Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
34/04.6GBCGA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: SUBSÍDIO POR MORTE
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
REEMBOLSO
SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 01/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CÍRCULO JUDICIAL DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 71º DA LEI Nº 32/2002, DE 20/12, 4º DO D.L. Nº 59/89, DE 22/2 E 592º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O FGA tem que reembolsar o Instituto de Segurança Social das quantias efetivamente pagas por este a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, quando o facto gerador desse pagamento tenha sido causado por terceiro, por efeito da sub-rogação nos correspondentes direitos do lesado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Nos presentes autos foi o Fundo de Garantia Automóvel condenado, solidariamente com o arguido A..., a pagar ao Instituto de Segurança Social, IP, 8.431,52 €, acrescidos de juros de mora vencidos, à taxa de 4% ou outra taxa legal que sobrevier em substituição, desde a notificação para contestar, correspondente à quantia por este já paga a B..., por si e em representação da filha menor C... , a título de pensão de sobrevivência seu beneficiário nº ...., D..., bem como ao pagamento das pensões subsequentes, enquanto se mantiverem as condições legais.

2.
Inconformado, o FGA recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1 - As pensões de subsídio de morte e de pensão por sobrevivência são pagas ao beneficiário no cumprimento de uma obrigação própria do Centro Nacional de Pensões;
2 - Na verdade, o Centro Nacional de Pensões visa assegurar provisoriamente a protecção do beneficiário-lesado;
3 - O acórdão recorrido interpretou as normas aplicáveis ao caso sub Júdice no sentido de estender a sub-rogação às prestações em análise olvidando os fundamentos do instituto;
4 - A sub-rogação legal legitima o pedido de reembolso das prestações pagas até ao momento da decisão e não das prestações vincendas para além daquela data;
5 - O Centro Nacional de Pensões não tem direito de sub-rogação legal relativamente às prestações não pagas;
6 - A jurisprudência e a doutrina relativas ao problema dos fundamentos e limites da sub-rogação é predominantemente no sentido de que a condenação não pode abranger o pagamento das prestações não pagas, que se vençam no futuro, mas apenas as já vencidas e pagas.
7 - O douto acórdão ao condenar o recorrente ao pagamento das prestações vincendas violou, por isso, o disposto nos artigos 472º e 662º do Código de Processo Civil e os arts. 16º da Lei 28/84 de 14 de Agosto e 2º do DL 59/89 de 22 de Fevereiro».

3.
O recurso foi admitido.

4.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
 
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FACTOS PROVADOS

De relevante à decisão a proferir provou-se que o Instituto de Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões, pagou à viúva e à filha de D...., falecido na sequência do crime de homicídio negligente perpetrado pelo arguido, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, entre Fevereiro de 2004 e Janeiro de 2006, a quantia de 8.431,52 €.
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir prende-se com o direito de sub-rogação do demandante relativamente às prestações ainda não pagas às beneficiárias.

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            No pedido que formulou o Instituto de Segurança Social, IP-Centro Nacional de Pensões, alegou que na sequência do falecimento do seu beneficiário nº ...., D...., a viúva, por si e em representação da filha menor, requereu o pagamento das prestações devidas pela morte daquele, pedido que foi atendido.
            Em consequência pagou-lhes, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, relativas ao período de Fevereiro de 2004 a Maio de 2005, a quantia de 6.193,74 €.
            Diz, ainda, que continuará a pagar as pensões de sobrevivência, enquanto tal for devido, nos montantes de, respetivamente, 166,67 € e 55,56 €.
            Alega que tem direito ao reembolso dos montantes indicados por parte dos responsáveis pelo acidente, por força da sub-rogação legal prevista no art. 71º da Lei nº 32/2002, de 20/12, e nos termos do D.L. nº 59/89, de 22/2, sem prejuízo, acrescenta, «de vir a actualizar o seu pedido no decurso da audiência … com as pensões pagas até esse momento».
            Este pedido foi formulado em 25-5-2005.

            Na sessão de julgamento que teve lugar em 30-1-2006 o demandante requereu a junção aos autos de um documento para provar que os pagamentos à viúva e filha do beneficiário falecido ascendiam, em Janeiro de 2006, a 8.431,52 €.
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            A Lei de Bases da Segurança Social, constante da Lei nº 32/2002, de 20/12, dispõe no seu art. 71º, relativo à responsabilidade civil de terceiros, que «no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder».
            Por seu turno o art. 4º do D.L. nº 59/89, de 22/2, que disciplina a intervenção da Segurança Social no reembolso de prestações em processos judiciais, diz que «os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições».

            Nos termos do art. 592º do Código Civil, cuja epígrafe é “sub-rogação legal”, o terceiro que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor.
Ou seja, nos casos de sub-rogação legal o terceiro que cumpre obrigação alheia fica sub-rogado nos direitos do credor quando e na medida em que cumprir a obrigação: a sub-rogação pressupõe o cumprimento e, por isso, o sub-rogado tem direito a receber do responsável aquilo que houver pago em sua vez.
Transpondo o conceito de sub-rogação para o caso em análise, resulta, tal como foi alegado pelo recorrente, que o demandante tem o direito de receber dos responsáveis, demandados, aquilo que já pagou e não, também, o que ainda não pagou [1].

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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, condena-se o demandado Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao demandante as prestações que este pagou à viúva e filha de D.... na pendência da ação, a título de subsídio de morte e pensões de sobrevivência.

Sem custas.


Coimbra, 2014-01-22

Olga Maurício (Relatora)
José Calvário

[1] Neste sentido, e entre muitos outros, vide os acórdãos do S.T.J. de 20-10-2007, processo 07A2763, da Relação de Coimbra de 12-5-2004, processo 501/04, de 22-11-2011, processo 356/10.7T2AND-A, e de 16-5-2013, processo 661/11.5T4AVR, e da Relação do Porto de 24-4-1996, processo 9610125, de 26-2-2013, processo 1913/09.0TBSTS, e de 25-6-2013, processo 1355/09.7GAMAI.