Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4644/08.4TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO
AUTARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.511 Nº2 CPC, DL Nº 38/2003 DE 8/3, ARTS.335, 1344, 1421 CC
Sumário: 1. Fazem parte do domínio público autárquico de circulação, as ruas e os passeios de uma cidade, tal como o espaço aéreo e o subsolo correspondente.

2. Não viola o direito de propriedade dos titulares de um prédio, em regime de propriedade horizontal, a colocação de um painel publicitário rotativo, com 24 m2, cuja estrutura de suporte, embora situada junto à parede do edifício e debaixo do telhado do referido prédio, está assente na via pedonal pública.

3. A reclamação contra a selecção da matéria de facto, nos termos do art.511 nº2 do CPC, deve ser feita no prazo de dez dias após a notificação e já não até ao início da audiência.

Decisão Texto Integral:               Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              O Condomínio do prédio n.º (…) da Av. ..., instaurou a presente acção contra (…) – sociedade de comunicação e gestão de imagem, Lda, pedindo que se declare que um painel publicitário rotativo e a estrutura que lhe serve de suporte se encontram implantados em parte comum do prédio e por isso propriedade privada e consequentemente se condene a ré a daí remover tais infra-estruturas.

              Alegou para o efeito, em síntese, que a ré colocou o painel publicitário rotativo, assim como a estrutura que lhe serve de suporte, encostados ao alçado sul do prédio e debaixo do telhado do mesmo, logo, implantados em parte comum desse prédio; para além de afectar o arranjo estético do edifício, prejudicar a segurança das pessoas que aí residem e provocar a deterioração do alçado sul desse edifício; instada nesse sentido, a ré recusa-se a proceder à retirada dos mesmos.

              A ré arguiu a excepção dilatória da litispendência entre a presente acção e a acção administrativa comum que corre termos no tribunal administrativo e fiscal de Coimbra sob o 43/08.6 BECBR, proposta por (…), na qualidade de administrador do condomínio contra a ré e a Câmara Municipal de ...a, alegando serem idênticos os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, pois que também aquela acção visa a retirada do painel publicitário em causa na presente acção com fundamento na sua implantação em propriedade do condomínio, concluindo pela sua absolvição da instância; por outro lado, impugnou a factualidade invocada pelo autor contrapondo que não existe contacto físico entre a parede do prédio e o painel de publicidade em causa e a estrutura que o suporta, colocados a coberto do alvará de licença de instalação de suportes publicitários n.º 16/2006, de 07/02/2006, encontrando-se a referida estrutura implantada na via pedonal que integra o domínio público da CM de ...a, concluindo pela improcedência da acção.

              A autora respondeu à invocada excepção pugnando pela sua improcedência.

              Foi proferido despacho saneador - aí se julgando improcedente a invocada excepção dilatória da litispendência.

              Depois do julgamento, foi proferida sentença julgando improcedente a acção e, em consequência, absolvendo a ré do pedido.

              O autor interpôs recurso desta sentença, terminando as suas alegações com 44 conclusões a que se soma mais uma página de síntese das pretensões do recurso, que, em síntese, se traduzem no seguinte:
         A reclamação contra os factos assentes devia ter sido conhecida por estar em tempo; a sentença deve ser emendada para dela constar que houve reclamações contra os factos assentes; deve ser retirado do facto b) a referência a terreno público, por essa referência não ter sido alegada por nenhuma das partes; as afirmações quesitados em 4º, 6º e 7º deviam ter sido consideradas provadas com base na prova que indica; a caracterização da via pedonal como pública, no facto 8, não foi confirmada por nenhuma prova produzida e para além disso é uma resposta à questão de direito principal destes autos pelo que deve ser tida como não escrita; devia ter ficado provado o contrário do que consta do facto 9; a resposta ao quesito 11 deve ser alterada para que não fique a constar que a parede era utilizada para a colagem de cartazes; não se pode considerar que o suporte e o painel não estão assentes no prédio do autor; como o suporte e o painel estão colocados debaixo do espaço ocupado pelo telhado desse prédio estão em espaço comum do prédio.

              A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, e ampliou o âmbito do recurso, à questão da litispendência, a título subsidiário, isto é, para a hipótese de ser julgado procedente o recurso apresentado pelo autor. Para esta hipótese, quer que seja revogada a decisão que julgou improcedente a excepção e substituída por outra que a julgue procedente.

              O autor respondeu às questões levantadas pela ampliação do objecto do recurso, defendendo a improcedência das mesmas.

