Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1275/12.8TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
ARRENDATÁRIO
PRÉDIO URBANO
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.416, 1091 CC, 47 RAU
Sumário: 1. - O que releva, para aferir da (in)tempestividade da manifestação de vontade de exercer o direito de preferência, não é a data em que o vendedor recebeu a missiva do preferente, mas a data em que este lha enviou e na qual está plasmada a sua declaração de preferir.

2.- O arrendatário de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, continua a ter, perante o disposto no artº 1091º nº1 al.a) do CC, direito de preferência na venda ou dação em pagamento do prédio.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

J (…) e mulher, M (…), intentaram contra I (…), M (…)  e A (…) a ação declarativa, de condenação,  com forma de processo ordinário.

 

Peticionaram:

Lhes seja reconhecido o direito de haver para si o prédio vendido, melhor identificado, condenando-se os Réus a reconhecê-lo e substituir os segundos réus na sua titularidade e posse mediante o pagamento pelos autores do preço e das despesas da escritura e IMT, cujo depósito vai ser feito.

Para tanto alegaram:

São inquilinos através de um contrato de arrendamento comercial celebrado por escritura de trespasse do rés-do-chão do prédio urbano que identificam.

Por escritura pública lavrada em 31 de julho de 2012, os dois primeiros co-Réus  venderam, na proporção de metade indivisa da propriedade plena e usufruto da restante metade indivisa do prédio daquela primeira e a nua propriedade dessa mesma metade indivisa deste último, do prédio supra descrito, ao co-Réu A (…), sem permitir aos Autores o exercício do direito de preferência que a lei lhes confere.

O co-Autor marido – e só este e não a Autora esposa -, foi notificado em 5 de julho da pretensão da venda do referido imóvel ao co-Réu A (…) pelo preço de €220.000,00, referindo aí que o preço deveria estar integralmente pago na data da escritura de transmissão, a celebrar no dia 30 de julho de 2012, pelas 15:00 horas, no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova.

Em tal notificação para o exercício do direito de preferência não constou a forma  e tempo de pagamento do preço, nem o valor do sinal pago, não é foi feita a descrição matricial do prédio nem os elementos do registo predial, elemento essencial para a identificação do imóvel,  elemento este essencial que influi decisivamente na formação da vontade de preferir ou não preferir. Razão pela qual tal notificação é nula.

 A mesma foi dirigida apenas ao cônjuge marido, quando tal direito pertencia a ambos os cônjuges, uma vez que vigora entre eles o regime da comunhão de adquiridos e o direito de arrendamento do estabelecimento comercial pertence a ambos os cônjuges por tal direito ter sido adquirido já na constância do matrimónio. Não foi, por isso cumprido o disposto no artigo 1463º do Código de Processo Civil.

Na referida carta era concedido o prazo de 8 (oito) dias para exercer o direito de preferência. Tal notificação mereceu resposta por parte do autor marido, com data de 13 do mesmo mês, onde expressamente se informou que pretendiam exercer o direito de preferência na aquisição do prédio pelo preço de €220.000,00. Aí também se solicitava que fosse concedida uma dilação de um prazo nunca superior a 60 dias para a celebração da escritura de compra e venda, para que fosse ultimado o processo de financiamento iniciado logo após a notificação para o exercício do direito de preferência.

Apesar de não ter sido obtida qualquer resposta à comunicação do interesse no exercício do direito de preferência, foi em 20 de julho feita uma comunicação, via fax, em aditamento à primeira, informando que estavam criadas todas as condições para que a escritura se realizasse a favor dos autores no dia e hora pré-estabelecidos, tendo sido solicitado que fosse informado de todos os elementos necessários com vista ao pagamento do IMT, já que da notificação inicial para o exercício do direito de preferência não constavam todos os elementos.

Mais se solicitava que fosse indicado o nome da pessoa ou pessoas a quem deveria ser emitido o cheque de pagamento, a fim de ser entregue no ato da celebração da escritura de compra e venda. Apenas em 25 de julho findo foi recebida comunicação apenas em nome do autor marido, negando o direito de preferência que lhe assiste, não deixando, no entanto de referir o seguinte: “se não for encontrada uma solução consensual, que privilegiamos, importa definir quem irá assumir na escritura a qualidade de comprador”.

Em 26 do mesmo mês, via fax, foi enviada pelo autor marido nova comunicação à mandatária dos réus, informando que reitera a pretensão do exercício do direito de preferência e que por isso se apresentaria no dia e hora marcados para que a escritura de compra e venda fosse celebrada para seu nome, indo munido do meio de pagamento necessário.

 Por isso, na data marcada para a celebração da escritura, o co-Autor marido apresentou-se no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova a fim de que fosse celebrada a escritura a seu favor, o que na realidade não aconteceu, muito embora tenha sido alertada a Senhora Notária da presença do co-Autor marido através de uma comunicação escrita e alertados os vendedores do direito que assiste, tendo, no entanto, sido vã a pretensão.

Sendo os autores inquilinos do rés-do-chão do prédio em causa, cabia-lhes tal direito por força da alínea a) do nº 1 do artigo 1091º do Código Civil.

Tal direito foi exercido cabalmente dentro do prazo concedido para o efeito. Tal direito foi-lhes negado pelos réus, mesmo sabendo do direito que foi exercido.

Citados os réus apenas co-Réu A (…) apresentou contestação.

Por exceção invocou a caducidade do direito de exercício da preferência porquanto foi-lhe comunicado tanto pela empresa mediadora como pelos co-Réus vendedores que os arrendatários (…)apesar de regularmente notificados para preferir, nada disseram, ou seja, não manifestaram qualquer intenção de aquisição do imóvel e que o aqui Autor apresentou uma resposta ao direito de preferência extemporânea e inconclusiva, ou seja, que tinha operado a caducidade do seu direito à preferência.

