Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/09.9T2SVV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PRAZO
SENTENÇA
INSPECÇÃO JUDICIAL
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 03/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEVER DO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.145, 201, 202, 204, 615, 658, 659 CPC
Sumário: 1. No processo civil, para além das modalidades de prazos previstas no n.º 1 do artigo 145.º do CPC (dilatório e peremptório), há que considerar uma outra modalidade: o prazo meramente ordenador ou procedimental.

2. O prazo meramente ordenador ou procedimental é aquele que estabelece um limite temporal para a prática de um acto, ou para a prolação de uma decisão, e o seu incumprimento não determina a invalidade do acto ou da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas susceptível de implicar responsabilidade disciplinar.

3. O prazo previsto no artigo 658.º do CPC é meramente ordenador ou procedimental.

4. Realizada a inspecção judicial, a inobservância do disposto no artigo 615º do CPC – registo de todos os elementos úteis para a decisão - constitui a omissão de um acto que pode influir no exame e na decisão da causa, quando tal diligência probatória é invocada como um dos fundamentos relevantes para a decisão da matéria de facto, integrando uma nulidade secundária, de conhecimento não oficioso, devendo ser arguida pelas partes no momento em que o acto finda.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
MC (…) e esposa MF (…), intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra EL (…) e esposa OM (…) pedindo a sua condenação: a) a reconhecer o direito de propriedade dos autores relativamente ao prédio rústico, composto de eucaliptal, sito em M (...), freguesia de T (...), concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com (…) (actualmente (…), do sul e poente com a junta de freguesia e do nascente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo x (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o número y (...), sobre o qual se encontra inscrita a aquisição dos autores, por compra, pela apresentação 2 de 27 de Dezembro de 2004; b) A restituir as parcelas do prédio referido, que invadiram, retirando as fitas, estacas e o mais que ali colocaram; c) a pagar por todos os prejuízos causados aos autores, designadamente o valor de € 205,00 correspondente ao custo da suspensão dos trabalhos de lavragem do prédio, a que acrescerão aqueles, decorrentes do atraso na replantação do prédio, que venham a apurar-se em sede de liquidação.
Como fundamento da sua pretensão, alegam em síntese os autores: são donos do prédio que identificam no art.º 1.º da petição, por o haverem adquirido por compra em 23 de Dezembro de 2004; tal prédio encontra-se demarcado dos prédios vizinhos, nunca tendo havido discussão sobre estremas; os autores procederam ao corte de árvores do seu prédio, lavragem do seu terreno, pretendendo a sua replantação, sendo que aquando dos trabalhos de lavragem, o RR marido pretendeu interrompê-los, alegando que o prédio era seu; posteriormente, o réu cercou e vedou com fitas duas parcelas daquele prédio, implantando estacas, em madeira, pretendendo que aquele prédio confronte com um seu que ali não existe; além de vedar as parcelas, o réu impediu os autores de proceder aos trabalhos de replantação que se preparavam para levar a cabo, causando-lhes prejuízos.
Regulamente citados contestaram os réus, alegando em síntese: é verdade terem os AA procedido ao corte das arvores e lavragem do seu prédio, sendo que também procederam ao corte e lavrarem das árvores existentes no prédio confinante, a norte, pertencente a (…) e ao corte de parte das árvores e lavragem dos prédios pertença dos RR, correspondentes aos artigos matriciais rústicos k (...) e w (...); é verdade que o réu compareceu no local, advertindo quem ali andava, de que o corte e lavragem eram abusivos, porque o terreno não pertence aos autores, não tendo surtido qualquer efeito tal interpelação; ao contrário dos autores, os réus têm perfeito conhecimento dos limites dos prédios, sendo que os autores invadiram, com a sua actuação, terreno que não lhes pertence.
Findos os articulados foi dispensada a audiência preliminar e proferido despacho saneador (tabelar), com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que foi decidida a matéria de facto nos termos que constam do despacho de fls. 160, sobre o qual não incidiram reclamações.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a presente acção que MC (…) e esposa MF (…), intentaram contra EL (…) e esposa, OM (…)parcialmente procedente por provada, e em consequência condeno os RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA relativamente ao prédio rústico, composto de eucaliptal, sito em M (...), freguesia de T (...), concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com (…) (actualmente (…)), do sul e poente com a junta de freguesia e do nascente com caminho,  inscrito na matriz sob o artigo x (...) e descrito na conservatória do registo predial de Sever do Vouga sob o número y (...), sobre o qual se encontra inscrita a aquisição dos autores, por compra, pela apresentação 2 de 27 de Dezembro de 2004.

Mais condeno os RR a pagar aos AA a quantia de € 205 (duzentos e cinco euros), acrescido do valor que se vier a apurar em liquidação, decorrente do atraso de replantação.

