Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
478/17.3T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CASO JULGADO – PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO: SUA DERROGAÇÃO.
AÇÃO OFICIOSA DE INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE E/OU DE PATERNIDADE. RECURSO DE REVISÃO.
INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTºS 577º
AL. I) E 697º
Nº 2 DO NCPC.
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 1813º E 1868º C. CIVIL; 772º, Nº 2 DO CPC (ARTº 697º, Nº2 DO NCPC)
Sumário: I – Em determinadas situações a imposição do caso julgado pode acarretar uma compressão intolerável, ou excessiva, de direitos com particular proteção constitucional, pelo que o legislador ordinário previu casos em que, constatado determinado circunstancialismo, não vigora o princípio da intangibilidade do caso julgado.
II - Um desses casos é, precisamente, o que está previsto no artº 1813º do CC, para a ação oficiosa de investigação (da maternidade ou, “ex vi” do artº 1868º do mesmo código, da paternidade).
III - Esta previsão – excepcional, já se vê – não se aplica, com o abono de jurisprudência e de doutrina nesse sentido, aos casos – como ocorre aqui - em que a ação anterior, não foi uma ação oficiosa.
IV - Outro desses casos é o do recurso de revisão, onde, ainda assim, no âmbito do pretérito CPC se suscitava a questão – que dividiu em tempos os entendimentos expresso pelos Conselheiros do Tribunal Constitucional – da (in)constitucionalidade do prazo de cinco anos, previsto, sem exceção, no artº 772.º, n.º 2, para interpor esse recurso.
V - O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 680/2015, de 10/12/2015, decidiu não julgar inconstitucional essa norma, “... na parte em que estabelece um prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão, com o sentido de «excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal»”, se bem que esse Acórdão contou com a declaração de voto do Exmo. Cons. Lino Rodrigues Ribeiro e com a declaração de voto de vencida da Exma. Cons. Catarina Sarmento e Castro, ambos pugnando pela inconstitucionalidade da norma.
VI - A questão, v.g., quanto às decisões proferidas em ações de investigação de paternidade deixou de se colocar no âmbito do NCPC, pois que a norma correspondente ao referido artº 772.º, n.º2 - o artº 697º, nº2 – embora estabelecendo que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, ressalva as decisões que respeitarem a direitos de personalidade.
VII - Não fossem reconhecidos, pelo legislador, os efeitos do caso julgado nas ações de investigação não oficiosa (de maternidade ou de paternidade), não teria o mesmo estabelecido a previsão excepcional consagrada no artº 1813º do CC, ou a referida salvaguarda no nº 2 do artº 697º do NCPC.
VIII - No Processo Civil o ataque dirigido pela parte a uma decisão judicial transitada em julgado só pode efetuar-se através do recurso extraordinário de revisão – artigo 771.º do Código de Processo Civil - que, com base nos fundamentos aí previstos, permita afastar a vinculatividade do caso julgado.
IX - Não é possível, no nosso ordenamento jurídico, à parte que se pretende eximir aos efeitos decorrentes de sentença transitada desconsiderá-los através da mera proposição de ação objectiva e subjectivamente idêntica à já definitivamente julgada - criando a parte, por essa via procedimental, de forma anómala, duas sentenças eventualmente contraditórias sobre a mesma relação controvertida -, sem previamente curar de atacar, pelo meio especificamente adequado, o dito valor de caso julgado.
X - Não se deteta a inconstitucionalidade da norma da alínea i) do artigo 577º do NCPC, por violação do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26º da CRP.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de CoimbraSegue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.:
I - A) – F…, nascido em 05/12/1957, filho de D…, intentou, em 7/2/2017, a presente acção contra M…, pedindo que, na procedência da acção, seja declarado que é filho do réu, ordenando-se o correspondente averbamento no seu assento de nascimento.
«[…] Alegou, para tanto e em suma, que nasceu em consequência de relações sexuais com cópula completa que a sua mãe, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, estabeleceu com o réu, no contexto da relação amorosa que mantinham.
2. Regulamente citado, o réu contestou, defendendo-se por excepção e impugnação. Recordou que o autor, em 1969, nessa altura representado pelo Ministério Público, intentou contra o réu uma acção também para reconhecimento da paternidade e com base nos mesmos factos, a qual foi julgada improcedente, por não provada, por sentença já transitada em julgado, para afirmar que, existindo identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir entre as duas acções, estão preenchidos os requisitos do caso julgado.
