Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1971/09.7TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.30, 31, 32, 47 LULL, 638, 657 CC
Sumário: 1. Contrariamente ao que se passa com a fiança, garantia de natureza acessória, a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma
2. Enquanto a fiança tem natureza subsidiária, da qual decorre o benefício da excussão prévia, a obrigação do avalista é solidária, respondendo a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título, sem poder invocar o referido benefício.
3. Das características enunciadas (autonomia e solidariedade) resulta a irrelevância do facto de o avalista, sócio gerente da sociedade executada, ter cedido as suas quotas, não o isentando tal cessão das responsabilidades assumidas através do aval que subscreveu.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
F (…), veio deduzir oposição à Execução Comum que lhe foi movida por “Banco (…), S.A.”, que corre termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça com o n.º 1871/09.7TBACB, pedindo que se declare extinta.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou em síntese: os títulos executivos (duas livranças avalizadas pelo oponente) são inexequíveis por falta de protesto; os avais que prestou são nulos por as livranças terem sido subscritas em branco e as garantias a elas associadas poderem qualificar-se como futuras, indeterminadas e sem data de vencimento, uma vez que quando assinou as livranças desconhecia o montante pelo qual podia vir a ser responsabilizado; os avais devem ser considerados extintos em virtude do preenchimento abusivo das livranças, já que estas foram preenchidas numa altura em que aquele não era mais sócio da sociedade subscritora, tendo sido nessa qualidade que prestou as referidas garantias, sempre haverá lugar à extinção dos avais em razão do preenchimento abusivo das livranças, uma vez que advoga a novação dos contratos de crédito concedidos pelo exequente à subscritora das livranças; o oponente cedeu a sua quota e renunciou à gerência da sociedade subscritora, sendo-lhe alheias as renovações, não podendo ser responsabilizado por elas; a excussão prévia do património da sociedade subscritora é condição processual de execução, por dela depender a certeza, liquidez e exigibilidade da divida; o preenchimento das livranças é abusivo por as dívidas da sociedade subscritora terem sido assumidas por uma empresa de construção e venda de imóveis.
Notificado para o efeito, o exequente apresentou contestação, na qual alega em síntese: no que tange à excussão prévia do património da sociedade subscritora, o avalista responde da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada, sendo essa responsabilidade solidária, e que, nessa medida, não é necessário excutir o património da subscritora da livrança para que proceda a acção executiva; relativamente à alegada nulidade dos avais, as livranças em apreço foram preenchidas com valores determinados, a saber, os valores devidos pela sociedade subscritora e resultantes das obrigações assumidas nos contratos de financiamento que foram firmados; no âmbito das negociações havidas para a concessão dos créditos, foi acordada a entrega dessas livranças – em branco relativamente à data de vencimento e ao valor – e o preenchimento das mesmas em caso de incumprimento, não se tendo estipulado qualquer tipo de limitações; quanto à novação os prazos atinentes a cada um dos supra mencionados contratos eram do conhecimento daquele e que as obrigações contraídas pela subscritora das livranças foram sempre as mesmas, pelo que não existiu qualquer substituição de obrigações antigas por obrigações novas; as dívidas da sociedade subscritora não foram assumidas por ninguém.
Foi proferido despacho saneador (fls. 76) em que se decidiu pela improcedência da inexequibilidade dos títulos executivos por falta de protesto, tendo-se seleccionado a matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto (fls. 329), que não foi objecto de qualquer reclamação.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente oposição à execução totalmente improcedente, por não provada, com o consequente prosseguimento da execução.»
Inconformado, apelou o opoente, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
(…)
O recorrido apresentou resposta às alegações, na qual preconiza a improcedência do recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação do recurso da matéria de facto (conclusões 1.ª a 27.ª); ii) apreciação da invocada nulidade do aval (conclusões 28.ª a 43.ª); iii) apreciação da invocada extinção do aval por renúncia à gerência e cessão de quotas da sociedade avalizada (conclusões 44.ª a 49.ª); iv) apreciação da invocada extinção da obrigação avalizada por novação (conclusões 50.ª a 58.ª); v) e apreciação da invocada excussão prévia do património da subscritora como condição processual de execução (conclusões 59.ª e 60.ª)