No mais improcedem os pedidos formulados.»
Inconformados, apelaram autores e réus.
Por despacho de fls. 382, foi admitido o recurso interposto pelos autores e rejeitado o recurso interposto pelos réus.
Os réus deduziram reclamação dirigida ao juiz do tribunal a quo (fls. 385), indeferida por despacho de fls. 391, que não veio a ser impugnado por via de recurso.
Os autores apresentando alegações onde formulam as seguintes conclusões:

(…)

Os réus não apresentaram contra-alegações.
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação da arguição de nulidade por violação do prazo previsto no artigo 658.º do CPC [conclusões 1.ª a 4.ª]; ii) apreciação da arguição de nulidade por contradição entre os factos provados A), B), I), J), K), L), M), N), P), Q), R), S), T), U), V), X), C) e D), quando confrontados com os factos O), Z), A’) e B’) [conclusões 5.ª a 15.ª]; iii) apreciação da arguição de nulidade da sentença por oposição ou contradição entre as premissas de facto e de direito e a conclusão jurídica [conclusão 16.ª]; iv) apreciação do recurso da matéria de facto: respostas dadas aos artºs. 7º, 8º, 9º, 10º, 21º, 22º e 23º da B.I. [conclusões 16.ª a 27.ª].

2. A invocada nulidade por incumprimento do prazo previsto no artigo 658.º do CPC
Alegam os recorrentes que as respostas aos quesitos foram dadas em 15/07/2010, tendo sido a sentença objecto de recurso proferida apenas em 12/07/2011, ou seja, cerca de um ano depois, “quando já toda a imagem e vivência da prova produzida em audiência se encontra necessariamente esbatida, quer pelo decurso do tempo, quer pelas inúmeras outras diligências que durante um ano o Juiz do Processo terá feito”.
Não restam dúvidas sobre a razão que assiste aos recorrentes, quanto aos factos, que decorrem do confronto de fls. 160 (acta de 15.07.2010) e 172 (data da sentença: 12.07.2011).
Já no que respeita às consequências da violação do prazo, salvo o devido respeito não podemos estar de acordo.
Vejamos.
Dispõe o artigo 658.º do Código de Processo Civil: «Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo concluso ao juiz, que proferirá sentença dentro de 30 dias.»
Não restam dúvidas de que o prazo legal enunciado no normativo transcrito, foi violado.
Na anotação ao artigo 658.º do anterior Código de Processo Civil, o Professor José Alberto dos Reis[1] refere o problema que já naqueles tempos preocupava o legislador, bem como as medidas adoptadas no Decreto n.º 12:353:

«a) Impôs ao relator, no caso de recurso, o dever de verificar se a sentença havia sido proferida dentro do prazo e de lavrar despacho em que exprimisse o resultado do seu exame, despacho de que seria dada cópia ao Conselho Superior Judiciário, caso a lei não tivesse sido observada;

b) Mandou depositar metade dos emolumentos, para ser levantada somente depois de proferida a sentença;

c) Proibiu que, no caso de transferência ou promoção, o juiz tomasse posse do novo lugar enquanto não proferisse sentença em todos os processos conclusos para esse efeito e sujeitou-o a desconto nos vencimentos, quando deixasse passar mais de 30 dias sem proferir sentença (art. 43.º, §§ 1.º, 2.º e 3.º).»
Já naquela época se suscitava a questão da celeridade processual, e se revelava pacífica a conclusão de que sem celeridade não há justiça.
A actual Constituição da República Portuguesa consagra em sede de direitos fundamentais, o direito à decisão judicial “em prazo razoável e mediante processo equitativo” (art. 20/4 CRP), vertido no processo civil como princípio da tutela jurisdicional efectiva, visando a realização do direito (art. 2.º/2 do CPC), com vinculação ao “apuramento da verdade e à justa composição do litígio” (art. 265/3 CPC), devendo ajustar-se a forma ou procedimento ao fim visado (art. 265.º-A do CPC), não devendo nunca esquecer-se que “a Justiça[2] é um valor ético e que às normas de Direito inere a pretensão de realizar esse valor”[3].
No entanto, já naquele tempo, o Insigne Professor citado[4] alertava para as circunstâncias específicas do serviço da comarca, referindo: “Por vezes, são as circunstâncias que impossibilitam o juiz de cumprir o preceito legal. Ad impossibilia nemo tenetur. Há comarcas com tal movimento de processos, que não é humanamente possível ao juiz ter o serviço em ordem e em dia”.
Desconhecemos o movimento processual da comarca em causa, apenas nos competindo a apreciação da invocada nulidade.
O artigo 145.º do CPC refere a existência de duas modalidades de prazos: dilatórios e peremptórios.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência referem ainda uma terceira modalidade: prazo meramente ordenador[5].
A definição dos três tipos de prazos enunciados consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011[6], nestes termos:

«Os prazos podem classificar-se de dilatórios, peremptórios e meramente ordenadores.