Ademais, apenas o Autor J (…) consta como segundo outorgante do contrato de trespasse celebrado. Para que fossem os dois (marido e mulher) partes nesse contrato, teria que se dizer que os segundos outorgantes eram os aqui Autores, (…) casados um com o outro, e não que aquele era casado com esta. Por conseguinte, ao Autor marido, ao contrário do que alega, foi sim permitido exercer o direito de preferência na transmissão do imóvel.

Acontece, porém, que o Autor marido não apresentou a sua resposta à notificação para exercer o direito de preferência dentro do prazo legalmente fixado para o efeito. De facto, tendo sido notificado para preferir, na compra e venda do imóvel, no dia 5 de Julho de 2012, a sua resposta apenas chegou ao conhecimento dos proprietários do imóvel (aqui co-Réus) no dia 17 de Julho de 2012, ou seja, depois de findo o prazo legal de oito dias. Assim, foi extemporânea a resposta do autor à notificação para exercício do direito de preferência.

Ainda que assim não fosse da resposta do Autor não se retira a sua intenção inequívoca em outorgar o contrato de compra e venda do imóvel, pois o mesmo alega que precisa de, pelo menos, sessenta dias para tentar obter um empréstimo bancário para aquisição do imóvel.

Assim, o Autor apresentou, fora do prazo legal, aos proprietários do imóvel uma situação de incerteza quanto à aquisição do imóvel, não declarou que sim, que pretendia exercer o direito de preferência e que tinha s condições necessárias para esse efeito, logo renunciou à preferência.

Mais, a alegada omissão de elementos na comunicação para a preferência não assumiu relevo material ou substancial para o Autor, pois ele só não a exerceu na altura por causas a ele imputáveis.

Deve, com base em todo o supra exposto, ser declarada a caducidade do direito de preferência do autor.

Arguiu ainda a inexistência do direito de preferência na esfera dos Autores porquanto o artigo 1091º, n.º 1, al. a) do Código Civil refere que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda do local arrendado há mais de três anos.

 Este normativo consagra o princípio da coincidência do objeto do direito de preferência com o direito preexistente que a justifica. Por isso, ou o direito de preferência se pode exercer apenas em relação ao local arrendado ou não se pode exercer.

Ora, os autores dizem-se inquilinos do rés-do-chão, e os co- Réus vendedores pretendiam alienar todo o prédio urbano e não somente o rés-do-chão. Pelo que, os Autores, arrendatários de parte do prédio, não gozam do direito de preferência na compra e venda da totalidade do prédio.

Por impugnação impugnaram os factos vertidos nos artigos 4º, 6º, 7º, 8º, 15º, 16º, 17º, 21º, 33º a 35º, 45º, 48º, 53º da petição inicial.

De acordo com informação prestada ao Réu comprador pela sociedade mediadora imobiliária e pelos co-Réus vendedores os co-Autores foram regularmente notificados para exercer o direito de preferência na alienação do imóvel e tanto assim é que apresentaram resposta a essa notificação, contudo essa resposta além de ter sido extemporânea foi também uma renúncia ao exercício da preferência, pois os Autores alegaram que não tinham as condições financeiras necessárias para adquirir o bem imóvel.

Por conseguinte, o contrato de compra e venda celebrado entre os três réus é legalmente válido e não pode ser declarado nulo.

Mais, a eventual declaração de nulidade da venda não é oponível ao aqui réu (comprador) por a situação se enquadrar na previsão do artigo 291º do Código Civil. O réu (comprador) é titular de um direito real; esse direito foi adquirido a título oneroso; tem por objeto um bem imóvel sujeito a registo. O réu é portanto terceiro de boa-fé, pois que no momento da aquisição do imóvel aqui em referência, desconhecia, sem culpa, os alegados vícios.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos t endo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:

«5.1. Reconhecer o direito de preferência dos Autores na venda do prédio urbano sito em …composto por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, inscrito na matriz sob o artigo 640 e descrito na C. R. Predial de Coimbra sob o n.º 170;

5.2. Condenar os …a reconhecerem aos Autores o direito de preferência na venda outorgada …e, em consequência, investir os Autores na posição de compradores, mediante o pagamento ou depósito do preço aí convencionado, que corresponde a quantia de € 220.000,00.»

3.

Inconformado recorreu o réu constestante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.

O tribunal a quo errou na interpretação que fez do disposto no artigo 1091.º, n.º 1, do Código Civil.

2.

Os apelados são arrendatários do rés-do-chão do prédio urbano indiviso que foi adquirido pelo apelante.

3.

O apelante adquiriu a totalidade do prédio indiviso, ou seja, o prédio em apreço não está constituído em propriedade horizontal.

4.

Preceitua o citado artigo 47.º, n.º 1 do R.A.U. que o arrendatário do prédio urbano ou da sua fracção autónoma tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano.

5.

E o artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do Código Civil (CC) estabelece que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos.

6.

Assim, da letra da lei (de ambos os preceitos legais: 47.º, n.º 1 do R.A.U e 1091.º, n.º 1, al. a) do C.C.) se retira expressamente que o arrendatário apenas tem direito de preferir na coisa locada.

7.

Como a compra e venda em causa ocorreu em 30 de Julho de 2012, considerando o disposto o disposto no artigo 59.º, n.º 2, do N.R.A.U., aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, a pretendida titularidade do direito de preferência deve ser apreciada de acordo com a disciplina do N.R.A.U.

8.

O locado tanto pode ser o prédio no seu todo como parte do prédio.

9.

In casu, os apelados tomaram de arrendamento apenas o rés-do-chão do prédio urbano adquirido pelo apelante.

10.

E tanto o artigo 47.º, n.º 1, do RAU como o artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do Código Civil consagram o princípio da coincidência do objecto do direito de preferência com o do direito preexistente que a justifica.

11.

Por isso, o direito de preferência se pode exercer apenas em relação ao local arrendado ou não se pode exercer.

12.