                                                                 *

              Questões que importa decidir:
         Se a reclamação contra os factos assentes foi feita em tempo; se da sentença devia constar que houve reclamações contra os factos assentes; se deve ser retirado do facto b) a referência a terreno público; se as afirmações quesitados em 4º, 6º e 7º devem ser consideradas provadas; se a caracterização da via pedonal como pública deve ser eliminada dos factos; se deve ficar provado o contrário do que consta do facto 9; se a resposta ao quesito 11 deve ser alterada; se não se pode considerar que o suporte e o painel não estão no prédio do autor; a considerar-se procedente o recurso do autor, fica por decidir a questão da ampliação “subsidiária” do recurso, isto é, a questão da litispendência.

              Deram-se como provados os seguintes factos (os factos sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos):
         A) A ré dedica-se à actividade de publicidade.
         B) Em 07/02/2006 a CM de ... emitiu em nome da ré alvará de licença de instalação de suportes publicitários titulando a afixação de um outdoor rotativo com a área de 24 m2 em terreno público sito na Av. ....
         C) e 2. A ré, a coberto desse alvará, colocou um painel publicitário rotativo com 24 m2 e respectiva estrutura de suporte junto ao alçado sul do prédio correspondente ao n.(..) da referida Av., ficando esse painel e respectivo suporte debaixo do telhado desse prédio.
         8 e 9. A estrutura referida, na qual está implantado o referido painel, constitui uma estrutura autónoma daquele prédio, que assenta na via pedonal pública e que não toca na parede do prédio.
         10. Existindo entre essa estrutura e o prédio pontos de borracha destinados à protecção da parede do choque provocado pela deslocação do painel em caso de ventos fortes.
         5. O painel e suporte respectivo, tapam os azulejos decorativos do alçado sul do referido prédio.
         11. Antes da colocação do painel, a parede sul do prédio era utilizada para a colagem de panfletos.

                                                                  I

              Da impugnação do despacho que indeferiu a reclamação contra o despacho de condensação:

              O autor reclamou contra o despacho de condensação.

              O tribunal recorrido indeferiu, por intempestiva, a reclamação dizendo:
         “O autor veio, ao abrigo da faculdade que lhe confere o n.º 2 do art. 511º do CPC, reclamar da selecção da matéria de facto dada como assente constante da alínea B) mercê da alusão, aí contida, a um facto não alegado por qualquer das partes consistente na implantação do painel publicitário rotativo em terreno público. Tal reclamação foi apresentada já depois de decorrido o prazo de 10 dias contado da notificação do despacho saneador e da selecção da matéria de facto assente e controvertida, nos termos previstos no art. 153º do CPC, o que determina a extemporaneidade da mesma”.

              O autor assim não o entende e por isso interpõe recurso deste indeferimento. Diz ele que:
         ao reclamar do despacho contra a selecção da matéria de facto, fê-lo efectivamente nos termos do artigo nº 511 n.º 2 do CPC. O referido comando normativo processual não estabelece qualquer prazo para as partes apresentarem as suas reclamações, podendo ser apresentada reclamação até à data da audiência de discussão e julgamento.

              Não tem razão, pois como dizem Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, CPC anotado, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 395,
         “com o Dec.-Lei 38/2003, foi retomado o esquema anterior à revisão [de 95-96] do CPC: as reclamações são logo feitas (no prazo geral do art. 153)”.

              Assim, desde 2003 que a estão não é discutida. As reclamações devem ser apresentadas no prazo de 10 dias e não até [ao início da] audiên-cia [note-se, no entanto, que a parte final do 2º§ da anotação 6 ao art. 511 do CPC, desta obra, não foi adaptada à alteração do Dec.-Lei 38/2003].

              No mesmo sentido, vai a resposta da ré, nas contra-alegações, ao chamar a atenção para o disposto no art. 512º/2 do CPC, do qual decorre que as reclamações devem ser apresentadas e decididas antes do início da audiência…

              É verdade entretanto que o despacho de condensação e as decisões sobre as reclamações não fazem caso julgado, quer positivo, quer negativo, como é hoje unanimemente reconhecido (veja-se a obra citada, págs. 412/413). Pelo que, em recurso da decisão final, podem sempre ser postos em causa todos os factos, quer para os considerar como não provados quando foram dados como provados, quer o contrário. Mas isso é uma questão diferente daquela.

              É por isso improcedente a impugnação do despacho que decidiu as reclamações.