Excepcionou a caducidade do direito de o autor investigar a paternidade por ter intentado a presente acção decorridos mais de 10 anos desde a sua maioridade e não se verificar nenhuma das circunstâncias que, nos termos do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil, poderiam alargar o prazo para a sua propositura.
Refutou a exclusividade do relacionamento sexual entre a mãe do autor e o réu no período legal de concepção.
Por fim, sustentou que, caso o autor, na procedência da acção, venha a ser reconhecido como filho do réu, o mesmo deverá ser excluído dos efeitos patrimoniais de tal declaração, designadamente do direito a quinhoar na herança do réu, por agir em manifesto abuso de direito.
3. O autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.
Para tanto, invocou, por um lado, o disposto no artigo 1813.º do Código Civil, aplicável, no seu entender, não só às acções oficiosas de investigação de paternidade, mas também às intentadas pelo Ministério Público em representação do menor, bem como a prevalência do direito, constitucionalmente consagrado, à identidade pessoal, na sua dimensão de conhecimento da ascendência biológica, sobre o princípio da intangibilidade do caso julgado e, por outro, a inconstitucionalidade do prazo de investigação previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01.04.
Terminou negando ter agido com abuso de direito.[…]» Transcrição do relatório da sentença ora sob recurso..
B) – Em saneador-sentença proferido em 22/06/2017, o Juízo de Família e Menores de Pombal (Juiz 2), da Comarca de Leiria, declarando verificada a excepção dilatória do caso julgado, prevista na alínea i) do artigo 577.º do (novo) Código de Processo Civil Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e que se designará como “NCPC”, só se usando a sigla “CPC” para referir o código pretérito, ou, excepcionalmente, nos casos em que transcrevemos texto onde essa sigla foi já utilizada para identificar o novo Código de Processo Civil., absolveu o réu da instância, nos termos dos artigos 576.º, nºs 1, e 2, 577.º, alínea i), e 578.º, todos desse mesmo código.
C) - Desta sentença apelou o Autor, que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as seguintes conclusões:

O Réu, respondendo à alegação de recurso, pugnou pela improcedência do mesmo e pela manutenção da sentença ora impugnada.
C) - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6. (doravante, NCPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes” Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais do STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”. e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, o que cumpre saber é se foi correcto julgar procedente a excepção do caso julgado e, por via disso, absolver o Réu da instância.
II - Fundamentação:
A) - Na sentença sob recurso considerou-se o seguinte, em termos de matéria de facto:
«Com interesse para a apreciação da excepção, está provado, com base na certidão junta a fls. 75-83 e na consulta destes autos, o seguinte:
1. No dia 05.12.1957 nasceu o autor, F…, em cujo assento de nascimento consta apenas a indicação de que é filho de D…, solteira, e a avoenga materna a favor de J… e M…, sem menção da paternidade e avoenga paterna.
2. O Ministério Público, em representação do aqui autor, então menor, instaurou contra o ora réu, M…, acção de investigação de paternidade, pedindo que o primeiro fosse reconhecido como filho do segundo, com fundamento no relacionamento sexual deste com a mãe daquele no período legal de concepção.
3. A acção referida em 2, a que correspondeu o Processo n.º … do então Juízo da 1.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi julgada improcedente, porque não provada, e o réu foi absolvido do pedido, por sentença proferida em 02.12.1969, já transitada em julgado.
4. Na presente acção, o autor invoca, como fundamento do pedido do seu reconhecimento como filho do réu, a prática de relações sexuais da sua mãe com este, no período legal de concepção, no contexto da relação amorosa que mantinham.».
