer despesas ou prejuízos concretos, ou que utilidades que pretendia retirar do seu veículo e que se frustraram mercê da dita paralisação.

Como se ponderou já no acórdão proferido no processo n.º 86/10.0T2SVV, (relatado pelo ora relator), «Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstrato da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade».
Ou seja, como se referiu no mencionado acórdão:
«…quando alguém é privado de um automóvel, que usava, existe na generalidade dos casos um dano, na medida em que se trata de um bem que satisfazia várias e mutáveis necessidades quotidianas do seu proprietário, familiares ou amigos, principalmente as relativas à circulação da pessoa entre locais, às resultantes da sua utilização numa atividade comercial ou de qualquer outro tipo.
Por outro lado, cumpre referir que os bens que o sujeito tem ao seu serviço desempenham um papel articulado com outros bens e outras necessidades na sua vida quotidiana.
Sendo assim, a privação de um bem que servia para satisfazer uma certa necessidade pode refletir-se e afetar outras necessidades em outras áreas do quotidiano da mesma pessoa, devido ao facto das diversas facetas da sua vida estarem interligadas e polarizadas no sector de recursos humanos ou materiais que estavam afetados à satisfação de outras necessidades, rompendo o equilíbrio existente.
Desta forma, só em casos excecionais é que a privação do uso de um veículo não será indiferente para a satisfação das mesmas necessidades que o sujeito satisfazia, ao tempo da lesão, usando-o.
Seria o caso de alguém ter à sua disposição diversos veículos semelhantes e apenas necessitar de um deles para satisfazer as suas necessidades. A privação do uso de uma dessas unidades não geraria um dano, pois tudo se passava como se a ausência do veículo lesionado ocupasse o lugar de um daqueles que estava permanentemente fora de uso.
Não ocorre dano neste caso porque o grau de satisfação da totalidade das necessidades da pessoa não sofre qualquer diminuição, mantendo-se sempre o mesmo, inalterado.
Mas não é este o caso dos autos, pois resulta dos factos provados que a Autora apenas possuía o veículo sinistrado e o utilizava para satisfazer as necessidades relativas à sua deslocação e dos elementos do agregado familiar.
Há, pois, um dano indemnizável.

Quanto à respetiva indemnização.

Continuando com a linha de raciocínio seguida no acórdão citado, a questão é de difícil solução na medida em que a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil), que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização, não é operacional nestes casos.

Com efeito, se a privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, não temos valores para calcular a diferença, muito embora saibamos que há um dano e que este tem de ser indemnizado.

Um critério pode passar pela averiguação do preço do aluguer que o bem lesionado tem no mercado.

No caso de um veículo automóvel o valor de uso corresponderá ao valor médio do aluguer de um veículo semelhante em empresas do ramo.

Porém, este critério não é exato, pois o prejuízo resultante da privação de uso de um veículo próprio não é igual ao valor do aluguer de um veículo semelhante que uma empresa comercial disponibiliza a quem o queira alugar.

Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.

Conseguir-se-ia, assim, encontrar um valor diário representativo do preço que o proprietário, na veste do bonus pater familias, considerou ser adequado despender para ter ao seu serviço diário, durante todo o período, a vantagem proporcionada por aquele bem ([4]), independentemente do uso mais ou menos intensivo dado ao veículo.

Ora, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).

O valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, superior ao valor de uso digamos, doméstico e dai que não se mostre adequado, salvo se corrigido.

  Paulo Mota Pinto propõe o seguinte critério: «Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” – bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)» ([5]).

Claro que para usar estes mecanismos as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão.

Se as partes não oferecem os factos, como é o caso dos autos, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois o tribunal tem de se cingir aos factos articulados pelas partes e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa.

Porém, se o tribunal não dispuser de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação atual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre poderá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, onde se dispõe que «Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» ([6]).

Nesta linha de ponderação, retomando a ideia mencionada supra, verifica-se que não há factos que permitam aferir o valor do investimento feito pela autora na aquisição e manutenção do veículo.

Na posse deste valor, necessariamente aproximado, poderia o mesmo ser fracionado em dias de utilização considerando o período médio de vida do automóvel, multiplicando-se, depois, o valor encontrado por dia de utilização pelo número de dias de paralisação.

Tendo em conta a inexistência de factos pertinentes à ponderação em causa, cumpre decidir de acordo com a factualidade disponível, pelo que se afigura adequada a quantia de €10,00 diários a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfazia as necessidades básicas diárias da autora.

A título de exemplo, pode verificar-se que no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF, o valor considerado foi de €10,00 euros diários; no acórdão da Relação do Porto de 7 de Setembro de 2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR, considerou-se também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação; no acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2010, no processo n.º 27/08.4TBVLF, foi fixada a quantia de €8,00 por dia de privação (ver em www.dgsi.pt).

Deste modo os 30 dias de paralisação correspondem a €300,00, sendo a Ré responsável por €75,00.

Acrescem os juros nos termos que resultam da sentença.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

1 – Revoga-se em parte a sentença fixando-se a indemnização devida pela Ré à Autora em €1.561,62 (mil, quinhentos e sessenta e um euros e sessenta e dois cêntimos) e juros nos termos definidos da sentença recorrida.

2 – Custas pela Ré na proporção do vencimento e decaimento.


*

Coimbra, 15 de janeiro de 2019

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo


[1] Antunes Varela. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3.ª Edição. Coimbra: Almedina, 1980, pág. 451.

[2] Ob. cit., pág. 463.

[3]  Ou em igualdade de circunstâncias como se ponderou no acórdão do STJ de 16-3-2011, no processo 1879/03.0TBACB (Helder Roque) onde se referiu que «… a situação da prioridade de passagem pressupõe que os veículos se encontram, em igualdade de circunstâncias, ou seja, que ambos chegam, simultaneamente, a um local de confluência de vias…».
[4] Exemplo – Para um veículo que tivesse custado €25 000,00 euros e estimando um período de vida de 10 anos, somando as despesas com revisões, reparações e seguros durante esses 10 anos, que se calculam em ¼ relativamente ao preço de compra, teríamos um valor diário de €8,56 euros [(€25 000,00 + €6 250,00) : (365 x10)]. Se o preço de compra tivesse sido de €40 000,00 euros o valor subiria para €13,70 euros; se tivesse sido de €60 000,00 euros subiria para €20,55 euros, etc.
[5] Ob. cit., pág. 592, nota 1699.
[6] «A avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adotado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC» - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já citado, de 03 de Maio de 2011.