              Por outro lado, o autor não tem razão quando pretende que a sentença seja emendada para que dela não conste, como consta, que o despacho de condensação não foi objecto de reclamação. Apesar de tal ser uma questão irrelevante, a verdade é que a sentença não deixa de ter razão, entendido o afirmado no sentido de que não foram apresentadas reclamações relevantes, que tivessem de ser apreciadas na sua substância.

                                                                 *

              Tendo agora presente a matéria da reclamação apresentada, vendo-a como impugnação dos factos, a nível do recurso, por ter sido reproduzida no mesmo, diga-se que também não tem razão o autor quanto à substância das coisas, que do seu ponto de vista tem a ver com o facto de nenhuma das partes ter alegado que o outoor se encontrava em terreno público.

              E precisamente pelas razões que constam das contra-alegações da ré:
         “O facto assente B) limita-se a reproduzir o teor do doc. úni-co junto ao articulado de contestação, documento esse que constitui um “alvará de licença de instalação de suportes publicitários” com o “n.º 16/2006” que “titula a afixação de um outdoor rotativo, com a área de 24 m2 em terreno público […] O que se dá como provado não é que o terreno seja público, é sim que a colocação está licen-ciada com os termos concretos que constam do alvará. Tanto mais que se quesita (quesito 8.º) se o painel está ou não assente na via pedonal pública […] O teor estrito do licenciamento não é impug-nado pelo autor; pelo contrário, é o próprio autor que alega a exis-tência do licenciamento no art. 7º da p.i..”

                                                                 II

                                           Da impugnação dos factos

              (…)

                                                                       *

              Nesta medida procede a impugnação do autor contra a decisão da matéria de facto.

              Para sistematização da mesma passa-se a reproduzi-la, com as alterações determinadas supra:

                                 A) A ré dedica-se à actividade de publicidade.
         B) Em 07/02/2006 a CM de ... emitiu em nome da ré alvará de licença de instalação de suportes publicitários titulando a afixação de um outdoor rotativo com a área de 24 m2 em terreno público sito na Av. ....
         C), 1 e 2. A ré, a coberto desse alvará, colocou um painel publicitário rotativo com 24 m2 e respectiva estrutura de suporte encostados ao alçado sul do prédio correspondente ao n.º 130 da referida Av., ficando esse painel e respectivo suporte debaixo do telhado desse prédio.
         4. A instalação do painel e respectivo suporte impede a lim-peza dessa parede na zona ocupada pelo painel e respectivo supor-te, por quem não tenha legitimidade para mexer neles.
         5. O painel e suporte respectivo tapam os azulejos decorati-vos do alçado sul do prédio.
         6. E facilitam o acesso de qualquer pessoa às janelas do 1º andar esquerdo desse prédio.
         7. O sistema de rotação do dito painel emite um ruído.
         8. A estrutura, na qual está implantado o painel, constitui uma estrutura autónoma do prédio, que assenta na via pedonal.
         11. Na parede sul do prédio, antes da colocação do painel, eram colados panfletos.

                                                                 III

                                                  Quanto ao direito.

              Depois de tecer várias considerações sobre o direito de propriedade horizontal, de lembrar que o autor entende que o painel publicitário rotativo e a estrutura que lhe serve de suporte se encontram implantados em parte comum daquele prédio por estarem encostados ao seu alçado sul e debaixo do seu telhado e de reconhecer que dos factos provados resulta que o painel e o suporte estão colocados sob o telhado desse prédio (mais concretamente do respectivo beirado), a sentença recorrida diz que:
         “constituem, no entanto, uma estrutura autónoma que assenta na via pedonal pública e não toca na parede desse prédio.”

              E depois conclui:
         “precisado que o painel de publicidade em causa, e a estrutu-ra que o suporta, não estão implantados na parede sul do prédio […], nem ocupam o espaço aéreo correspondente à superfície do solo […] - posto que, por definição, o solo abrange o terreno sobre o qual se ergue a construção (o edifício constituído em propriedade horizontal) e, ainda, o terreno anexo que lhe serve de logradouro, e a referida estrutura assenta na via pedonal – importa concluir que não estão colocados em parte comum daquele prédio.
         Assim sendo, e não se vislumbrando que o facto dos azulejos decorativos do alçado sul ficarem tapados com o painel e suporte respectivo prejudique o arranjo estético do edifício, conclui-se que não se configura a invocada violação do direito de (com)proprie-dade do condóminos do prédio […] improcedendo, em consequên-cia, a acção.”