Os prazos dilatórios diferem para certo momento a possibilidade de realização de qualquer acto ou o início ou continuação da contagem dum outro prazo, enquanto o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito a praticar o acto, salvo o caso de justo impedimento. Trata-se de uma classificação fundada no sentido de limitação temporal que os prazos encerram. Assim, os dilatórios, também chamados iniciais ou suspensivos, marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado, enquanto os prazos peremptórios, igualmente conhecidos como finais, extintivos ou resolutivos, estabelecem o momento até ao qual o acto pode ser praticado.

Os prazos meramente ordenadores estabelecem também um limite para a prática do acto, mas nem por isso os actos praticados após esse limite perdem validade.

Todos os actos processuais estão sujeitos a prazos, que se revestem da maior importância prática sobretudo quanto aos actos das partes. Quanto aos do tribunal e da secretaria, o prazo não tem como consequência a preclusão, e daí a sua menor relevância.»[7]
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 8.10.2003[8], que qualifica tais prazos e as suas consequências, nestes termos: «… são meramente ordenadores, indicativos ou disciplinares, destinados a delimitar ou regular a tramitação procedimental, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respectivos actos, nem acarreta a nulidade do processo, não gerando, só por si, ilegalidade passível de afectar o acto punitivo, podendo apenas implicar efeitos disciplinares…»[9].
Pronunciando-se sobre um prazo com natureza semelhante ao previsto no artigo 658.º do CPC [prazo de 15 dias para prolação de decisão no procedimento cautelar, previsto no art. 382/2] o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 460/2003[10], interpretou o referido prazo como meramente ordenador, decidindo: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 382º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de o prazo nele previsto ser de qualificar como meramente ordenador ou disciplinador do processo[11].
Em conclusão, o prazo previsto no artigo 658.º do Código de Processo Civil é meramente ordenador, não decorrendo da sua violação a invocada nulidade, face ao que ficou dito.
Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 201.º do CPC, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
No caso em apreço, a lei não declara a nulidade e, a irregularidade cometida não é susceptível de influir no exame da causa.
Com efeito, uma vez julgada a matéria de facto, a sentença traduz-se na integração jurídica dos factos provados, que, nos termos do n.º 2 do artigo 659.º do CPC, são: “os factos admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provado” (in casu, os que o tribunal singular considerou como tal).
Em suma, no processo civil, realizada audiência de julgamento e decidida a matéria de facto, nada obsta à prolação da sentença por um juiz que não tenha presidido à audiência.
Decorre de todo o exposto a improcedência da nulidade invocada.

3. A invocada nulidade por contradição entre os factos provados
Nas conclusões 5.ª a 15.ª, alegam os recorrentes que se verifica contradição entre os factos provados A), B), I), J), K), L), M), N), P), Q), R), S), T), U), V), X), C) e D), quando confrontados com os factos O), Z), A’) e B’).
Vejamos o teor das várias alíneas:

A) Os autores são proprietários do prédio rústico, composto de eucaliptal, sito em M (...), freguesia de T (...), Concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com (…) (actualmente (…)) do sul e poente com a Junta de Freguesia e do nascente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo x (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga, sob o número y (...), ali se encontrando inscrita a aquisição em nome dos autores, pela apresentação 2 de 27 de Dezembro de 2004, por compra que dele fizeram ao anterior titular inscrito, (…), titulada por escritura de compra e venda outorgada no dia 23 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial de Sever do Vouga lavrado a folhas 65 e seguintes do Livro de Notas para Escrituras Diversas 888-B.

B) Recentemente os autores procederam ao corte das árvores no prédio referido em A) e procederam à lavragem de todo o terreno.

I) Os autores, por si e antepossuidores, desde há mais de 20 anos que cortam e plantam, árvores e roçam os matos no prédio referido em A);

J) (…) dispondo do mesmo;

K)  (…) actos estes praticados à vista de toda a gente, sem que ninguém se lhe oponha ou questione o seu direito;

L) (…) e exercidos no convencimento do exercício de um direito próprio.

M) O prédio referido em A) encontrava-se delimitado e demarcado do prédio situado a norte, por um marco de pedra.

N) (…) nunca tendo havido discussão ou disputas com os vizinhos por causa das estremas.

P) O facto referido em B) visava replantação integral do prédio referido em A);

Q) (…) e com os factos referidos em D) os réus impediram os autores de procedessem aos trabalhos de replantação que estes se preparavam para levar a cabo em todo o prédio, referido em A) para o que tinham já contratado pessoal e adquirido os eucaliptos;

R) (…) e, em razão desse comportamento aquele prédio não foi replantado;

S) (…) circunstância que fará acrescer os custos necessários à sua replantação;

T) (…) e atrasará o normal desenvolvimento das árvores e, consequentemente, o tempo em que as mesmas estariam aptas ao corte e venda.