Com efeito, a aplicação da disposição legal 1091.º, n.º 1, al. a) do CC está dependente do que se entender como “local arrendado” para efeitos de exercício do direito de preferência.

13.

E, em nosso modesto entendimento, o sentido e alcance do preceito contido no artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do CC, - e que resulta expressamente da lei – é que local arrendado é o imóvel que é objecto do contrato de arrendamento existente entre as partes.

14.

Os apelados não são arrendatários da totalidade do prédio indiviso, logo não têm direito de preferência para adquirir a totalidade do prédio indiviso.

15.

Acresce referir que o legislador ao editar o N.R.AU. mantém a referência “local arrendado” e consequentemente, não ignorando a questão visto o disposto no artigo 9.º, n.º 3, do CC, certamente quis significar que o arrendatário de parte do prédio não goza de direito de preferência na compra e venda da totalidade do prédio.

16.

Efectivamente se assim não o entendesse utilizaria uma fórmula idêntica à legislação anterior ao R.A.U., idêntica designadamente ao artigo 1.º, n.º 1, da Lei 63/77, de 25 de Agosto, que estabelecia que o locatário de imóvel urbano, portanto locatário de todo o imóvel ou de parte dele, tinha o direito de preferência na compra e venda do mesmo, ou seja, na compra do imóvel, ou estabeleceria com toda a precisão que os arrendatários do prédio, ou de parte dele, teriam direito de preferência na venda do mesmo.

17.

O direito de preferência só pode ter a extensão do direito de arrendamento, logo não pode estender-se o direito de preferência a objecto que exceda o local arrendado.

18.

Consequentemente, os apelados, arrendatários de parte do prédio, não gozam do direito de preferência na venda da totalidade do prédio.

19.

Por conseguinte, a decisão ora recorrida viola o disposto no artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do CC ao reconhecer que os apelados têm direito de preferência na compra e venda do prédio em questão, fazendo uma interpretação extensiva que não tem qualquer correspondência com a letra da lei, nem com os seus elementos teleológico, sistemático e histórico, deturpando assim, por excesso, o seu sentido e alcance.

20.

Só existe direito de preferência em relação ao local arrendado, e local arrendado só pode ser entendido como sendo o imóvel ou parte dele que é objecto do contrato de arrendamento.

21.

A letra da lei é o ponto de partida da interpretação, in casu, o artigo 1091, n.º 1, al. a) do CC comporta apenas um sentido, logo é esse o sentido da norma: o arrendatário só tem direito de preferência sobre o local arrendado e objecto desse mesmo contrato de arrendamento.

22.

Neste conspecto, e ao contrário do veiculado pelo Tribunal “a quo”, no caso em apreço, por a aplicação e interpretação literal da lei – 1091.º, n.º 1, al. a) do Código Civil – os apelados não gozam do direito de preferência na compra e venda da totalidade do prédio indiviso adquirido pelo apelante.

23.

Ainda que assim não se entenda (que os apelados não tinham direito de preferência), o que só por mera hipótese académica se aventa, sempre se dirá que os autores foram regularmente notificados para o exercício do direito de preferência e que tomaram conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

24.

A notificação dirigida aos preferentes nos termos do artigo 416.º do CC não configura uma proposta de contrato, mas apenas e tão só a informação da existência de um projecto de contrato que tem para com um terceiro, dando-lhes, desse modo, a oportunidade de preferir no projecto negociado.

25.

Conforme se pode ver no documento n.º 1 anexo à petição inicial, no contrato de trespasse do rés-do-chão do prédio aqui em questão apenas figura como outorgante o apelado J (...) , facto dado como provado no ponto B da sentença ora colocada em crise.

26.

Logo, a notificação para a preferência só tinha que ser dirigida ao apelado J (...) , como foi.

27.

Os termos em que foi efectuada essa comunicação foram também conforme a exigência legal prevista do artigo 416.º do CC, designadamente, o imóvel foi identificado, o preço foi indicado, bem como foi referida a data para a realização da escritura pública.

28.

Quanto à alegada falta de indicação da forma de pagamento do preço, sempre se dirá que nada se dizendo, deve o preço do negócio de compra e venda ser pago no acto da escritura pública.

29.

Assim sendo como na verdade o é, a notificação para a preferência foi regular e eficaz.

30.

Contudo, a resposta dada pelo preferente foi extemporânea, porquanto o apelado J (...) foi notificado em 05/07/2012 e a sua resposta só chegou ao conhecimento dos obrigados à preferência em 17/07/2012, ou seja, depois do prazo de 8 dias estipulado no artigo 416.º, n.º 2, do CC – Factos dados como provados nos pontos E e G da sentença.

31.

Resulta do texto da petição inicial que a apelada mulher tomou conhecimento da notificação para a preferência, conforme se pode ler no artigo 21.º dessa petição inicial: “(…) tal notificação mereceu resposta por parte do autor marido, com data de 13 do mesmo mês, onde expressamente se informou que estes pretendiam exercer o direito de preferência (…).”

32.

Tal como consta do ponto F da sentença foi dado como provado que ambos os apelados receberam a comunicação para a preferência, e tal resultou provado pelo documento n.º 4 da petição inicial, onde consta expressamente: “Recebemos a vossa comunicação (…).”

33.

Nesta senda, o tribunal a quo só podia ter concluído que os apelados foram regularmente notificados para a preferência, e que tomaram conhecimento dos elementos essenciais para exercer essa preferência, e tanto assim foi que o fizeram, ou seja, responderam declarando que pretendiam adquirir o prédio urbano aqui em causa, contudo fizeram-no fora do prazo legal estipulado para esse efeito, logo o seu direito à preferência caducou.

34.

Em suma, face aos factos dado como provados nos nos pontos B), E), F) e G) da sentença ora impugnada, o tribunal a quo deveria ter julgado que os apelados foram regular e eficazmente notificados para a preferência na alienação do prédio urbano aqui em causa, e que a resposta dada pelos apelados foi extemporânea, logo o seu direito caducou.