B) - Na óptica do Apelante - que não coloca em causa, no recurso, a existência da tríplice identidade prevista no artº 581º do NCPC -, não se pode invocar o caso julgado para obstar, “in casu”, ao prosseguimento da acção, pois que, desde logo, se deve entender extensível à acção de reconhecimento de paternidade instaurada pelo Ministério Público, em representação do menor, pretenso filho, o que (“ex vi” do artº 1868º do Código Civil) está previsto no artº 1813º do CC para a acção oficiosa de investigação de paternidade, até porque, o entendimento contrário a esse viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa,
Por outro lado, o princípio da intangibilidade do caso julgado, fundado nos valores da certeza e segurança jurídicas, deve ceder passo, no caso das acções de investigação da paternidade, ao respeito pela verdade biológica, ao conhecimento/reconhecimento da paternidade, em suma, ao direito fundamental à identidade pessoal consagrado no n.º 1 do artigo 26º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
Finalmente, defende o Apelante que a interpretação feita pelo Tribunal “a quo” de que o disposto na alínea i) do artigo 577º do NCPC, ou seja, a excepção do caso julgado abrange as acções de investigação de paternidade é inconstitucional por violação do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26º da Constituição da Republica Portuguesa e o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa.
Adiante-se já que na sentença recorrida, com fundamentação exaustiva, diga-se, confortando-se na jurisprudência e na doutrina que aí se cita, as questões que se suscitavam foram solucionadas acertadamente, sendo correcto o entendimento que aí se expressou, designadamente, quanto:
- À verificação da tríplice identidade exigida pelo artº 581º do NCPC e à consequente conclusão pela existência de caso julgado formado pela anterior acção intentada com o mesmo escopo daquela que presentemente cuidamos;
- À inaplicabilidade da previsão do artº 1813º do Código Civil – que constitui uma excepção ao princípio da intangibilidade do caso julgado -, quando a acção anterior que improcedeu, não seja aquela que se refere nessa norma (aplicável “ex vi” do artº 1868º do CC), ou seja, uma acção oficiosa de investigação de paternidade, mas antes, como aqui sucedeu, uma acção de investigação de paternidade, comum ou facultativa, intentada em representação do ora Apelante, então menor, pelo Ministério Público;
- À explicação da diferença entre as situações que se deparam nos dois casos acima assinalados – acção oficiosa e acção de investigação de paternidade, comum ou facultativa – e que justifica, que, sem infracção de normas ou princípios constitucionais, a solução legal, para o caso da acção oficiosa, decorrente da aplicação do estabelecido no citado artº 1813º, não seja extensiva ao caso em que a acção anterior é uma acção comum ou facultativa (não oficiosa) de investigação de paternidade;
- À justificação que leva a entender, que, no caso, a não derrogação da intangibilidade do caso julgado formado pela acção anterior (comum, ou facultativa), de investigação da paternidade têm como epílogo, sem não violação das normas ou os princípios constitucionais invocados pelo Autor, a absolvição do Réu da instância, como consequência normal da verificação da excepção do caso julgado.
Ora, perfilhando nós o entendimento expresso na sentença, quer quanto às soluções aí encontradas para as questões que se suscitavam, quer quanto aos fundamentos que conduziram a essas soluções, limitar-nos-emos a remeter para essa decisão a fundamentação da nossa concordância relativamente à absolvição do Réu da instância aí decidida, com o acréscimo, em jeito de “obiter dictum”, quanto a um ou outro ponto, que reforçará, a nosso ver, o entendimento seguido pelo Tribunal “a quo”.
Não podemos perder de vista o que pretende o Autor com a presente acção e aquilo que fundamenta (para além da aplicabilidade do disposto no artº 1813º) a respectiva interposição.
Diz o Apelante: “A acção instaurada pelo Ministério Publico foi julgada improcedente devido ao facto de não ter sido dado como provado que o Recorrido fosse o pai do Recorrente.”
“Nesse processo nunca foi feito qualquer teste sanguíneo, nem qualquer teste científico para apuramento da paternidade.”.
Agora, com a presente acção, pretende o autor obter o seu reconhecimento como filho do réu, recorrendo a prova (exame de ADN) que na anterior acção o estado da ciência não possibilitava, e, assim, dar expressão ao seu direito fundamental à identidade pessoal.
O que o Autor defende no fundo, é que, tendo perdido a anterior acção, por falta de prova, há agora novos meios de prova de que então não podia dispor e que, caso lhe sejam favoráveis, podem reverter o resultado daquela acção e permitir ser judicialmente reconhecido como filho do réu, concretizando, assim, o seu direito à identidade pessoal consagrado no n.º 1 do artigo 26º da CRP, direito este que deve prevalecer sobre o princípio da intangibilidade do caso julgado.