U) A paragem por mais de duas horas referidas em C) causou o prejuízo decorrente do tempo em que a máquina esteve parada na ordem dos € 205,00 (€ 200,00 + IVA a 5%).

V) O prédio referido em A) confronta a norte parcialmente com o prédio referido em H);

X) (…) por sua vez o prédio referido em H) confronta também a norte com o prédio referido em E).

C) Quando decorriam os trabalhos referidos em B) o réu marido compareceu no local e interrompeu esses trabalhos por mais de duas horas.

D) No passado mês de Maio, o réu marido cercou e vedou com fitas, duas parcelas, nas confrontações norte do prédio referido em A) e onde entesta com o prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º z (...) e implantou estacas de madeira a simular marcos.

O) Com a prática dos factos referidos em D) pretendem os réus que o prédio referido em A) confronta com um prédio seu.

Z) Aquando dos trabalhos referidos em B) os autores apoderaram-se da totalidade do prédio referido em H) e de parte dos prédios referidos em E).

A’) Os marcos desapareceram do local.

B’) (…) razão pela qual o réu marido actuou da forma referida em C) e D).
Alegam os recorrentes (conclusão 10.ª): “Tendo-se provado que os RR. cercaram e vedaram com fitas, duas parcelas, nas confrontações norte do prédio dos AA., referido em A) e onde entesta com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo z (...)º e ali implantaram estacas de madeira a simular marcos [Facto Provado da al’D)] … Então é incontroverso que os AA. nem sequer teriam invadido o prédio dos RR., que não confronta com o da al’A), sendo que as fitas e estacas tendentes alegadamente a defender as alegadas parcelas da pretensa ocupação dos AA., teriam sido implantadas no prédio do artº. z (...)º que, de acordo com os factos provados, não é dos RR.”
A contradição existe, mas não na forma como os recorrentes a apresentam.
Vejamos porquê.
A M.ª juíza que definiu os factos assentes e organizou a base instrutória considerou assente [alínea A) dos factos assentes], que os autores são proprietários do prédio que reivindicam, com a descrição que consta do registo predial e a confrontação norte indicada na petição (prédio pertencente a (…)).
Está em discussão nos autos, saber qual o limite a norte do referido prédio, já que os réus, admitindo o direito de propriedade dos autores sobre o prédio em causa, vêm contestar dizendo que os autores “abusivamente” abateram árvores, para além da estrema norte do prédio que lhes pertence, no prédio de (…) (artigo rústico z (...)), e no prédio pertencente aos réus (artigos rústicos k (...) e w (...)) [vide artigos 3.º, 4.º e 5.º da contestação].
Ou seja, os autores e os réus estão de acordo quanto ao facto de o prédio dos autores confinar na estrema norte com o prédio de (…) (que os réus identificam como artigo rústico z (...)), centrando-se a discussão e o desacordo, quanto à confrontação com dois prédios do réus (que estes identificam como correspondendo aos artigos rústicos k (...) e w (...)).
O absurdo e a contradição (ressalvando todo o respeito devido), residem no facto de, por um lado, o tribunal ter considerado assente (provado) o direito de propriedade sobre o prédio reivindicado pelos autores [com o teor da alínea A) dos factos assentes], e depois, na base instrutória, quesitar os factos integradores da aquisição originária do mesmo prédio (por usucapião), nos artigos 1.º a 4.º.
Pensamos que as responsabilidades são partilhadas, na medida em que os autores alegaram incorrectamente os fundamentos fácticos do direito que invocam[12].
Com efeito, os autores alegam genericamente os factos integradores da usucapião (art. 6 a 10 da petição), relativamente ao prédio identificado no artigo 1.º (sem indicação da área) [como já se referiu, tal propriedade não é posta em causa pelos réus], não alegando especificamente tais factos relativamente à única coisa que está verdadeiramente em causa nestes autos: as duas faixas de terreno identificadas nos artigos 27.º e 28.º da petição [levadas à base instrutória nos artigos 8.º 9.º e 10.º].
Alegam os autores e questiona-se nos citados artigos da BI: se as parcelas em causa pertencem ao prédio referido em A); se “correspondem, junto à estrema mais a norte do prédio referido em A) a uma faixa do mesmo com uma profundidade entre 30 a 50 metros e numa extensão de cerca de 68 metros”; “e, imediatamente após esta, uma outra parcela igualmente voltada a nordeste e com uma profundidade de entre 4 a 6 metros e numa extensão de cerca de 60 metros.”
Em suma: ao invés de alegarem especificamente actos integradores da aquisição originária (usucapião) das duas parcelas em causa (a norte do seu prédio), os autores começam por alegar que são donos do prédio identificado no artigo 1,º da petição (al. A) dos factos assentes), invocam a aquisição derivada (compra) e originária (usucapião) do prédio em causa, e depois (nos artigos 27.º e seguintes) vêm dizer que as parcelas a norte, ocupadas pelos réus, se incluem no prédio.
Perante esta forma de alegação, a M.ª Juíza considerou assente a pertença aos autores do prédio identificado no art. 1.º da petição, quesitando (erradamente, salvo o devido respeito) os factos integradores da usucapião referentes ao prédio [art. 1.º a 4.º da BI], após o que formulou os quesitos 6.º a 10.º, nos quais questiona: se nunca houve problemas com as estremas (quesito 6.º) e se as parcelas em causa pertencem ao prédio referido em A) [quesitos 7.º a 10.º].