2. Recurso da matéria de facto
(…)
Decorre de todo o exposto a improcedência do recurso da decisão da matéria de facto.

3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada nestes autos:
1. Por requerimento apresentado em juízo no dia 18 de Setembro de 2009, “Banco (…), S.A., Sociedade Aberta” instaurou acção executiva contra M (…) e F (…), tendo apresentado os seguintes títulos executivos:
- Livrança emitida em 24 de Março de 2005, com vencimento a 4 de Setembro de 2009, subscrita por “M(…) & Irmãos, Lda.” e avalizada por M (…) ML (…)e F (…), na qual foi indicado o montante de €140.235,86;
- Livrança emitida em 7 de Dezembro de 2004, com vencimento a 4 de Setembro de 2009, subscrita por “M (…)& Irmãos, Lda.” e avalizada por M (…), ML (…) e F (…) , , na qual foi indicado o montante de €84.014,80;
2. Em 4 de Abril de 2003 foi celebrado entre o exequente e “M (…) & Irmãos, Lda.” um acordo escrito denominado contrato de empréstimo sob a forma de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito;
3. Nos termos da cláusula 2ª do referido contrato, o mesmo foi celebrado pelo prazo de 90 dias, sendo sucessivamente renovável por iguais períodos se não fosse denunciado pelas partes;
4. Por via do contrato, a exequente concedeu à sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.” um financiamento no valor de €74.820,00, nos termos e condições constantes do contrato aludido em 2.;
5. O contrato referido em 2. veio a sofrer alterações, e por via das mesmas o valor do empréstimo concedido à sociedade “M (…)s & Irmãos, Lda.” foi aumentado para €125.000,00;
6. A abertura de crédito era feita pela disponibilização do crédito na conta nº 398006282504, titulada por “M (…) & Irmãos, Lda.”;
7. As transferências solicitadas pela “M (…) & Irmãos, Lda.” atingiram a totalidade da abertura de crédito no valor de €125.000,00;
8. A 7 de Dezembro de 2004 foi celebrado entre a exequente e a sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.” um outro contrato de abertura de crédito a prazo fixo disponibilizado em Conta Crédito;
9. Tal contrato foi celebrado pelo prazo inicial de 1279 dias, a contar da data do contrato e em 7 de Dezembro de 2006 viria a ser prorrogado até 8 de Junho de 2006;
10. Por via do mencionado contrato, a exequente concedeu à sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.” um empréstimo até ao montante de €1.700.000,00 sob a forma de abertura de crédito, a qual era feita pela disponibilização do crédito na conta nº 398006282504, titulada pela sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.”;
11. As transferências solicitadas pela “Mateus & Irmãos, Lda.” atingiram os €1.600.000,00;
12. As livranças referidas em 1. destinavam-se a garantir os financiamentos referidos em 4., 5. e 10.;
13. Quando foram subscritas as livranças aludidas em 1., delas constava a data de emissão, a subscrição pela sociedade “Mateus & Irmãos, Lda.” e as assinaturas dos sócios enquanto avalistas, não constando a data de vencimento e o montante;
14. As referidas livranças foram entregues ao exequente como garantia futura das obrigações decorrentes dos contratos em 2. e em 8.;
15. Quando o oponente prestou os avais não existiam dívidas vencidas da sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.” à exequente;
16. Nessa ocasião, a “M (…) & Irmãos, Lda.” possuía património, crédito bancário, liquidez financeira e encontrava-se a construir um empreendimento imobiliário de valor superior aos créditos contratados com a exequente;
17. Assim como não tinha dívidas para com a Fazenda Nacional;
18. A exequente exigiu a prestação dos avais pelo oponente e este aceitou prestá-los;
19. Desde Outubro de 2005 que o executado não exercia qualquer função na sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.”;
20. Por força da aquisição do empreendimento imobiliário referido em 16., Rui Ferreira assumiu perante a exequente o pagamento da quantia de €1.600.000,00, que era da responsabilidade da sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.”;
21. O oponente, como os demais avalistas, aceitou os acordos de preenchimento das livranças constantes do nº 3 da cláusula 11 do documento aludido em 5. e do documento mencionado em 8., respectivamente;
22. Quando o oponente avalizou as livranças referidas em 1, conhecia o teor de todos os contratos de financiamento – e assinou-os – conhecendo os valores financiados, a taxa de juro e a forma de reembolso.

4. Fundamentos de direito
Nas conclusões 28.ª a 60.ª, o recorrente suscita quatro questões: a nulidade do aval (conclusões 28.ª a 43.ª); a extinção do aval por renúncia à gerência e cessão de quotas da sociedade avalizada (conclusões 44.ª a 49.ª); a extinção da obrigação avalizada por novação (conclusões 50.ª a 58.ª); e a falta de excussão prévia do património da subscritora como condição processual de execução (conclusões 59.ª e 60.ª)
Passamos a abordar de forma sistematizada cada uma das questões.

