Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/12.0TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: AVAL
AVAL COLECTIVO
ACÇÃO CAMBIÁRIA
CO-AVALISTAS
RELAÇÃO JURÍDICA
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 30º, 32º, §3º E 43º DA LULL; 524º DO C.CIVIL.
Sumário: 1. - No aval colectivo ao mesmo devedor, configuram-se dois níveis de relações jurídicas: a relação dos co-avalistas com o portador e a relação dos avalistas entre si.

2. – Nas relações dos co-avalistas com o portador ou nas relações com o avalizado e obrigados precedentes, os direitos, obrigações e pressupostos da acção, são os definidos para o aval singular, sendo a obrigação de natureza estritamente cambiária. Caso um dos co-avalistas pague a letra ou livrança pode exercer acção cambiária contra o avalizado e obrigados precedentes (arts. 32º §3º, 43º da LULL)

3. - Na relação dos co-avalistas entre si não há nexo cambiário e a obrigação é regulada pelo direito comum.

4. - Se um dos co-avalistas pagar a letra ou livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a letra ou livrança avalizadas.

5. O direito do avalista que paga a letra de câmbio é um direito próprio e autónomo, emergente da letra, e não um direito que lhe tenha sido transmitido ou que haja sucedido, porque não há sub-rogação.

6. O termo “sub-rogado” inscrito no art. 32º §3º da LULL está aí impropriamente empregue, por erro de tradução.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.- Os exequentes – J… e A… – instauraram na Comarca de Coimbra acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra os executados

            E…, Lda

            S…, C…, M…, e       G...

            Alegaram, em resumo:

            Os exequentes são donos de uma livrança, no valor de € 26.810,38, vencida em 6/4/2011, subscrita pela sociedade E…, Lda e emitida pelo Banco N…, SA, a qual foi avalizada pelos exequentes e pelos executados S…, C…, M… e G...

            Os exequentes (co-avalistas) liquidaram ao Banco N… o montante da € 24.586,00,  tendo este, por declaração escrita de 26/10/2011, sub-rogado os seus direitos resultantes da livrança, nos ternos dos arts.589 e 593 CC.

            Reclamou dos executados o pagamento da quantia de € 24.758,44, juntando cópia da livrança e declaração de quitação com sub-rogação.

            1.2. - Os executados – C…, M… e G… – deduziram oposição à execução e à penhora, alegando, em resumo:

            Inexiste título executivo porque os exequentes não protestaram a livrança junto dos co-avalistas e nem mesmo receberam a livrança por endosso do Banco N… SA, pelo que não tendo o original em seu poder, não são sequer portadores legítimos da mesma.

            A declaração se sub-rogação não constitui título executivo, pois nem sequer está assinada pelos executados.

            Por outro lado, sendo co-avalistas só respondem na medida da sua quota parte de responsabilidades e após haverem sido executados os bens da devedora principal.

            Concluíram pela procedência da oposição e pela redução da penhora sobre os salários dos executados C… e G...

            Contestaram os exequentes, defendendo-se, em síntese:

            Não há lugar ao protesto em relação ao avalista do subscritor da livrança

            A sub-rogação dos direitos do Banco N… legitima-os a accionarem os executados co-avalistas, bem como a invocarem a natureza solidária da dívida.

            1.3. – No saneador decidiu-se:

            Julgar improcedente a oposição à execução e absolver os exequentes do pedido de extinção da execução;

            Julgar procedente a redução da penhora determinando a penhora de 1/6 do vencimento mensal das executadas C… e G...

            1.4. – Inconformados, os executados/oponentes recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

            Contra-alegaram os exequentes, no sentido da improcedência do recurso.


II - FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto do recurso

            A questão submetida a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, consiste em saber que direitos tem o avalista que paga a letra ou livrança em relação aos demais co-avalistas, nomeadamente, (i) se tendo um dos co-avalistas pago a livrança, pode reclamar dos demais co-avalistas o pagamento, com base nas letras ou livranças avalizadas, (ii) se sucede ou não no direito do exequente.

