Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1982/12.5TBMGR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
PROCESSO. REVERSÃO FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 23º E 24º DA LGT; 88º DO CIRE.
Sumário: 1.- A responsabilidade tributária subsidiária (regulamentada no art. 24 da LGT) efectiva-se através do chamado processo de reversão fiscal (art.23 nº1 LGT).

2.- Nos termos do art.88 do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão automática da execução pendente contra o insolvente, mesmo as execuções fiscais, conforme art. 180 do CPPT.

3.- Atento o princípio da auto-suficiência do processo de insolvência e dada a natureza e finalidade do apenso de verificação de créditos, é aqui a sede própria para se conhecer da existência do crédito contra o insolvente (reclamado pela Fazenda Nacional), designadamente quanto pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.- Na Comarca da Marinha Grande, por sentença de 2/1/2013, foi declarada a insolvência de J… e V...

            1.2.- Os credores - Banco C…, SA, Banco I…, SA, Banco A…, SA, O…, SA e Fazenda Nacional reclamaram os seus créditos.

            O Administrador de Insolvência juntou a lista definitiva de credores (fls. 26 e segs.), reconhecendo todos os créditos.

            1.3.- O insolvente J… impugnou a lista de credores relativamente ao crédito da Fazenda Nacional (€ 19.877,63), excepcionando a prescrição quanto ao imposto do selo e alegou inexistir culpa da sua parte na insuficiência do património da devedora original, pelo que não pode operar a reversão da dívida fiscal.

            Respondeu o Ministério Público alegando, em síntese, que a reversão das dívidas fiscais da sociedade “M…, Lda” tornou-se definitiva, uma vez que não deduziu oposição na execução fiscal e não está prescrita a dívida pelo imposto de selo.

            1.4.- Por sentença de 28/11/2013 decidiu-se, nos seguintes termos:

“ A) Julgar a impugnação deduzida pelo insolvente J… totalmente improcedente;

“ B) Reconhecer os créditos de BANCO C…, S.A., BANCO I…, S.A., Banco A…, S.A., O…, S.A. e FAZENDA PÚBLICA;

“C) Graduar os créditos nos seguintes termos:

1) No que se refere ao produto da venda do direito de compropriedade incidente sobre o prédio urbano sito em …:

(i) Em primeiro lugar, o crédito hipotecário do BANCO C…, S.A. de 289.103,26€;

 (ii) Em segundo lugar, os créditos comuns de BANCO C…, S.A., BANCO I…, S.A., Banco A…, S.A., O…, S.A. e FAZENDA PÚBLICA;

 (iii) Em terceiro lugar, o crédito subordinado do BANCO C…, S.A., no valor de 9.985,63€;

2) No que concerne ao produto da venda dos direitos de compropriedade incidentes sobre os prédios rústicos descritos sob as verbas n.º 2) e 3) e demais bens apreendidos:

(i) Em primeiro lugar, os créditos comuns de BANCO C…, S.A., BANCO I…, S.A., Banco A…, S.A., O…, S.A. e FAZENDA PÚBLICA;

 (ii) Em segundo lugar, o crédito subordinado do BANCO C…, S.A., no valor de 9.985,63€.


*

Custas imputáveis à massa insolvente, as quais são precípuas (art.º 304.º do CIRE).

*

Registe e notifique. “.

1.5.- Inconformado, o insolvente recorreu de apelação com as seguintes conclusões:

Não foram apresentadas contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto do recurso

            As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:

            (1ª) Prescrição da dívida fiscal ( imposto de selo);

(2ª) Tendo o insolvente deduzido (no apenso de verificação de créditos) impugnação ao crédito fiscal, saber se está legitimado no processo de insolvência a infirmar os pressuposto da reversão fiscal (os efeitos da insolvência na responsabilidade tributária subsidiária).

            2.2.- Os factos provados

Os créditos fiscais reclamados pela Fazenda Pública reportam-se  a IVA de Novembro e Dezembro de 2006, IMI de 2006, IRC de 2006, IRS de 2005 e 2006 e Imposto de Selo de 2004 (de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro);

A liquidação do imposto de selo ocorreu em Fevereiro de 2008;

O imposto de selo referenciado foi objecto do processo de execução fiscal n.º ... , sendo que o mesmo foi apenso ao processo de execução fiscal n.º …, no qual o insolvente foi citado como responsável subsidiário em 7.1.2013.

A sociedade M…, Lda foi declarada insolvente por sentença de 23/9/2008.

J… foi gerente da sociedade

2.3.- O mérito do recurso

O processo de insolvência é “uma estrutura complexa”, com especificidades próprias, e dada a finalidade precípua e a insatisfação completa dos credores, não se limita a um fim exclusivamente liquidatório, apresentando-se como um “processo concursal”.

