Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2515/09.6TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
DECISÃO
DESPACHO
Data do Acordão: 10/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 27º,28º E 64ºDO DL. 433/82 DE 27/10
Sumário: 1.0 Juiz só pode decidir por simples despacho nos termos do artigo 64º n º1 do DL 433/82 de 27/10 quando as questões suscitadas no requerimento de impugnação são meramente de direito ou, sendo questões sobre a matéria de facto, a sua apreciação não implique ou dependa da realização de diligências de prova
2.As decisões surpresa, violadoras dos princípios do processo justo, ocorrem quando uma decisão é proferida sem que se tenha dado aos sujeitos processuais a possibilidade de se manifestarem sobre a questão decidida.

3 O critério legal para a contagem do prazo prescricional a que se refere o artigo 27º do DL 433/82 prende-se com a sanção abstractamente aplicável à infracção, a concretizar dentro dos limites do art. 18º do mesmo diploma, e não na sanção concretamente aplicada.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
Em processo de contra-ordenação foi proferida decisão condenatória pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade, da arguida “M… — , SA”, pela prática de uma contra-ordenação por falta de formação em higiene alimentar prevista pelo n.° 1 do Capítulo XII do Regulamento CE n.° 852/2004, de 29/04, e punida pelo art.° 54 do D.L. n.° 28/84, de 20/01, outra por falta de segurança alimentar baseado no princípio HACCP prevista no art.° 5.° do Capítulo II do mesmo Regulamento, e punido pelos art.°s 58.° n.° 1 d) e 54.° do referido D.L. n.° 28/84, e ainda outra por falta de amostragem para controlo analítico das carcaças. resultados analíticos insatisfatórios e falta de implementação de medidas correctivas que contrariem os n.°s 2.1.1. — 2.1.2. — 2.1.3., e 2.1.4. do Capítulo II do Regulamento CE 11.0 2073/2005, da Comissão de 05/12, punível nos termos do 58.° 11.0 1 d) e 54.° do citado D.L. n.° 28/84, de 20/01, nas coimas parcelares de 2.000 € e coima unitária de 3.000,00 €, relativamente à primeira e terceira contra-ordenações acima indicadas, bem ainda a pena de Admoestação relativamente à segunda contra-ordenação.
Não se conformando com esta decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação para o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
Neste Tribunal foi proferida decisão que negou provimento ao recurso e confirmou na íntegra a decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade
            Inconformada com tal decisão, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação.
            Na sua motivação conclui:
« 1. A arguida não se conformando com a decisão proferida pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, que lhe aplicou uma coima unitária de € 3.000,00 e admoestação pela infracção às regras relativas a falta de formação em higiene alimentar, prevista no n.° 1 do capítulo XII do regulamento (CE) n.° 852/2004 de 29 de Abril; falta de segurança alimentar baseado nos princípios HACCP prevista no art.° 5° do Capítulo II daquele Regulamento e incumprimento do plano de amostragem para controlo analítico das carcaças previsto nos números 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3 e 2.1.4 do Capítulo II do Regulamento CEE n.° 2073/2005 da Comissão de 5 de Dezembro, interpôs recurso de impugnação judicial.
2. Naquele recurso alegou em síntese:
• A nulidade da decisão, uma vez que na Comissão não estavam presentes todos os membros que assinaram a decisão, cfr. acta junta à decisão;
• A prescrição do procedimento contra-ordenacional;
• Que a aplicação da coima não tem por base facto em que possa apoiar-se, mas apenas conclusões;
• Nega a prática da contra-ordenação e impugna os factos por não corresponderem à verdade.