Ora, uma vez que em determinadas situações, a imposição do caso julgado pode acarretar uma compressão intolerável, ou excessiva, de direitos com particular protecção constitucional, o legislador ordinário previu casos em que, constatado determinado circunstancialismo, não vigora o princípio da intangibilidade do caso julgado.
Um desses casos, é, precisamente, o que está previsto no artº 1813º do CC, para a acção oficiosa de investigação (da maternidade ou, “ex vi” do artº 1868º do mesmo código, da paternidade).
Esta previsão – excepcional, já se vê – não se aplica, como se disse, na sentença com o abono de jurisprudência e de doutrina nesse sentido, aos casos – como ocorre aqui - em que a acção anterior, não foi uma acção oficiosa.
Outro desses casos é o do recurso de revisão, onde, ainda assim, no âmbito do pretérito CPC, se suscitava a questão – que dividiu em tempos os entendimentos expresso pelos Conselheiros do Tribunal Constitucional – da (in)constitucionalidade do prazo de cinco anos, previsto, sem excepção, no artº 772.º, n.º 2, para interpor esse recurso.
O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 680/2015, de 10/12/2015, Diário da República n.º 82/2016, Série II de 2016-04-28. decidiu que, não julgar inconstitucional essa norma, “...na parte em que estabelece um prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão, com o sentido de «excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal»”, se bem que esse Acórdão contou com a declaração de voto do Exmo. Cons. Lino Rodrigues Ribeiro e com a declaração de voto de vencida da Exma. Cons. Catarina Sarmento e Castro, ambos pugnando pela inconstitucionalidade da norma.
A questão, v.g., quanto às decisões proferidas em acções de investigação de paternidade, deixou de se colocar no âmbito do NCPC, pois que a norma correspondente ao referido artº 772.º, n.º 2 - o artº 697º, nº 2 – embora estabelecendo que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, ressalva as decisões que respeitarem a direitos de personalidade.
Este Acórdão do Tribunal Constitucional veio no seguimento do Acórdão da Relação do Porto, de 20/05/2014 (Apelação nº 430-A/1989.P1) Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase, tal como os restantes acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados. - ambos citados pelo Apelante -, que, com o voto de vencido da Exma. Desembargadora Maria de Jesus Pereira, decidiu que “O prazo de caducidade de cinco anos previsto no nº 2 do art. 772º do CPC, ao excluir a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade unicamente com base em prova testemunhal, surge como inconstitucional por violação do direito fundamental à identidade pessoal, e às disposições conjugadas dos arts. 16º, nº1, 18º, nº1, 26º, nº1 e 36º, nº 1, todos da CRP.”.
Citaram-se aqui estes dois Acórdãos apenas porque o Apelante os trouxe à colação da sua alegação de recurso, se bem que, a despropósito, salvo o devido respeito, pois que não tratam, propriamente, da inconstitucionalidade de norma que faça valer o caso julgado nas acções de investigação de paternidade, mas antes da inconstitucionalidade de norma que, ultrapassado o prazo nela previsto, impedia, por caducidade, que a parte, ainda que tivessem reunidos os restantes pressupostos, pudesse fazer seguir recurso de revisão de sentença, transitada em julgado, proferida em acção de investigação de paternidade.
Ninguém discutia nesses casos que a decisão a rever transitara em julgado, ou que as normas que disciplinavam a formação e os efeitos do caso julgado da acção de investigação cuja decisão se pretendia rever, enfermavam de inconstitucionalidade. Também não é de chamar à colação, por versar situação totalmente diversa da presente, a declaração de voto de vencida da Exma. Desembargadora Anabela Luna de Carvalho no Acórdão da Relação do Porto, de 14/03/2011 (Apelação nºº 3679/08.1TBVLG.P1), já que, o que aí foi objecto da sua divergência, foi a circunstância de se atender ao caso julgado de uma primitiva acção, apesar da decisão nela proferida, não tendo sido de mérito, haver repousado numa norma que depois veio a ser declarada como inconstitucional, com força obrigatória geral.
Ora, o que o aqui Apelante se propôs fazer não foi fazer rever, mediante o mecanismo legal próprio, a sentença, transitada em julgado, que em seu desfavor foi proferida na primitiva acção de investigação nº..., mas sim, desprezando o caso julgado material formado nessa acção, intentar uma nova acção de investigação, para, alicerçado na possibilidade de utilizar meios de prova que nessa primitiva acção não estavam disponíveis a ninguém, ver ser proferida uma decisão que, desta feita, lhe fosse favorável e reconhecesse como seu pai o ora Réu.
