Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/07.6TTCVL.3.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: REMIÇÃO DE PENSÃO OBJETO DE REVISÃO DA INCAPACIDADE
OBRIGATORIEDADE
REGIME APLICÁVEL
LEI VIGENTE À DATA DA FIXAÇÃO INICIAL DA PENSÃO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 33.º DA LEI N.º 100/97, DE 13-09, E 56.º DO DLEI N.º 143/99, DE 30-04
Sumário: A obrigatoriedade de remição de uma pensão objecto de revisão da incapacidade deve ser apreciada de acordo com os pressupostos previstos no regime legal em vigor à data da fixação inicial da pensão.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 95/07.6TTCVL.3.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva.


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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Nos presentes autos de acidente de trabalho em que é responsável F..., SA foi fixada ao Sinistrado AA, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1966, natural de ... [...], nacional de Portugal, com domicílio no ..., Nº ..., ... ..., o coeficiente global de incapacidade de 21,375%, devido às lesões que lhe advieram do acidente de trabalho em causa nos autos.


+

Veio o Sinistrado requerer o presente incidente de revisão de incapacidade.

Foi realizado o exame médico-legal a que alude o artigo 145.º, n.º 1 a 4, do Código de Processo do Trabalho, o qual concluiu ser de fixar a incapacidade em 25,48%.

No entanto, inconformada, a Companhia de Seguros requereu a realização de junta médica, o que foi deferido.

Realizada tal Junta Médica foi, por esta, de forma unânime, emitido laudo concluindo que o sinistrado sofre, devido às lesões mencionadas nos autos, de um coeficiente global de incapacidade de 21,8%.


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II. No seguimento da junta médica foi proferida a sentença que a seguir se reproduz:

“Compulsados os autos constata-se que, por decisão datada de 08-01-2015, com a Ref.ª 25376571, foi fixada ao/à Sinistrado/a uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 21,375%.

O requerimento de revisão dessa incapacidade deu entrada em 03/07/2022.

Assim, cumpre agora decidir se, neste caso concreto, existiu um agravamento do quadro clínico do/a Sinistrado/a que justifique a revisão da incapacidade anteriormente fixada.

Considerando o conteúdo do exame de revisão constante no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho e dos autos de junta médica, entende-se que a IPP sofrida pelo/a sinistrado/a, em consequência do acidente a que se reportam os autos deve fixar-se em 21,8%.

Assim, atento o disposto no artº 145º, nº 5 e 6 do Código de Processo de Trabalho, declaro que a desvalorização laboral permanente do/a identificado/a sinistrado/a sofreu agravamento e, por consequência, decide-se aumentar a IPP do  sinistrado para 21,8% desde a data da entrada do requerimento em juízo.

Contudo, neste momento, o sinistrado tem mais de 50 anos de idade, pelo que importa, aplicar a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, aprovada pelo Decreto Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.

De acordo com o n.º 5 das Instruções gerais da TNI: «5 - 5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:

a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor. (…)».

Segundo esta Tabela a aplicação do factor 1.5 é automática, estando dependente apenas da verificação da idade do sinistrado, é apenas necessário que o sinistrado tenha uma idade de 50 anos ou mais.

Ora, a «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais, mas a aplicação do facto 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado.

Na verdade, o factor 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um fato: a idade[1].

E se assim é, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do factor 1.5 depende apenas do facto idade[2].

Impõe-se, assim concluir que está verificado o referido pressuposto de aplicação do factor de bonificação 1.5..

Assim, atento o disposto no artº 145º, nº 5 e 6 do Código de Processo de Trabalho, declaro que a desvalorização laboral permanente do/a identificado/a sinistrado/a sofreu agravamento e, por consequência, decide-se aumentar a IPP do sinistrado para 32,70%, desde a data da entrada do requerimento em juízo.

Atento o referido grau de desvalorização e a retribuição anual auferida pelo/a sinistrado/a a pensão anual a que passou a ter direito desde 03/07/2022, é de € 1.890,71.

Contudo, como já foi remida a pensão de €1.235,903, apenas é devida ao Sinistrado a diferença entre aqueles valores.

