Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
565/12.4TBSRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CITAÇÃO POSTAL
PESSOA COLECTIVA
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
INSCRIÇÃO
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - OLEIROS - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.223, 228, 246 CPC, DL Nº 129/98 DE 13/5
Sumário: 1. - Para a citação postal de sociedades obrigadas a inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas existe norma processual especial, a do art.º 246.º do NCPCiv., segundo a qual a carta para citação é endereçada para a sede da citanda inscrita naquele ficheiro central (cfr. n.ºs 2 a 4).

2. - Considerou o legislador que a constituição e manutenção de determinadas pessoas coletivas, como as sociedades, comporta ónus e deveres, a que está sujeito o ente coletivo, o que explica a relevância conferida ao registo obrigatório da sede societária para efeitos de citação em processo civil.

3. - Observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 e 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando a presunção legal – não ilidida – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

S (…), S. A.”, com os sinais dos autos,

veio deduzir ([1]) oposição à execução – esta última para pagamento de quantia certa, baseada em sentença judicial condenatória, transitada em julgado – que lhe foi movida por

P (…), Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

apresentando, no essencial, os seguintes fundamentos:

- não foi citada na ação onde foi proferida a sentença dada à execução, pois a sua intentada citação na ação declarativa – citação por depósito postal – é inadmissível, tendo sido inobservado o disposto nos art.ºs 225.º e segs. do Código de Processo Civil, pelo que é nulo todo o processado desde o despacho que admitiu a sua intervenção no mesmo, atento o disposto nos art.ºs 187.º, al.ª a), e 188.º, n.º 1, al.ª c), ambos do mesmo Cód.;

- a notificação da sentença também foi devolvida, nunca tendo ficado a saber da existência do processo;

- o que obriga à extinção da execução.

Concluiu pela nulidade da citação e de todo o processado posterior ao despacho que admitiu a sua intervenção no processo declarativo, devendo proceder-se a nova citação.

Recebida a oposição à execução, a Exequente/Embargada deduziu contestação, pugnando pela extemporaneidade da arguida nulidade e concluindo pela regular citação no âmbito da ação declarativa condenatória, já que a Opoente não fez prova de não lhe ter sido entregue a carta de citação, inexistindo falta ou nulidade de citação, implicando a total improcedência da oposição.

Pugnou, pois, pela improcedência da oposição.

Na audiência prévia, exercido o princípio do contraditório, o Tribunal conheceu de meritis, proferindo saneador-sentença – contendo decisão de facto e de direito, datada de 21/06/2017 –, assim julgando totalmente improcedente a oposição à execução e determinando o prosseguimento da ação executiva.

Inconformada com o assim decidido, a Executada/Opoente interpõe recurso de apelação, apresentando alegação e formulando as seguintes

Conclusões:
(…)

Pugna pelo provimento do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, a ser substituída por outra que julgue a oposição procedente, por verificação do fundamento previsto no art.º 729.º, al.ª d), do NCPCiv., de falta de citação, e, assim, extinga a execução.

Não foi junta contra-alegação recursiva.

Mostrando-se o recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos de oposição e efeito meramente devolutivo, nada obsta ao conhecimento do seu mérito.

Observada a legal tramitação recursória, cumpre, por isso, apreciar e decidir.

                                                

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, está em causa na presente apelação, limitada à apreciação de matéria de direito, saber se ocorre falta ou nulidade da citação para a ação declarativa condenatória (onde foi formado o título executivo/sentença judicial) quanto à Executada/Opoente.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Ante a prova documental produzida nos autos, na decisão recorrida foi definido – sem impugnação recursória da decisão de facto – o seguinte quadro fáctico apurado:

«1) Em 19.09.2012, a Embargada instaurou acção declarativa contra P(…), Lda., pedindo a condenação desta no pagamento de € 19.360,00, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, que correu os seus termos sob o n.º 565/12.4TBSRT, no Tribunal Judicial da Comarca da Sertã (cfr. petição inicial a fls. 2 a 18, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

2) Em 06.11.2012, a sociedade P (…), Lda. apresentou contestação (cfr. fls. 37 a 65, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

3) Em 06.08.2013, foi proferido despacho para as partes se pronunciarem, no prazo de dez dias, sobre a intervenção da Embargante nos autos principais (cfr. fls. 79, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