3. A decisão foi proferida por despacho nos termos do art° 64°, n.°2 do RGCOC, julgando improcedente o recurso e mantendo nos seus precisos termos a decisão administrativa,
4. A arguida não se conforma com tal decisão, por considerar:
a)Nula a decisão Administrativa;
b) Prescrito o procedimento contra-ordenacional c) Infundada a decisão
5. Quanto à nulidade: Da acta de reunião da Comissão constata-se que no dia 29 de Junho de 2009 (data da decisão) estiveram reunidos na sede, o Presidente (Dr. A) e os Vogais, Inspector-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (Dr. A N) e Director-geral das Actividades Económicas (Dr. ML );
6. A acta encontra-se assinada pelo Presidente da Comissão e contém uma outra assinatura, desconhecendo-se a sua autoria, já que é ilegível, podendo presumindo-se que pertença a um dos vogais;
7. Daquelas duas assinaturas terá de extrair-se uma primeira conclusão: não esteve presente um dos vogais.
8. Mas o mais grave é que se confrontarmos as assinaturas constantes da acta e da decisão, apenas conseguimos estabelecer semelhança com a assinatura do presidente da Comissão;
9. As outras duas assinaturas dos vogais constantes da decisão, em nada se assemelham à assinatura constante da acta.
10.0 que significa que o vogal presente na reunião da Comissão, não assinou a decisão.
11 .A decisão foi proferida por um dos vogais que não participou na discussão e tomada de decisão, limitando-se a apor a sua assinatura na decisão.
12. Nos termos do art.° 17°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 143/2007 de 27 de Abril, a decisão é tomada pelos membros da Comissão reunida nos termos do art.° 12°, n.° 2 do mesmo diploma.
13. Atento o exposto, teremos de concluir que a decisão foi tomada com violação do disposto nos citados preceitos, sendo, consequentemente nula;
14. Quanto à prescrição: As contra-ordenações em causa, alegadamente foram praticadas no dia 06.06.2006.
15 .Tais contra-ordenações são puníveis em abstracto com coima de € 24,94 a€ 7.481,97.
16. Entende a recorrente que ao caso se aplica a alínea c) do art.° 27° do RGCOC, ou seja, que o procedimento por contra-ordenação se extingue por efeito de prescrição decorrido um ano sobre a prática da contra- ordenação.
1 7.Isto porque no seu entendimento a alínea b) só teria aplicação se o limite mínimo da coima fosse igual ou superior a 2.493,99. O que não é o caso.
18. Considerando a data em que as contra-ordenações foram alegadamente praticadas — 06-06.2006 — e retirando o tempo de suspensão — 6 meses — verificamos ter decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade, ou seja, o procedimento extinguiu-se por efeito da prescrição em 06.06.2008 — art. 28°, n° 3 do RGCOC.
19. Quanto à nulidade da sentença: A sentença considerou provados todos os factos constantes do auto de noticia de fis. 2;
20. No recurso a arguida impugnou os factos, alegando que os mesmos não eram verdadeiros;
21. Em face de tal impugnação o Tribunal não podia dar como provados os factos constantes do auto de noticia, expressamente impugnado.
22. O douto despacho de fis. 74 forma na recorrente a convicção de que o Tribunal, por força da impugnação dos factos pela recorrente, iria pronunciar-se apenas sobre as questões de direito, levantadas no recurso;
23. Ao pronunciar-se também sobre a matéria de facto, a decisão, para além de infundada, uma vez que atendeu a factos e prova expressamente impugnados, constituiu uma sentença surpresa, no sentido de, com aquele despacho, ter formado na recorrente a convicção da desnecessidade de produção de prova, em frontal violação do principio do contraditório.
24.Mostrando-se assim a decisão sob recurso nula, por violação do art.° 32°, n.° 10 da Constituição da República Portuguesa. ».

