Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3173/12.6TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: POSSE
SUCESSÃO
USUCAPIÃO
HERANÇA
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1255º E 1257º Nº 2 DO C.C.
Sumário: I – Presumindo-se que a posse continua em nome de quem a começou (art. 1257º, nº 2, do C.C.) e determinando o art. 1255º do mesmo diploma que, por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, independentemente da apreensão material da coisa, deverá presumir-se que a posse exercida por um sucessor/herdeiro do inicial possuidor, após a morte deste, não é uma posse nova mas mera continuação da posse inicial que, como tal, não é exercida em nome próprio, mas sim em nome da herança aberta por óbito do possuidor inicial, ainda que os demais sucessores não tenham praticado qualquer acto material sobre a coisa.

II – Nestes termos, a posse assim exercida pelo sucessor, sem que tenha sido demonstrado qualquer acto capaz de inverter o título de posse, não terá aptidão para facultar ao sucessor a aquisição do direito por usucapião e apenas releva para efeitos de aquisição do direito, por usucapião, a favor da herança aberta por óbito do anterior possuidor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... e mulher, B... , residentes na Rua (...), Viseu, intentaram a presente acção contra C... e marido, D... ; E... e marido, F... ; G... e marido, H..., melhor identificados nos autos, alegando, em suma, que: são donos de um prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de x (...) sob o art. 3366 que veio ao domínio dos Autores pelo facto de a representante legal da Junta de Freguesia, há mais de quarenta anos, ter feito aos Autores a implantação da casa em pré-fabricado como uma acção social, implantação essa que foi efectuada no terreno que há mais de quarenta anos é propriedade dos Autores; desde há mais de 35 anos, esse prédio sempre foi a habitação da Autora e sua família e sobre ele praticaram os actos próprios de proprietários e com a convicção de serem os titulares desse direito, pelo que sempre o teriam adquirido por usucapião; sucede que os Réus vieram a relacionar esse prédio no processo de inventário que corre termos por óbito dos pais da Autora e das Rés, sendo que, previamente, registaram o imóvel em nome de Autores e Réus, á revelia dos Autores; apesar de nele terem vivido, por consentimento e liberalidade dos Autores, os pais da Autora nunca foram proprietários do imóvel, sendo que foram os Autores que receberam da Junta de Freguesia a implantação da casa e foram os Autores que efectuaram e custearam as obras ali efectuadas, de valor não inferior a 8.000,00€.

Com estes fundamentos, pedem:

a) Que se declare que o aludido prédio é propriedade dos Autores;

b) Que seja ordenado o cancelamento do registo sob a Apresentação nº 630 de 2012/05/29 sob a descrição 7652/20120529;

c) Caso assim não seja entendido, que os Réus sejam condenados a pagar aos Autores o valor de 8.000,00€ a título de indemnização pelo trabalho e despesas gastos na conservação do imóvel, acrescidos dos inerentes juros à taxa legal.

 

Os Réus, C... e marido, contestaram, alegando, em suma, que o aludido terreno foi doado aos pais da Autora e das Rés pela Santa Casa da Misericórdia de Viseu e aí foi implantada uma casa pré-fabricada que foi doada aos pais da Autora e Rés pela Cruz Vermelha Nacional e na qual estes habitaram, desde princípios da década de 70 do século passado, até à sua morte.

Assim, impugnando os demais factos alegados e sustentando que o referido prédio pertenceu aos pais da Autora e Rés e faz parte do seu acervo patrimonial, concluem pela improcedência da acção e pedem, em reconvenção, que os Autores sejam condenados a reconhecer que o aludido prédio urbano pertence às heranças abertas por óbito de I... e J....

Os demais Réus não apresentaram contestação.

Os Autores responderam, alegando que são eles que habitam, ocupam e possuem o imóvel, há mais de vinte anos, sendo que os Réus abandonaram o imóvel, cedendo-o objectivamente aos Autores e nunca mais tendo praticado qualquer acto de posse.

Concluem pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e julgando procedente a reconvenção, decidiu nos seguintes termos:

I. Condeno os réus, na medida das suas quotas ideais na herança aberta por óbito de I... e J..., a pagarem aos autores a quantia, a liquidar posteriormente, relativa ao valor das obras por estes realizadas no prédio inscrito na matriz da freguesia de x (...) sob o artigo 3366, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº 7652/20120429;

II. Absolvo os réus dos demais pedidos formulados pelos autores;

III. Declaro que integra a herança aberta por óbito de I... e J... o prédio inscrito na matriz da freguesia de x (...) sob o artigo 3366, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº 7652/20120429, que confronta do norte e do poente com a estrada de Nelas, do sul com LC..., do nascente com a RS..., o qual, na parte da habitação, tem uma área coberta de 82,46 m2, sendo que a área dos seus anexos é de 39 m2, e a área descoberta de 498,56 m2”.

Discordando dessa decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- O imóvel “ nasceu “ de obra social para albergar a família das partes.

2- Desde o ano de 2001 nela permanecem unicamente os recorrentes.

3- Os recorrentes são os exclusivos possuidores da forma alegada em 2º) , 4º) a 8º), 10º), 12º) e 14º da BI, dados como provados em 5.8 a 5.12 da fundamentação de facto da sentença.

4- Em 2003 os recorrentes inscreveram o imóvel a seu favor por exclusiva e inteira iniciativa como de coisa sua se tratasse que excluiu as rés porque estas sempre se auto – excluíram, por manifesto desinteresse.

5- Conhecedoras de que o imóvel lhes não pertencia cuja parte coberta em pré fabricado tipo casa desmontável, se degradara.

6- Os recorrentes, motu próprio e exclusivas expensas vêm procedendo ao rearranjo com implantação de paredes em blocos de cimento, substituição do telhado, portas, janelas, soalho, instalações sanitárias e eléctricas.

7- A requisição ao SMASViseu e posterior abastecimento de água em 2003 ao imóvel permitiu aos recorrentes cultivar a parte descoberta, donde retiram os proventos agrícolas de subsistência, até aí, a monte.

8- Os recorrentes gozam da presunção legal da titularidade do direito face aos recorridos por inexistir a favor dos recorridos, presunção fundada em registo anterior ao inicio da posse dos recorrentes, pois;

9- O registo a que alude a sentença dos autos tem data de 29/04/2012 da autoria de quem, à data, nem sequer é detentor.

10- Salvo melhor opinião, a posse dos recorridos é uma posse antiga face à nova posse dos recorrentes que dura, esta, há mais de dez anos.

11- O depoimento das testemunhas, mesmo as arroladas pelas rés, mostram, salvo melhor opinião, que a realidade é outra bem diferente da do sentido da sentença, aliás douta.

12- Pois, como mui doutamente e sempre, a “ summa opinio “ desta Alta Instância no acórdão datado de 29/05/2007, mais importante que a situação escrita é a situação real.

13- Os recorridos não lograram ilidir a referida presunção legal.

14- Alguma herança incorpore o imóvel, teria que ser a deixada por óbito do avô materno M... cuja família e ele próprio, por ruína da sua habitação, foi alojada na obra social, o imóvel dos autos.

15- Os recorridos declararam – se impossibilitados de juntar ao processo de inventário referido em 5.7 da fundamentação de facto e em G) dos factos assentes da BI, o título de aquisição derivada que, por douto despacho do tribunal, lhes havia sido notificado para o fazerem.

16- A haver composse, deveria incluir todos os herdeiros do avô materno tal qual aconteceu com a partilha da habitação que ruiu e que serviu de causa ao “nascer” do imóvel dos autos.

17- Os agora declarados herdeiros na sentença impugnada são herdeiros aparentes enquanto reputados herdeiros por força de erro comum ou geral por o bem dos autos não ser relacionável e,

18- Sendo – o, os herdeiros haverão de ser também outros por mais e diferentes.

19- Inexiste colisão de presunções por prevalecer a posse dos recorrentes.

20- Havendo conflito de presunções, uma do registo e outra da posse, prevalece esta última que só cede no confronto com a presunção derivada do registo anterior ao inicio da posse - Ac.STJ 19/02/92.