4) Em 20.09.2013, a Embargada deduziu incidente de intervenção principal provocada contra a Embargante (cfr. fls. 81 a 85, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

5) Em 09.12.2013, foi deferido o incidente deduzido e, em consequência, admitida a intervenção principal provocada da Embargante, tendo sido determinada a sua citação (cfr. fls. 103 e 104, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

6) Em 10.12.2013, foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação da Embargante para a Rua (…) Albufeira (cfr. referência 1406948, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

7) Em 12.12.2013, a citação foi devolvida, com a seguinte menção “O destinatário retirou S/ deixar nova morada” (cfr. fls. 105 e 106, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

8) Na mesma data, foram efectuadas pesquisas de certidão permanente por NIPC da Embargante e ao TMenu das pessoas colectivas, tendo resultado como sede da Embargante a morada referida em 6) (cfr. referências 1409345 e 1409352, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

9) Em 16.12.2013, foi expedida nova carta registada com aviso de recepção, com menção ao disposto no art. 246.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, para citação da Embargante para a Rua (…), Albufeira (cfr. referência 1409363, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

10) Em 27.12.2013, a citação foi devolvida com a menção “ESTA CORRESPONDÊNCIA DEPOIS DE DEVIDAMENTE ENTREGUE VOLTOU AO CORREIO” (cfr. fls. 108, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

11) Em 27.12.2013, o aviso da carta registada com aviso de recepção referida em 9) foi devolvida com a seguinte menção “No dia 18-13-2013 às 12:00 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”, estando assinada e datada de 18.12.2013 (cfr. fls. 109 e 109v., dos autos principais, que se dá por reproduzido);

12) Por despacho de 06.03.2014, foi determinado que a Secção diligenciasse pela junção aos autos de comprovativo de inscrição da Embargante no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (cfr. 110, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

13) Em 06.03.2014, foi dado cumprimento ao despacho, constando na certidão permanente por NIPC que a Embargante tinha sede na Rua (…) (fls. 110-A a 110-D, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

14) E da pesquisa às pessoas colectivas por NIPC que a Embargante tinha sede na Rua (…) (cfr. fls. 110-E, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

15) Em 10.03.2014, as partes foram convocadas para realização de audiência prévia (cfr. fls. 111, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

16) A notificação da Embargante para a referida diligência foi devolvida (cfr. fls. 116, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

17) Em 06.05.2014, foi proferida sentença, condenando a Embargante a pagar à Embargada a quantia de € 19.360,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, às taxas de juro comercial sucessivamente em vigor, desde a data da respectiva citação até integral pagamento, e absolvendo-a do demais peticionado (cfr. fls. 118 a 124, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

18) Mais absolveu a sociedade P(…), Lda. de todos os pedidos contra si formulados;

19) Na sentença, a Embargante foi considerada citada para os autos (cfr. 119, dos autos principais, que se dá por reproduzido);

20) Em 23.01.2015, a Embargada apresentou requerimento de execução da sentença referida em 17);

21) Pela Insc. 5 - Ap. 1/20150327, foi registada mudança de sede da Embargante para y (...) Vila Viçosa;

22) Em 16.03.2017, a Embargante juntou procuração forense à execução a que estes autos se encontram em apenso (cfr. fls. 149 a 150v., dos autos principais, que se dá por reproduzido);

23) Em 22.03.2017, a Embargante requereu a nulidade da sua citação no processo declarativo, a declaração de nulidade de todo o processado posterior ao despacho que a admitiu como interveniente e a repetição da sua citação (cfr. fls. 151 a 155v dos autos principais, que se dá por reproduzido);

24) Em 27.03.2017, a Embargada respondeu ao requerimento, alegando que o poder jurisdicional se encontra esgotado, não podendo a interveniente vir aos autos principais pedir a declaração de nulidade, para além de que a interveniente foi regularmente citada (cfr. fls. 159 a 154, dos autos principais, que se dá por reproduzido).».

B) Substância do recurso

 Da invocada falta ou nulidade da citação

Defende a Apelante/Executada/Opoente que ocorre falta ou nulidade da sua citação para a ação declarativa condenatória (onde foi formado o título executivo/sentença judicial), mostrando-se que ela não teve conhecimento do ato da citação por facto que não lhe é imputável, deixando afastada a presunção de citação.

