Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
342/09.0GBSVV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
Data do Acordão: 12/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE BAIXO VOUGA (ÁGUEDA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 271º, 294º E 320º DO CPP
Sumário: Encerrado o inquérito com a dedução de acusação e não tendo sido requerida a abertura da instrução, não pode o MP requerer ao Juiz de Instrução a tomada de declarações para memória futura da menor ofendida na prática de um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo art.º173/1 do Código Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal de Coimbra –
I- Relatório
1- Nos referidos autos procedeu-se a inquérito contra o arguido N. por actos do mesmo sobre a menor J, findo o qual o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido pela prática do crime previsto e punível pelo art.º 173º do Código Penal.
No final da referida peça processual, o Ministério Público promoveu que prevendo-se no art.º 271/2 do Código de Processo Penal a prestação, pela ofendida, de declarações para memória futura, fossem os autos ao M.mo Juiz de Instrução Criminal para prestação pela menor das referidas declarações.
O M.mo JIC indeferiu a requerida inquirição nos termos do despacho recorrido, que são os seguintes –
O invocado art.º 271º do CPP prevê a prestação de «declarações para memória futura», verificados os pressupostos ali definidos, durante a fase de inquérito, estando, por outro lado, também prevista a sua prestação na fase de instrução –, art.º 294º do CPP.
No caso dos autos foi já proferida acusação encontrando-se, por isso, encerrado o inquérito ( art.º 276/1) e não foi ( ao menos ainda) aberta a fase de instrução.
A pretendida inquirição para «memória futura» não tem, assim ( salvo melhor entendimento) fundamento legal.
Face ao exposto indefere-se o requerido.
Notifique o MP e, após, devolva”.
2- Deste despacho recorre o Ministério Público concluindo –
1) A ratio da norma contida no n.º2 do artigo 271° do CPP visa a protecção de menor vítima de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, poupando-a ao trauma de reviver vezes sem conta os acontecimentos e ao constrangimento inerente à solenidade e formalismo de uma audiência de julgamento.
2) É admissível a tomada de declarações para memória futura de menor vítima de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual na fase de inquérito, na fase de instrução e na fase de julgamento, tendo a sua base legal nos artigos 271/2, 294 e 320 do Código de Processo Penal, respectivamente.
3) A ponderação, no caso concreto, quanto à oportunidade de realização da diligência requerida passará pela necessidade de protecção da vítima e a necessidade de preservar a boa administração da justiça.
4) O facto de já ter sido deduzida acusação contra o arguido não esvazia o conteúdo e aplicação da norma contida no artigo 271°/2 do CPP, continuando o processo a ser inquérito.
4) Pelo que ao indeferir a diligência requerida pelo MP, por falta de fundamento legal, o M.mo JIC violou os art.ºs 271/2 do CPP e ainda o artigo 20/4 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
3- Não houve resposta, mas o M.mo JIC sustentou a sua decisão nos termos expressos a fls. 28/29. Nesta instância o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
4- Colheram-se os vistos legais. Cumpre, agora, apreciar e decidir!
II – Apreciação –

A prestação de declarações para memória futura tem previsão legal nos art.ºs 271º, 294º e 320º do Código de Processo Penal, preceitos inseridos nas fases, respectivamente, de inquérito, de instrução e do julgamento/ Dos actos preliminares.
No art.º 271º estatui-se que: 1- (…) nos casos de vítima (…) contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente, ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. 2- No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior».
No art. 294 estatui-se que « Oficiosamente ou a requerimento, o juiz pode proceder, durante a instrução, à inquirição de testemunha tomada de declarações do assistente, das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e a acareações, nos termos e com as finalidades referidas no art.º 271º».
Sob a epígrafe «Realização de actos urgentes» estatui o art.º320º/1, inserto no título referente aos actos preliminares ao julgamento, que «O presidente , oficiosamente ou a requerimento, procede à realização dos actos urgentes ou cuja demora possa acarretar perigo para a aquisição ou a conservação da prova, ou para a descoberta da verdade, nomeadamente à tomada de declarações nos caos e às pessoas referidas nos art.ºs 271º e 294º».
Com a dedução da acusação ficou encerrado, em sentido lógico, o inquérito (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed. 2000, pp. 103/104.
Assim, como refere o douto parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto –, “não se tendo procedido, no decurso do inquérito, à tomada de declarações da menor ofendida para memória futura, como aliás era obrigatório no caso em questão, não nos parece muito curial que após o encerramento daquela fase processual e depois de ter sido deduzida acusação contra o arguido, nos termos da qual se imputou a este a prática de um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo art.º 173/1 do Código Penal, tivesse sido requerida ao juiz de instrução aquela diligência.
Na verdade, não o tendo sido requerido na altura própria, ter-se-á, então, de esperar pelas fases processuais subsequentes para se efectivar a diligência em causa, ou seja, na instrução –, se porventura a mesma tiver lugar ., ou na fase de julgamento ( art.ºs 294ºe 320º do CPP)-”.
Embora, conforme afirmação do ilustre Professor (ob. cit., pp. 104), “a fase de inquérito em sentido cronológico só se encerre com o decurso do prazo após as notificações e o requerimento de abertura de instrução ou a entrada do processo no tribunal de julgamento”, a posição defendida no douto parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto é a que nos parece conforme com os citados preceitos legais.
Ou seja, temos para nós como mais correcta a interpretação de que os preceitos se reportam às referidas fases processuais em sentido lógico, tanto que cada um deles se encontra inserido dentro dos respectivos títulos [Do inquérito; Da instrução; Dos actos preliminares (do julgamento)].
De resto, as preocupações de protecção da vítima ao trauma de nova vivência dos acontecimentos em ambiente formal inerente à solenidade da audiência de julgamento não se encontram definitivamente postergadas.
III – Decisão –
Termos em que se nega provimento ao recurso .
Sem custas.
Coimbra,