4.

Foram dados como provados os seguintes factos que importa considerar:

A. O co-Autor, J (…) contraiu casamento católico com a co-Autora, M (…), sem convenção antenupcial, em 25 de Março de 1973, cfr. assento de casamento de fls. 43 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.

B. Por escritura de 30 de Dezembro de 1986 exarada a fls. 89 e v.º a fls. 90 v.º do livro de notas para escrituras diversas, número 12-E, do 3º Cartório Notarial de Coimbra, “O (…) Lda.”, com sede em S. João da Madeira, possuidora do cartão de identificação de pessoa coletiva n.º (...) , trespassou a J (…), casado, residente no lugar e freguesia de Eiras, pelo valor de 3.600.000$00, o estabelecimento de venda de máquinas de costura, de quaisquer artigos que com ele se relacione, nomeadamente acessórios, motores elétricos, linhas, eletrodomésticos, instalado no résdo- chão do prédio sito na Rua (...) , com frente também no (...) , freguesia de (...) , Coimbra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 640º, cfr. fls. 31 a 34 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzidas.

C. Encontra-se registada a aquisição de metade indivisa do prédio e usufruto da restante metade do prédio a favor da co-Ré I (…) e a restante metade indivisa da nua propriedade do prédio a favor do co-Réu M (…), do prédio urbano sito em Coimbra ( (...) ), na Rua (...) , composto por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, inscrito na matriz sob o artigo 640º e descrito na C. R. Predial de Coimbra sob o n.º 170, pela AP 44 de 12.05.1994 e pela AP 358 de 09.05.2012, respetivamente.

D. Os co-Réus, I (…) e M (…), através do seu Mandatário, remeteram ao co-Autor, missiva datada de 3 de Julho de 2012, da qual consta, para além do mais, que “(…) na qualidade de comproprietários do prédio urbano composto de edifício de cave, résdo- chão, 1º, 2º e 3º andares, sito em Coimbra, na Rua (...) , freguesia de (...) , concelho de Coimbra, cumpre-nos informar V. Ex.ª do seguinte: Em 30 de Dezembro de 2011 foi assinado contrato promessa para venda do prédio acima identificado, do qual V. Ex.ª é arrendatário do rés-dochão, destinado a estabelecimento de venda de eletrodomésticos. O comprador é o Sr. A (…) e o preço da venda estipulado foi de 220.000,00 € (…), devendo o preço estar integralmente pago na data da escritura de transmissão, a celebrar no dia 30 de julho de 2012, pelas 15:00 horas, no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova. O prédio será vendido com os arrendamentos da cave (a) rés de chão (b), 1º andar (c) e águas furtadas (b) (…). Através da presente carta, vimos notifica-lo, nos termos da lei para exercer o seu direito de preferência na aquisição do prédio supra referido, nas mesmas condições que o atual comprador.

Se no prazo de 8 (oito) dias, a contar da data da receção da presente notificação, nada disser, o silêncio será entendido como renúncia expressa ao exercício do direito de preferência que lhe assiste. (…) ”, cfr. documento constante de fls. 41 a 42 que aqui se dá por integralmente reproduzido.

E. A missiva referida em D) foi rececionada pelo co-Autor em 5 de Julho de 2012.

F. Em resposta à missiva referida em D), o co-Autor enviou à Mandatária dos co- Réus, I (…) e M (…), missiva datada e enviada em 13 de Julho de 2012, da qual consta, para além do mais, que “ (…) Recebemos vossa comunicação data de 3 do corrente e recebida a 5 deste mesmo mês cujo conteúdo desde já agradecemos. Na qualidade de inquilino do rés-do-chão do prédio ali indicado venho informar V. Ex.ª que pretendo exercer o direito de preferência na aquisição do mesmo prédio pelo preço de € 220.000,00. Uma vez que a aquisição vai ser efetuada com recurso ao crédito e não obstante o processo de financiamento se encontrar em fase de decisão, havendo no entanto garantias da sua concessão dentro de um prazo relativamente curto e uma vez que a entidade bancária que irá ter intervenção na escritura de compra e venda, torna-se praticamente inviável a celebração a escritura na data indicada. Assim solicitamos que seja alterada a data para a celebração da escritura pública de compra e venda para uma data próxima a acordar também com a entidade bancária, para o que se solicita uma dilação para a celebração da escritura por um período que não será superior a 60 (sessenta) dias. Não poderemos deixar de estranhar que tendo sido celebrado o contrato promessa de compra e venda em 30 de Dezembro de 2011, só agora, passados 6 meses, seja feita a comunicação para o exercício do direito de preferência, sabendo-se que dado o mon- tante em causa forçosamente haverá lugar ao recurso ao crédito, tornando-se necessário algum tempo para a sua decisão, razão pela qual não se compreende que a comunicação apenas seja feita nesta data com um intervalo para a data da marcação da escritura inferior a 30 dias. Na certeza que esta proposta vai ser aceite e assumindo o signatário o compromisso de logo que o processo de financiamento seja aprovado o que se espera a muito breve prazo, contactaremos de imediato V. Ex.ª no sentido da marcação da escritura de compra e venda. (…) ”, cfr. documento que consta de fls. 45-47 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

G. A missiva referida em F) foi rececionada no dia 17 de Julho de 2012.

H. No dia 20 de Julho de 2012 o co-Autor, através do seu Mandatário, enviou à Mandatária dos co-Réus I (…) e M (…)comunicação via fax da qual, para além do mais, que “(…) em complemento da comunicação que lhe foi enviada pelo meu constituinte (…) relativamente ao exercício do direito de preferência quanto ao imóvel ali identificado, informo a Ex.ª Colega de que está tudo preparado para que a escritura de compra e venda se efetue na data que nos foi comunicada, ou seja, no dia 30 de Julho próximo pelas 15horas, no Cartório Notarial de Condeixa a Nova. Para o efeito solicito que nos sejam enviados os elementos necessários com vista ao pagamento do IMT. Mais solicito que me indique o nome da pessoa ou pessoas a quem deverá ser emitido o cheque que vai ser visado que será entregue pessoalmente na data da celebração da escritura. (…), cfr. documento de fls. 48, que aqui se dão por integralmente reproduzido.