            2.2. – Os factos provados (descritos na sentença)

2.3. – O mérito do recurso

A sentença recorrida julgou improcedente a oposição com base nos seguintes tópicos argumentativos:

A livrança dada à execução constitui título executivo, porque reúne todos os requisitos legais ( art. 75 LULL );

É desnecessário o protesto, nos termos do art. 53 LU, na medida em que o avalista assume a mesma obrigação cambiária do avalizado;

Quanto à inexistência do original da livrança, sabe-se que ficou em poder do Banco N… (credor) que emitiu declaração de quitação com sub-rogação, o que é legalmente admissível, nos termos do art. 593 CC e “consequentemente, com base na cópia da livrança e do original da declaração de quitação e sub-rogação, pode exercer, como exerceu, por via de acção executiva, os seus direitos cambiários contra os demais co-obrigados, todos eles avalistas”;

Estando em causa uma obrigação cambiária, resultante do aval, sendo uma obrigação de garantia, não há lugar à excussão prévia dos bens do devedor principal, subscritora da livrança.

Os avalistas são responsáveis solidariamente pela totalidade da dívida (e não apenas por quotas), com resulta do art. 47 LULL.

Em contrapartida, sustentam os Apelantes que a acção não é cambiária e os exequentes não têm título executivo contra os co-avalistas; além disso, a responsabilidade não é solidária e a determinação da quota parte de responsabilidade exigirá a produção de prova.

Os Apelados, sufragando a tese da sentença, dizem que os exequentes, terceiros em relação á dívida da sociedade subscritora da livrança ao pagarem a dívida ficaram sub-rogados (sub-rogação voluntária pelo pagamento) nos direitos do Banco credor ( arts. 589 e 593 CC), logo ficaram investidos nos direitos deste e por isso mesmo legitimados a exercer os direitos não só contra o subscritor da livrança, mas também contra terceiros (os recorrentes) que garantiram a dívida. Sendo este (sub-rogação voluntária) o fundamento da execução, não há que trazer à colação o problema do direito de regresso do avalista que pagou em relação aos co-avalistas.

Coloca-se a questão de saber quais os direitos do avalista que paga a letra ou livrança em relação aos demais co-avalistas. Designadamente (1º) se tendo um dos co-avalistas pago a livrança, pode reclamar dos demais co-avalistas o pagamento, com base nas letras ou livranças avalizadas, (2º) se sucede ou não no direito do exequente.

Segundo o art. 30 da LULL, o pagamento de uma letra de câmbio ou de uma livrança (art. 77) pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts. 7 e 32 LULL).

            Com efeito, dada a natureza jurídica do aval, quer o mesmo seja havido como uma “ fiança com regime jurídico especial ”, quer se lhe atribua o carácter de uma “ garantia objectiva ”, sempre se trata de uma garantia autónoma, distinta de qualquer outra obrigação cambiária. E o facto do avalista responder da mesma maneira que o avalizado (art.32 LULL), apenas pretende significar que o conteúdo da obrigação do avalista é o mesmo que a da obrigação do avalizado, significando que muito embora a obrigação do avalista seja igual à do avalizado, não assume a mesma figura cambiária deste.

            Por outro lado, a autonomia da obrigação do avalista mantém-se mesmo que seja nula a obrigação do avalizado, salvo se a nulidade proceder de vício de forma (art.32 §2º LULL), respeitante aos requisitos externos da obrigação cambiária do aceitante ou subscritor da livrança.

            Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: os do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.

            A lei não proíbe a pluralidade de avales, designadamente o aval colectivo, também designado de co-aval. E na situação de aval colectivo ao mesmo devedor, configuram-se dois níveis de relações jurídicas: por um lado, a relação dos co-avalistas com o portador e, por outro, a relação dos avalistas entre si.

Nas relações dos co-avalistas com o portador ou nas relações com o avalizado e obrigados precedentes, os direitos, obrigações e pressupostos da acção, são os definidos para o aval singular, como garantia autónoma, não subsidiária ou acessória, mas cumulativa.