A sequência na elaboração dos quesitos (e o seu conteúdo) obedece à sequência da alegação dos autores.
Ou seja, a acção, tal como foi desenhada pelos autores, tem uma primeira parte de reivindicação (invocação da aquisição originária e derivada do prédio tal como está descrito na Conservatória), e uma segunda parte de demarcação (alegação dos autores, de que a norte a estrema do prédio está para além das parcelas ocupadas pelos réus).
Será legítimo questionar se a M.ª Juíza poderia ter quesitado os factos integradores da usucapião, relativamente às parcelas em discussão.
Só era possível se os autores tivessem alegado em concreto, que praticavam os actos possessórios referidos nos artigos 6.º a 10.º da petição, sobre as parcelas em discussão (referenciadas nos artigos 26.º e 27.º do mesmo articulado).
Não tendo os autores alegado tais factos (reportando a usucapião ao prédio tal como está descrito na CRP, e alegando depois que as parcelas em causa fazem parte do prédio que reivindicam), deveria a M.ª Juíza ter convidado os autores a aperfeiçoarem o seu articulado, de forma a inscreverem nele os factos integradores da aquisição originária concretamente reportados às aludidas parcelas.
No entanto, tal convite não era “vinculado”, não constituindo a sua omissão nulidade processual.
Nesse sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 1999[13], que veio estabelecer uma distinção entre convite ao aperfeiçoamento vinculado e não vinculado, fazendo corresponder a nulidade apenas ao primeiro, critério que foi adoptado na doutrina e na jurisprudência, de forma consensual.
  Decorre do exposto que não se verifica contradição relevante na organização da base instrutória, para além da manifesta redundância dos artigos 1.º a 4.º, onde se questiona (e se deu como provado) se os autores adquiriram por usucapião o prédio descrito na Conservatória nos termos que constavam já da alínea A) dos factos assentes.
Por outro lado, a prova (redundante) de que os autores adquiriram o prédio descrito na alínea A) [onde se deu como assente o facto de o prédio em causa, descrito na CRP a seu favor, lhes pertencer], não colide com as afirmações vertidas nas alíneas O, Z, A’ e B’ do elenco da factualidade provada, consignado na sentença: O) Com a prática dos factos referidos em D) pretendem os réus que o prédio referido em A) confronta com um prédio seu; Z) Aquando dos trabalhos referidos em B) os autores apoderaram-se da totalidade do prédio referido em H) [artigo rústico z (...) de M (...)] e de parte dos prédios referidos em E) [artigo k (...), inscrito a favor dos réus]; A’) Os marcos desapareceram do local.
A apontada contradição existiria, sim, se tivessem sido alegados e quesitados actos de posse aquisitiva dos autores sobre as parcelas em questão, e se o tribunal tivesse dado como provados tais actos.
Não foi isso que os autores alegaram e o tribunal considerou provado. O que foi alegado e ficou provado, é que os autores são donos do prédio identificado em A), que confina a norte com o prédio de (…) (facto assente), e que confina também a norte com um prédio dos réus (facto provado), não existindo aqui contradição, na medida em que o prédio em causa pode confinar a norte com mais do que um prédio de terceiros.
Curiosamente, é agora, em sede de recurso [conclusão 18.ª], que os autores (recorrentes) vêm alegar a usucapião sobre as parcelas de terreno em causa: “Resulta dos factos provados D) e V) da Sentença que o local que os RR. vedaram com fitas e estacas corresponderia ao artº. z (...)º (de terceiro), que não é pertença dos Réus, os quais nem sequer confrontam com o prédio dos AA. … E resulta também dos factos provados A), B), I), J), K), L), M), N), P), Q), A), R), S), T), U), que são os AA. que sempre andaram na posse do referido prédio, que, para além do mais adquiriram por usucapião, quanto a toda a área lavrada, incluindo a que os RR. vedaram.”
No entanto, tais factos (prática de actos de posse sobre aquelas parcelas em concreto) deveriam ter sido objecto de alegação da petição e, consequentemente, de integração na base instrutória.
Finalmente, alegam os recorrentes [conclusão 17.ª]: “Os RR., embora contestando a acção contra eles intentada pelos aqui AA., não deduziram pedido Reconvencional … E, não obstante, também não invocaram em sede de contestação quaisquer actos de posse que tivessem praticado sobre os prédios que dizem pertencer-lhes, ou sobre as parcelas que vedaram com fitas e com estacas, obstruindo os trabalhos dos AA. na sua propriedade [o prédio da al’A) dos Factos Provados] … Pelo que, nenhuma matéria se deu como provada nos Autos que determinasse a propriedade e posse dos RR. sobre aquela parcela (vedada com fitas e estacas).”
Salvo o devido respeito, os réus não tinham que formular qualquer pedido, podendo limitar-se a alegar que a parcela de terreno em causa (confinante do lado norte com o prédio dos autores) lhes pertence.
Como já se disse anteriormente, sobre os autores recaía na íntegra o ónus de alegar e provar o seu direito.
Questão diversa é a de saber se, efectivamente, os autores lograram provar que as parcelas em causa fazem parte do seu prédio.
É isso que veremos mais tarde.
Improcede a nulidade arguida pelos recorrentes.