Esta pensão deverá ser satisfeita adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

Tem ainda, o sinistrado, direito ao pagamento dos subsídios de férias e Natal correspondentes a 1/14 da pensão anual, a satisfazer nos meses de Maio e Novembro respectivamente, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

A Companhia de Seguros, deverá, ainda, suportar as despesas relativas a transporte, nos termos dos artigos 25, nº1, al. f), e 39º e 40º da NLAT, que no caso se computam em €10,51, atendendo a que percorreu 52Km à razão de € 0,204 por km4

Nos termos do disposto no número 1 do artigo 539.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, será a Companhia de Seguros responsável também pelo pagamento das custas processuais.


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IV. DISPOSITIVO

Assim sendo, e tendo presente todos os elementos de facto acima expostos, ao abrigo do disposto nos já mencionados preceitos legais, o Tribunal decide:

A – Fixar em 32,70%, o coeficiente global de incapacidade do sinistrado

B - Fixar a pensão anual devido ao sinistrado no montante de €1.890,71 (mil oitocentos e noventa euros e setenta e um cêntimos) com efeitos a partir do dia 08/03/2022, sendo apenas devido pela Companhia de Seguros o pagamento de €654,81, atenta a remição da pensão anteriormente fixada;

Esta pensão deverá ser satisfeita adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

Tem ainda, a/o sinistrada/o, direito ao pagamento dos subsídios de férias e Natal correspondentes a 1/14 da pensão anual, a satisfazer nos meses de Maio e Novembro respectivamente, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

C – Quantia acrescida de juros, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data do vencimento até integral pagamento.

D – Condenar a Companhia de Seguros a pagar ao/à sinistrado/a, o montante de €10.51 (dez euros e cinquenta e um cêntimos) a título de despesas de transporte”.


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II. Inconformada com esta decisão veio a seguradora apelar, alegando e concluindo:

1. A ora Recorrente não se pode conformar com a parte decisória da douta sentença, mormente por fixar que a pensão anual devida ao sinistrado não é obrigatoriamente remível, por aplicação da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.

2. O acidente de trabalho em discussão nos autos ocorreu a 11-11-2006.

3. O Tribunal a quo para a decisão da causa aplicou a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.

4. Contudo, à data dos factos, o regime reparatório aplicável ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado é a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

5. Nos termos do artigo 41º da Lei 100/97, esse diploma legal é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o dia 1 de Janeiro de 2000.

6. Por outro lado, a Lei 98/2009 entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2010 e, conforme estipulado no seu artigo 187.º n.º 1, deverá aplicar-se aos acidentes de trabalho ocorridos após essa data.

7. O que não se coaduna com a data do acidente a que os presentes autos se reportam.

8. Assim, o regime reparatório aplicável ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em Novembro de 2006 é, então, a Lei n.º 100/97 de 13 Setembro, e não a Lei n.º 98/2009.

9. Logo, tendo em consideração a legislação aplicável há que atentar na Lei 100/97, bem como no Decreto que a regulamenta – Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, – e, consequentemente, nas condições de remição aí previstas.

10. Face ao grau de desvalorização atribuída (IPP de 32,70%) e a retribuição anual auferida, o sinistrado passou a ter direito a uma pensão anual e vitalícia de 1.890,71€, desde 03- 07-2022.

11. Valor esse que cumpre o requisito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, por ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.

12. Nos termos da norma mencionada, as pensões de valor reduzido, como é o caso da dos presentes autos, devem ser obrigatoriamente remidas.

13. Ao contrário da Lei n.º 98/2009 os pressupostos de verificação da obrigatoriedade de remição não são cumulativos.

14. Partilhando deste entendimento atente-se para os casos presentes no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-01-2008, Relator Azevedo Mendes, proferido no âmbito do processo 636/04.0TTAGD.C1, bem como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2004, Relator Vítor Mesquita, proferido no âmbito do processo 04S1513.

15. Deste modo, a decisão recorrida por assentar em pressupostos legais que não são aplicáveis, e por violar o disposto no artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, deve ser revogada, admitindo-se a remição da pensão do sinistrado com dedução dos valores anteriormente remidos.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo a Sentença recorrida ser revogada, sendo admitida a remição da pensão arbitrada ao sinistrado.


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Representado pelo MºPº, contra alegou o sinistrado, concluindo:

(…).


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III. A matéria de facto a considerar é a narrada no relatório do presente acórdão.

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IV - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões importa decidir se a pensão resultante do incidente de revisão deve ser obrigatoriamente remida.

Conforme refere a recorrente o acidente de trabalho em discussão nos autos ocorreu a 11-11-2006.

O Tribunal a quo para a decisão relativa à remição da pensão aplicou a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.