A obrigação é, por conseguinte, de natureza estritamente cambiária, logo o co-avalista que pague a letra tem acção cambiária ( arts.32 §3º, 43 da LULL) contra o avalizado e obrigados precedentes.

Na relação dos co-avalistas entre si, não há nexo cambiário, a obrigação é regulada pelo direito comum. Com efeito, no aval colectivo ao mesmo devedor não existe qualquer nexo cambiário entre os avalistas, tal como propusera a delegação italiana à Conferência de Genebra e que ficou a constar do relatório da LU a explicitar os arts.31 e 47 a seguinte consideração ( nº75 ):

“ Acerca deste preceito (do art.47), a Conferência emitiu a opinião de que, quando haja obrigados do mesmo grau (hipótese de concurso de vários avalistas que garantem o mesmo devedor), embora tenham assinado sucessivamente, ele não podem exercer uns contra os outros a acção cambiária que resulta da letra. Salvo acordo em contrário, as suas mútuas relações devem ser reguladas pelas disposições de direito comum, aplicáveis às obrigações solidárias “.

Por isso, o avalista que paga não tem uma acção cambiária contra os avalistas do mesmo grau para realizar parte da soma que lhe cabe na divisão da responsabilidade, já que a acção cambiária só a tem contra o avalizado, a favor de quem deu o co-aval e contra os obrigados precedentes.

            Nas relações entre os co-avalistas não se aplica o art.32 §3º LULL (“ Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra”).Também não tem aplicação o art.43 da LULL, porquanto ainda que sejam portadores do título, em virtude do pagamento, a verdade é que não perderam a qualidade de co-avalistas ( cf., neste sentido, Ac do STJ de 29/4/08, proc. nº08A1103, em www dgsi.pt ).

            Assim, as relações internas entre os co-avalistas, se nada for convencionado, são reguladas pelo direito comum (sobre a natureza não cambiária das acções entre co-avalistas cf., por ex., GONSALVES DIAS, Da Letra e da Livrança, vol. VII, pág. 588 e 589, CAROLINA CUNHA, Letras e Livranças, pág. 304 e segs; Ac do STJ de 22/4/53, BMJ 43, pág.536, de 16/3/56, BMJ 55, pág.299, de 21/2/67, BMJ 164, pág.335, de 24/10/02, C.J. ano X, tomo III, pág. 121, de 15/11/07, proc. nº07B1296, em www dgsi.pt.).

            A este propósito, refere G. DIAS:

 “ De certeza, podemos pois deduzir que entre os co-avalistas não existe um nexo cambiário, isto é, o avalista que paga não tem uma acção cambiária contra os avalistas do mesmo grau, para realizar parte da soma que possa caber-lhe na divisão da responsabilidade. Acção cambiária só a tem contra o avalizado, a favor de quem deu o co-aval e contra os obrigados precedentes, como vem na alínea III do art.32º”.

“ O modo de regular as relações internas depende da convenção entre os co-avalistas. Se nada convencionarem, opera a regra da divisão proporcional, como vem estabelecido no artigo 845º do Código Civil para a fiança comum”( loc. cit., pág.588).

            Ao reflectir sobre o tema, PEDRO PAIS VASCONCELOS (“Pluralidade de avales por um mesmo avalizado e “regresso” do avalista que pagou sobre aqueles que não pagaram“, Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Coimbra Editora, 2007, pág.947 e segs.) sustenta que o avalista que paga tem acção cambiária de regresso, conforme art.32 da LUL, contra o avalizado e ainda contra todos aqueles intervenientes cambiários contra quem o avalizado tenha acção cambiária, mas já não a tem contra os demais avalistas que não pagaram. Diverge, porém, da opinião dominante, mas de forma consistente, ao defender que só extracambiariamente o avalista que pagou pode accionar os demais avalistas do mesmo avalizado que não tiverem pago, mas desde que alegue e prove a convenção nesse sentido, por não ser de aplicar directa, analógica ou presuntivamente o regime da fiança.