4. A invocada nulidade por alegada contradição entre as premissas de facto e de direito e a conclusão jurídica
Alegam os recorrentes a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão [conclusão 16.ª].
Nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, alíneas c), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se sempre que aqueles conduzam numa certa direcção e, incongruentemente, seja proferida decisão que não se coaduna com os fundamentos que a suportam.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que se considerou que os autores não lograram provar que as parcelas em discussão faziam parte do seu prédio e, nessa medida, não podia ser julgada procedente a sua pretensão.
Pelo exposto, não ocorre no caso em análise qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão tomada a final pelo tribunal recorrido.

5. Recurso da matéria de facto
5.1. Delimitação do recurso, feita pelos apelantes nas suas conclusões.

(…)

5.2. A falta de consignação na acta, do resultado da diligência probatória de inspecção ao local
Refere a M.ª Juíza na fundamentação da decisão da matéria de facto: “O tribunal fundou a sua convicção, para decisão da resposta a dar à matéria de facto controvertida, constante da base instrutória, de uma forma genérica, pela inspecção ao local, análise da prova documental, bem assim com os depoimentos de parte dos Réus e das testemunhas ouvidas” (fls. 161).
Mais consta da fundamentação da decisão (fls. 163): “não resultou que tenham sido os autores quem retirou do local os marcos, apesar de se ter provado, à evidência, que os marcos desapareceram do local, como, alias, pudemos constatar”.
Acontece que na acta de julgamento (fls. 121), consta apenas uma referência lacónica à diligência de inspecção ao local, não tendo sido exarado em acta ou lavrado auto onde tenham sido consignados os factos percepcionados pela M.ª Juíza que presidiu à audiência de discussão e julgamento, com manifesta violação do disposto no artigo 615º do Código de Processo Civil.
Da acta de audiência e julgamento referente à sessão do dia 12.04.2010 (fls. 120), conclui-se que os Ilustres Mandatários das partes assistiram à inspecção judicial e não reagiram à falta de registo de todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa.
A inobservância do disposto no artigo 615º do Código de Processo Civil constitui a omissão de um acto que pode influir no exame e na decisão da causa. Essa influência é imediata desde logo porque só com a consignação em acta ou auto dos elementos úteis para o exame e decisão da causa as partes têm a percepção daquilo que o tribunal considera relevante e ainda porque só em face daquilo que é consignado em acta ou auto as partes podem reagir formulando pedidos de esclarecimento ou de correcção, desse modo sindicando o objecto das percepções do tribunal.
Essa influência é também mediata porquanto a omissão do registo dos elementos úteis percepcionados pelo tribunal em inspecção judicial, caso tais elementos venham a ser utilizados na decisão da matéria de facto, impedirá que o tribunal ad quem tenha ao seu dispor todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto pelo tribunal a quo.
Deste modo, pode concluir-se, com segurança, que a omissão de elaboração de auto de inspecção ou de consignação em acta do percepcionado na inspecção judicial constitui uma nulidade[14].
A não consignação em acta ou auto dos elementos úteis percepcionados pelo tribunal integra uma nulidade secundária (artigo 204º do Código de Processo Civil, a contrario sensu), de conhecimento não oficioso (artigo 202º do Código de Processo Civil), pelo que deveria ter sido arguida pelas partes no momento em que presenciaram a inspecção judicial.
Caso não tivessem assistido a tal acto, nem tido conhecimento da sua realização, deveriam ter arguido a nulidade no prazo de dez dias contados da leitura da decisão da matéria de facto (artigos 205º, nº 1 e 153º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, verificando-se que o tribunal de recurso não tem ao seu dispor toda a prova que serviu de base à decisão da matéria de facto do tribunal recorrido, está comprometida (se não mesmo inviabilizada) a impugnação da decisão da matéria de facto.
No entanto, privilegiando sempre o princípio da procura da verdade material, este tribunal de recurso, ainda assim procede à análise dos restantes meios de prova.