21- Mal se entende de qual depoimento de parte retira o tribunal “ a quo “ a convicção e dá como…confessada a matéria incluída no artigo 29.º da base instrutória…” atenta a condição de contínua possidente por parte da recorrente e após 1988 por parte do recorrente marido, qual relação material contínua dos recorrentes com a coisa, o imóvel, conforme Depoimento de parte do autor A... - (CD 00: 00: 01 a 00:16 :50) : J.ª - Pronto. E pergunta-se aqui, se a Ré, a Dª. G... e o marido, se construíram na casa paredes de blocos de cimento, suportando o custo? A - Não, não. J.ª - Mas, pergunta-se também se os seus sogros naquela casa fizeram pequenos arranjos? A - Os jardins que lá estavam fui eu que os fiz. J.ª -Então, não foram os seus sogros? A -Não, não. J.ª - Pronto. Então, o Sr. casou em 88 e um ano antes começou a frequentar aquela casa. Foi assim? Depois é que fui lá para casa. AA- Portanto, ia lá desde 1987. Antes nunca lá foi? A -Sim.

22- A fundamentação de facto no ponto 5. (5.1 a 5.26 ) da sentença não segue a ordem dos concretos pontos da BI, também razão da omissão, contradição, obscuridade e alguma ambiguidade nas respostas, pelas quais, a sentença tem o sentido aqui impugnado.

23- Os concretos pontos de facto 3º), 9º), 15º) a 18º), 21º), 27º) a 29º e 32º) da BI foram incorrectamente julgados desde logo quanto ao 3º) por manifesta contradição por ilogicidade, anormalidade e irracionalidade com o sentido da resposta de provado dada aos pontos 2º), 4º), 6º) a 8º) e 10.º) e atento que lá continuam exclusivamente os recorrentes.

24- Depuseram a este ponto de facto 3º): TA1 – N... ( CD 00: 00:01 a 00:34:05) – AA – Quem é que lá viveu? Testemunha( TA1) : Viveram lá o meu avô, os meus tios e as minhas primas .AA- Quem lá reside agora? TA1 – Reside a B..., o marido e os filhos ( CD07:40 ) e testemunha O... – CD 00:00:01 a 00: 22:13 – AA….hoje quem é que lá mora? TA2- Mora a D.ª B..., o marido e os filhos.

25- “Mutatis mutandis “, o mesmo sucede quanto ao ponto 9º) por “ não jogar a bota com a perdigota ” quanto ao sentido, alcance e extensão da resposta dada no ponto 5.9 da fundamentação ao ponto de facto 5º) da BI que acrescenta a expressão “ …e avô materno “alegada pelos recorrentes e de sentido contrário dos conceitos de “co–herdeiros, co–titulares” da sentença.

26- Apenas possível a título de direito de representação de recorrente e recorridas.

27- Acresce que as regras da experiência comum, do homem médio, perante douta resposta de provado nos pontos 12º) e 14º) da BI constante do ponto 5.14 da fundamentação quanto à autoria das provadas obras de conservação e restauro executadas na parte coberta e cultivo da parte descoberta pelos recorrentes, não suportam o julgamento de não provado daquele ponto de facto 9º), pois;

28- Qual amiba ou paramécia, vêm as rés, por sentença, a aproveitar – se agora dos actos materiais realizados pelos recorrentes com a agravante de tais etéreos, por irreais, mesmo putativos, actos das rés serem até juridicamente considerados por conter o ânimus e o corpus dos actos de carne, suor e osso realizados pelos autores, com o absurdo de que, sem a forçada acoplagem das rés aos actos praticados só pelos autores, são os destes autores considerados despidos de ânimus e corpus .

29- Depuseram a este ponto de facto 9º) as testemunhas: – N... ( CD 00: 00:01 a 00:34:05) – AA – E vivem lá há quanto tempo? T- Desde essa altura…desde que foi lá morar para casa ( CD07:53 ). AA- E ele, o marido? TA1- Após o casamento. ( CD 07:58) . AA- Nunca ninguém lá foi “ barulhar” com eles? TA1- De modo algum CD 08:55 ) . AA- Nunca lá foi dizer que aquilo também era seu? TA1- Não, de modo algum, demaneira nenhuma ( CD 09:01) e a testemunha O... - CD 00:00:01 a 00: 22:13 – AA…quem tem tratado da casa…nomes? TA2 – A B... e o marido. AA - …quem …pega na talocha? TA2- O marido da B... ( CD 09:11) . AA- Quem pega na pá ? TA2- O marido da B.... AA- Quem pega na colher da massa? TA2- O marido da B.... Eu nunca lá vi mais ninguém trabalhar ( CD 09:28 ). AA- …quando vê lá o marido da B... a trabalhar, vê – o como ..quem está a trabalhar ..na convicção ..daquilo ser dele? TA2- Pois, senhor Dr. Como é que eu vou medir o homem a trabalhar na obra se não na convicção de que aquilo é, eu tenho dificuldade em responder a isso, quer dizer, eu acho que sim ( CD 09:50 ).

30- Quanto ao ponto de facto 15.º) da BI com douta resposta em 5.15 da fundamentação parece – nos errada a alteração da expressão “ aqueles “da BI para a expressão “ aquelas” da fundamentação, referida a autora e rés, dado que a casa de habitação que ruiu, fez parte da herança deixada por morte dos avós maternos, tendo sido partilhada pelos respectivos herdeiros que incluiu os progenitores de recorrente e recorridas.

31- A resposta a este ponto está igualmente em contradição manifesta com a resposta dada ao ponto 16º) da BI em 5.16 da fundamentação de facto dado que a obra social da autarquia local foi – o para alojar a família do avô materno cuja habitação ruiu.

32- Depuseram a este ponto de facto 15º) as testemunhas: – N... ( CD 00: 00:01 a 00:34:05) – AA- …quantos filhos tinha o seu avô? TA1- O meu avô tinha cinco filhos. AA- Referiu aqui que U..., que era seu pai? TA1- Meu pai. AA- Que é filho de quem ? TA1- M...…meu avô, pai do meu pai. ( CD 02:08) . AA- Viu ruir? …TA1 – A casa que ruiu ficou sem condições de habitabilidade …Depois fruto de uma acção social conseguiu – se arranjar aquela solução e tentaram a Junta de Freguesia na altura. AA- Essa solução contemplou também o seu avô ? TA1- Tanto mais que morreu lá , até morrer CD 04:51 AA – A que ruiu erado seu avô? TA1- Sim, correto ( CD 06:04 ) , também a testemunha O... - CD 00:00:01 a 00: 22:13 – AA- …o que é que aconteceu? TA2- Caiu – lhes a casita . AA- caiu a casa a quem ? TA2- Ao avô, eles viviam ali com o avô ( CD 02:19 ). E a testemunha R... - (CD 00:00 a 19:49 ): J.ª - …imagine que, quem lá está ou que morria ou que desaparecia ou que se mudava, de quem é esta casa? TR1- A casa se…ruir, desaparecer, o terreno é da Santa Casa da Misericórdia, porque não há escritura pública para isso. - J.ª – E a casa a quem foi dada ? TR1- À família, necessariamente aos mais velhos …( 19:38). AA- Ou a Senhora testemunha iria relacioná – la num inventário? TR1- Não.