A verificação de créditos ( arts.128 a 140 CIRE ) tem sido qualificada como processo declarativo da acção de insolvência, embora com especialidades, que corre por apenso (art.132), e por conseguinte com uma estrutura autónoma, mas funcionalmente conexa, que comporta quatro fases ( apresentação, saneamento, instrução e julgamento ).

Assume importância por força do chamado “princípio da exclusividade”, de acordo com o qual “ o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado” (art.178), mesmo que o crédito já esteja reconhecido por sentença transitada em julgado emitida fora do âmbito do processo de insolvência (art.128 nº3 ).

A fase do saneamento inicia-se com a tentativa de conciliação, para a qual são convocados todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador, após o que o processo é concluso para despacho, nos termos dos arts.510 e 511 do CPC (art.595, 596 nCPC).

No saneador o juiz deve considerar verificados os seguintes créditos, em relação aos quais o despacho saneador tem o valor se sentença de verificação e graduação de créditos (art.136 nº6): os aprovados por todos os presentes (art.136 nº 2 e 4); os que constem da lista de créditos reconhecidos e não impugnados (art.136 nº4); os créditos que possam ser considerados verificados face aos elementos de prova contidos nos autos (art.136 nº5).

Se no momento do saneador algum dos créditos carecer de prova, por os factos estarem controvertidos, impõe-se a selecção da matéria de facto constante das impugnações e respostas, por força do art.136 nº3 CIRE , sendo que a graduação de todos os créditos apenas ocorrerá na sentença final (art.136 nº7).

1ª QUESTÃO

Sobre a prescrição da dívida pelo imposto do selo, aduziu-se na sentença, além do mais, a seguinte fundamentação:

“ Na situação sub judice, sopesando-se os documentos juntos aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, os quais possuem força probatória plena formal e material, nos termos dos arts. 369.º/1, 370.º/1 e 371.º/1, do Código Civil, a qual não foi ilidida e tampouco arguida a sua falsidade, atesta-se que:

(i) aferindo-se a certidão de fls. 139-142, constata-se que os créditos fiscais reclamados pela Fazenda Pública concernem a IVA de Novembro e Dezembro de 2006, IMI de 2006, IRC de 2006, IRS de 2005 e 2006 e Imposto de Selo de 2004 (de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro);

(ii) a liquidação do imposto de selo ocorreu em Fevereiro de 2008 (fls. 141;

(iii) o imposto de selo referenciado foi objecto do processo de execução fiscal n.º …, sendo que o mesmo foi apenso ao processo de execução fiscal n.º …, no qual o insolvente foi citado como responsável subsidiário em 7.1.2013.

Equacionando-se a predita factualidade, conclui-se linearmente que a contagem do prazo de prescrição de oito anos do imposto de selo se iniciou em 1.1.2005, interrompendo-se com a citação da devedora originária em 2008 e reiniciando-se, assim, a contagem do mesmo nesta data.

Concomitantemente, aferindo-se que a liquidação do mencionado imposto ocorreu em Fevereiro de 2008 e que a citação do insolvente se verificou em Janeiro de 2013, atesta-se que a mesma ocorreu no decurso do prazo de cinco anos após a predita liquidação, i.e., a causa interruptiva imanente à citação da devedora originária produziu os seus efeitos típicos relativamente ao responsável subsidiário/insolvente (art.º 48.º/2, da LGT), inaplicando-se, assim, a regra especial plasmada no art.º 48.º/3, da Lei Geral Tributária.

Em consequência, enunciando-se que se reiniciou a contagem do prazo de prescrição de oito anos do imposto de selo em 2008, com a citação da devedora originária, infere-se linearmente que o mesmo ainda não se afigura transcorrido, i.e., a mencionada obrigação fiscal não está prescrita, postulando-se, assim, a sucumbência deste fundamento da impugnação.”.

Porque consistente e dogmaticamente correcta, adere-se inteiramente à argumentação exposta.

2ª QUESTÃO

A segunda questão consiste em saber se o insolvente, porque deduziu (no apenso de verificação de créditos) impugnação ao crédito fiscal, está legitimado no processo de insolvência a infirmar os pressuposto da reversão fiscal, o que postula, em termos mais abrangentes, o problema dos efeitos da insolvência na responsabilidade tributária subsidiária.

A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação (logo no saneador), com base em dois argumentos:

i)A preclusão do direito de impugnar os pressupostos da reversão, em virtude de não haver deduzido oposição à execução fiscal, no prazo legal (art. 203 CPPT );

ii) A cognição/aferição dos actos materialmente administrativos efectivados no processo de execução fiscal é adjudicada à jurisdição administrativa e fiscal, em convergência com o positivado nos artigos 151.º/1 do CPPT e 49.º/1, al. d), do ETAF.

Em contrapartida, objecta o apelante dizendo que foi citado (em 15/1/2013) na execução fiscal já depois da declaração de insolvência, logo estava impedido de deduzir oposição, por força da suspensão imposta pelo art. 88 do CIRE, e, por outro lado, os créditos não impugnados em sede de oposição à execução fiscal podem ser impugnados no processo de insolvência, por força do princípio da auto-suficiência e da extensão da competência material.