              O raciocínio da sentença é o seguinte: a estrutura do painel assenta na via pedonal pelo que não está colocada em parte comum do prédio.

              Este raciocínio só se entende se se acrescentar, o que a sentença na conclusão evita fazer, que a via pedonal é, para a sentença, pública. Sendo pública, não pode ser do prédio particular.

              E a sentença entende que a via pedonal é pública com recurso à parte final do quesito 8, que entretanto foi eliminada, pelo que perde a base para o poder concluir.

              A verdade, no entanto, é que a sentença podia ter recorrido – e também terá recorrido implicitamente – ao facto que resulta do que consta de B) e C), ou seja, o suporte foi colocado no passeio de uma das avenidas da cidade de ....

              Ora um passeio de uma avenida de uma cidade é parte do domínio público municipal de circulação (neste sentido, veja-se Marcelo Caetano, Ma-nual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1982, págs. 909 e 918; falando do domínio público municipal da circulação, veja-se a anotação J. C. Vieira de Andrade ao ac. do STA de 3.4.2008, P. 934/07, publicados nos Cadernos de Justi-ça Administrativa n.º 78 – Nov/Dez 2009, principalmente págs. 67 e 68; falando de um domínio público de comunicação - integrado por estradas, ruas, passeios..-, veja-se o artigo de João Caupers, O domínio público, Themis, 15, 2008, RFD da UNL, pág. 111; no mesmo sentido, veja-se o art. 3/4e) da pro posta de lei 256/X do governo, sobre o regime geral dos bens do domínio público, em que se consi-deram bens públicos das autarquias a rede viária de âmbito municipal, onde se in-cluem, designadamente, as ruas, os caminhos públicos, as praças, os espaços ver-des, bem como os seus acessórios e obras de arte [a não referência aos passeios justifica-se visto que estes são superfície das vias públicas, como decorre, por exemplo da definição do art. 1 do Código da Estrada] http://app.parlamento.pt/webutils/ docs/doc.doc?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c325276593342734c576c75615668305a586776634842734d6a55324c5667755a47396a&fich=ppl256-X.doc&Inline=true).

              Pelo que, a sentença, a nível do direito, estava correcta em considerar que o suporte está assente em passeio que se pode dizer público,

                                                                 *

              De seguida, a sentença recorrida serve-se implicitamente da norma que decorre do art. 1344 do CC (embora através da interpretação a contrario do art. 1421 do CC), para dizer que o painel ocupa o espaço aéreo municipal e não o espaço aéreo do prédio do autor.

              Ana Raquel Gonçalves Moniz, no seu estudo sobre O âmbito do domínio público autárquico, Estudos em Homenag ao Prof. Doutor Marcelo Caetano, Vol. I, Ed. FDUL, Coimbra Ed., 2006, págs. 156/157, sustenta este entendimento das coisas, ao dizer:
         “Destarte [por a rede viária corresponder a uma universalidade pública] pertencem ao domínio público municipal as vias de comunicação pública propriamente ditas – onde se englobam as vias de circulação, o respectivo subsolo e o espaço aéreo correspondente, os passeios, plantas, muros de sustentação, sinais de trânsito, obras de arte, túneis e todas as coisas singulares úteis ao desempenho da função pública determinante da dominialidade das estradas -, assim como as praças e os espaços verdes associados.”

              É certo que esta autora depois acrescenta a necessidade de uma cautela especial na afirmação da pertinência ao domínio público rodoviário do espaço aéreo sobrejacente ao terreno em que está construída a via pública, mas isso por um lado por causa da destrinça entre este e o domínio público aéreo e depois devido àqueles casos em que um Município pretende permitir a utilização de construção nesses espaços, como é o caso discutido no parecer de Afonso Rodrigues Queiró e José Gabriel Queiró, Propriedade pública e direitos reais de uso público no domínio da circulação urbana, Revista Direito e Justiça, 1995/II, págs. 231 e segs. Ora, vê-se neste parecer que a opinião destes autores vai no sentido de não aceitar a tese da não aplicação do disposto no art. 1344 do CC à fixação dos limites do domínio público (págs. 265 a 271).

              Assim, aceita-se que também o espaço aéreo acima do passeio público é domínio público autárquico de circulação.