33- Os dizeres do documento de alegada cedência do terreno aos pais de autora e rés, subscrito pelo então Senhor Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Viseu, Q... é meramente informativo, de ouvir dizer e o seu conteúdo é infirmado pelos dois Presidentes da Junta de x (...) que depuseram, assim;

34- Depuseram as testemunhas R... - (CD 00:00 a 19:49 ) (TR1) e S...(TA3) – CD 00:00:01 a 00:25:44- indicadas pelos réus à matéria dos pontos de facto 15º) a 19º), 21º) e 36º), 37º): AR- Então, conte lá desde o início ? TR1 - (0 2 : 42 a 05: 37 ) : “ … sendo eu Presidente, a tesoureira da Junta Sr.ª D.ª X..., um dia foi ter comigo e disse –me : oh U...…há uma família que está desalojada porque a casa em que viviam derrocou e estão a viver às esmolas em várias casas de família…e eu tinha um contacto…com o Presidente da Cruz Vermelha, o Sr. L..., a quem telefonei e me disse : arranje o terreno, casa tens garantida…a dificuldade era arranjar terreno …consegui falar com o Provedor da Santa Casa da Misericórdia …em Viseu …Ele disse – me : é um problema porque isso precisa de uma desanexação …não posso é fazer a escritura…mas vocês ocupem o terreno e façam o realojamento da família “. Assim foi…colhi a dimensão da casa através da pessoa que estava em Lisboa, arranjei o empreiteiro para fazer a base …E depois, com pessoas da terra, a Sr.ª D.ª M.ª da X..., o marido e várias pessoas que ainda estão vivas..implantamos a casa e realojou – se a família….. ( 06: 49 : 07: 49 ) - AR - …sabe se este pedido foi solicitado em nome dos pais da D.ª B.....? TR1- …este pedido foi feito em meu nome…e no da Junta de Freguesia de x (...) …porque eu não conhecia os pais …( 16:15 ) a ( 18:19 ) – AA – Imaginemos que amanhã não está lá ninguém? Volta para lá quem ? TR1 - “ …Esta família dispersa uniu – se…foram partindo os mais velhos..as irmãs seguiram a sua vida, criaram a sua própria independência, têm a sua própria casa . Uma delas telefonou –me ..colocando – me esse problema que teriam que ir para a justiça, …e eu…disse - lhe : …Vive bem? – Vivemos bem graças a Deus. …então porque é que você está a criar uma questão com a sua irmã quando ela segundo aquilo que estou informado , ela é que necessita, ela é pobre…quando você está de parabéns porque teve mais sorte…?J.ª - …imagine que, quem lá está ou que morria ou que desaparecia ou que se mudava, de quem é esta casa? TR1- A casa se…ruir, desaparecer, o terreno é da Santa Casa da Misericórdia, porque não há escritura pública para isso. J.ª – E a casa a quem foi dada ? TR1- À família, necessariamente aos mais velhos …( 19:38) AA- Ou a Senhora testemunha iria relacioná – la num inventário? TR1- Não. E, S...– CD 00:00:01 a 00:25:44 : J.ª – Terá sido feita aos pais, terá sido feita aos avós? TA3 – Aos pais e aos avós, exactamente. (CD 23 : 19 ) .

35- Quanto aos pontos de facto 16º) e 17º), a cedência, a título gratuito foi feita à autarquia local, Junta de Freguesia de x (...) na pessoa do então Presidente R..., aqui testemunha cuja resposta não pode ser dissociada da resposta ao ponto de facto 17º) na medida em que tal cedência foi feita à Junta de freguesia e para realojar a família carenciada do avô materno cuja habitação ruiu, conforme depoimentos em 34- supra.

36- Quanto aos pontos de facto 18.º) a 21.º) da BI, a douta resposta de provados em 5.17 e 5.18 é incorrecta por irresistível aos argumentos aqui expendidos a propósito dos dois pontos de facto anteriores (16º) e 17º) acrescendo que datada a implantação da casa “… situada na década de 1970 a 1980.. “ que pode bem ser 1979 ou 1980 mal se entende a aquisição originária de autora e rés com o progenitor a falecer em 1984 e a progenitora em 1993 e;

37- Que a sentença apague da memória do tempo e do direito o primeiro possidente avô materno e que possa sustentar – se em 2013 que desde e após 1982, 1983 e desde 2001 as rés G..., E... e C... respectivamente, praticaram aqueles actos, por definitivamente ausentes e se dêem por provados como praticados os actos quesitados em 26.º) a 29º) e 32º) cujas respostas constam dos pontos 5.19 a 5.23 da página 5 e ponto 5.24 da página 6 da sentença, conforme depoimento de TR3 -Testemunha T...– indicada pelos recorridos aos pontos de facto 19.º, 20.º, 22.º a 32 e 36 e 37 - CD 00:00 a 10:23 ) : AR- Essa casa era de quem? TR3 – Era dos avós …da B.... AR – As filhas e também o avô ? TR3 – O avô sim, o avô também, viviam lá todos. ( CD 2:55 ). Ar – E usavam – na como se fosse deles, ..não é? TR3 – Sim, aquilo era do avô ( CD 04:17 ). AR - …esse terreno é, era cultivado, como é que é ? TR3- - Agora é cultivado AR – E antes ? TR3- Em tempos atrás eu não sei. ( CD 4:35 ). E TR2 – Testemunha V... – indicada aos pontos de facto 15.º a 37.º - CD 00:00:01 a 0016:26 :AR- J..., certo. E o avô, se ainda se recorda? TR2- O avô era M....(CD 02:42 ).AR- Por isso é que foram realojados todos juntos?TR2- Todos ali na mesma casa.( CD 06:35 ).AR- E sabe quem é que realizou essas obras? TR2 – Penso que foi o casal que vive lá agora…a B... e o marido …”( CD 11:09 ) :AA- E o Senhor, testemunha, disse assim “ Quanto a heranças não sei ? TR2”—Heranças aquilo não há . AA- …não consegue ligar esta casa, o imóvel a heranças ? TR2 – Logicamente que não ( CD 16:08 ).

38- Sem prova segura quanto à existência e autoria da plantação da/s oliveira/s e da data da agricultação da parte descoberta, antes da requisição da água pela autora em 2003 e onde, pelo escopo de obra social a que “ ab initio “se destinou o imóvel, nele permanecem os autores, conforme depoimentos de TR3 -Testemunha T... – indicada aos pontos de facto 19.º, 20.º, 22.º a 32 e 36 e 37 - CD 00:00 a 10:23 ) : AR - Olhe e recorda – se se existiam lá algumas oliveiras no terreno? TR3 – Não, acho que não ( CD 05:49 ). AA – Olhe, portanto, a casa …não era de nenhum dos familiares de quem lá viveu? TR3- Isso não.( CD 09:33 a 09:35 ) e TR4- Testemunha Orlanda Teixeira dos Santos – indicada pelos réus aos pontos de facto 22 a 31.º - CD 00:00:01 a 0017:08 ) : AR – E o que é que aconteceu às ruínas da casa,…desabou, mas ficou para alguém ? TR4 – Sim, depois nas partilhas, muito mais tarde fizeram partilhas e hoje é de uma cunhada minha - ( CD 06:23 ). AR – Oliveiras no terreno ? TR4 – Olhe, não me lembro . Ar – Nem agora nem antigamente ?TR- Não tenho ideia – ( CD 09:50 ). AA – Senhora testemunha, esta casa também é sua ? TR4 – Ai minha não – CD 13:59 ). Mas a Senhora é esposa ? TR4 – De um irmão da minha cunhada falecida CD 14:19 ) . AA - A Senhora sabe que há um inventário a correr aqui no tribunal por causa da casa …? ( CD 15:00 ) . TR4 – Eu não sei.- ( CD 15:02 ). AA - Olhe , então a casa é de quem ? TR4 – Isso não sei. – ( CD 17:02 ) .

39- A casa de habitação que ruiu do ponto 15.º da BI foi habitada pelos outros quatro dos cinco filhos dos avós maternos de autora e rés, fez parte da herança deixada por morte dos avós maternos da autora e das rés, tendo sido partilhada entre os pais e os ( as ) quatro tios/tias da autora e das rés como a propósito testemunharam os familiares N... e Orlanda Teixeira, conforme transcrição em 38 supra.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando - se a sentença recorrida por outra que declare a propriedade do imóvel na pessoa dos recorrentes , assim fazendo V.ªS Ex.ªs JUSTIÇA

Preceitos violados: n.º1, alíneas b) , c) e d ) do artigo 615.º do CPC .

Os Réus, C... e marido, apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª- O Tribunal “a quo” decidiu correctamente a matéria de facto constante da base instrutória.