Donde que só caiba agora reapreciar a questão da falta ou nulidade da citação daquela Executada/Opoente/Apelante para os termos da anterior ação declarativa, visto que, embora com referências à (in)tempestividade e preclusão, o certo é que o Tribunal a quo acabou por concluir que “a Embargante encontra-se em tempo para a arguir”, nada obstando “à apreciação dos embargos de executado” ([4]), razão pela qual, conhecendo da invocada “falta ou nulidade da citação”, a 1.ª instância elaborou fundamentação para concluir pela improcedência da oposição (julgando, assim, existente e válida a citação postal).

Argumentou a Opoente/Recorrente que devia ter sido aplicado o art.º 231.º do NCPCiv., com citação, não por depósito postal, mas por agente de execução, perante três cartas registadas com aviso de receção sucessivamente devolvidas.

Por sua vez, a decisão recorrida focou-se no disposto no art.º 246.º do NCPCiv., que considerou observado, afirmando que “a citação foi remetida para a sede da Embargada, a qual veio devolvida; após pesquisas de certidão permanente por NIPC da Embargante e ao TMenu das pessoas colectivas, foi expedida nova carta para a sede da Embargante, com a menção do art. 246.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a qual, após recebida, foi devolvida aos CTT; e foram efectuadas novas pesquisas à base de dados do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, tendo resultado a mesma sede para a qual a Embargante já havia sido citada [cfr. factos 6) a 14)].”.

Importa, pois, saber, desde logo, se a citação da sociedade aludida foi conseguida por via postal ou, ao invés, resultou frustrada, à luz dos pertinentes preceitos do NCPCiv., que tanto o Tribunal a quo como a Apelante consideram aplicáveis.

Ora, vem provado – de forma incontroversa – que, em 10/12/2013, foi expedida carta [primeira missiva] registada com aviso de receção para citação da Embargante para a Rua (…)Albufeira [ponto 6) dos factos provados].

Tal carta [ponto 7) dos factos provados] foi devolvida, com a menção de que “O destinatário retirou S/ deixar nova morada”, pelo que, não conseguida a citação por via postal, logo foram efetuadas adequadas pesquisas, tendo resultado como sede da Embargante a morada referida [ponto 8) dos factos provados].

Foi, por isso, expedida nova carta registada com aviso de receção para citação postal da sociedade no mesmo local (em 16/12/2013), com menção ao disposto no art.º 246.º, n.º 4, do NCPCiv. [ponto 9) dos factos provados].

A este propósito, dispõem os n.ºs 3 e 4 de tal art.º 246.º:

«3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.».

Ora, estabelece este último preceito que, no caso previsto no número anterior ([5]), é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º, bem como a advertência referida na parte final do número anterior, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º.

E o art.º 230.º (com a epígrafe “Data e valor da citação por via postal”) preceitua:

«1 - A citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

2 - No caso previsto no n.º 5 do artigo anterior, a citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.».

Prova-se que, em 27/12/2013, a aludida carta para citação (enviada em 16/12) «foi devolvida com a menção “ESTA CORRESPONDÊNCIA DEPOIS DE DEVIDAMENTE ENTREGUE VOLTOU AO CORREIO”» e o respetivo aviso foi devolvido com menção de “No dia 18-13-2013 às 12:00 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente” [pontos 10) e 11) dos factos provados].

Verificou-se, então, perante certidão permanente por NIPC, que a Embargante tinha sede no local já aludido [pontos 12) a 14) dos factos provados], razão pela qual foi considerada citada para a ação, onde depois foi condenada [pontos 17) e 19) dos factos provados].

Que dizer?

Essencial ao caso dos autos é o dispositivo legal do art.º 246.º do NCPCiv., em que se fundou a decisão recorrida, com a epígrafe “Citação de pessoas coletivas” e a seguinte redação:

«1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto na subsecção anterior, com as necessárias adaptações.

2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.

5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.» (itálico aditado).

É esta, pois, a normação específica aplicável às sociedades, havendo apenas de considerar-se estarem excluídas, como visto, do preceituado naqueles n.ºs 3 e 4 – devolução do expediente postal de citação – as pessoas coletivas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.