Ora, esta pretensão de, sob a argumentação de se impor o respeito pela verdade biológica, o conhecimento/reconhecimento da paternidade, em suma, o direito fundamental à identidade pessoal consagrado no n.º 1 do artigo 26º da CRP, a decisão de improcedência, por falta de prova, das acções de investigação de paternidade, não formarem caso julgado material, é de todo desrazoável e não tem sustentáculo “de jure constituto”, qualquer sustentáculo.
Não fossem reconhecidos, pelo legislador, os efeitos do caso julgado nas acções de investigação não oficiosa (de maternidade ou de paternidade), não teria o mesmo estabelecido a previsão excepcional consagrada no artº 1813º do CC, ou a referida salvaguarda no nº 2 do artº 697º do NCPC.
Como se diz no Acórdão da Relação de Guimarães de 04/06/2013 (Apelação nº 180/11.0TBVRM.G1) Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase, tal como os restantes acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados., «… no Processo Civil, o ataque dirigido pela parte a uma decisão judicial transitada em julgado, só pode efetuar-se através do recurso extraordinário de revisão – artigo 771.º do Código de Processo Civil - que, com base nos fundamentos aí previstos, permita afastar a vinculatividade do caso julgado. Não é possível, no nosso ordenamento jurídico, à parte que se pretende eximir aos efeitos decorrentes de sentença transitada desconsiderá-los através da mera proposição de acção objectiva e subjectivamente idêntica à já definitivamente julgada - criando a parte, por essa via procedimental, de forma anómala, duas sentenças eventualmente contraditórias sobre a mesma relação controvertida -, sem previamente curar de atacar, pelo meio especificamente adequado, o dito valor de caso julgado…».
Por outro lado, quanto à pretensa inconstitucionalidade do disposto na alínea i) do artigo 577º do NCPC, na interpretação de que a excepção do caso julgado aí prevista abrange as acções de investigação de paternidade, dir-se-á que não foi questão suscitada no processo em momento adequado, v.g., no articulado que o Autor, para exercício do contraditório, apresentou em resposta às excepções arguidas pelo Réu.
Dir-se-á, porém, não se detectar a razão de ser da inconstitucionalidade da norma da alínea i) do artigo 577º do NCPC, por violação do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26º da CRP, nem se surpreende na alegação de recurso explicação que alicerce cabalmente a afirmação de uma tal violação.
De todo o modo, quanto a essa putativa inconstitucionalidade, bem como no que concerne à alegação de que a interpretação feita pelo Tribunal “a quo” do disposto na alínea i) do artigo 577º do NCPC, ou seja, no sentido de que a excepção do caso julgado abrange as acções de investigação de paternidade, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º, oferece-nos dizer que não concordamos com uma tal conclusão, perfilhando antes, “mutatis mutandis”, o entendimento que foi expendido quando à norma correspondente do pretérito CPC (art. 494º i)), no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 05/03/2013 (Apelação nº 114/12.4TBSBG.C1) Relatado pelo Exmo. Desembargador Moreira do Carmo e consultável, tal como os restantes acórdãos desta Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados, em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”., cujo pertinente trecho se passa a transcrever:
«[…] 3. Relativamente à consideração que a imposição do caso julgado, previsto no art. 494º i) do CPC, nas acções de investigação não oficiosa de paternidade, revela interpretação inconstitucional, por violação do art. 26º, nº 1, da Const. da República Portuguesa, não subscrevemos tal entendimento do recorrente.
No Ac. do T. Constitucional 108/2012, em DR, 2ª Série, de 11.4.2012, que se passa a transcrever na parte relevante, disse-se que:
“5. Diversamente do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, que, ou remetem para a lei a fixação final dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do Tribunal Constitucional (artigo 94.º da Constituição alemã e artigo 164.º da Constituição espanhola), ou conferem a essas decisões apenas eficácia ex nunc (artigo 136.º da Constituição italiana), a Constituição portuguesa é explícita quanto ao grau com que censura o direito ordinário que contrarie, para usar as palavras do seu artigo 277.º, as “normas” e “princípios” que nela se contêm. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 282.º da CRP, será inválido o direito comum que for julgado inconstitucional através de declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de tal modo que essas declarações produzirão efeitos “desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional”. O grau de censura que o legislador constituinte português reservou para o fenómeno da inconstitucionalidade é um grau intenso; (…) Contudo, e como que quer que seja que se configure a sua explicação, a verdade é que ela denota uma especial intenção do legislador constituinte em garantir a força normativa da constituição, através da fixação, ao nível mais alto da hierarquia das normas, de instrumentos destinados a expurgar do ordenamento jurídico atos [normativos] inconstitucionais.