2ª- A convicção do Tribunal “a quo” alicerçou-se na análise crítica, segundo o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 607º, n.º 5 do CPC, de toda a prova produzida em audiência de julgamento, mormente, os depoimentos de parte dos aqui recorrentes, os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos aos autos, com recurso às regras da experiência comum.

3ª- In casu, os recorrentes não lograram provar a factualidade inserta nos quesitos 3º e 9º da base instrutória, cujo ónus probandi lhes competia. (art.º 342º, n.º 1 do C.Civil)

4ª- Os recorrentes vêm impugnar a decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 3º, 9º, 14º a 18º, 21º, 27º a 29º e 32º da base instrutória, mas omitem que eles confessaram, em audiência de julgamento, os factos constantes dos quesitos 15º a 18º, 21º, 27º a 29º e 32º da BI, nos termos constantes da acta de audiência julgamento de 28 de Junho de 2013.

5ª- Sendo a confissão dos recorrentes irretractável em conformidade com o disposto no art.º 465º, n.º 1 do CPC, esta posição processual dos apelantes, salvo o devido respeito, configura uma manifesta litigância de má-fé que este Venerando Tribunal não deixará de sancionar.

6ª- Os recorrentes não deram cumprimento ao estatuído no art.º 640º do CPC, quanto aos depoimentos das testemunhas gravados em audiência de julgamento, pelo que, deve ser rejeitada a reapreciação da prova testemunhal por este Venerando Tribunal.

7ª- Assim, a decisão sobre a matéria de facto dada pelo Tribunal “a quo” não deve ser alterada ou modificada por este Venerando Tribunal.

8ª- Os recorridos provaram que as heranças de I... e J..., pais da Autora e das Rés, são titulares do direito de propriedade sobre o prédio em causa nestes autos, por o terem adquirido por via da usucapião.

9ª- Com efeito, ficou demonstrado que os pais da Autora e das Rés e estas após a morte daqueles, possuíam de forma pública, pacífica, de boa-fé, continuadamente há mais de 20 anos, na convicção de serem os legítimos proprietários o prédio em causa nestes autos.

10ª- Como consta da douta sentença, os recorridos demonstraram reunir na sua esfera jurídica e em conjunto com a Autora o corpus e o animus que determinam a aquisição do prédio por usucapião.

11ª- Pelo supra exposto, deverão improceder todas as conclusões de recurso formuladas pelos apelantes.

12ª- Aliás, as conclusões expendidas sob os n.ºs 14 a 18 do recurso, é matéria nova que não foi alegada na acção instaurada pelos recorrentes, razão pela qual, não deve ser conhecida por este Venerando Tribunal.

13ª- Se assim não se entender, esta nova posição dos recorrentes só vem confirmar que os recorrentes têm perfeita consciência de que não são os exclusivos proprietários do prédio em liça nestes autos.

14ª- A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal aplicável, maxime o art.º 615º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC.

Concluem pela improcedência do recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa ou não alterar – e em que termos – a decisão da matéria de facto;

• Saber, perante a matéria de facto provada, se os Autores adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos ou se, ao invés, esse direito foi adquirido pela herança aberta por óbito dos pais da Autora e das Rés.


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1 - Está descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu, sob o nº 7652/20120429, o prédio urbano sito em (...), freguesia de x (...), inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo 3366, constituído por casa de habitação composta de R/C, mostrando-se a sua aquisição, por sucessão hereditária, aí registada, em comum e sem determinação de parte ou direito, em benefício de C..., casada no regime da comunhão de adquiridos com D..., E..., casada no regime da comunhão de adquiridos com F..., B..., casada com A... no regime da comunhão de adquiridos;

2 - Conforme certidão de matriz cuja cópia consta de fls 12, a titular do direito ao rendimento do prédio descrito no artigo anterior é B..., daí resultando também que o prédio é composto de casa de habitação de construção precária de R/C com quatro divisões, cozinha e WC, com a superfície coberta de 60 m2 e descoberta de 40 m2 e que o mesmo confronta de norte, sul, nascente e poente com o prédio nº 34-36;

3 - A... casou com B... em 3 de Dezembro de 1988;

4 - B... nasceu no dia 3 de Março de 1966 e é filha de I... e de J...;

5 - I... faleceu no dia 24 de Julho de 1984;

6 - J... faleceu no dia 14 de Outubro de 1993;

7 - No âmbito do processo de inventário nº 1077/12.TBVIS, do 3º juízo cível, instaurado por óbito de I... e J..., foram prestadas pela cabeça de casal C... as declarações certificadas a fls 65 e ss destes autos;

8 – O prédio referido em 1. foi implantado, como uma acção social, pela Junta de Freguesia de x (...), implantação essa que ocorreu há mais de 30 anos – pontos 2º e 4º da base instrutória;

9 – A Autora e irmãs, pais e avô materno, há mais de 30 anos, fizeram de tal prédio a respectiva casa de habitação – ponto 5º da base instrutória;

10 - Nela vivendo a Autora em solteira e, após o seu casamento, aí vivendo com o Autor – ponto 6º da base instrutória;

11 - Ali residindo ambos quando nasceram os filhos do casal, sempre ali tendo ambos cozinhado, dormido e fazendo as refeições diárias, o que ocorre à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – pontos 7º e 8º da base instrutória;

12 - Cultivando os Autores, na superfície descoberta do prédio referido em 2. legumes e mimos de horta – ponto 10º da base instrutória;

13 - Os pais da Autora e das Rés viveram em tal prédio – ponto 11º da base instrutória;

14 - Os Autores executaram obras na casa ali implantada, destinadas a manter e melhorar a sua habitabilidade, em datas que em concreto não foi possível apurar, cujo valor concreto também não foi possível apurar – pontos 12º e 14º da base instrutória;

15 - Entre os anos de 1967 e 1969, num Inverno mais rigoroso, ocorreu a ruína da casa de habitação, sita na povoação de (...), pertencente aos avós maternos da Autora e das Rés, onde aquelas viviam, juntamente com os pais destas e com o respectivo avô materno – ponto 15º da base instrutória;

16 - Na sequência do que a Santa Casa da Misericórdia cedeu, a título gratuito a I... e J..., um terreno para a construção de uma casa de habitação, o que fez por estar em causa uma família carenciada, com necessidade de ser realojada – pontos 16º e 17º da base instrutória;

17 - Nesse terreno foi implantada uma casa pré-fabricada cedida, sem qualquer contrapartida, pela Cruz Vermelha Nacional, aos pais da Autora e das Rés, onde os pais da Autora e das Rés moraram com estas, e com o respectivo avô materno, desde data que em concreto não foi possível apurar, mas situada na década de 1970 a 1980, e até morrerem – pontos 18º, 19º e 20º da base instrutória;

18 – Foi em data concretamente não apurada mas situada na década de 1970 a 1980, que a Junta de Freguesia de x (...), com o auxílio de populares, amigos e familiares dos pais da Autora e das Rés, procedeu à implantação da dita casa pré fabricada – ponto 21º da base instrutória;

19 - As Rés viveram na dita casa até à data dos respectivos casamentos ou em que arranjaram companheiro, o que sucedeu com a Ré G... até cerca de 1982, com a Ré E... até cerca de 1993 e com a Ré C... até 2001 – pontos 22º, 23º, 24º e 25º da base instrutória;

20 - Nela dormindo, tomando as suas refeições, descansando e usufruindo os pais da Autora e Rés e estas – ponto 26º da base instrutória;

21 - E o quintal anexo, desde data concretamente não apurada mas posterior à da morte dos pais da Autora e Rés, foi cultivado pelos Autores com os produtos mencionados em 12 – ponto 27º da base instrutória;

22 – Os pais da Autora e Rés cuidavam de duas oliveiras existentes no prédio e apanhavam as respectivas azeitonas – ponto 28º da base instrutória;

23 - Actuando os pais da Autora e das Rés, e após a sua morte, a Autora e as Rés, na convicção de serem donas daquele prédio – ponto 29º da base instrutória;

24 - O descrito de 17. a 23. ocorreu à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – ponto 32º da base instrutória;

25 - Tal prédio confronta do norte e do poente com a estrada de Nelas, do sul com LC..., do nascente com a RS... – pontos 33º a 35º da base instrutória;

26 – Tal prédio, na parte da habitação, tem uma área coberta de 82,46 m2, sendo que a área dos seus anexos é de 39 m2 e a área descoberta de 498,56 m2 – pontos 36º e 37º da base instrutória.