4.1. A alegada nulidade do aval
Alega o recorrente que resulta dos factos dados como provados que as livranças foram subscritas em branco, inteiramente por preencher, que foi assim que o banco as enviou e que era assim que o banco normalmente apresentava as livranças aos clientes para subscrição e prestação de aval.
Mais alega que: foi dado como provado que as livranças foram entregues ao exequente como garantia futura e indeterminada e sem data de vencimento; foi dado como provado que o recorrente deixou de exercer a gerência de facto desde Outubro de 2005; ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, o aval prestado pelo executado deve ser julgado nulo em virtude do seu objecto ser indeterminável; o aval prestado pelo executado garantiu uma obrigação futura, genérica e indeterminada.
Vejamos.
Sem quebra do respeito devido, não se provou o que o recorrente alega.
Ao invés da alegação que se reproduziu, provou-se que: as livranças referidas em 1. destinavam-se a garantir os financiamentos referidos em 4., 5. e 10. (facto 12); quando foram subscritas as livranças aludidas em 1., delas constava a data de emissão, a subscrição pela sociedade “M (…) & Irmãos, Lda.” e as assinaturas dos sócios enquanto avalistas, não constando a data de vencimento e o montante (facto 13); as referidas livranças foram entregues ao exequente como garantia futura das obrigações decorrentes dos contratos em 2. e em 8. (facto 14).
Em suma, ficou demonstrado que as livranças se destinavam a garantir apenas as obrigações emergentes dos contratos assinados pelo recorrente, e que, apesar de delas não constar a data de vencimento e a quantia, o recorrente subscreveu pactos de preenchimento.
Com efeito, constam dos contratos (fls. 41, 50 e 64), os acordos de preenchimento (subscritos pelo recorrente), onde se estipula que o exequente “fica autorizado a preencher a referida livrança, nos seguintes termos: a) data de vencimento (…); b) valor – qualquer quantia devida pelo cliente ao abrigo do presente contrato”.
Refere-se na douta sentença recorrida, citando o Professor Menezes Cordeiro Impugnação Pauliana – Fiança de Conteúdo Indeterminável”, CJ, Ano XVII, Tomo III, p. 61: «‘a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação’. Diversamente, ‘a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação’»
E conclui-se:
«Atenta a factualidade dada como provada, constatamos que dos contratos de financiamento celebrados constam diversos critérios tendentes à determinabilidade das obrigações, tais como os montantes dos financiamentos concedidos, as taxas de juro aplicadas e os respectivos prazos (tendo-se estipulado que, no que toca ao contrato datado de 4 de Abril, o prazo de 90 dias seria sucessivamente renovável por iguais períodos, excepto em caso de denúncia pelas partes). Ficou igualmente acordada a possibilidade de se preencher as livranças em virtude do incumprimento de qualquer obrigação assumida nos contratos. Ora o oponente conhecia o teor dos aludidos contratos, assim como sabia da alteração ao primeiro contrato e da prorrogação do segundo, e aceitou os pactos de preenchimento relativos às livranças dadas à execução.»
Sobre esta questão, não merece a sentença recorrida qualquer censura, na medida em que é manifesta a determinabilidade da prestação garantida, reportando-se a mesma aos contratos outorgados pelo recorrente, onde estão estipulados os parâmetros que permitem essa determinação.

4.2. A alegada extinção do aval por renúncia à gerência e cessão de quotas da sociedade avalizada
Não se provou qualquer facto susceptível de alicerçar a tese do recorrente sobre esta matéria.
Com efeito, questionava-se no artigo 7.º da base instrutória: “Foi apenas pela circunstância do oponente ser sócio gerente da sociedade “M (…) & Irmão, Lda.” que a exequente exigiu a prestação do aval pelo oponente e este aceitou prestá-lo?”
O Tribunal a quo respondeu a esta questão nestes termos: “provado apenas que a exequente exigiu a prestação dos avais pelo oponente e este aceitou prestá-los”.
Tal resposta nem sequer foi impugnada pelo recorrente.
Como é sabido, o aval é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador do aval) garante o pagamento de uma letra ou de uma livrança por parte de um dos seus subscritores (avalizado).
O aval representa assim uma obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente de um signatário do título cambiário.
Apesar de economicamente visar um fim semelhante à fiança, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio.
Vejamos duas diferenças essenciais: i) contrariamente ao que se passa com a fiança, que é uma garantia de natureza acessória (art. 627.º, n.º 2, do CC), a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL); ii) enquanto a fiança tem natureza subsidiária (benefício da prévia excussão do fiador: art. 638.º do CC), a obrigação do avalista é solidária, respondendo a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art. 47.º, n.º 1, da LULL).
Da primeira característica enunciada (autonomia da obrigação do avalista) resulta a irrelevância do facto de o recorrente ter cedido as suas quotas, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 11.12.2003 Proferido no Processo n.º 03A3529, acessível em http://www.dgsi.pt , cujo sumário se transcreve parcialmente: “Se o aval se tiver destinado a garantir uma obrigação de sociedade comercial de que o avalista seja sócio, o facto de ele ter cedido a sua quota na sociedade avalizada não o isenta de responsabilidade, atenta a natureza pessoal da garantia prestada (artºs. 30º e 31º da LU).”
O recorrente nas suas alegações enfatiza o facto de ter cedido as suas quotas, alegando apenas nesta fase (o que não fez na fase dos articulados), que enviou um fax ao banco a “desvincular-se” da obrigação assumida.
Com o devido respeito, é irrelevante a saída da gerência, como qualquer “desvinculação” unilateral.
O banco financiou a empresa (sociedade), face às garantias que exigiu e que foram prestadas, e no pressuposto de que as mesmas funcionariam de acordo com o regime legal vigente, não se revelando viável a extinção de uma garantia (de natureza autónoma, como vimos), só porque o garante (avalista) decide deixar a sociedade.
A prevalecer esta tese, estaria encontrado um caminho fácil para obter crédito apenas com uma “promessa” de garantia que se desvanecia no futuro: os sócios prestavam o seu aval pessoal, o banco financiava com base nessa garantia, os avalistas cediam as quotas, o financiamento mantinha-se mas a garantia que constituíra o seu pressuposto desaparecia.
É manifesta a falta de fundamento da tese do recorrente nesta parte.