À data da ocorrência do acidente, o regime reparatório aplicável era o da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

Nos termos do artigo 41º da Lei 100/97, esse diploma legal é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o dia 1 de Janeiro de 2000.

A LAT actual (Lei 98/2009) entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2010 e, conforme estipulado no seu artigo 187.º n.º 1, apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após essa data.

O acórdão citado pelo Exmº Procurador nas contra alegações apresentadas apenas se refere, se bem o interpretámos, ao regime processual aplicável ao incidente de revisão, nada dizendo quanto ao regime aplicável à remição de pensões.

E quanto a este regime, no nosso entendimento, resulta claro da lei que lhe é aplicável o regime em vigor à data do acidente.

Na verdade, a pensão que resulta do incidente de revisão não é uma pensão nova pois apenas o seu valor é alterado.

A pensão é a mesma que foi fixada inicialmente, só variando o seu montante.

Os pressupostos da remição devem, também por esta razão, ser aferidos tendo em conta a Lei aplicável ao acidente que, no caso, é a Lei 100/97 13/09 (artº 33º) e DL 143/99 de 30.04 (artº 56º).
Lê-se no Ac. desta Relação de 26.02.2009 proferido no processo 636/04.0TTAGD.C1[3]Como tem sido posição manifestada por esta Relação, no Acórdão de 16-12-2004 (processo nº 2733/04, in www.dgsi.pt) e Acórdão de 17/01/2008 (processo nº 636/04.0TTAGD.C1, in www.dgsi.pt) o incidente de revisão de pensão não gera uma nova pensão, mas apenas uma eventual alteração da pensão já fixada, sendo que os pressupostos a considerar na eventual alteração do montante de uma pensão por acidente de trabalho têm de ser os mesmos que se verificavam à data da fixação inicial da dita, nomeadamente a retribuição, o salário mínimo nacional, a idade e a data da alta”.

Trata-se, da mesma pensão reparatória do acidente de trabalho e não de uma nova pensão - tal como refere o artigo 145º nº 4 do CPT, o juiz, revista a incapacidade, mantém, aumenta ou reduz a pensão antes fixada. Estamos sempre perante uma pensão preexistente e não uma nova pensão. Neste sentido escreveu Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 641 da 4.ª edição): "A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova".

Assim sendo, para efeitos do artigo 50º do Dec. 360/71, o salário mínimo nacional considerado para o cálculo da fixação inicial da pensão deve ser o considerado para efeitos da sua revisão, já que os pressupostos iniciais desse cálculo se devem considerar estabilizados só ocorrendo, depois, alteração no grau de incapacidade”.

(…)

A não ser assim operar-se-ia uma "actualização" da pensão por via diversa da que tem sido considerada pelo legislador”.

Assim, “mutatis mutandis” a remuneração mínima mensal garantida para efeitos de remição deve ser a que vigorava à data da fixação inicial da pensão, ou seja, € 505 (DL 144/2014 de 30/09).

Nos termos da alínea a) do nº1 do artº 56º do DL 143/99 eram obrigatoriamente remidas as pensões anuais devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão[4].

Ora, no caso, o valor da pensão (€1.890,71) após revisão é inferior a € 3.030 (505 x 6) não deixando a pensão de ser obrigatoriamente remível por a IPP ser superior a 30%.


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VI Termos em que se acorda julgar a apelação procedente em função do que, na revogação da decisão recorrida, se decide ordenar a remição da pensão fixada no presente incidente de revisão, devendo proceder-se a um novo cálculo do respectivo capital, ao qual será descontado o capital que resultou e foi entregue ao sinistrado aquando da primeira remição.

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Sem custas por delas o sinistrado estar isento.

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Sumário:

(…).


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Coimbra, 12 de Abril de 2023

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto

(Mário Sérgio Ferreira rodrigues da Silva)




[1] Ver, a propósito o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-07-2020 Processo: 225/12.6T4AGD.1.C1 Relator: FELIZARDO PAIVA, acessível em www.dgsi.pt
[2] Nos termos da TNI aprovada pelo Decreto Lei nº 341/93, de 30.09, a aplicação do factor 1.5 dependia, ao contrário da actual TNI, da verificação do requisito idade e também do requisito perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho.
[3] Relatado pelo agora Conselheiro Azevedo Mendes e subscrito como 1º adjunto pelo ora relator
[4] Em face da LAT em vigor (artº 135º nº 1” “é obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte”.