/////

IV.

Apreciemos, então, as questões suscitadas no recurso, começando pelas referentes à matéria de facto.

Matéria de facto

Os Apelantes começam por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando os Apelados que, nessa parte, o recurso deve ser rejeitado por não ter sido cumprido o disposto no art. 640º do C.P.C.

Dispõe o art. 640º, nº 1, do actual CPC (à semelhança do que dispunha o art. 685º-B do anterior CPC) que:

Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

E, acrescenta o nº 2 da norma citada “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Os Apelantes indicaram claramente os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e que correspondem aos pontos 3º, 9º, 15º a 18º, 21º, 27º a 29º e 32º da base instrutória e indicaram os meios probatórios que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa, cumprindo o disposto no nº 2 da norma supra citada. Os Apelantes indicam também a decisão que deve ser proferida sobre alguns dos aludidos pontos de facto, embora – como veremos mais adiante – o façam, por vezes, de forma pouco clara e, por vezes, até, incompreensível.

Não encontramos, por isso, razões para rejeitar, na globalidade, o recurso no que toca à decisão da matéria de facto, embora possa ser negada a efectiva reapreciação da decisão no que toca a alguns dos pontos de facto por indevido ou incorrecto cumprimento dos ónus legais.

Analisemos, portanto, com maior detalhe os pontos impugnados.

 

Depois de proceder à audição integral dos depoimentos prestados, constatamos que os depoimentos das testemunhas são, no essencial, concordantes entre si. Com maiores ou menores detalhes e com diferentes razões de ciência (umas por terem conhecimento directo, outras por terem ouvido dizer), todas as testemunhas reportam a mesma situação e os mesmos acontecimentos, que, em termos gerais, poderemos resumir nos seguintes termos: nos finais das décadas de 60 – entre 1967 e 1969 (a Autora – nascida em 1966 – era ainda muito pequena) – a casa dos avós maternos da Autora, onde esta vivia com os pais, as irmãs e o avô, ruiu; na sequência desse facto, o agregado familiar ficou em situação precária e durante alguns anos ficaram separados sendo acolhidos em casas de familiares; dada a situação de carência e com vista a reunir aquele agregado, o então Presidente da Junta (a testemunha, R...) encetou diligências com vista a encontrar uma solução para aquele agregado familiar, tendo contactado a Santa Casa da Misericórdia e a Cruz Vermelha; na sequência dessas diligências, a Santa Casa cedeu, a título gratuito, um terreno e a Cruz Vermelha cedeu uma casa pré-fabricada em madeira; a Junta de Freguesia, com a ajuda de familiares, amigos e outros elementos da população, procederam à montagem e instalação dessa casa no aludido terreno e, na década de setenta (segundo a testemunha, R..., terá sido por volta de 1977/1978, o que coincide com o depoimento da Autora quando afirma que foi viver para essa casa quando tinha cerca de dez anos de idade), a família passou a viver na aludida casa; ali passaram, então, a viver a Autora, as suas irmãs, os seus pais e o seu avô; o avô e os pais da Autora habitaram ali até à sua data da sua morte e as irmãs da depoente foram saindo em diversas datas, à medida que iam casando ou organizando a sua vida noutro local, restando apenas a Autora que ali continuou a residir juntamente com o marido e, depois, com os filhos, sendo que, durante todos os anos em que ali têm vivido, os Autores têm efectuado diversas obras com vista à conservação e melhoramento da casa, cultivando o terreno adjacente.

São estes, em suma, os factos que as testemunhas relataram de modo concordante.

Analisemos, então, a pretensão dos Apelantes.

Os Apelantes começam por sustentar que o ponto 3º da base instrutória deveria ter sido considerado provado.

Perguntava-se no citado ponto se tinham sido os Autores os beneficiários da acção a que alude o ponto 2º (ou seja, a acção social pela qual a Junta de Freguesia implantou aquela casa no aludido terreno).

Dizem os Apelantes que a decisão de considerar esse facto como não provado está em contradição com o sentido da resposta de provado que foi dada aos pontos 2º, 4º, 6º a 8º e 10º e na medida em que são os recorrentes quem lá continua, exclusivamente, como decorre dos depoimentos das testemunhas N... e O....

Não existe, no entanto, qualquer contradição entre as aludidas respostas e a circunstância (verdadeira) de serem exclusivamente os Apelantes quem, há muitos anos, reside naquela casa não permite, evidentemente, afirmar que tenham sido os Autores os beneficiários daquela acção social.

Importa notar que, à data, o Autor marido não tinha sequer qualquer relação com aquele agregado familiar (apenas passou a habitar a casa após o seu casamento com a Autora, o que aconteceu muitos anos depois de aquela acção social da Junta de Freguesia se ter concretizado) e, portanto, não poderia o mesmo ter sido beneficiário de tal acção. No que toca à Autora, é evidente que ela beneficiou daquela acção, na medida em que fazia parte do agregado familiar que passou a habitar na casa, mas nem por isso se poderá afirmar que foi ela a beneficiária (no sentido de ter sido a ela, especificamente, que se dirigiu aquela acção e a cedência do terreno e da casa). Com efeito, nenhuma razão existiria para afirmar que foi a Autora – e não qualquer uma das suas irmãs, os seus pais ou o seu avô – a beneficiária, quando é certo que a Autora era, à data, uma criança. Naturalmente que (e como decorre dos depoimentos prestados) as instituições envolvidas – a Junta de Freguesia, a Santa Casa da Misericórdia e a Cruz Vermelha – não tiveram, à data, a preocupação de definir quem era o concreto beneficiário daquela acção, sendo que o objectivo consistia em resolver o problema do agregado familiar, no seu conjunto, o que foi feito sem quaisquer formalidades. Mas, nesse contexto, impõe-se considerar que os beneficiários daquela acção terão sido os adultos e elementos activos do agregado familiar – designadamente os progenitores da Autora – e não qualquer uma das crianças (nomeadamente a Autora) que dele faziam parte, tal como declara a Santa Casa da Misericórdia na declaração junta a fls. 55.

 Nenhuma razão encontramos, portanto, para considerar provado que foram os Autores os beneficiários daquela acção social, não se impondo, por isso, qualquer alteração no que toca à decisão proferida relativamente a este ponto de facto.

Sustentam ainda os Apelantes que o ponto 9º da base instrutória – onde se perguntava se os Autores actuavam na convicção de serem donos do referido prédio – deverá ser considerado provado, sustentando que a não prova desse facto não se adequa ao sentido e alcance da resposta dada ao ponto 5º e que, perante a resposta dada aos pontos 12º e 14º, as regras de experiência comum não suportam o julgamento de não provado relativamente ao ponto 9º.

Não se compreende, no entanto, como e de que forma as respostas dadas aos pontos 5º, 12º e 14º poderiam impor uma resposta positiva ao ponto 9º, já que ali apenas se refere que a Autora, as irmãs, os pais e o avô fizeram daquele prédio a sua casa de habitação, há mais de 30 anos e que os Autores executaram obras na casa para manter e melhorar a sua habitabilidade. Com efeito, desses factos não poderá ser extraída a conclusão de que os Autores actuassem na convicção de serem eles os exclusivos donos do aludido prédio e tão pouco se vislumbram razões válidas para que assim o considerassem.

A Autora foi viver para aquela casa quando era ainda uma criança e foi para lá viver na companhia dos pais, das irmãs e do avô. Que razões teria para pensar que era ela a dona do prédio, quando é certo que todo o agregado familiar aí habitava? E, sabendo que essa casa tinha sido a habitação dos seus pais e do seu avô, que razões teria para pensar que, após a morte destes, passaria a ser ela a única proprietária, tanto mais que as suas irmãs continuaram aí a residir durante algum tempo, sendo que a última apenas saiu em 2001? E, mesmo após a saída de todas as irmãs, não existiriam razões para que os Autores pensassem que a casa passava a ser deles, já que sabiam que ela havia sido a habitação dos pais e das irmãs.