Esta intenção, que o artigo 282.º corporiza, traduz-se numa regra (a da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral) que conhece apenas duas exceções. (…) Outra é a que consta da primeira parte do nº 3 do mesmo artigo 282.º. As decisões do Tribunal a que se refere o preceito produzem efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, ficando no entanto ressalvados os casos julgados.
6. A razão que justifica esta segunda exceção encontra-se no princípio da segurança jurídica, que decorre do princípio mais vasto de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP.
O Estado de direito é, também, um Estado de segurança. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que não garantisse a estabilidade das decisões dos seus tribunais. Ao contrário da função legislativa, que, pela sua própria natureza, tem como característica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituição), a função jurisdicional, que o artigo 202.º da CRP define como sendo aquela que se destina a “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, a “reprimir a violação da legalidade democrática” e a “dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, não pode deixar de ter como principal característica a tendencial estabilidade das suas decisões, esteio da paz jurídica. Por esse motivo, o artigo 282.º ressalvou, como derrogação à regra da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questão já decidida pelo tribunal.
Ao estabelecer esta oposição, fazendo nela prevalecer a força vinculativa do caso julgado, o legislador constituinte revelou a forma como procedeu à ponderação de dois bens ou valores: entre a garantia da normatividade da constituição, e a consequente forte censura dos atos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das decisões judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a constituição optou em princípio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princípio do favor rei, previstos na segunda parte do nº 3 do artigo 282.º
A uma ponderação de bens feita pelo próprio legislador constituinte, e em cujo resultado se inscreve a prevalência nítida de um dos bens ou valores em conflito, não pode o intérprete contrapor a sua própria ponderação.
No caso, invoca o recorrente o maior peso que certos direitos fundamentais (como aqueles que, constantes do nº 1 do artigo 26.º da CRP, são atuados através das ações de investigação da paternidade) terão sobre o princípio da força vinculativa do caso julgado, partindo da ideia segundo a qual este segundo princípio deve ceder perante o imperativo de garantia da Constituição. É por isso que sustenta que, uma vez declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do Código Civil que previa um prazo de dois anos para a interposição das ações de investigação da paternidade, terá o autor de ação interposta em momento anterior ao da declaração de inconstitucionalidade o direito a interpor nova ação, direito esse conferido por uma leitura restritiva da norma de direito processual civil que define o âmbito e o alcance da exceção dilatória do caso julgado. Engana-se, porém, ao defender que tal interpretação restritiva é imposta pela Constituição. Não o é. A ponderação, feita pelo próprio legislador constituinte no nº 3 do artigo 282.º da CRP, entre censura da inconstitucionalidade por um lado e proteção do caso julgado por outro – com prevalência deste último sobre o primeiro –, ao ser reveladora do peso que detém, no sistema constitucional, o princípio da segurança jurídica, é também reveladora da opção de princípio que, neste domínio, o legislador constituinte tomou: a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de qualquer norma de direito ordinário (e quaisquer que sejam os valores constitucionais que esta última tenha ofendido), se, por regra, apaga os efeitos que a norma ilícita produziu, não apaga as situações em que tal norma tenha sido aplicada em casos definitivamente decididos pelos tribunais.
Sendo esta a opção de princípio que o legislador constituinte tomou, claro se torna que não resulta da Constituição o dever de interpretar restritivamente as normas do Código de Processo Civil que definem o âmbito e o alcance da exceção dilatória do caso julgado. Não há, face à Constituição, o dever de interpretar essas normas de forma a excluir do seu âmbito de aplicação as ações não oficiosas de investigação da paternidade, pese embora a especial repercussão jusfundamental que detém o regime comum dessas ações.