5.3. Reapreciação global e crítica da prova[15]
(…)
Face à ausência de registo dos elementos úteis percepcionados pela M.ª Juíza na inspecção judicial, que não nos permite uma avaliação plena da prova que fundamentou a decisão da matéria de facto, e aos depoimentos contraditórios das testemunhas, há que averiguar se estamos em condições de concluir pela verificação de erro no julgamento.
É a questão que se passa a apreciar.

5.4. A não verificação do alegado erro de julgamento
Cumpre referir, quanto à reapreciação da decisão da matéria de facto, os seguintes parâmetros de intervenção pacificamente aceites pela doutrina e pela jurisprudência: i) desde logo, de acordo com o preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador[16]; ii) não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, nomeadamente o princípio da livre apreciação da prova e da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância se encontra em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência; iii) o registo da prova, da forma em que é realizado nos nossos tribunais (mero registo fonográfico), não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.[17]
Perante o exposto, face aos depoimentos das testemunhas, tendo em conta o facto de este tribunal não ter acesso à percepção que a M.ª Juíza colheu na inspecção judicial e que constitui um dos fundamentos da decisão, salvo o devido respeito, não podemos concluir pela existência de qualquer “erro de julgamento” na apreciação da prova efectuada pelo tribunal a quo, revelando-se improcedente o recurso da decisão da matéria de facto que, em consequência, terá que naufragar.

6. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a matéria factual provada nos autos:
A) Os autores são proprietários do prédio rústico, composto de eucaliptal, sito em M (...), freguesia de T (...), Concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com (…) (actualmente (…)) do sul e poente com a Junta de Freguesia e do nascente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo x (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga, sob o número y (...), ali se encontrando inscrita a aquisição em nome dos autores, pela apresentação 2 de 27 de Dezembro de 2004, por compra que dele fizeram ao anterior titular inscrito, (…), titulada por escritura de compra e venda outorgada no dia 23 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial de Sever do Vouga lavrado a folhas 65 e seguintes do Livro de Notas para Escrituras Diversas 888-B.
B) Recentemente os autores procederam ao corte das árvores no prédio referido em A) e procederam à lavragem de todo o terreno.
C) Quando decorriam os trabalhos referidos em B) o réu marido compareceu no local e interrompeu esses trabalhos por mais de duas horas.
D) No passado mês de Maio, o réu marido cercou e vedou com fitas, duas parcelas, nas confrontações norte do prédio referido em A) e onde entesta com o prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º z (...) e implantou estacas de madeira a simular marcos.
E) Na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga, sob o nº q (...), encontra-se descrito o prédio rústico, sito no lugar de M (...), freguesia de T (...), inscrito na matriz sob o n.º k (...), a confrontar do norte com (…), sul e nascente com (…) e poente com (…), com a área de 1200m2 e aí inscrito em nome de EL (…) .
F) Na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga, sob o nº 3238, encontra-se descrito o prédio rústico, sito no lugar da M (...), freguesia de T (...), inscrito na matriz sob o n.º w (...), a confrontar do norte com (…), sul com (…), nascente com (…) e poente com (…), com a área de 6100m2, e aí inscrito em nome EL (…)
G) Por escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada em 20 de Julho de 2001, no Cartório Notarial de Sever do Vouga, Livro 819 B, a fls. 113, EL (…), declarou ser o único herdeiro por morte de (…).
H) Está inscrito na matriz predial rústica de Sever do Vouga, em nome de (…), o prédio rústico, sob o n.º z (...), com a área de 1.200m2, situado no lugar de M (...), freguesia de T (...), a confrontar a norte em nome de (…), sul, nascente e poente com (…).
I) Os autores, por si e antepossuidores, desde há mais de 20 anos que cortam e plantam, árvores e roçam os matos no prédio referido em A);
J) (…) dispondo do mesmo;
K)  (…) actos estes praticados à vista de toda a gente, sem que ninguém se lhe oponha ou questione o seu direito;
L) (…) e exercidos no convencimento do exercício de um direito próprio.
M) O prédio referido em A) encontrava-se delimitado e demarcado do prédio situado a norte, por um marco de pedra.
N) (…) nunca tendo havido discussão ou disputas com os vizinhos por causa das estremas.
O) Com a prática dos factos referidos em D) pretendem os réus que o prédio referido em A) confronta com um prédio seu.
P) O facto referido em B) visava replantação integral do prédio referido em A);
Q) (…) e com os factos referidos em D) os réus impediram os autores de procedessem aos trabalhos de replantação que estes se preparavam para levar a cabo em todo o prédio, referido em A) para o que tinham já contratado pessoal e adquirido os eucaliptos;
R) (…) e, em razão desse comportamento aquele prédio não foi replantado;
S) (…) circunstância que fará acrescer os custos necessários à sua replantação;
T) (…) e atrasará o normal desenvolvimento das árvores e, consequentemente, o tempo em que as mesmas estariam aptas ao corte e venda.
U) A paragem por mais de duas horas referidas em C) causou o prejuízo decorrente do tempo em que a máquina esteve parada na ordem dos € 205,00 (€ 200,00 + IVA a 5%).
V) O prédio referido em A) confronta a norte parcialmente com o prédio referido em H);
X) (…) por sua vez o prédio referido em H) confronta também a norte com o prédio referido em E).
Z) Aquando dos trabalhos referidos em B) os autores apoderaram-se da totalidade do prédio referido em H) e de parte dos prédios referidos em E).
A’) Os marcos desapareceram do local.
B’) (…) razão pela qual o réu marido actuou da forma referida em C) e D).