Por outro lado, as testemunhas citadas pelos Apelantes – N... e O... – apenas confirmam aquilo que resulta de toda a prova produzida, ou seja, que, desde há alguns anos, são apenas os Autores e os filhos quem habita a casa e quem cultiva o quintal, tal como têm sido eles quem tem feito obras na casa, o que fazem sem oposição de ninguém. Daí não decorre, no entanto, que pratiquem esses actos na convicção de serem os exclusivos proprietários do prédio e que não o façam apenas na qualidade de residentes num prédio que têm interesse em conservar – por ser a sua residência – mas que sabem pertencer à herança dos pais.

Não nos parece, portanto, que possa ser considerado provado o citado ponto da base instrutória.

No que toca aos demais pontos impugnados – 15º a 18º, 21º, 27º a 29º e 32º - é muito ambígua e pouco clara a posição dos Apelantes.

No ponto B) 3) do corpo das alegações, dizem os Apelantes que a decisão a proferir relativamente a esses pontos deveria ser a de provado. Mas a verdade é que, em termos gerais, foi essa a decisão proferida – aquela matéria de facto foi, no essencial, julgada provada – pelo que é incompreensível tal alegação dos Apelantes.

Analisando as alegações com maior detalhe, parece depreender-se da 30ª conclusão que, no que respeita ao ponto 15º da base instrutória, os Apelantes insurgem-se contra a alteração da expressão “aqueles” por “aquelas”, mais dizendo que a resposta dada está em contradição com a que foi dada ao ponto 16º, já que a obra social da autarquia foi para alojar a família do avô materno cuja habitação ruiu, aludindo aos depoimentos de diversas testemunhas.

Refira-se que o ponto 15º tinha a seguinte redacção: “Entre os anos de 1967 e 1969, num Inverno mais rigoroso, ocorreu a ruína da casa de habitação, sita na povoação de (...) pertencente aos avós maternos da autora e das rés, onde aqueles viviam, juntamente com os pais destas?” e considerou-se provado que “Entre os anos de 1967 e 1969, num Inverno mais rigoroso, ocorreu a ruína da casa de habitação, sita na povoação de (...), pertencente aos avós maternos da Autora e das Rés, onde aquelas viviam, juntamente com os pais destas e com o respectivo avô materno”.

Não vislumbramos qual seja a relevância da alteração da expressão “aqueles” por “aquelas”, alteração que apenas terá visado esclarecer que naquela casa – pertencente aos seus avós maternos – viviam a Autora, as Rés, os seus pais e o seu avô e também não se vislumbra como e em que termos esse facto possa estar em contradição com a resposta dada ao ponto 16º. E, tendo em conta o teor dos depoimentos prestados – conforme súmula que efectuámos supra – parece indiscutível que a Autora e as Rés viviam efectivamente com os pais e o avô materno numa casa, pertencente aos avós maternos, que ruiu entre 1967 e 1969. Foi apenas isso que se considerou provado relativamente ao ponto 15º e tais factos são confirmados pelas testemunhas, sendo certo que foi precisamente a ruína dessa casa que veio a determinar o realojamento da família em terreno e casa que foram cedidas pela Santa Casa da Misericórdia e pela Cruz Vermelha.

Não se justifica, portanto, qualquer alteração.

 

 Os pontos 16º e 17º tinham a seguinte redacção: “Na sequência do que a Santa Casa da Misericórdia cedeu, a título gratuito a I... e J... um terreno para a construção de uma casa de habitação?” e “O que fez por estar em causa uma família carenciada, com necessidade de ser realojada?” e tal matéria foi considerada integralmente provada.

Apesar de terem dito, no corpo das alegações, que estes pontos deveriam ser considerados provados – o que não faz sentido, já que essa foi a decisão proferida – depreende-se das suas alegações (cfr. 35ª conclusão) que pretenderão, afinal – embora não o digam claramente –, que se considere provado que aquela cedência não foi efectuada a I... e J..., mas sim à Junta de Freguesia de x (...), na pessoa do seu Presidente, com vista ao realojamento da família carenciada do avô materno cuja habitação havia ruído.

Parece, no entanto, que, ao alegarem nestes termos, os Apelantes falam contra si próprios e contra tudo o que haviam alegado na petição inicial, já que, nessa perspectiva, o prédio pertenceria à Junta de Freguesia. A verdade é que não foi nesse sentido que depuseram o actual Presidente da Junta e o Presidente da Junta à data da aludida cedência, sendo que nenhum deles reclama para a Junta tal direito de propriedade e ambos declaram que a cedência foi feita à família, mais esclarecendo que tal cedência não teria sido efectuada á Autora (que era uma criança), mas sim aos mais velhos, designadamente aos seus progenitores.

Também aqui não se justifica qualquer alteração.

Relativamente aos pontos 18º a 21º considerou-se provado o seguinte:

Nesse terreno foi implantada uma casa pré-fabricada cedida, sem qualquer contrapartida, pela Cruz Vermelha Nacional, aos pais da Autora e das Rés, onde os pais da Autora e das Rés moraram com estas, e com o respectivo avô materno, desde data que em concreto não foi possível apurar, mas situada na década de 1970 a 1980, e até morrerem” e “Foi em data concretamente não apurada mas situada na década de 1970 a 1980, que a Junta de Freguesia de x (...), com o auxílio de populares, amigos e familiares dos pais da Autora e das Rés, procedeu à implantação da dita casa pré fabricada”.

Dizem os Apelantes – na 36ª conclusão das suas alegações – que esta resposta é incorrecta por não resistir aos argumentos expendidos a propósito dos dois pontos anteriores e porque, datada a implantação da casa “…situada na década de 1970 a 1980…” que pode bem ser 1979 ou 1980 mal se entende a aquisição originária de autora e rés com o progenitor a falecer em 1984 e a progenitora em 1993.

Refira-se, porém, que, apesar de dizerem que esta resposta é incorrecta, os Apelantes não dizem qual seria a resposta correcta. Por outro lado, os Apelantes estão a confundir matéria de facto com matéria de direito, sendo que o que importa agora fixar é a matéria de facto, independentemente das implicações que isso possa ter ao nível da aplicação do Direito.

A verdade é que todas as testemunhas declararam que no terreno cedido pela Santa Casa foi implantada em casa pré-fabricada que foi cedida, sem qualquer contrapartida, pela Cruz Vermelha; todas as testemunhas declararam que essa casa foi ali implantada pela Junta de Freguesia, com o auxílio de populares, amigos e familiares e todas as testemunhas declararam que a Autora e as Rés moraram ali com os pais e o avô materno, sendo que estes habitaram ali até à data em que faleceram. Por outro lado, e conforme já assinalámos, os depoimentos prestados não permitem estabelecer, com rigor, a data em que tal ocorreu, mas terá sido na década de 70.

Sustentam os Apelantes – ao que parece e tal como já haviam sustentado relativamente aos pontos anteriores – que a casa não teria sido cedida aos pais da Autora; ela teria sido cedida à Junta de Freguesia ou ao avô da Autora, uma vez que era dele a casa que ruiu. A verdade é que, conforme já referimos, a Junta de Freguesia não se arroga proprietária do aludido prédio e também não há notícia que os demais herdeiros do avô da Autora reclamem para a respectiva herança uma tal propriedade, não se vislumbrando sequer qual o interesse dos Apelantes em sustentar uma tal versão (versão que nunca poderia conduzir à procedência da pretensão que vieram deduzir). Importa referir que, em teoria, seria possível que aquela cedência tivesse sido efectuada ao avô materno da Autora, ainda que em conjunto com os progenitores da Autora, importando referir que as testemunhas nada conseguem esclarecer a esse propósito, já que, à data, aquela cedência foi efectuada sem quaisquer formalidades, com o propósito de realojar a família e sem qualquer preocupação de identificar a pessoa a quem aquela cedência era efectuada. Todavia, é de admitir que aquela cedência se tenha dirigido àqueles que eram os responsáveis pelo agregado familiar, ou seja, os pais da Autora, já que eram estes que tinham filhos menores e que, como tal, tinham maiores responsabilidades e é neste sentido que aponta a declaração da Santa Casa da Misericórdia de fls. 55. De qualquer forma, reafirma-se, não há notícia de que a Junta de Freguesia ou os herdeiros do avô da Autora reclamem qualquer direito sobre a aludida casa e, como tal, tudo aponta para o facto de aquela cedência se dever ter por efectuada aos pais da Autora.