            O MP, nas suas alegações, através do Exmo. Senhor Procurador Geral-adjunto nesta Relação, pronunciou-se pela improcedência do recurso                                                                                                                    *
            Tendo em conta o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente são três as questões em apreciação: (i) nulidade da decisão administrativa, (ii) prescrição do procedimento, (iii) nulidade da sentença recorrida.
                                                           *
            É do seguinte teor a decisão recorrida:


M--- S.A., arguida nos presentes autos de contra‑ordenação, não se conformando com a decisão de fls. 45 a 48 da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, que lhe aplicou a coima unitária de € 3 000 e admoestação pela infracção às regrConforme diz na sentença sub judice o critério legal para a contagem do prazo prescricional prende-se com a sanção abstractamente aplicável à infracção, a concretizar dentro dos limites do art. 18º, e não na sanção concretamente aplicada. Quando o artigo 27º do RGCOC diz «contra-ordenação a que seja aplicável» é isso quer dizer. Aqui e em qualquer contagem de prazo no sistema jurídico português.

Ora face à moldura da coima aplicável ao caso (€24,94 a € 7481,97), o prazo de prescrição das contra-ordenações é de 3 anos.

Os factos ocorreram em Junho de 2006.

A recorrente foi notificada para efeitos de direito de audição e defesa, conforme resulta do teor do aviso de recepção de fls. 26, em 17 de Janeiro de 2007.

A clareza da decisão sub judice quanto a isto é inequívoca: o procedimento por contra-ordenação extinguir-se-ia em 6 de Junho de 2009, caso até essa altura não tivesse ocorrido nenhuma causa de interrupção ou de suspensão, o que efectivamente aconteceu, tendo ficado suspenso o procedimento à luz do art. 27.º-A, n.º 1 b) e c) do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas e interrompido, de acordo com o preceituado no art. 28.º/1 a) e c), do mesmo diploma, já que a empresa recorrente foi notificada precisamente para efeitos de direito de audição e defesa, conforme resulta do teor do aviso de recepção de fls. 26, notificação essa realizada em 17 de Janeiro de 2007, tendo o procedimento ficado interrompido e suspenso.

Por seu lado ainda não decorreu o prazo que consta no artigo fixado no art. 28.º/3 do mesmo diploma.
 Não se mostrando necessário dizer mais nada, há que concluir tão só que não está ainda prescrito o procedimento, pelo que improcede nesta parte o recursas relativas à falta de formação em higiene alimentar, falta de segurança alimentar baseado nos princípios HACCP e por incumprimento do plano de amostragem para controlo analítico das carcaças, veio da mesma interpor recurso de impugnação judicial da decisão administrativa para este Tribunal, alegando, em síntese, que:

- A arguida não praticou as contra-ordenações de que vem acusada;
- Há muito que o procedimento por contra-ordenação se encontra prescrito, uma vez que os factos remontam a Junho de 2007;
- A coima aplicável sempre seria nula, já que a reunião da comissão que aplicou a coima não tinha a presença de todos os membros da comissão;
- A aplicação da coima não tem por base factos em que possa apoiar-se, mas apenas conclusões:

*
O presente recurso foi admitido, por legal e tempestivo, não se tendo considerado necessária a realização de audiência.
Cumpriu-se o disposto nos arts. 64º/1 e 2 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
*
Da prescrição

Foram à recorrente aplicadas sanções puníveis em abstracto com coima de € 24, 94  a € 7 481, 97 (arts. 58,º/1 d) e 54.º/1 e 2 do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro).

Como sabemos a prescrição consiste na extinção de um direito em virtude do decurso de certo período de tempo e a verificar-se essa excepção, no caso em apreço, a mesma tem por efeito a extinção do procedimento contraordenacional.

Passemos então à apreciação da questão da prescrição do procedimento de contra-ordenação.

O regime legal das contra-ordenações encontra-se definido no Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, o qual tem vindo a sofrer algumas alterações, a última das quais introduzida pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, aos arts. 27º, 27º - A e 28º, precisamente relativa à prescrição.

Como resulta do art. 27º do Decreto-Lei 433/82, de 27/10, o critério legal para a contagem do prazo prescricional prende-se com a sanção abstractamente aplicável à infracção, a concretizar dentro dos limites do art. 18º, e não na sanção concretamente aplicada.

Deste modo, considerando a data em que as contra-ordenações foram praticadas (06/06/06) e a coima abstractamente aplicável – € 24,94 a € 7 481,97, o prazo de prescrição é de três anos (art. 27º b) do Decreto-Lei 433/82, na redacção dada pela Lei nº 109/2001).