4.3. A alegada extinção da obrigação avalizada por novação
Nas suas alegações, o recorrente invoca a “validade semestral” dos contratos de financiamento, afirmando que “no termo do semestre caducavam” e que “a renovação da validade das contas caucionadas e dos respectivos montantes de crédito concedidos pela exequente à subscritora dependia sempre e inevitavelmente da expressa vontade da exequente, que aceitava a sua renovação.”.
Mais alega que, se desde 2004 e 2005, data da subscrição e aval das livranças até 2009 “os créditos concedidos por intermédio das contas caucionadas foram sendo renovados, isso dependeu exclusivamente da expressa vontade da exequente, que aceitou e confiou em tais renovações”, concluindo que “a renovação semestral das contas caucionadas implicava na verdade a novação objectiva dos montantes de crédito concedidos pelos contratos renovados.”
Sobre esta matéria, nada temos a acrescentar ao que, lapidarmente, se decidiu na sentença sob censura, que se transcreve parcialmente:

«No que se refere ao segundo argumento invocado pelo oponente, o mesmo prende-se com a ideia de que, a cada renovação do contrato celebrado a 4 de Abril de 2003 (o qual foi posteriormente alterado quanto ao montante do empréstimo) operaria a novação objectiva das quantias concedidas pelos contratos renovados. Efectivamente, e de acordo com o estatuído no artigo 857º do Código Civil, “ dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga”. No artigo 859º do mesmo diploma encontra-se consagrada uma condição sine qua non da novação: “a vontade de contrair uma nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada”.

Ora, na situação dos autos, não só não foi exprimida a vontade de se proceder à novação das obrigações, como também não se pode, objectivamente, falar em substituição de uma obrigação antiga por uma obrigação nova aquando das renovações. Na verdade, o que está em causa é sempre o mesmo contrato de financiamento, não havendo alteração do respectivo montante. O único elemento afectado é o prazo de pagamento do aludido montante.

Ademais, note-se que a posição defendida pelo oponente conduziria à conclusão de que o aval prestado na livrança associada à alteração do contrato datado de 4 de Abril de 2003 apenas seria válido pelo período de 90 dias, versão que se nos afigura ser manifestamente indefensável tendo em conta os usos e a importância mutuada.

Diga-se ainda que novação das obrigações também não tem lugar quando as partes apenas decidem prorrogar o prazo de pagamento – como aconteceu relativamente ao contrato de 7 de Dezembro de 2004 – por também não ser correcto falar-se em substituição das obrigações (neste sentido vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Março de 2009, processo nº 82/03.3TBMTR-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).»

É manifesta a improcedência da argumentação do recorrente, também nesta parte.

4.4. O invocado benefício de excussão prévia
Esta matéria já foi abordada, tendo-se referido que, enquanto a fiança tem natureza subsidiária (benefício da prévia excussão do fiador: art. 638.º do CC), a obrigação do avalista é solidária, respondendo a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art. 47.º, n.º 1, da LULL).
Como bem se refere na sentença recorrida, o regime do aval configura um dos casos em que, por imperativo da lei, existe solidariedade passiva, sendo pacífico o entendimento de que o avalista não goza do benefício da excussão que é facultado ao fiador no artigo 638º do Código Civil, e que consiste na possibilidade de recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
Improcede o recurso, também nesta parte.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual se nega provimento, mantendo-se, em consequência, a douta sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Apelante.
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O presente acórdão compõe-se de trinta e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Coimbra, 11 de Julho de 2012

Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins