Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13358/13.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INJUNÇÃO
DÍVIDA
HOSPITAL
FORMA DE PROCESSO
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 269/98 DE 1/9, DL Nº 218/99 DE 15/6
Sumário: Atento o disposto no artº 2º do DL 218/99 de 15 de Junho, o procedimento de injunção é o meio processual legal e adequado ao impetramento, por parte das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, de despesas havidas por cuidados de saúde por elas prestados, independentemente da causa que originou tais cuidados.
Decisão Texto Integral: DECISÃO DO RELATOR – ARTº 656º DO CPC.

1.
Centro Hospitalar A..., EPE instaurou contra B...- Sucursal em Portugal, procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias nos termos do D.L. 269/98 de 1 de Setembro.

Pediu que a requerida seja obrigada a pagar-lhe a quantia de 13.924,03 euros acrescida dos juros de mora vencidos de 128,39 euros.
Invocou que tal se deve a despesas hospitalares havidas com sinistrado de acidente de viação do qual foi culpado condutor segurado na requerida.

Esta  deduziu oposição.
Alegou, para além do mais, o erro na forma do processo por a causa de pedir invocada pela requerente não respeitar a um contrato ou transação comercial, antes tendo a ver com responsabilidade extracontratual.

2.
Liminarmente o Sr. Juiz a quo proferiu despacho no qual concluiu pelo erro insuprível na forma do processo e, consequentemente, declarou nulo todo o processo e absolveu a requerida da instância - artº 199 nº 1; 202º e 206 nº 2,  494º al. b)  e 493 nº 2 do CPC.
Para tanto expendeu:
 «a obrigação pecuniária a exigir pela tramitação injuntiva terá de ter sempre fonte contratual, excluindo assim o legislador do âmbito desta forma simplificada de processo outras fontes de obrigações ainda que emergentes de negócio jurídico.
Pelo conteúdo da petição injuntiva, conclui-se que a soma peticionada tem origem em tratamentos hospitalares…Acresce que a demandada é a seguradora do veículo que, no entender da Autora, deu causa ao acidente.
Inexiste assim qualquer fonte contratual de onde derive o crédito reclamado contra a entidade seguradora».

3.
Inconformada recorreu o requerente.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A).- O recurso tem por fundamento a violação do artº 1º do Dec.-Lei 218/99 de 15 de Junho, alterado pelo Dec.-Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro;
B).- O despacho sob impugnação foi proferido tendo apenas em consideração o Regime jurídico dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias contido no Dec.-Lei 269/98 de 1 de Setembro, sem ter em consideração os preceitos legais acima citados aplicáveis à situação dos autos;.
C).- Com efeito o procedimento de injunção a que os autos se reportam foi instaurado pelo ora recorrente Centro Hospitalar A... EPE, instituição hospitalar integrada no Serviço Nacional de Saúde, para cobrança de assistência hospitalar por si prestada.
D).- A cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde é regulada pelo regime especial contido no artº 218/99 de 15 de Junho alterado pelo Dec.-Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro;
E).- O nº 2 do artº 1º do Dec.-Lei 218/99 passou a dispor que para efeitos do presente diploma a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviço, sendo aplicável o regime jurídico das injunções devendo, por força do nº3, o requerimento de injunção conter os seguintes elementos:
a).- O nome do assistido;
b).- Causa da assistência
c).- No caso de acidente que envolva veículos automóveis, matrícula ou numero de apólice de seguro;
d).- No caso de acidente de trabalho, nome do empregador e número de apólice de seguro, quando haja;
e).- No caso de agressão, o nome do agredido e data da agressão;
F).- Conforme decorre de tal preceito, tal regime aplica-se á prestação de assistência decorrente de acidente de viação, conforme decorre da alínea c) do nº 2 do artº 1º do Dec.-Lei 218/99 alterado em 2011
G).- A aplicabilidade do regime processual da injunção em nada colide com os princípios jurídicos reguladores da responsabilidade civil, pois, quando deduzida oposição à imputação da obrigação de pagamento constante da injunção, a questão é decidida mediante aplicação dos princípios da responsabilidade civil, já em sede de acção judicial ( v. artº 17º do regime aprovado pelo DL 269/98 de 1 de Setembro), como é o caso dos autos;
H).- O despacho recorrido ao declarar nulo todo o processado por utilização de meio processual desadequado e ao absolver o requerido da instancia apenas com fundamento no Regime jurídico dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias contido no Dec.-Lei 269/98, violou o artº 1º do Dec.-Lei 218/99 alterado pelo Dec.-Lei 64-B/2011 de 30 Dezembro.
I).- Não ocorrendo erro na forma do processo, deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida, prosseguindo os autos os seus normais termos,

Inexistiram contra-alegações.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4  e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(In)existência de erro na forma do processo.