7. Fundamentos de direito
Os recorrentes fundamentam o seu recurso exclusivamente no alegado erro de julgamento da matéria de facto.
Já vimos que, não dispondo este tribunal de todos os elementos de prova em que se fundou a decisão (referimo-nos ao facto de não ter sido exarados na acta os elementos relevantes percepcionados pela M.ª Juíza no local), sendo os depoimentos das testemunhas contraditórios, não é possível concluir pela verificação do invocado “erro de julgamento”, pelo que se manteve a decisão impugnada.
Conclui-se que os recorrentes (autores) não lograram provar que as parcelas em causa (confinantes a norte), eram parte integrante do seu prédio.
Nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, incumbia aos autores a prova dos fundamentos da acção.
Decorre do exposto a improcedência do recurso.
Com estes fundamentos, entendemos, salvo o devido respeito, que não merece provimento o recurso, nem censura a sentença recorrida, que se deverá manter na íntegra.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, em manter na íntegra a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos Apelantes.
                                                         *

Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins


[1] In Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 6
[2] Referimo-nos ao conceito de “Justiça”, que alguém definiu como “Pólo Norte do direito”, e que Gustav Radbruch (Filosofia do Direito, Arménio Amado Editor, 1979, pág. 91, Tradução e Prefácio de Cabral Moncada), elege como razão de ser do direito: «o direito não é afinal senão a realidade que tem o sentido de se achar ao serviço da ideia de justiça»
[3] João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 62
[4] Professor José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 7
[5] Ou de natureza procedimental, na terminologia utilizada por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim – Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, pág. 368. Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 63), refere ainda uma outra modalidade: a dos prazos cominatórios.

[6] Processo n.º 966/08.2GBMFR.L1 -A.S1 — Fixação de jurisprudência Diário da República, 1.ª série — N.º 18 — 26 de Janeiro de 2011.
[7] Veja-se a seguinte citação feita neste acórdão: “Por sua vez, Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, 1993, pág. 36 e 37, após referir que «os prazos processuais permitem a coordenação dos diversos actos, sob um ponto de vista temporal, garantindo a celeridade da decisão dos processos, a certeza e a estabilidade das situações jurídica[s], o tempo necessário para a afirmação e defesa dos direitos fundamentais», classifica os prazos processuais penais como dilatórios, peremptórios e prazos ordenadores.”
[8] Proferido no Processo n.º 01662/02, acessível em http://www.dgsi.pt
[9] No mesmo sentido, vide acórdão STA, de 21.09.2010, proferido no Processo n.º 0182/10.

[10] Proferido no Processo n.º 220/02, 3ª Secção Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos
[11]
[12] E sobre eles recai integralmente o ónus da prova (art. 342/1 CC)
[13] Publicado no BMJ n.º 487, página 244.

[14] Nesse sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 2.12.2008, proferido no Processo n.º 0826753, acessível em http://www.dgsoi.pt, cujo sumário se transcreve parcialmente: «I. Se o auto de inspecção ao local omitiu os “elementos úteis” a que se refere o art° 615° C.P.Civ., foi cometida uma nulidade (irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa), se a inspecção judicial tiver também influenciado a convicção formada pelo Juiz — art° 201° n°1 C.P.Civil. II. Tal nulidade encontra-se sujeita a prazo de arguição, nos termos dos art°s 205° n°1 e 204° C.P.Civ. — tal prazo acaba no momento em que o acto finda, quando ambas as partes se encontram presentes…»
[15] Sem podermos apreciar a diligência probatória (inspecção judicial), cujo relatório se omite na acta.
[16] Consta do preâmbulo do referido diploma: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação».

[17] Vide Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, pág. 266 e 267.

Refere o autor citado: «Além do mais, todos sabem que por muito esforço que possa ser feito na racionalização do processo decisório aquando da motivação da matéria de facto sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos. (...) Carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadjuvantes e necessários para que a justiça se faça, correm-se sérios riscos de a injustiça material advir da segunda decisão sobre a matéria de facto».

No mesmo sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 20.9.2005, Processo 05A2007 e da RC de 13.01.2009, Processo 4966/04.3TBLRA, acessíveis em http://www.dgsi.pt: «De salientar (...) que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (...)».