E assim o procedimento por contra-ordenação extinguir-se-ia em 6 de Junho de 2009, caso até essa altura não tivesse ocorrido nenhuma causa de interrupção ou de suspensão, o que efectivamente aconteceu, tendo ficado suspenso o procedimento à luz do art. 27.º-A, n.º 1 b) e c) do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas e interrompido, de acordo com o preceituado no art. 28.º/1 a) e c), do mesmo diploma, já que a empresa recorrente foi notificada precisamente para efeitos de direito de audição e defesa, conforme resulta do teor do aviso de recepção de fls. 26, notificação essa realizada em 17 de Janeiro de 2007, tendo o procedimento ficado interrompido e suspenso, não tendo decorrido o limite fixado no art. 28.º/3 do mesmo diploma, limite esse que ainda deverá ser conjugado com o disposto no art. 27.º A, n.º 2, pelo que é inquestionável que o procedimento contraordenacional não se mostra prescrito.

*
       Da nulidade invocada
       Relativamente ao funcionamento da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade importa ter em consideração o regime legal que resulta do DL n.º 143/2007, de 27 de Abril e em particular o art. 12.º/2 que estabelece que “a comissão reúne com a presença do presidente e de dois vogais consoante a matéria a decidir”, sendo “a decisão final tomada por maioria e assinada por todos os membros da comissão, reunida nos termos do artigo supra referido” (ar. 17º do mesmo diploma).
       Ora, compulsados os autos, verifica-se que a decisão de fls. 45 a 48 cumpre as normas acabadas de enunciar – está assinada por todos os membros necessários da comissão, sendo absolutamente irrelevantes as assinaturas que constam na acta da reunião da comissão, não se podendo inferir que a circunstância da mesma não estar assinada pelos vogais presentes na reunião implica a sua ausência, como é evidente, tanto mais que uma acta é um documento descritivo do funcionamento da comissão e nada mais…
       Assim, a decisão de fls. 45 a 48 não enferma da invocada nulidade, uma vez que cumpriu com todas as formalidades atinentes ao procedimento administrativo legalmente previsto.

*

O Tribunal é competente, não se suscitando quaisquer nulidades, outras questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.


2.1 - Factos Provados

O Tribunal considera provados os seguintes factos (não se pronunciando sobre a matéria de direito, juízos de valor e factos conclusivos ou irrelevantes da decisão administrativa e da contestação da empresa arguida), pertinentes para a decisão da causa:


1º - No dia 6 de Junho de 2006[1], na M… –, S.A.,… em …, nas instalações onde tem instalado um matadouro o piso encontrava-se degradado na zona de expedição de carcaças, de câmaras frigoríficas, linhas de abate e preparação das vísceras comestíveis, bem como as paredes e tectos.
2º - Os tectos e partes superiores das paredes de câmara de refrigeração das carcaças de suínos apresentavam bolores.
3º - Os tubos de condução aéreos de gases e líquidos apresentavam-se oxidados e com tinta a desprender-se.
4º - Os ralos de escoamento nas câmaras e áreas de preparação das vísceras estavam degradados e soltos.
5º - Na área de abate e preparação das vísceras comestíveis a parte de cima dos azulejos e tectos exibia sujidade generalizada e com teias de aranha, tal como nas janelas.
6º - A rede mosquiteira nelas colocada estava rota.
7º - Os quatro portões de expedição apresentavam-se com a chapa metálica oxidada e amolgada, impedindo que fechassem.
8º - Os vestiários e casa de banho do pessoal apresentavam tecto, paredes e piso sujos e desarrumados.
9º - Os contentores de resíduos sólidos estavam sujos e sem tampa.
10º - Os recipientes de soluto higienizante estavam partidos e os lavatórios não possuíam água quente e não dispunham de meios automáticos de lavagem de mãos.
11º - Os equipamentos utilizados para conter água a 82º C para desinfecção de facas e outros utensílios encontravam-se sem líquido e desligadas.
12º - Os lavatórios utilizados nas zonas de abate não dispunham de água quente nem estavam providos de suporte de toalhetes ou outro meio de secagem das mãos.
13º - Os electrocutores não funcionavam devidamente.
14º - A lavagem dos meios de transporte dos animais localizava-se em local sujo e degradado.
15º - Os trabalhadores ao serviço do matadouro não possuíam formação em higiene alimentar nem receberam instruções de trabalho sobre práticas de higiene pessoal nem existia sinaléctica afixada que alerte os trabalhadores para prática de higiene pessoal.
16º - Não existiam no local meios de controlo de humidade, de calibração dos meios de leitura de temperaturas.
17º - Não é cumprido o plano de colheita de análise às carcaças.
18º - Verificou-se, segundo o plano efectuado em Abril de 2006 que estavam previstas colheitas nos dias 7, 13, 21 e 24, não tendo sido efectuada colheita no dia 13.
19º - Em Janeiro de 2006 apenas foram feitas colheitas a 5 e 26, faltando as colheitas da 2.ª e 3.ª semana.
20º - Os resultados analíticos relativos à contagem de colónias aeróbicas de algumas amostras efectuadas à superfície de contacto, carcaças de suínos e miudezas apresentavam resultados considerados inaceitáveis.
21º - A empresa não possuía plano de controlo HACCP implementado nem demonstrou ter iniciado a elaboração de tal plano.
22º - A empresa arguida incumpriu as regras atinentes à higiene e asseio no desenvolvimento da sua actividade, agindo de livre vontade e deliberadamente.