I. A Mandatária dos co-Réus I (…) e M (…)  remeteu ao Mandatário do co-Autor missiva datada de 25 de Julho de 2012 da qual consta, para além do mais, que “ (…) Se não for encontrada uma solução consensual, que privilegiamos, importa definir quem irá assumir na escritura a qualidade de comprador. Em nossa opinião, o exercício do direito de preferência não respeitou o disposto no n.º 2 do artigo 416º do Código Civil. (…) No presente caso, o aviso para preferir foi recebido no dia 5 de julho e a declaração de preferência foi recebida no dia 17 de julho, ou seja, decorrido o prazo legal de 8 dias. Defende o mesmo autor que a declaração de preferência deve ser definitiva o que também não se verificou na presente situação uma vez que na primeira declaração foi solicitada a concessão de prazo não superior a 60 dias para outorgar a escritura e, só posteriormente, é que foi – afinal – afirmada a disponibilidade para cumprir a data previamente marcada. Pelas razões expostas, entendemos que não assiste ao cliente de V. Exª o direito a outorgar a escritura de compra e venda. (…)”, cfr. documento de fls. 49 que aqui se dá por integralmente reproduzido.

J. O Autor compareceu no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova no dia 30 de Julho de 2012 pelas 14h30 para exercer o direito de preferência na compra e venda do prédio urbano sito em Coimbra, (...) , na Rua (...) , inscrito na matriz sob o artigo 640 e descrito na C. R. Predial de Coimbra sob o n.º 170, pertencente a I (…) e M (…), cfr. certificado de fls. 53 a 54 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

K. Por escritura outorgada no dia 30 de Julho de 2012 e exarada a fls. 98 a fls. 100 do livro de notas para escrituras diversas número 90, do Cartório Notarial de Condeixa-a-NovaI (…) e M (…) venderam a A (…) (que também usa o nome de (…)) e este comprou, pelo preço global de € 220.000,00, o prédio urbano sito em Coimbra ( (...) ), na Rua (...) , composto por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, inscrito na matriz sob o artigo 640 e descrito na C. R. Predial de Coimbra sob o n.º 170, onde se encontra registada a aquisição de metade indivisa do prédio e usufruto da restante metade do prédio a favor da primeira outorgante vendedora e a restante metade indivisa da nua propriedade do prédio a favor do segundo outorgante vendedor, cfr. fls. 35 a 40 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida.

L. O Autor já havia manifestado interesse em comprar o locado.

M. Em 30 de Dezembro de 2011 os co-Réus I(…). M (…) e A (…)  (que também usa o nome de), aqueles primeiros como promitentes vendedores, este como promitente-comprador, celebraram contrato promessa de compra e venda tendo por objeto o prédio urbano sito em Coimbra ( (...) ), na Rua (...) , composto por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, inscrito na matriz sob o artigo 640 e descrito na C. R. Predial de Coimbra sob o n.º 170, pelo preço de € 220.000,00, a pagar da seguinte forma: como sinal e principio de pagamento o promitente-comprador entrega aos promitentes vendedores o montante de € 35.000,00 com a assinatura do contrato promessa e o remanescente do preço, no montante de € 185.000,00 a pagar no dia da escritura definitiva, a celebrar no prazo de 90 dias a contar da outorga do presente contrato, cfr. fls. 161 a 164 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª –  Caducidade do direito ao exercício da preferência.

2ª – (Im)procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.
As razões justificativas dos institutos da prescrição e da caducidade, radicam na protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, da estabilidade das relações entre os membros da comunidade, por razões de garantia e de confiança necessárias ao desenvolvimento, progresso económico e paz social, na conveniência de se evitarem os riscos e inconvenientes de uma apreciação judicial a longa distância - principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos -  e, ainda, no fito da proteção do devedor evitando-se a onerosidade excessiva decorrente da exigência do pagamento a longo prazo, procurando-se assim obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.
Numa outra perspetiva, pode dizer-se que o decurso dos prazos da prescrição ou da caducidade apresenta-se como uma reação ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, entendendo-se que ele já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs.
É assim comummente entendido que, por via de regra, em caso de conflito entre a proteção dos objetivos e valores pretendidos com tais institutos, e a concretização de outro fito da aplicação do direito, qual seja, a realização da justiça material do caso, impõe-se o sacrifício da justiça perante a segurança, exceto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs. (neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs e  Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212.
Por outro lado, o quid essencial diferenciador das figuras da prescrição e da caducidade é o seguinte:
A prescrição tem mais a ver com os direito subjetivos disponíveis propriamente ditos, pois que, e p. ex. não pode ser conhecida ex officio, é suscetível de renuncia e está sujeita a causas interruptivas e suspensivas.
A caducidade reporta-se mais a razões objetivas ditadas pela tutela do interesse social de definição das situações a que respeita, pelo que, por via de regra, o seu prazo não se suspende nem se interrompe – artº 328º do CC.
5.1.2.
O momento para aferir da caducidade do direito e das normas que quanto a tal exceção se reportam e que têm de ser consideradas, é a data da prática do ato.
Importando considerar, noutra nuance ou perspetiva, que: «na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia…em que correr o evento a partir do qual o prazo começa a correr» - artº 279º al.b) do CC.
Ademais, e no caso da notificação judicial para a preferência – aqui aplicável mutatis mutandis, pois que a notificação extrajudicial que in casu foi efetivada  enforma da  mesma ratio e teleologia -  urge ter presente que: «querendo o notificado preferir, deve declará-lo dentro do prazo indicado…mediante requerimento…feita a declaração…» - nº2 do artº 1458º do CPC na redação pretérita, aqui ainda aplicável, atenta a data da prática dos atos em análise.
Daqui se retira que o que releva é a data da emissão da declaração, a data da manifestação de vontade de preferir, que não a data em que esta declaração é recebida pelo destinatário.
Na verdade: «o exercício do direito de preferência dentro do prazo de oito dias…nos termos do nº2 do artº 416º, diz respeito à declaração de preferência, como o mostra, de resto, a letra do artº 1458º do CPC» - P. Lima e A. Varela. CC Anotado, 2ª ed. P.343.
5.1.3.
No caso vertente os 1ºs  réus notificaram o autor  para: «exercer o seu direito de preferência na aquisição do prédio supra referido, nas mesmas condições que o atual comprador.
Se no prazo de 8 (oito) dias, a contar da data da receção da presente notificação, nada disser, o silêncio será entendido como renúncia expressa ao exercício do direito de preferência que lhe assiste».
Tal carta foi rececionada pelos autores em 05.07.2012.
E estes responderam aos réus, manifestando a sua vontade de preferir, por «missiva datada e enviada em 13 de Julho de 2012».
Ora iniciando-se, como se viu, a contagem do prazo no dia 6.07., é patente que os autores exerceram o seu direito dentro do prazo de oito dias que, para o efeito, dispunham. No último dia, é certo, mas ainda  dentro do prazo.
E sendo irrelevante que esta missiva dos autores apenas tenha sido rececionada para além do dia 13 de julho.