5.
Apreciando.
Como dimana do preâmbulo do DL 269/98 de 01 de Setembro, a ação declarativa especial e o procedimento de injunção, têm como escopo a desjudicialização, simplificação e celeridade.
Igual fito se pretende para a cobrança das dívidas hospitalares.
Assim ressumbra do preambulo do DL 218/99 de 15 de Junho, a saber:
«foi publicado o Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de Setembro, o qual veio atribuir a natureza de título executivo às certidões de dívidas emitidas pelos hospitais... No entanto, esta solução revelou-se inadequada aos objectivos enunciados. De facto, a existência de título executivo não veio conferir maior celeridade aos procedimentos judiciais de execução das dívidas hospitalares, porquanto, na generalidade dos casos, a existência do crédito reclamado judicialmente e a verdadeira identidade do devedor eram discutidas em sede de embargos à execução, ou seja, seguindo a tramitação de uma acção declarativa…
«o Governo, na perspectiva de simplificar os procedimentos, mas sem afastar os princípios gerais de direito relativamente ao reconhecimento e execução dos direitos, entendeu proceder à alteração das regras processuais do regime de cobrança das dívidas hospitalares.
Assim, neste diploma é, de novo, e como regra geral, consagrada a acção declarativa, com algumas especialidades…
Com o objectivo de tornar mais célere o pagamento das dívidas às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, estabelecem-se regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade».
(sublinhado nosso, como o infra).
Nesta conformidade, estatui o artº2º de tal diploma.
1 - O presente diploma estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.
2 - Para efeitos do presente diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.
3 - Para efeitos do número anterior, o requerimento de injunção deve conter na exposição sucinta dos factos os seguintes elementos:
a) O nome do assistido;
b) Causa da assistência;
c) No caso de acidente que envolva veículos automóveis, matrícula ou número de apólice de seguro;
d) No caso de acidente de trabalho, nome do empregador e número da apólice seguro, quando haja;
e) No caso de agressão, o nome do agredido e data da agressão;
f) Nos restantes casos em que sejam responsáveis seguradoras, deve ser indicada a apólice de seguro.
Por seu turno estabelece o artº 7º do Regime dos Procedimentos  a que se refere o artº 1º do diploma preambular, Dec. Lei nº 269/98 de 01/09:
«Considera-se injunção a providência que tenha por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artº 1º  do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto Lei nº 32/2003 de 17 de Fevereiro»
E estipula tal art. 1º do diploma preambular:  «é aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma».
O DL 32/2003 estabelecia o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/07.
Certo é  que tal diploma definia como transação no seu artº 3º al. a): «qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração».
E que estipulava no seu artº 2º nº2 al. c) «são excluídos da sua aplicação os pagamentos efetuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros».
Porém tal não obstava a aplicação do regime processual previsto no citado DL 218/99.
 Pois que este diploma subsumia o direito das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude das despesas havidas por cuidados de saúde prestados, no âmbito de  um contrato de prestação de serviços.
Ora a lei não restringiu, pelo que tem de se entender que tal fundamento jurídico-substantivo é invocável e aplicável independentemente da origem/causa/génese das despesas hospitalares.
Pelo que, mesmo que as despesas dimanassem de um acidente de viação, o direito da entidade prestadora de cuidados de saúde, radica não na responsabilidade civil extracontratual, mas num contrato de prestação de serviços.
E para que não restassem dúvidas quanto ao regime jurídico-processual aplicável para a cobrança de tais  despesas, a lei, adrede e inequivocamente, disse que era aplicável o regime jurídico das injunções.
E, finalmente, inclusive definindo os requisitos do requerimento de injunção para a cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde por elas prestados.
Temos assim que, perante o previsto e determinado pelo DL 218/99, e até porque, sendo ele diploma especial, se sobrepõe a diplomas de cariz mais genérico, como o mencionado DL 32/2003, o procedimento de injunção é o legal e adequado para obter o pagamento das despesas impetradas pelo requerente.
Acresce que o regime  deste último diploma, e com exceção dos seus artºs 6º e 8º, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.

Procede o recurso.

6.
Sumariando.
Atento o disposto no artº 2º do DL 218/99 de 15 de Junho, o procedimento de injunção é o meio processual legal e adequado ao impetramento, por parte das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, de despesas havidas por cuidados de saúde por elas  prestados, independentemente da causa que originou tais cuidados.

7.
Decisão.
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso, revogar o despacho e, consequentemente, ordenar o prosseguimento dos autos.

Custas pelo vencido a final, se delas não estiver isento.

Coimbra, 2014.01.14.


            Carlos Moreira ( Relator )