              Mas isto sem recorrer ao disposto no art. 1421 do CC, pois que este artigo existe para distinguir as partes comuns do edifício – do “edifício”, note-se, não do “prédio” - das partes privadas, não para delimitar o direito de propriedade correspondente ao prédio onde está implantado tal edifício do direito de propriedade de prédios de terceiros. Na lógica da pura, simples e única aplicação de tal artigo, nem o espaço aéreo do edifício seria do condomínio (e no entanto sempre se entendeu o contrário, como resulta, por exemplo de Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, págs. 68 e 69; Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, Da propriedade horizontal, Coimbra Editora, 1993, pág. 239), pois que esse artigo não faça do espaço aéreo… nem podia falar, dado o fim a que ele se destina

                                                                 *

              É certo que se poderia invocar o direito do autor de arrendar as paredes do seu prédio para a colocação de anúncios [de que falava o art. 5/1a) do RAU]. E poderia dizer-se que o direito que se está a reconhecer ao Município retira, na prática, ao autor, aquele direito.

              Mas, primeiro, faltaria saber o que é que tinha existido primeiro, se o prédio se a avenida. Se esta tivesse surgido primeiro, a conclusão seria a contrária. Ou seja, a reconhecer-se, nesta hipótese, ao autor o direito de arrendar a parede do prédio, estaria a retirar-se ao Município o direito de colocar um anúncio num espaço público.

              Para além disso, o direito a arrendar a parede lateral de um prédio, encostada a um prédio contíguo, está sempre dependente de o proprietário do prédio vizinho não construir o seu prédio encostado àquele. A partir do momento em que este for construído, aquele direito deixa de existir…

                                                                 *

              Assim, tem que se reconhecer a correcção da sentença quanto aos problemas que resolveu, inclusive quanto à irrelevância do facto de o suporte e o painel taparem os azulejos decorativos do alçado sul do prédio, argumento da sentença que nem sequer foi rebatido pelo autor.

                                                                 *

              Põem-se agora as questões levantadas pelos factos acrescentados neste acórdão.

              Primeiro quanto ao facto de o sistema de rotação do dito painel emitir um ruído: 

              Face à falta de qualificação deste ruído, o mesmo não pode ser relevante. Para ser relevante tinha que ser, pelo menos, incomodativo para alguém, o que não se provou.

                                                                 *

              Quanto ao facto de a instalação do painel e respectivo suporte impedirem a limpeza dessa parede na zona ocupada pelo painel e respectivo suporte, por quem não tenha legitimidade para mexer neles:

              Como se reconhece o direito da ré na colocação do suporte e painel está-se perante um caso de colisão de direitos (art. 335 do CC) pelo que a situação apenas daria para se pedir algo diferente (como a entrega dos meios materiais que possibilitassem o acesso ao mesmo) que não a retirada do painel e suporte, pois nem ao menos se alegou que alguma vez tenha havido necessidade de proceder à limpeza da parede e que a ré a tenha impedido ou mesmo que esta tenha tido conhecimento de que o autor queria proceder à mesma.

                                                                 *

              O proprietário do prédio vizinho pode construir até ao limite da sua extrema desde que não deixe janelas ou aberturas que deitem para o prédio vizinho [tal como decorre do art. 1360 do CC – José Alberto González, Restrições de Vizinhança (de interesse particular), Quid Juris, 2003, pág. 107]. Desta possibilidade legal resulta que dois prédios podem ficar encostados um ao outro (Gambaro fala de construção encostada à do vizinho – citado por José Alberto González, obra citada, nota 375 da pág. 107). Pelo que o facto de a estrutura do painel estar encostada ao alçado sul do prédio do autor, não dá a este o direito de pedir a retirada do mesmo.

                                                                 *

              O mesmo se diga do facto de o painel e suporte facilitarem o acesso de qualquer pessoa às janelas do 1º andar esquerdo desse prédio. Se o proprietário do prédio vizinho construir um seu prédio encostado ao prédio de outrem, mais alto, de modo a que fique facilitado o acesso a uma janela do prédio vizinho, daqui não decorre qualquer direito para este.

                                                                 *

              Improcedem pois as conclusões do recurso de direito do autor contra a sentença, ficando por isso prejudicada a apreciação da questão da litispendência, subsidiariamente levantada pela ré.

                                                                 *

              Sumário:

              Fazem parte do domínio público autárquico de circulação, as ruas e os passeios de uma cidade, tal como o espaço aéreo e o subsolo correspondente.
                                         *

              Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com custas pelo autor.


Pedro Martins ( Relator )
Virgílio Mateus
António Carvalho Martins