5.2.
Segunda questão.
O recorrente pugna que, não estando o prédio vendido sujeito ao regime da propriedade horizontal, e porque  os apelados tomaram de arrendamento apenas o rés-do-chão do prédio urbano adquirido pelo apelante,  inexiste direito de preferência, pois que,  tanto o artigo 47.º, n.º 1, do RAU como o artigo 1091.º, n.º 1, al. a) do Código Civil consagram o princípio da coincidência do objecto do direito de preferência com o do direito preexistente que a justifica.
Já na sentença entendeu-se o contrário, aduzindo-se, para o efeito, o seguinte discurso argumentativo:

«Segundo Oliveira Ascensão (em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. III, Direito do Arrendamento Urbano, pág. 254) a solução legal conferida pelo artigo 47º do RAU vai no sentido da restrição do exercício do direito da preferência aos casos em que há autonomização jurídica possível do local arrendado. Assim, não sendo esta – autonomização jurídica – possível, o arrendatário não tem direito de preferência. Neste sentido, este autor defende o princípio da coincidência do objeto do direito de preferência com o do direito preexistente que o justifica.

No entanto, esta interpretação não corresponde à orientação dominante, tanto na jurisprudência (vd. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2007 e de 4 de Julho de 2006, em www.dgsi.pt.) como na doutrina (vd. Pires de Lima e Antunes Varela em Código Civil Anotado, Volume II, 4ª ed., pág. 568; Pedro Romano Martinez, em Direito das Obrigações, pág. 266 e Jorge Aragão Seia, em Arrendamento Urbano, 7ª ed., pág. 327) que defendem que o artigo 47º n.º1 do RAU não quis modificar, quanto ao objeto material da preferên- cia, o regime do direito anterior, devendo, por conseguinte, entender-se que o arrendatário de parte de um prédio urbano, tem o direito de preferir na venda de todo o prédio, sempre que este se não encontre subordinado ao regime de propriedade horizontal.

Ademais, o confronto do n.º 1 e do n.º 2 do citado normativo legal leva-nos a uma interpretação não restritiva do preceito (actus debet interpretari ut aliquid operetur non ut sit inanis et inutilis). Na verdade, o n.º 2 do artigo 47º do RAU refere que sendo dois ou mais preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante. Os preferentes a que este número se refere são, em princípio, os locatários habitacionais do prédio arrendado.

O n.º 2 restaria sem âmbito de aplicação em situações de não constituição da propriedade horizontal, pois não seria curial abrirem-se licitações concorrenciais entre o preferente do andar ou parte do prédio locado e os demais locatários do restante prédio. Em caso de propriedade horizontal o preferente na compra e venda do andar locado é, em princípio, o locatário do andar arrendado e não os demais locatários dos restantes andares.

Ademais, nem do preâmbulo do Decreto-lei, nem da análise dos trabalhos preparatórios decorre ter o legislador tido a intenção de afastar o direito de preferência do locatário habitacional na compra e venda de todo o imóvel. Pode impressionar o facto de o legislador ter introduzido, no n.º1 do artigo 47º, a expressão “local arrendado”, só que tal expressão não é sinónimo, apenas, de andar arrendado mas de todo o imóvel onde o arrendamento se situa.

Se o legislador tinha a intenção de restringir a preferência aos casos de compra e venda de prédio constituído em propriedade horizontal devia tê-lo dito no artigo 47º, dando-lhe redação diversa. Não o tendo feito não pode a interpretação restringir com base em expressões de alcance dúbio (favorabilia amplianda, odiosa restringenda)….

Em conclusão e de acordo com a doutrina e jurisprudência prevalente a preferência existe para a fração autónoma arrendada, no caso do prédio estar constituído em propriedade horizontal, ou para todo o imóvel se este não estiver legalmente parcelado, uma vez que não havendo parcela autónoma, a preferência não pode incidir, apenas, sobre a parte arrendada, não sendo de interpretar restritivamente o artigo 47º n.º1 do RAU. A preferência na compra e venda de todo o imóvel pode ser em concorrência com outros eventuais locatários.

Com a entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano, em 2006, quer as designações “prédio urbano ou de sua fração autónoma” do 47º n.º 1 (agora transportado para o artigo 1091º n.º 1, do Código Civil), quer a licitação entre arrendatários, do n.º 2 do artigo 47º, foram eliminados.