Entretanto, o STJ, em acórdão de uniformização de jurisprudência nº 7/2012, de 5/6/2012 (proc. nº 2493/05, disponível em www dgsi.pt) decidiu – “ Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.

O acórdão funda o direito de regresso do avalista na norma do art. 524 do CC, tratando-se de solidariedade legal.

Em comentário ao acórdão, diz CAROLINA CUNHA – “ Em suma, no plano das relações internas entre os diversos avalistas de um mesmo avalizado o direito de regresso do (ou dos) solvens tem fonte legal no art. 524 do CC, pelo que o seu exercício dispensa a existência e prova de qualquer convenção extracambiária. Quanto à repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, o regime legal supletivo é o da igualdade: na ausência (agora sim) de convenção ou de outra relação especial entre eles, comparticipam na dívida em partes iguais ( art. 516 do CC ). Portanto, do ponto de vista processual, será aos avalistas demandados pelo solvens que cabe alegar e provar a existência de desvios à regra da repartição igualitária” (Cadernos de Direito Privado, nº40, Outubro/Dezembro de 2012, pág. 41 e segs.) .

            Uma vez que as relações entre os co-avalistas não têm natureza cambiária, é por demais evidente que a livrança não constitui título executivo, enquanto título cambiário.

Vejamos, no entanto, se as livranças podem servir de títulos executivos, nos termos do art.46 alínea c) do CPC, agora como documento particular, assinado pelo devedor, desprovido das características específicas dos títulos de crédito.

Como se sabe, esta problemática tem sido objecto de duas correntes jurisprudenciais:

Uma, no sentido de que a letra, livrança ou cheque que não reúnam condições para valer como título de crédito, não podem ser constitutivos ou certificativos de uma obrigação, logo, não podem servir de título executivo.

            Argumenta-se, em síntese, que as livranças, letras e cheques já eram títulos executivos antes da reforma processual de 1995/96, pelo que nunca esteve na mente nem nos propósitos do legislador alterar a LULL e LUC, nem bulir no regime aí consagrado, ou sequer modificar os requisitos de exequibilidade desses títulos (cf., por ex., do STJ de 29/2/00, C.J., ano VIII, tomo I, pág. 124, de 16/10/01, C.J., ano IX, tomo III, pág. 89, de STJ de 20/11/03, C.J. ano XI, tomo III, pág. 154 , Ac RC de 6/2/01, C.J., ano XXVI, tomo I, pág. 28 ).

            Outra, partindo da ampliação dos títulos executivos resultante a nova redacção do art.46 alínea c) do CPC, defende que extinta a obrigação cartular incorporada na letra, livrança ou cheque, mantém a sua natureza de título executivo, por se tratar de documento particular assinado pelo devedor, desde que neles se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo ( cf., por ex., Ac do STJ de 18/1/01, C.J. ano IX, tomo I, pág.71, de 29/1/02, C.J. ano X, tomo I, pág.64, de 30/10/03, de 16/12/04, www dgsi.pt/jstj ).

            Muito embora seja de adoptar esta segunda orientação (aliás, prevalecente), o certo é que a exequibilidade do documento (título de crédito), como quirógrafo, fica “ limitada às situações em que do respectivo texto resulte a assunção de uma obrigação de pagamento da quantia nela inscrita de que seja beneficiária a pessoa nele indicada” (ABRANTES GERALDES, Títulos Executivos, Themis ano IV, nº 1 (2003), pág.64 ).

            Pois bem, tal não sucede aqui, desde logo, porque os documentos dados à execução não importam a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária dos avalistas entre si. Depois, porque os documentos nem sequer podem conter a determinação da responsabilidade de cada um dos co-obrigados ( cf. Ac RL de 11/10/07, proc. nº81792007, www dgsi.pt ).

            Por isso, se um dos co-avalistas pagar a livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a livrança avalizada, quer como título de crédito, quer como quirógrafo.

E haverá sub-rogação ?