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a causa.

         2.3 - Fundamentação da matéria de facto
Ao dar como provados estes factos, o Tribunal fundou a sua convicção no auto de notícia de fls. 2, bem como no teor dos documentos de fls. 4 a 16 (análises). Alegou a recorrente que os factos mencionados constituem uma apreciação muito subjectiva do senhor agente autuante. Ora, a descrição efectuada no auto de notícia não se limita a fazer considerações subjectivas, enuncia as anomalias encontradas de uma forma até bastante objectiva, fazendo referências concretas a situações que descreveu com minúcia e que permitiu ao Tribunal valer-se das mesmas quanto à caracterização das situações mencionadas.

3 - Fundamentação de Direito
Como resulta dos factos acima descritos, claro é que a empresa arguida cometeu as contra-ordenações que lhe eram imputadas, sendo certo que a decisão administrativa tem por base factos concretos e não apenas conclusões. Ainda que existam alguns elementos conclusivos, os mesmos surgem na sequência da facticidade observada e descrita com rigor, nos termos que já evidenciámos. Assim, não restam quaisquer dúvidas que a condenação da arguida pelas contra‑ordenações em causa foi inteiramente merecida, já que a mesma incumpriu com as obrigações legais inerentes à manutenção de boas condições na confecção de géneros alimentícios, o que implica controlar os riscos e perigos que ocorrem no sector alimentar.
Por outro lado, a empresa arguida conhecia as obrigações decorrentes do exercício da sua actividade, designadamente as relativas à manutenção de higiene e asseio do processo produtivo, tendo descurado tais regras de livre vontade e portanto de forma deliberada.
 Afigura-se-nos ainda adequada e proporcional a coima única aplicada na decisão administrativa, nada havendo a censurar nessa fixação, mantendo-se inalterada a decisão administrativa recorrida.

4 - Decisão
            Pelos fundamentos expostos, julgo improcedente o presente­ recurso, mantendo nos seus precisos termos a decisão administrativa proferida nos presentes autos, que condenou a arguida M.. S.A. no pagamento de uma coima única de € 3 000 (três mil euros) e uma admoestação pela prática das contra-ordenações previstas e punidas pelos Arts. 54.º/1 e 2 e 58.º/1 d) do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro.
            Custas pela arguida, com 4 Unidades de Conta de taxa de justiça (Art. 93º, n.º 3 do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro)»