A responsabilidade tributária subsidiária (regulamentada no art. 24 da LGT) efectiva-se através do chamado processo de reversão fiscal (art.23 nº1 LGT).

Quando o devedor principal (a sociedade) não pague as dívidas tributárias e não tenha bens suficientes, dá-se a reversão que, por razões de economia processual, permite-se que o processo executivo pendente contra o devedor originário possa continuar contra o responsável subsidiário, evitando-se a instauração de novo processo executivo.

O art. 23 da LGT e o art.153 do CPPT estabelecem as condições em que pode ser accionada a reversão, a qual se dá, após audição prévia, com acto administrativo (despacho) da Administração Fiscal.

O revertido, perante o acto, tem vários meios de reagir, de entre os quais a oposição à execução fiscal (art. 203 CPPT) que é próprio para se conhecer dos pressupostos da responsabilização subsidiária (cf., por ex.Ac STA de 29/6/2005, proc. nº 0501/05, Ac STA de 2/5/2012, proc. nº 300/2012, Ac TCAN de 8/5/2008, proc. nº 01376/04, em www dgsi.pt).

No caso concreto, sabe-se que quando o apelante foi citado para a execução fiscal já havia sido declarado insolvente, pelo que importa considerar as implicações processuais decorrentes.

Proferida sentença declaratória de insolvência, os bens do devedor integram a massa insolvente e são imediatamente apreendidos, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos seja em que processo for (art.149 nº1 a) CIRE), e confiados a um administrador judicial (art.150 CIRE), pois a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens que ele adquira na pendência do processo (art.46 nº1 CIRE).

            É que sendo o processo de insolvência de execução universal ou de liquidação em benefício dos credores (art.1º CIRE), estabelece-se o princípio da plenitude da instância falimentar, estando subjacente o princípio da par conditio creditorum, destinado a impedir que algum credor possa, por via distinta do processo de insolvência, obter uma satisfação mais rápida e completa, em detrimento dos restantes credores.

            Os efeitos processuais consistem em quatro providências: a apreensão de certos elementos e bens do devedor integrantes da massa insolvente (arts.36 g) e 149 CIRE); a apensação (arts. 85 nº1, 86, nº1 e 2, 89 nº2 CIRE); a impossibilidade de instauração das acções executivas pelos credores da insolvência (arts.88 nº1 e 89 nº1 CIRE); a suspensão de certas acções (arts.87 nº1 e 88 nº1 CIRE).

            A lei prevê duas hipóteses de apensações: a apensação a requerimento do Administrador de Insolvência, segundo critérios de oportunidade ou conveniência (art.85 nº1 CIRE) e a apensação oficiosa (automática) das acções em que tenha havido qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (art.85 nº2 CIRE).

            As execuções contra o devedor, pendentes à data da declaração de insolvência, são automática e imperativamente suspensas e havendo outros executados apenas prossegue contra eles, conforme prescreve o art.88 nº1 CIRE.

            Por conseguinte, nos termos do art.88 do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão automática da execução pendente contra o insolvente, mesmo as execuções fiscais, conforme art. 180 do CPPT. Sendo assim, estava o insolvente impedido de deduzir oposição à execução fiscal ( note-se que a omissão do acto da suspensão sempre implicaria até nulidade processual, com a subsequente anulação, logo também do prazo para a oposição ).

            Por outro lado, por força do princípio da auto-suficiência do processo de insolvência, e dada a natureza e finalidade do apenso de verificação de créditos, é aqui a sede própria, em face da deduzida impugnação, para se conhecer da existência do crédito contra o insolvente (que exige a estabilização dos pressupostos da reversão).

            Ora, estando controvertido os factos, não podia o tribunal conhecer, desde logo, no saneador, impondo-se o prosseguimento do processo.

            2.4.- Síntese conclusiva

1.- A responsabilidade tributária subsidiária (regulamentada no art. 24 da LGT) efectiva-se através do chamado processo de reversão fiscal (art.23 nº1 LGT).

2.- Nos termos do art.88 do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão automática da execução pendente contra o insolvente, mesmo as execuções fiscais, conforme art. 180 do CPPT.

3.- Atento o princípio da auto-suficiência do processo de insolvência e dada a natureza e finalidade do apenso de verificação de créditos, é aqui a sede própria para se conhecer da existência do crédito contra o insolvente (reclamado pela Fazenda Nacional), designadamente quanto pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decide-se

1)

            Julgar parcialmente procedente a apelação e determinar o prosseguimento da acção.

2)

            Custas pela massa insolvente.

            Coimbra, 23 de Setembro de 2014.


( Jorge Arcanjo - Relator )

( Teles Pereira )

( Manuel Capelo )