Se o avalista paga a letra ou livrança avalizada pode, em acção cambiária, exigir o que pagou do avalizado e/ou dos obrigados perante o avalizado, nos termos do art.32 da LULL. Contudo, o direito do avalista que paga é um direito próprio e autónomo, emergente da letra, e não um direito que lhe tenha sido transmitido ou que haja sucedido, porque não há sub-rogação. O termo “sub-rogado” está aí impropriamente empregue, por erro de tradução, tanto assim que na correspondente norma do art.27 § 3º da LUCH já não se refere tal expressão, mas a da aquisição dos direitos resultantes do cheque.

Neste sentido, elucida GONSALVES DIAS (Da Letra e da Livrança, vol.VII, pág.563 e 564):

“ É pois exacto que o avalista, pagando o título, não fica propriamente subrogado nos direitos do portador. Não há subrogação, mas aquisição própria. Não fica mesmo subrogado nos direitos daquele por quem pagou – nos direitos do avalizado: nem é sucessor do portador pago, porque não é seu cessionário, nem um sucessor do avalizado, porque este é sempre um obrigado cambiário a respeito do avalista que o garante.

“ Todas estas explicações servem para a Lei Uniforme e seriam desnecessárias se a tradução portuguesa não tivesse adulterado o texto original da alínea III do artº32º. Esta alínea, reportando-nos à redacção francesa ou inglesa, nem de perto, nem de longe falada da “subrogação”. A versão correcta seria: “ Efectuando o pagamento, o dador de aval adquire os direitos emergentes da letra contra o seu avalizado e contra os obrigados para com este”.

Sendo assim, porque os exequentes não ficaram sub-rogados nos direitos do exequente credor (Banco N…), não há “sucessão” no direito (cf., Ac STJ de 23/11/2010, proc. nº 1955/09, em www dgsi.pt). Por outro lado, a sub-rogação com fundamento nos arts. 589 e 593 do CC, afirmada pelos exequentes, pressupõe a “prestação de terceiro”, o que não sucede, porque eles foram demandados (na qualidade de co-avalistas) na acção executiva primitivamente intentada pelo Banco N…

De igual modo, o pagamento voluntário feito na pendência da execução pelo executado ou por terceiro é causa de extinção da execução (art. 916 nº1 e 917 do CPC/95) mas o executado que paga, ainda que haja outros co-executados, não pode considerar-se “terceiro”, para efeito do art. 917 nº5 do CPC, a quem a lei confere a sub-rogação nos direitos do exequente, pela simples razão de que terceiro é o estranho à relação jurídica, o que não é devedor, nem credor (art.767 CC), e que não figura no título como tal (art.55 do CPC).

2.4. - Síntese Conclusiva

1. - No aval colectivo ao mesmo devedor configuram-se dois níveis de relações jurídicas: a relação dos co-avalistas com o portador e a relação dos avalistas entre si.

2. – Nas relações dos co-avalistas com o portador ou nas relações com o avalizado e obrigados precedentes os direitos, obrigações e pressupostos da acção, são os definidos para o aval singular, sendo a obrigação de natureza estritamente cambiária. Caso um dos co-avalistas pague a letra ou livrança pode exercer acção cambiária contra o avalizado e obrigados precedentes (arts.32 §3º, 43 da LULL)

3. - Na relação dos co-avalistas entre si não há nexo cambiário e a obrigação é regulada pelo direito comum.

            4. - Se um dos co-avalistas pagar a letra ou livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a letra ou livrança avalizadas.

5. O direito do avalista que paga a letra de câmbio é um direito próprio e autónomo, emergente da letra, e não um direito que lhe tenha sido transmitido ou que haja sucedido, porque não há sub-rogação.

6. O termo “sub-rogado” inscrito no art.32 § 3º da LULL está aí impropriamente empregue, por erro de tradução.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida.

2)

            Julgar procedente a oposição à execução e determinar a extinção da execução quanto aos executados/oponentes.

3)

            Condenar os exequentes/Apelados nas custas.

            Coimbra, 3 de Junho de 2014.


( Jorge Arcanjo - Relator)

( Teles Pereira )

( Manuel Capelo )