*
Vejamos cada uma das questões suscitadas no recurso.
1. Nulidade da decisão administrativa
Segundo o recorrente, a decisão foi proferida por um dos vogais que não participou na discussão e tomada de decisão, limitando-se a apor a sua assinatura na decisão, em violação do art.° 17°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 143/2007 de 27 de Abril, sendo por isso  nula.
Importa começar por referir que a matéria relacionada com o regime jurídico da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade encontra-se regulado no Decreto lei n.º 143/2007 de 27 de Abril.
Recorde-se que a esta Comissão é atribuída a competência para a aplicação de coimas e sanções acessórias às contra-ordenações, nos termos previstos na legislação aplicável em matéria económica e da publicidade, bem como as demais funções que lhe forem conferidas por lei, resultando da fusão de várias entidades no domínio da economia, agricultura e segurança alimentar que foram objecto de alterações legislativas no sentido da concentração de serviços.
As decisões finais tomadas pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, no que respeita aos processo de contraordenação da sua competência são tomadas por maioria dos membros da Comissão, reunida nos termos do artigo 12º nº 2 do Decreto lei n.º 143/2007 de 27 de Abril.
A Comissão reúne com a presença do presidente de dois vogais, dos quatro que fazem parte da sua composição, conforme a área a que respeita a matéria a decidir - cf. artigos 12º nº 2 do Decreto lei citado.
Recorde-se que são vogais da Comissão, o inspector Geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, para a área económica, o Director Geral das Actividades Económicas, para a área económica, o Director Geral do Consumidor, para  área do consumo e o Presidente da Entidade Reguladora da Comunicação Social, para a área da comunicação social.
Da análise dos autos, tendo em conta que estavam em causa actos relacionados com a segurança alimentar e actividades económicas, constata-se que a Comissão reuniu em 29.06.2009 na sua sede com a presença do Presidente e dos vogais Inspector Geral da autoridade de Segurança Alimentar e Económica e Director Geral das Actividades Económicas (cf. acta de fls 45 e ss).
A decisão é muito clara ao referir que após a análise dos autos e deliberação unânime, acordam os elementos da Comissão (identificados supra) foi aplicada a decisão agora impugnada, estando a deliberação  assinada por três assinaturas (fls. 48).
A fls. 49 encontra-se a acta da reunião que se encontra assinada pelo Presidentes (A.J. Rodrigues Gonçalves) e por outra assinatura não identificada.
Ou seja o que é inequívoco é que a decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade que apreciou os factos imputados à recorrente e a condenou por isso, está assinada por todos os membros que constituíram o colectivo e que participaram na deliberação, cumprindo escrupulosamente o artigo 17º n.º 1 do Decreto Lei citado.
Daí que não exista qualquer irregularidade na mesma.
Coisa diferente é acta da sessão onde foi deliberada a decisão, que se encontra assinada pelo presidente da Comissão (que presidiu à sessão e por outra assinatura).
E essa acta expressamente refere que «Aos 29 dias do mês de Junho do ano 2009, na sede desta Comissão sita na Avenida da República, 79 — 3°. em Lisboa, reuniu a referida Comissão, constituída pelos Exm°. Senhores Doutores António José Rodrigues Gonçalves, Presidente da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, que presidiu, e pelos respectivos vogais, Inspector-Geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, Dr. António Nunes, e Director-Geral das Actividades Económicas, Dr. Mário Lobo, a qual proferiu a decisão constante do acórdão que antecede
Para constar se lavrou a presente acta, que depois de lida e achada conforme, vai ser assinada».
Pretender confundir a decisão com a acta da sessão em que está registada e extrair daí a conclusão de que A decisão foi proferida por um dos vogais que não participou na discussão e tomada de decisão, limitando-se a apor a sua assinatura na decisão é, no mínimo rísivel.
Em conclusão, não há qualquer nulidade na decisão tomada, como alias já tinha sido referido na decisão agora em apreciação, que não merece qualquer censura.

2. Prescrição do procedimento.
            «O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior  a €49 879,79;
            b) três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a €2 493,99 e inferior a €49 879,79;
c)» Um ano nos restantes casos – artigo 27º do Dec. Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, com as alterações subsequentes [Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, (RGCOC)].
            A prescrição do procedimento suspende-se, no entanto, se, conforme decorre do artigo 27º A, n.º 1 alínea c) do RGCOC, o procedimento «estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso». Neste caso «a suspensão não pode ultrapassar seis meses», segundo o nº 2 do mesmo artigo.
            Por sua vez o artigo 28º nº 3 do RGCOC estabelece que «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescida de metade».

Conforme diz na sentença sub judice o critério legal para a contagem do prazo prescricional prende-se com a sanção abstractamente aplicável à infracção, a concretizar dentro dos limites do art. 18º, e não na sanção concretamente aplicada. Quando o artigo 27º do RGCOC diz «contra-ordenação a que seja aplicável» é isso quer dizer. Aqui e em qualquer contagem de prazo no sistema jurídico português.