Mantêm-se, assim, inalterados os citados pontos de facto.

Relativamente aos pontos 27º a 29º e 32º, considerou-se provado que:

E o quintal anexo, desde data concretamente não apurada mas posterior à da morte dos pais da Autora e Rés, foi cultivado pelos Autores com os produtos mencionados em 12 – ponto 27º da base instrutória;

Os pais da Autora e Rés cuidavam de duas oliveiras existentes no prédio e apanhavam as respectivas azeitonas – ponto 28º da base instrutória;

Actuando os pais da Autora e das Rés, e após a sua morte, a Autora e as Rés, na convicção de serem donas daquele prédio – ponto 29º da base instrutória;

O descrito de 17. a 23. ocorreu à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – ponto 32º da base instrutória.

 Não obstante impugnarem a decisão proferida no que toca a estes pontos de facto, não conseguimos entender qual é a decisão que, na perspectiva dos Apelantes, seria a correcta.

No corpo das suas alegações, os Apelantes dizem (não sabemos se por lapso ou não) que os aludidos pontos da base instrutória deveriam ter obtido a resposta de provado. Tal significaria que a impugnação deduzida se dirigia apenas aos factos que constavam desses pontos e que não foram considerados provados, o que excluiria, desde logo, os pontos 29º e 32º, uma vez que toda a matéria deles constante foi considerada provada; tal impugnação teria, pois, como finalidade levar à matéria de facto provada o facto de o quintal anexo ter sido cultivado (também) pelos pais e irmãs da Autora e o facto de os pais da Autora terem plantado as duas oliveiras existentes no quintal, já que esses são os únicos factos que constavam daqueles pontos da base instrutória e não foram considerados provados.

Não nos parece, porém, que seja essa a real intenção dos Apelantes e ainda que seja, não foi produzida qualquer prova no sentido de considerar esses factos como provados, já que, o que se extrai dos depoimentos prestados é que o cultivo do quintal começou a ser efectuado em data mais recente e depois de efectuada a instalação com vista ao fornecimento de água (foi a própria Autora que o declarou no seu depoimento de parte e esse facto foi confirmado pelas testemunhas, N..., O... e S...) não existindo prova segura de que as ditas oliveiras tenham sido plantadas pelos pais da Autora (a própria Autora negou este facto que também não é confirmado pelas testemunhas).

A verdade é que, lendo a alegação (confusa) constantes das 37ª e 38ª conclusões, não conseguimos perceber qual é, de facto, a concreta decisão que, na perspectiva dos Apelantes, deveria ter sido proferida no que toca aos aludidos pontos de facto. Tal como referimos, os Apelantes, pretendendo impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, tinham o ónus de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida, sendo certo, no entanto, que não o fizeram (pelo menos de modo compreensível).

Assim sendo, nenhuma alteração se impõe efectuar.

Mantém-se, portanto, inalterada a matéria de facto que foi fixada em 1ª instância.

Direito

Sustentavam os Autores ter adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio supra identificado e pediam que tal direito lhes fosse reconhecido; os Réus, por seu turno, sustentavam que o aludido prédio pertence à herança aberta por óbito dos pais da A. e das Rés – tendo sido adquirido por usucapião – e pediam, em reconvenção, que tal direito fosse reconhecido.

A sentença recorrida veio a considerar que o aludido prédio pertencia à aludida herança – tendo sido adquirido por usucapião – e, nessa medida, julgou procedente a reconvenção e julgou a acção improcedente, na parte que respeitava ao reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre o aludido prédio.

Inconformados com essa decisão, continuam os Autores/Apelantes a sustentar, no presente recurso, serem eles os proprietários do aludido prédio, já que, sendo os seus exclusivos possuidores, foram eles que adquiriram, por usucapião, o respectivo direito de propriedade.

Conforme decorre da matéria de facto, o aludido prédio foi entregue à Autora e seus familiares (incluindo as Rés), há mais de trinta anos, por via da acção conjugada de diversas entidades e para fazer face à situação de carência do agregado familiar que se encontrava desalojado após a ruína da casa onde viviam anteriormente. A Santa Casa da Misericórdia cedeu um terreno, a Cruz Vermelha cedeu uma casa pré-fabricada e a Junta de Freguesia, com o auxílio de populares, procedeu à implantação da aludida casa naquele terreno. Tudo isso foi efectuado sem quaisquer formalidades e documentos, inexistindo, por isso, qualquer título legítimo por via do qual o direito de propriedade sobre o aludido prédio tivesse ingressado, à data, no património das pessoas que integravam aquele agregado familiar.

Resta saber – é isso que se discute nos autos – se tal direito de propriedade foi adquirido por usucapião e se tal aquisição se deu em favor dos Autores ou a favor dos pais da A. e das Rés.   

Como é sabido e como decorre do disposto no art. 1287º do C.C., a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade ou de outro direito real pressupõe a posse do direito durante um determinado lapso de tempo, que varia em função das características da posse (relevando, para este efeito, o facto de a posse ser ou não titulada e registada e o facto de a posse ser de boa fé ou má fé). A posse que é susceptível de conduzir à aquisição do direito por usucapião tem que ser uma posse pública e pacífica (já que, como decorre do disposto no art. 1297º do C.C., os prazos para a usucapião não correm enquanto a posse for violenta ou oculta) e tem que ser uma posse efectiva (que corresponde, segundo o disposto no art. 1251º, ao poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real) e não uma detenção ou posse precária.

Como decorre da matéria de facto provada, a Autora vive naquele prédio há mais de trinta anos, sendo que, desde o seu casamento (em 1988), reside aí na companhia do Autor, seu marido; aí nasceram os seus filhos e foi nessa casa que sempre residiram, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, cultivando a superfície descoberta e executando diversas obras na casa ali implantada.

É certo, portanto, que os Autores exerceram, durante todos esses anos, o poder de facto que corresponde ao “corpus” da posse referente ao exercício do direito de propriedade.

A existência de posse não se basta, porém, com essa actuação ou poder de facto (corpus), já que, para que se possa falar em posse, será ainda necessário que exista a intenção de actuar como titular de um direito real sobre a coisa (o animus). De facto, é a existência deste elemento subjectivo (animus) que distingue o possuidor do mero detentor ou possuidor precário, já que, apesar de ambos exercerem sobre a coisa o poder de facto que corresponde ao corpus da posse, o primeiro exerce esse poder com a convicção e a intenção de actuar como titular do direito real correspondente, enquanto que o segundo actua sem essa intenção e com a convicção de que o direito não lhe pertence e que apenas actua por tolerância ou permissão do titular do direito e, portanto, em nome deste (cfr. art. 1253º).

Todavia, apesar de não prescindir da existência do animus, o legislador – consciente das dificuldades de prova desse elemento subjectivo – presumiu a sua existência, determinando – no art. 1252º – que, existindo dúvidas relativamente ao facto de a posse ser exercida pessoalmente ou por intermédio de outrem, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. E, portanto, caberá àquele que se arrogue a posse provar que quem exerce o poder de facto não é realmente possuidor por estar em causa uma mera detenção ou posse exercida em seu nome.

Assim, dado que são os Autores que detêm esse poder de facto – poder que detêm, de forma exclusiva, a partir de 2001 (data em que a Ré deixou de habitar naquela casa) – presumir-se-ia que eram eles os possuidores e, portanto, caberia aos Réus demonstrar que estava em causa uma mera detenção ou posse exercida em nome da herança dos pais da Autora e dos Réus.