Deve, pois, distinguir-se entre pessoas coletivas citandas sujeitas a inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas e pessoas coletivas não sujeitas a tal obrigação de inscrição.

Tratando-se de pessoa coletiva sujeita à obrigatoriedade de inscrição, deve proceder-se à citação (pessoal) postal, na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (cfr. art.ºs 228.º, n.º 2, e 223.º, n.ºs 1 e 3, ambos do NCPCiv.).

Como refere Rui Pinto ([6]):

«Se esta citação for frustrada, de duas uma.

Se a razão for recusa da assinatura do aviso de receção ou recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

Se a razão for qualquer outra procede-se à repetição da citação postal mediante envio de nova carta registada com aviso de receção.».

E acrescenta o mesmo Autor que, «Nesta eventualidade, (i) a citação considera-se efetuada por depósito na caixa do correio na data certificada pelo distribuidor do serviço postal», devendo este «certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; ou (ii), no caso de ter sido deixado aviso por impossibilidade de depósito ao abrigo do artigo 229.º n.º 5 in fine a citação considera-se efetuada no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados (…). No dito aviso identifica-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbam-se os motivos da impossibilidade de entrega, após o que permanece a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado, conforme o artigo 228.º, n.º 5».

Já, diversamente, no caso de pessoa coletiva não sujeita à obrigatoriedade de inscrição naquele ficheiro central (n.º 5 do citado art.º 246.º do NCPCiv.), deve proceder-se à citação (pessoal) postal em conformidade com as “regras comuns de citação de pessoas singulares do seguinte modo: começa-se pela citação (pessoal) postal com as especificidades do n.º 2 (i.é., na sede registada) mas, se esta se frustrar, em vez de se considerar a citação já feita pelo mecanismo do n.º 3 (sem prejuízo do n.º 4) segue-se a ordem de modalidades das pessoas singulares por força do n.º 1 do presente artigo 246.º: citação (pessoal) por contacto pessoal (incluindo com hora certa) e citação edital” ([7]).

Sobre esta matéria (art.º 246.º citado) explicam, por sua vez, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro ([8]):

«O regime previsto neste artigo está desenhado à imagem das pessoas coletivas, refletindo a sua natureza especial. A criação de uma pessoa coletiva – ou a participação numa – comporta ónus e deveres, subjetivamente imputáveis ao ente coletivo, assim se explicando a relevância aqui dada ao registo obrigatório da sede. Conclui-se, pois, que este regime não é aplicável aos patrimónios autónomos ao aos condomínios (arts. 12.º e 223.º), ainda que se encontrem registados no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.».

E acrescentam que, frustrando-se a citação de pessoa coletiva inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, mas cuja inscrição não seja obrigatória, segue-se o regime previsto para as pessoas coletivas não inscritas neste ficheiro, acima referido ([9]).

A 1.ª instância considerou que a sociedade Opoente/Apelante é pessoa coletiva de inscrição obrigatória naquele ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, razão pela qual considerou validamente realizada a citação ao abrigo do disposto no art.º 246.º, mormente o seu n.º 4, do NCPCiv..

Ora, a Apelante, sociedade inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (cfr. pontos 12) a 14) e 21), todos do factualismo provado), não refere que inexistisse tal obrigatoriedade de inscrição sua de âmbito/pendor registal (dito ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas).

Do regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, aprovado pelo DLei n.º 129/98, de 13-05 ([10]), resulta que o ficheiro central de pessoas coletivas (FCPC) é constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação atualizada, designadamente, de interesse geral relativa a entidades públicas ou outras pessoas coletivas, também de natureza privada (art.º 2.º).

O FCPC integra, para além do mais, informação relativa a “Associações, fundações, sociedades civis e comerciais, cooperativas, empresas públicas, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, bem como quaisquer outros entes coletivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que habitualmente exerçam atividade em Portugal” (art.º 4.º, n.º 1, al.ª a), daquele diploma legal).

Sendo certo que, nos termos do art.º 6.º, estão “sujeitos a inscrição no FCPC os seguintes atos e factos relativos a pessoas coletivas:

a) Constituição;

b) Modificação de firma ou denominação;

c) Alteração do objeto ou do capital;

d) Alteração da localização da sede ou do endereço postal, incluindo a transferência da sede de e para Portugal;

e) A alteração do código de atividade económica (CAE);

f) Fusão, cisão ou transformação;

g) Cessação de atividade;

h) Dissolução, encerramento da liquidação ou regresso à atividade”.