Ora face à moldura da coima aplicável ao caso (€24,94 a € 7481,97), o prazo de prescrição das contra-ordenações é de 3 anos.

Os factos ocorreram em Junho de 2006.

A recorrente foi notificada para efeitos de direito de audição e defesa, conforme resulta do teor do aviso de recepção de fls. 26, em 17 de Janeiro de 2007.

A clareza da decisão sub judice quanto a isto é inequívoca: o procedimento por contra-ordenação extinguir-se-ia em 6 de Junho de 2009, caso até essa altura não tivesse ocorrido nenhuma causa de interrupção ou de suspensão, o que efectivamente aconteceu, tendo ficado suspenso o procedimento à luz do art. 27.º-A, n.º 1 b) e c) do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas e interrompido, de acordo com o preceituado no art. 28.º/1 a) e c), do mesmo diploma, já que a empresa recorrente foi notificada precisamente para efeitos de direito de audição e defesa, conforme resulta do teor do aviso de recepção de fls. 26, notificação essa realizada em 17 de Janeiro de 2007, tendo o procedimento ficado interrompido e suspenso.

Por seu lado ainda não decorreu o prazo que consta no artigo fixado no art. 28.º/3 do mesmo diploma.

 Não se mostrando necessário dizer mais nada, há que concluir tão só que não está ainda prescrito o procedimento, pelo que improcede nesta parte o recurso.