Importa notar, porém, que, ao presumir a posse naquele que exerce o poder de facto, o citado art. 1252º ressalva expressamente o disposto no nº 2 do art. 1257º, onde se estabelece a presunção de que a posse continua em nome de quem a começou.

Ora bem.

A posse exercida pelos Autores não é uma posse nova, pois que, como decorre da matéria de facto, quem a começou foram os progenitores da Autora. Foram eles que receberam aquela casa e respectivo terreno para albergar o seu agregado familiar, quando a Autora era ainda criança; foram eles quem, na companhia das filhas (a Autora e as Rés) e do avô materno, passaram a habitar e residir naquela casa (o que fizeram até à data em que faleceram, em 1984 e 1993); eram eles que cuidavam das duas oliveiras existentes no prédio e apanhavam as respectivas azeitonas, fazendo tudo isso à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e com a convicção de serem os donos daquele prédio.

Após a morte dos pais, aqueles actos passaram a ser praticados pela Autora e pelas irmãs que ainda aí habitavam (designadamente a Ré C...) e, após a saída da Ré C..., tais actos passaram a ser praticados pelos Autores.

No entanto, esta posse – exercida pela Autora e suas irmãs e, a partir de dado momento, exercida apenas pelos Autores – não é uma posse nova (pelo menos nada se alegou e provou nesse sentido), mas sim a continuação da posse que os seus pais exerceram até à sua morte. De facto, tendo sido os pais da Autora quem começou essa posse, presumindo a lei que a posse continua em nome de quem a começou (art. 1257º, nº 2) e não tendo sido ilidida tal presunção, impõe-se concluir que a posse exercida pelos Autores, após a morte dos pais da Autora, era feita em nome destes (ou em nome da respectiva herança), sendo mera continuação da posse que estes detinham.

E isso significa que a posse exercida pelo Autores não era exercida em nome próprio, mas sim em nome da herança aberta por óbito dos pais da Autora e, portanto, também em nome dos demais sucessores (as Rés).

De facto, e como preceitua o art. 1255º, por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[1], isso significa que “…o sucessor não precisa de praticar qualquer acto material de apreensão ou utilização da coisa…para ser havido, para todos os efeitos legais, como possuidor; ele pode inclusivamente ignorar a existência da posse”. E, portanto, ainda que, a partir de dado momento, as Rés não tenham praticado qualquer acto material sobre os aludidos imóveis, elas também sucederam – juntamente com a Autora – na posse que os seus pais detinham sobre aquele imóvel.

Devendo considerar-se, por força das aludidas presunções, que a posse exercida pelos Autores é mera continuação da posse que era exercida pelos pais da Autora e que, como tal, é exercida em nome da respectiva herança, caberia aos Autores/Apelantes demonstrar qualquer acto que tivesse a virtualidade de inverter o título da posse e que, ao abrigo do disposto nos arts. 1263º, d) e 1265º do CC, permitisse concluir que havia cessado a posse anterior (exercida em nome dos pais da Autora ou da respectiva herança) e que se havia iniciado uma nova posse exercida pelos Autores em nome próprio e exclusivo.

A verdade é que os Autores não alegaram a existência de qualquer acto que tivesse a virtualidade de inverter o título da posse e, como tal, impõe-se concluir que a posse por eles exercida não era uma posse em nome próprio e exclusivo, mas sim em nome da herança aberta por óbito dos pais da Autora e, portanto, em nome dos respectivos herdeiros (a Autora e as Rés).

É certo, portanto, que a posse assim exercida não permite aos Autores a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o aludido prédio; tal posse – porque exercida, como vimos e como o legislador presume, em nome da herança – apenas poderá facultar a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade à aludida herança, atendendo ao tempo decorrido e dado que não existem quaisquer indícios de estar em causa uma posse oculta ou violenta.

Ao contrário do que sustentam os Apelantes – cfr. 10ª conclusão das suas alegações – a posse das Rés não é uma posse antiga face à nova posse dos Apelantes que dura há mais de dez anos; na realidade, presumindo o legislador, como se referiu, que a posse continua em nome de quem a começou e não tendo sido ilidida tal presunção – porquanto os Autores/Apelantes não invocaram qualquer inversão do titulo da posse e não provaram que exerçam a posse em nome próprio e exclusivo – impõe-se considerar que a posse exercida pelos Autores não é uma posse nova, mas sim a continuação da posse que foi exercida pelos pais da Autora e que, por morte destes, continuou nos seus sucessores.

E, porque assim é, essa posse não confere aos Autores qualquer presunção da titularidade do direito, por efeito do disposto no art. 1268º do CC; tal presunção apenas poderia existir a favor da herança aberta por óbito dos pais da Autora, já que, como se referiu, é essa herança a verdadeira possuidora do imóvel pois é em nome dela que se presume ser exercida a posse dos Autores.

Por outro lado, a circunstância de as Rés terem deixado de praticar qualquer acto material sobre o aludido imóvel é totalmente irrelevante, já que, como supra se referiu e como resulta do disposto no art. 1255º, por morte do seus progenitores, a posse que estes detinham continuou nos seus sucessores (a A. e as Rés) desde o momento da morte e independentemente da apreensão material da coisa e, portanto, independentemente de as Rés terem ou não praticado qualquer acto material sobre o aludido imóvel.

Dizem ainda os Apelantes que se o imóvel incorpora alguma herança teria que ser a herança aberta por óbito do avô materno, cuja família e ele próprio, foi alojada no imóvel dos autos, por força da ruína da casa àquele pertencente, pelo que, a haver composse, ela deveria incluir todos os herdeiros do avô materno.

Refira-se, mais uma vez, que não entendemos qual seja o interesse dos Apelantes nesta alegação, quando é certo que ela não conduziria à procedência da sua pretensão – apenas alargaria o número de interessados concorrentes à partilha do imóvel – e quando é certo que não há notícia de quem alguém tenha reclamado para essa herança qualquer direito ao aludido imóvel.

De qualquer forma, a matéria de facto provada – e apenas a esta poderemos atender – não permite essa conclusão (sendo certo, aliás, que tal questão nunca foi invocada e sustentada nos articulados), já que a mera circunstância de a casa que ruiu pertencer ao avô materno da Autora não permitiria afirmar que o imóvel dos autos lhe pertencia e que, por isso, integrava a sua herança. Com efeito, a cedência do terreno e da casa que está em causa nos autos não visou, propriamente, substituir (no património do respectivo proprietário) a casa que havia ruído; aquela cedência visou satisfazer as necessidades de alojamento de um determinado agregado familiar, dada a ruína da casa onde habitava e dada a situação de carência em que se encontrava e, nessa medida, o normal seria que essa cedência se tivesse dirigido aos progenitores da Autora, já que eram eles quem tinha à sua guarda e sob a sua responsabilidade a maior parte dos elementos do agregado e, designadamente, filhos menores. É isso, aliás, que resulta da matéria de facto e, como tal, nenhuma razão encontramos para sustentar que o imóvel em causa pertence à herança aberta por óbito do avô da Autora.

Assim, e em face do exposto, improcede o recurso e confirma-se a sentença recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Presumindo-se que a posse continua em nome de quem a começou (art. 1257º, nº 2, do C.C.) e determinando o art. 1255º do mesmo diploma que, por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, independentemente da apreensão material da coisa, deverá presumir-se que a posse exercida por um sucessor/herdeiro do inicial possuidor, após a morte deste, não é uma posse nova mas mera continuação da posse inicial que, como tal, não é exercida em nome próprio, mas sim em nome da herança aberta por óbito do possuidor inicial, ainda que os demais sucessores não tenham praticado qualquer acto material sobre a coisa.

II – Nestes termos, a posse assim exercida pelo sucessor, sem que tenha sido demonstrado qualquer acto capaz de inverter o título de posse, não terá aptidão para facultar ao sucessor a aquisição do direito por usucapião e apenas releva para efeitos de aquisição do direito, por usucapião, a favor da herança aberta por óbito do anterior possuidor.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. revista e actualizada (reimpressão), pág. 13.