José Pedro Carneiro Cadete (ob. cit.) considera que a remoção daquelas expressões e deste preceito por parte do legislador significa que este não pretende que os arrendatários de frações de prédio indiviso possam preferir pela totalidade do mesmo, considerando assim que vingou a tese de Oliveira Ascensão: se o local arrendado não for um bem juridicamente autonomizável,não há lugar ao exercício da preferência.

Para Pinto Furtado (em Manual do Arrendamento Urbano, Vol. II, 2011, 5ª Edição, pág.816 e ss.) quando se aliene ou dê em cumprimento um prédio urbano indiviso que comporte distintas unidades locadas a diferentes pessoas a preferência caberá, indistintamente, a cada um dos arrendatários, não apenas relativamente à sua unidade locada, embora a se reporte expressamente ao local arrendado, mas a todo o prédio. Na verdade, esta solução tem antecedentes históricos no nosso direito positivo. Apresentando-se vários arrendatários concorrentes a preferir abrir-se-á licitação entre ambos entre ambos ou, noutros casos, deverão preferir em conjunto. Se o prédio estiver constituído em propriedade horizontal o problema é muito mais simples: mesmo que a alienação ou dação em cumprimento envolva o inteiro edifício, a preferência terá de se fazer distintamente em relação a cada fração autónoma e só nela e apenas o respetivo arrendatário poderá preferir.

Aderimos a esta última posição e acrescentamos o seguinte: nem do preâmbulo da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, nem da análise da sua exposição de motivos, decorre que o legislador teve a intenção de afastar o direito de preferência do locatário na compra e venda de todo o imóvel sempre que este se não encontre subordinado ao regime de propriedade horizontal.

Na verdade, a expressão “local arrendado” continua a ser sinónimo de imóvel onde o arrendamento se situa.

Ora, a supressão das expressões “prédio urbano ou de sua fração autónoma”não alterou, nem para mais (no sentido de os titulares de fração autónoma terem direito de preferência sobre a totalidade do prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal), nem para menos (no sentido de suprimir o direito de preferência aos arrendatários de prédios que, por facto que lhes é alheio, não estão sujeitos ao regime de propriedade horizontal), o significado da sobredita expressão. Consideramos que continua assente que o direito de preferência do arrendatário ou incide sobre a totalidade do prédio ou, estando este sujeito ao regime de propriedade horizontal, sobre a respetiva fração ou frações.

Nem tão-pouco a supressão do n.º 2 do artigo 47º do RAU contribui para essa interpretação face ao que continua a dispor o Código Processo Civil quanto ao exercício de direitos de preferência concorrentes ou que respeitem a várias pessoas (artigos 1032º; 1036º; 1037º).

Se o legislador tinha a intenção de suprimir o direito de preferência dos arrendatários de parcelas não autónomas deveria ter dado redação diversa ao artigo 1091º do Código Civil face à conhecida posição da doutrina e jurisprudência dominantes quando ao significado a dar à expressão “local arrendado” cujo conteúdo, reitera-se não é alterado pela supressão das expressões “prédio urbano ou de sua fração autónoma”.

Não o tendo feito e não se retirando nem do preâmbulo da Lei nem da exposição de motivos tal intenção, não pode a interpretação restringir com base em expressões de alcance dúbio (favorabilia amplianda, odiosa restringenda).

Ademais, a existência de um direito de preferência na aquisição de todo o prédio não onera mais gravemente a situação do senhorio. O direito de preferência não concede ao preferente qualquer privilégio de redução do preço de venda. Aliás, o vendedor deve comunicar ao comprador preferente o preço por que pretende vender e é na base desse preço que o comprador se determinará. Ao senhorio é-lhe, em princípio, indiferente vender o imóvel a A ou a B.

Assim, na esteira do que já era defendido, não estamos perante uma (nova) opção legislativa mas em face de imprecisão de conceitos técnico-jurídicos.»


Alcança-se assim que a sentença disseca, exaustiva e cabalmente, o problema.
E corroboramos este entendimento, não obstante estarmos cônscios que a questão é hoje, doutrinal e jurisdicionalmente, polémica.
Em seu abono,  quiçá  ad abundantiam e redundantemente, dir-se-á o seguinte.
O art.º 47.º  do RAU estatuia:
1. O arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma tem direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano”.
2. Sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.
Perante este preceito a doutrina e a jurisprudência maioritárias entendiam que o arrendatário de prédio não constituido em propriedade horizontal podia exercer o direito de preferência em relação a todo o imóvel e não apenas  em relação à parte arrendada – cfr, entre outros,  Acórdãos do STJ de 26/9/1991, Bol. 409.º-779, de 10.12.1997, p. 97A853, de 31/5/2007, p 07B1554, de 24/6/2008, p. 08A1469, e de 25/03/2010, p. 5541/03.5TBVFR.P1.S1, in dgsi.pt. 
Já em confronto com a redação atual do artº 1091 nº1 al. a) do CC, a saber:
«O arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos”.»
alguma doutrina e jurisprudencia passou a entender que tal não eram possível.

Para uns por se ter eliminado deste preceito a referência a “prédio urbano” e “fração autónoma”, tal como era plasmada no art.º 47º n.º 1 do RAU, bem como à ausência de disposição idêntica à do seu n.º2, que previa a licitação entre arrendatários- Ac. da RL de 26.03.2015, p. 9065-12.1TCLRS.L1

 Para outros porque o direito reveste-se de natureza excecional e injuntiva, obrigando o intérprete a confiná-la imperativamente aos casos expressamente contemplados na lei - Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in “Arrendamento Urbano”, Novo Regime Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2009, pág. 435

 Para outros ainda, porque não se limitava a conceder ao arrendatário a propriedade da sua habitação, mas sim de todo um prédio, o que não se revela no seu interesse - José Pedro Carneiro Cadete, in  Da Preferência do Arrendatário Habitacional, Tese de Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-Privatísticas, Universidade do Porto, Faculdade de Direito, em 29 de Julho de 2011, pág. 12, acessível em http://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/63905/2/Relatorio%20de%20Mestrado.pdf.p.12

Sdr. estes om argumentos  não convencem.