7. Esta conclusão não exclui que o legislador ordinário possa, em situações justificadas, permitir que se reabram casos jurisdicionalmente já definidos. É o que acontece nas hipóteses expressamente previstas pelos artigos 1813.º e 1868.º do Código Civil, relativas às ações oficiosas de investigação da paternidade e da maternidade, onde se estipula que a improcedência da ação [oficiosa] “não obsta a que seja intentada nova ação de investigação (…), ainda que fundada nos mesmos factos”.
Nas suas alegações, a recorrente invoca estas previsões normativas (às quais faz acrescer uma outra, inserta no regime tutelar de menores) a um duplo título: primeiro, enquanto lugar paralelo da solução que, no seu entender, deveria ser aplicada, também, às ações não oficiosas de investigação da paternidade; segundo, enquanto argumento para sustentar a inconstitucionalidade da não aplicação do mesmo regime às ações não oficiosas, por violação do princípio da igualdade. A nenhum destes títulos tem a recorrente razão.
Antes do mais, e quanto ao primeiro, haverá sempre que distinguir entre inconstitucionalidade e conceções do bom direito. Ainda que se entenda, como o parece fazer a recorrente, que, “de jure condendo”, deveria ser estendido o regime previsto nos artigos 1813.º e 1868.º do Código Civil para as ações oficiosas de investigação da maternidade e da paternidade às ações não oficiosas, de tal não decorre que seja inconstitucional a leitura feita pela decisão recorrida, segundo a qual se não verifica, face ao teor literal das normas pertinentes, a referida extensão. É que uma coisa é a conceção que se possa ter quanto à mais acertada solução legislativa a adotar sobre determinada matéria; e outra, bem diversa, o juízo de inconstitucionalidade que sobre essa solução legislativa eventualmente recaia. Como é evidente, ao Tribunal cabe apenas formular este último. E é esse juízo de inconstitucionalidade, o único que ao Tribunal cabe, que, pelas razões já expostas, se não apresenta, no caso, fundamentado.
Por outro lado, não colhe a invocação, feita pela recorrente, de que, a ser assim, haveria violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, por ser diverso o regime previsto para as ações oficiosas e não oficiosas [de investigação da paternidade e da maternidade]. Como o Tribunal sempre tem dito em jurisprudência constante, sintetizada no Acórdão nº 232/2003, à luz do princípio geral da igualdade, constante do nº 1 do artigo 13.º da CRP, só são censuráveis as diferenças de regimes estabelecidas pelo legislador ordinário que não apresentem, para a medida da diferença, uma justificação razoável e intersubjectivamente percetível. Ora, como a própria recorrente reconhece nas suas alegações, existe uma justificação inteligível para que o regime do artigo 1813.º do Código Civil valha apenas para as ações oficiosas de investigação da paternidade: “ [a]s menores garantias de apuramento da verdade que oferece a ação instaurada pelo Ministério Público (entidade oficial representada por agentes que nem sempre conhecem suficientemente a teia de relações existentes no meio social e familiar em que o nascimento ocorreu e a ação se desenrola) em face da ação proposta pelas pessoas que normalmente gozam da legitimidade para propô-la ou prosseguir com ela …). [Apud ponto I das alegações]. Pode discordar-se da valoração que e legislador fez deste fundamento, ao erguê-lo em medida da diferença entre o regime das ações oficiosas e não oficiosas; mas o que se não pode, como já vimos, é confundir a opinião de discordância com o juízo de inconstitucionalidade” (os sublinhados são nossos).
Consequentemente, concluiu o referido Acórdão por “Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea i) do nº 1 do artigo 494.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido segundo o qual a exceção dilatória do caso julgado abrange, também, as ações não oficiosas de investigação da paternidade”.
Acompanhamos de pleno o que foi expendido em tal aresto, não se vendo fundamento para a pretendida inconstitucionalidade defendida pelo recorrente. […]».
A conclusão que se extrai de tudo o que ficou exposto é, pois, a de que, sem infracção dos preceitos legais que o Apelante referiu como violados na sentença recorrida, bem decidiu o Tribunal “a quo” ao dar como verificada a excepção do caso julgado e, em resultado disso, absolver o Réu da instância.
A Apelação improcede, pois, confirmando-se a sentença recorrida.
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, confirmando a sentença recorrida, julgar a apelação improcedente.
Custas pelo Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Coimbra, 05/06/2018
(Luís José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)