E dispondo o art.º 1.º, n.º 1, do CRegCom., destinar-se o registo comercial a “dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico” (cfr. também os art.ºs 3.º, 15.º e 17.º do mesmo Cód.).

Ora, a Opoente/Apelante, sociedade anónima, dedicada, segundo o seu objeto, à “importação e compra para venda, revenda ou exportação de mármores, granitos e afins …” ([11]), é uma sociedade comercial, sujeita ao direito português, matriculada e com sede em Portugal.

Donde que estivesse – como deve concluir-se –, ao tempo da citação, sujeita à obrigatoriedade de inscrição de âmbito registal, quanto ao aludido ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

Por isso, vale a sede levada, ao tempo, a esse registo, aplicando-se, como entendido na sentença recorrida, o disposto nos n.ºs 2 a 4 do art.º 246.º do NCPCiv., normação especial aplicável à citação das sociedades obrigadas a inscrição no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

E, como também entendido na decisão recorrida, do factualismo apurado [factos provados 6) a 14)] resulta que foram observadas as formalidades impostas pelo dito art.º 246.º, pelo que não se impunha o recurso à citação através de agente de execução ou funcionário judicial ou sequer a citação edital. Donde que não ocorra vício de citação na ação declarativa.

Com efeito, observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 a 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando, ainda assim, a presunção legal – não ilidida (a Apelante não mostra que a carta deixada no recetáculo postal correspondente à sua sede de então não chegou ao seu conhecimento e que não foi por si, ou por alguém a seu mando, devolvida) – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

Improcedem, pois, os argumentos da Apelante em contrário, só podendo concluir-se, salvo o devido respeito, pela não demonstração de falta ou nulidade de citação.

Assim, naufraga a oposição e subsiste, incólume, a execução, nada havendo a censurar à decisão impugnada.

                                                           *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Para a citação postal de sociedades obrigadas a inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas existe norma processual especial, a do art.º 246.º do NCPCiv., segundo a qual a carta para citação é endereçada para a sede da citanda inscrita naquele ficheiro central (cfr. n.ºs 2 a 4).

2. - Considerou o legislador que a constituição e manutenção de determinadas pessoas coletivas, como as sociedades, comporta ónus e deveres, a que está sujeito o ente coletivo, o que explica a relevância conferida ao registo obrigatório da sede societária para efeitos de citação em processo civil.

3. - Observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 e 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando a presunção legal – não ilidida – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

                                                           ***

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Apelante.

                                                           ***

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 12/12/2017

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 04/04/2017 (cfr. fls. 07 v.º dos autos em suporte de papel), relativamente a execução instaurada em 2015.
([2]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Processo executivo e oposição à execução deduzidos após 01/09/2013 (cfr. art.ºs 1.º e 8.º daquela Lei n.º 41/2013).
([4]) À luz do disposto no art.º 729.º, al.ª d), do NCPCiv., que dispõe poder a oposição à execução baseada em sentença ter por fundamento a falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.
([5]) Trata-se do n.º 4 desse art.º 229.º, dispondo que, “Sendo o expediente devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal ou por ter sido recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por pessoa diversa do citando, nos termos do n.º 2 do artigo anterior, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando e advertindo-o da cominação constante do n.º 2 do artigo seguinte”.
([6]) Em Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, p. 226.
([7]) Cfr. Rui Pinto, op. cit., p. 226.
([8]) Em Primeiras Notas as Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, p. 241.
([9]) Op. cit., p. 242 e seg..
([10]) Com as alterações introduzidas pelos DLei n.º 12/2001, de 25-01, n.º 323/2001, de 17-12, n.º 2/2005, de 04-01, n.º 111/2005, de 08-07, n.º 76-A/2006, de 29-03, n.º 125/2006, de 29-06, n.º 8/2007, de 17-01, n.º 247-B/2008, de 30-12, n.º 122/2009, de 21-05, pela Lei n.º 29/2009, de 29-06, e pelo DLei n.º 250/2012, de 23-11.
([11]) Cfr. certidão permanente junta a fls. 23 e segs. dos autos em suporte de papel.