(iii) Nulidade da sentença recorrida
Sobre esta dimensão do recurso o recorrente invoca que impugnou os factos, alegando que os mesmos não eram verdadeiros, não podendo o Tribunal dar como provados os factos constantes do auto de noticia.. Ao pronunciar-se também sobre a matéria de facto, a decisão, para além de infundada, uma vez que atendeu a factos e prova expressamente impugnados, constituiu uma sentença surpresa, no sentido de, com aquele despacho, ter formado na recorrente a convicção da desnecessidade de produção de prova, em frontal violação do principio do contraditório.
A questão suscitada pelo recorrente impõe num primeiro momento que se aprecie a decisão agora impugnada em função do processo de decisão em que se sustentou, nomeadamente ao abrigo do artigo 64º do RGCO.
Nas conclusões que terminam o requerimento de impugnação da decisão da CACMEP, a recorrente refere o seguinte:
1. A recorrente não praticou as contra-ordenações de que vem acusada.
2. Mesmo que as tivesse praticado, o que se não consente, há muito que o procedimento por contra-ordenação s encontra prescrito estando extintas as contra-ordenações (art. 27 do RCGO).
3. De facto, os factos terão ocorrido em Junho de 2007 tendo já decorrido o prazo prescricional de procedimento contra-ordenacional.
4. Acresce ainda que a coima aplicável sempre seria nula já que a reunião da Comissão que aplicou a coima não tinha a presença de todos os membros da Comissão.
5. Por outro lado, a aplicação da coima não tem por base factos em que possa apoiar-se mas apenas conclusões.»
Após ser confrontado com aquele requerimento de impugnação  o senhor juiz proferiu o seguinte despacho (fls. 74 ): «Por se afiguar desnecessária a realização de audiência de julgamento, uma vez que o processo contém todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa do recurso, notifique a empresa recorrente para declarar se se opõe a que o Tribunal decida por simples despacho, nos termos do Art. 64º n.º 2 do Decreto lei 433/82, tendo em conta que o Ministério Público já manifestou a sua não oposição».
A este despacho respondeu expressamente a recorrente dizendo que não se opunha à decisão por despacho (fls 76).
A decisão por despacho judicial (simples despacho, é a expressão legal) a que se refere o artigo 64º do RGCOC consubstancia uma das inovações do processo decisório do regime jurídico das contraordenações permitindo ao juiz em determinadas situações decidir da impugnação prescindindo do formalismo processual  subjacente à realização de uma audiência de julgamento e obviamente eliminando os princípio da oralidade e da imediação que lhe estão subjacentes.
Razões de celeridade processual estão essencialmente na origem de tal disposição que no entanto só é possível de concretizar desde que garantidos requisitos imperativos.
Assim em primeiro lugar só é possível essa forma de decisão desde que isso parte de um juízo ponderado sobre o tipo de impugnação que é deduzida. Juízo esse que é da competência do juiz e que é efectuado perante a análise da caso concreto e das questões suscitadas na impugnação.
Ora não definido a lei qual o conteúdo do juízo de necessidade efectuado pelo Tribunal, entende-se que só quando as questões suscitadas no requerimento de impugnação assumem a natureza de questões jurídicas se torna possível efectuar esse tipo de decisão ou, sendo questões sobre a matéria de facto, a sua apreciação não implique ou dependa da realização de diligências de prova (Assim neste sentido, cf. Santos Cabral, Oliveira Mendes, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenções e Coimas, Almedina, 2009, p. 230 e António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenções e Coimas, Almedina, 2009, p. 162.
Em segundo lugar é necessário que efectuado esse juízo pelo Tribunal, exista assentimento na forma de decidir pelos restantes sujeitos processuais, ou seja o Ministério Público e o arguido. Trata-se de uma não oposição cumulativa ou seja quer um quer outro têm que manifestar a sua não oposição.
Este requisito assume uma importância fundamental na possibilidade do mecanismo processual da decisão simples, porquanto nele está ínsito o exercício do contraditório, pedra angular do processo justo
No caso dos autos o senhor juiz entendeu que face ás conclusões efectuadas pelo impugnante e dado o expresso assentimento dos sujeitos processuais Ministério Público e arguido, seria de dar preferência à decisão imediata sem necessidade de designar audiência.
Ora a decisão tomada foi, em função das questões suscitadas pelo requerente absolutamente legitima e sobretudo respondia a todas as questões suscitadas pelo impugnante, nomeadamente tendo em conta a ultima conclusão que sustentava a sua argumentação de que a aplicação da coima não [tinha] por base factos em que possa apoiar-se mas apenas conclusões.
Em momento algum o impugnante suscitou qualquer questão que implicasse uma audiência, nomeadamente para efeitos de questionamento da prova e dos factos em que se sustentava a decisão.
E tanto assim foi que aceitou expressamente a notificação do Tribunal sobre a opção de decisão por despacho, sem julgamento.
A afirmação efectuada pelo impugnante, foi claramente desmontada pelo senhor juiz na decisão agora em recurso quando, depois de elencar os factos ocorridos – que não foram postos em causa – refere que a decisão administrativa tem por base factos concretos e não apenas conclusões. Ainda que existam alguns elementos conclusivos, os mesmos surgem na sequência da facticidade observada e descrita com rigor, nos termos que já evidenciámos.
Ou seja o recorrente vindo agora alegar que impugnou os factos quando o que efectivamente fez foi atribuir aos factos um epíteto de «conclusões» e por via disso querer interpretar tal como uma decisão supresa, não tem qualquer sentido.
As decisões surpresa, violadoras dos princípios do processo justo, ocorrem quando uma decisão é proferida sem que se tenha dado aos sujeitos processuais a possibilidade de se manifestarem sobre as questões que envolvem uma questão em apreciação.
Ora, de todo, isso ocorreu na situação dos autos.
Não só em termos processuais todos os procedimentos que levaram à proferição da decisão foram efectuados correctamente, nomeadamente o exercício do princípio do contraditório, como também as questões suscitas no recurso pelo impugnante foram conhecidas pelo Tribunal.  
Dai que soçobrem as razões invocadas pelo agora recorrente, sendo por isso improcedente o recurso interposto.

III. DECISÂO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.    

            Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 6 Ucs.

            Notifique.

            Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo  94º nº 2 CPP).

            Coimbra, 27 de Outubro de 2010

                                                           Mouraz Lopes

                                                           Félix de Almeida

  


[1] Na decisão indicou-se por lapso 2007, quando se pretendia dizer 2006, já que os factos mencionados no auto de notícia respeitam a este dia e que correspondem à data da fiscalização, lapso que agora se corrige.