Quanto ao primeiro, a não consagração no artº 1091º do CC dos aludidos termos do artº 47º do RAU não é decisiva. O que importa é interpretar a amplitude e conteúdo da expressão «local arrendado» atentos, primacialmente, os elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica e a sensata e razoável ponderação dos interesses em dilucidação.

No atinente ao segundo há que dizer que, perante tais elementos e interesses, o direito de preferência do arrendatário não pode ser considerado como um direito excecional, e assim, a interpretar restritivamenteo direito, mas antes como um normal direito conferido por lei na  razoável ponderação de tais interesses.

Finalmente, no concernente ao terceiro, há que ter presente que o direito de preferência não é de exercício obrigatório.

Ora, urge atentar, desde logo que:

« Os direitos legais de preferência destinam-se, na maioria dos casos, a facilitar a extinção de situações que não são as mais consentâneas com a desejável exploração dos bens, como sejam a comunhão de direitos (artigos 1409º e 2130º do CC), a propriedade onerada com direitos reais limitados de gozo (artigos 1535º e 1555º, n.º 1, do CC) e a existência de terrenos agrícolas com área inferior à unidade de cultura (artigo 1380º do CC), bem como a proporcionar o acesso à propriedade de quem está a fruir os bens ao abrigo de um direito de gozo tendencialmente duradouro (artigo 1117º, n.º 1, do CC) – Ac. do STJ de 08.01.2015, p. 164/09.8TCLRS.L1.S1
Assim:
« A justificação que preside à atribuição do direito de preferência a favor do locatário é a de facilitar a aquisição do prédio, proporcionando o acesso à propriedade a quem beneficia já de direito de gozo mais ou menos prolongado sobre esse bem, …ao mesmo tempo que se solidifica a paz social, ao eliminar potenciais conflitos entre locador e locatário» -  Ac. do STJ de 04.02.2014, p. 1359/06.1TBFAF.G1.S1.
(itálicos nossos)
Nesta conformidade assume relevo a Lição dos Mestres:
«Convém lembrar que, com a preferência do arrendatário, se pretende eliminar um intermediário que, em princípio, faz aumentar os encargos com a habitação…
…por que razão o arrendatário de uma fração terá direito de fazer sua, tanto por tanto, mas já não poderá preferir na venda do imóvel em que ele se integra e que é vendido a um terceiro que nenhuma relação poderá ter com esse mesmo imóvel?» - J.A. Aragão Seia, in RAU, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 1998, pp. 261 e 262.neste sentido,cfr. ainda Pinto Furtado, in  Manual do Arrendamento Urbano”, Vol. II, 5.ª Edição, 2011, Almedina, pág. 817.
Neste passo convindo reiterar o já expendido na sentença: o direito de preferência não constituiu, pelo menos por via de regra, prejuízo, e ónus ou encargos incomportáveis, para o vendedor.
Na verdade, o preferente é apenas um primus inter pares, devendo sujeitar-se e satisfazer as melhores  condições de venda que o vendedor tenha conseguido obter.
Finalmente importando  atentar que se o prédio não está constituído em PH, o «local arrendado» nunca pode ser alienado, qua tale, ie. autonomamente, mas apenas incorporado no todo  do prédio.
Assim sendo, é evidente que, perante a tese restritiva, o arrendatário nunca teria direito a preferir, nem ao prédio como um todo, nem à parte locada.
Tal total e inelutável restrição não colhe cobertura, nem no elemento literal da lei, nem na defesa dos fitos que a preferência pretende prosseguir e supra sumariamente mencionados.
E retiraria, nestes casos de não autonomização jurídica das frações do prédio, qualquer aplicação ao artº 1091º.
 E tutelaria de modo diverso situações substantivamente iguais, discriminando negativamente o arrendatário que, não obstante usufruir de parte de prédio não constituido em PH, tem relativamente a ela contrato de arrendamento válido e o frutifica  e dele retira benefícios, mesmo de índole social,  presumivelmente tão relevantes como os oriundos de contratos incidentes sobre fração juridicamente autónoma.
Não é logico e fere o sentido de justiça do cidadão comum, do homo prudens e sensato, que se aceite a celebração de um contrato de arrendamento relativamente a uma parte legalmente indivisa, mas materialmente autonomizada, e que, na pratica, se assume como/e  consecute os/fitos, vg. económico sociais, de um contrato indidente sobre uma fração juridicamente autónoma; e, depois, se lhe tolham os efeitos – vg. o de atribuição de preferência – jurídicos concedidos a este último contrato.
Prova deste sentido de justiça emerge deste processo: tão cônscios estavam os réus vendedores do direito de preferência do autor, que o notificaram para preferir.
Aliás, perante o extremismo da tese contrária, o melindre da situação, e a polémica que já vinha de trás, se o legislador pretendesse tal proibição, tê-la-ia adrede e inequívocamente  plasmado.
Não o tendo feito, vedado está ao intérprete operar tal entendimento restritivo, ademais com argumentos algo rebuscados e de cariz formal que postergam e conflituam com valores e desideratos de índole substancial, como os supra referidos.

Improcede o recurso.

6.
Sumariando:
I - O que releva, para aferir da (in)tempestividade da manifestação de vontade de exercer o direito de preferência, não é a data em que o vendedor recebeu a missiva do preferente, mas a data em que este  lha enviou e na qual está plasmada a  sua declaração de preferir.
II – O arrendatário de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, continua a ter, perante o disposto no artº 1091º nº1 al.a) do CC, direito de preferência na venda ou dação em pagamento do prédio.

7.
Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2015.06.23.


Carlos Moreira ( Relaror )
Anabela Carvalho
Moreira do Carmo