Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4055/13.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 446/85 DE 25/10, ART.232 CC
Sumário: 1 - Fundamentando-se as respostas a certos pontos da matéria de facto em vários meios probatórios, vg. testemunhas, e insurgindo-se o recorrente contra elas sem invocar tais meios, com incumprimento de exigências formais: indicação das passagens da gravação dos depoimentos, e, assim, dilucidação dos mesmos, a alteração das respostas tem, desde logo liminarmente, de naufragar.

2 - Em sede de CCG – DL nº 446/85, de 25/10 – a violação do dever de comunicação do predisponente é matéria de facto, com prova, ou não prova – ónus a impender sobre ele –, se pelo aderente for invocada; já a conclusão sobre a violação, ou não, do dever de informação é, essencialmente, matéria de direito, atinente a atividade exegética a incidir sobre o teor das cláusulas pertinentes e perspetivada a lei aplicável.

3 - Inquestionado que seja o dever de comunicação, o dever de informação assume, por via de regra e salvo casos de complexidade técnica ou obscuridade redatorial das cláusulas, cariz residual e parcelar; e, assim, cabendo ao aderente, numa atuação proativa e diligente de defesa dos seus próprios interesses, lê-las, interpretá-las e, depois, pedir as informações e explicações que tenha por necessárias.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…)  instaurou contra A (…) Seguros, S.A. ação declarativa, de condenação, com processo sumário.

Pediu:

A condenação da Ré no pagamento da quantia de 21.993,03 € - sendo14.993,03 € correspondente a danos patrimoniais e  7.000 € por danos não patrimoniais -, acrescida de juros de mora desde a data de citação até integral e efetivo pagamento e, bem assim, de 5% desde a data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, nos termos do n.º 4 do artigo 829º-A do Código de Processo Civil.

 Alegou:

Celebrou com a Ré um contrato de seguro denominado “M.R. Hab. - Multi Protecção Lar”, tendo por objeto seguro a sua habitação, que identifica.

As tempestades que assolaram a região nos dias 20 e 21 de Dezembro de 2010, provocaram o destelhamento daquela habitação e consequente infiltração de águas pluviais no seu interior, danificando os tetos e portas da cozinha e da sala de jantar, móveis de cozinha e eletrodomésticos, dois televisores e instalações de eletricidade e gaz.

Logo no dia seguinte, participou à Ré a ocorrência do sinistro sucedendo que aquela, só em 3.Fevereiro.2011 e após várias insistências suas, veio declinar a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos verificados em consequência do sinistro participado, argumentando que o mesmo não tinha enquadramento em qualquer das coberturas definidas no contrato de seguro, e atribuindo a causa dos danos reclamados a “infiltrações continuadas de águas pluviais em virtude da deficiente impermeabilização e falta de manutenção do telhado”, situação expressamente excluída do âmbito das coberturas da apólice.

Aquando da celebração do contrato de seguro não foi informado pela Ré da existência de tais exclusões de responsabilidade, nem esclarecido quanto ao  exato âmbito dos riscos efetivamente cobertos, pois que, nesse caso, não teria celebrado o contrato nesses termos, pelo que as mesmas devem ser excluídas do contrato nos termos previstos na alínea a) do artigo 8º do Decreto-Lei 446/85, de 25.Outubro.

Contestou a ré.

Disse, no que para o caso interessa:

O sinistro, consistente na queda do telhado, foi causado por “excesso de precipitação associado a um mau estado de conservação do telhado” - com a consequente exclusão do enquadramento desse dano das coberturas de “tempestades/inundações” - e, ainda, que os danos no interior da habitação do Autor foram provocados pela água que entrou através do telhado tombado e por infiltrações já antigas - por isso estando também esses danos excluídos do âmbito de cobertura do seguro contratado.

Em todo o caso, os danos patrimoniais reclamados estão sobreavaliados, importando deduzir ao correspondente valor a franquia contratual a cargo do segurado de 10%, perfazendo a importância de 1.499,30 € e, ainda, que os não patrimoniais não se encontram garantidos pela cobertura de riscos do contrato seguro, com a consequente exclusão da sua responsabilidade.

Pede:

A improcedência da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«… julgar improcedente a acção …e, em consequência, absolver a Ré do pedido.».

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra a legou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  608º nº2 ex vi do artº 663º nº2, 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª- Procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de  9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Efetivamente:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui, adrede, o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Perante o estatuído neste preceito tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p.nº 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de  de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando  Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333.

5.1.3.

O caso sub judice.

5.1.3.1.

Liminarmente.

Tanto quanto vislumbramos, pretende o recorrente que se dê como provado que a recorrida  não lhe  comunicou o contrato de seguro nem lhe explicou o seu teor, rectius os da clausulas de exclusão que alicerçaram a negação da indemnização.

Mas este conspeto da sua questão recursiva não pode, ab initio, proceder.

Os deveres de comunicação e de informação são autónomos e não se confundem.

Aquele cumpre-se em o predisponente dar conhecimento ao aderente de todas as cláusulas das condições gerais e particulares, o que, normalmente se concretiza pela entrega a este dos papeis onde elas constam, de modo a que as possa ler e delas tomar efetivo conhecimento – artº 5º do  DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

Obviamente que existe, à partida, uma presunção natural, decorrente das regras da experiencia comum – pois que, normalmente, ninguém contrata sobre o que não sabe ou não conhece -  de que tal comunicação se verifica.

Se ela inexiste, deve o aderente invocar a sua falta, competindo então ao predisponente prová-la – artº 5º nº3.

Já este último dever de informação é mais restrito e específico, consubstanciando-se em o predisponente dever prestar ao aderente informação adicional e esclarecimento sobre o teor, não de todas, mas apenas algumas clausulas, rectius sobre, como diz a lei: «aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique». - artº 6º.

Justificação ou necessidade esta que pode emergir, vg., da sua dimensão ou complexidade.

Se inexiste comunicação, tem de concluir-se, pelo menos por via de regra, que inexiste informação/esclarecimento, quando exigível, pois que aquela se assume como pressuposto necessário ou conditio sine qua non desta/e.

Se existe, então tem de concluir-se, numa interpretação das cláusulas atinentes, se o seu teor e os contornos do contrato, obrigavam o predisponente a informar/esclarecer o aderente.

Na verdade, aqui já não estamos no domínio da prova, ou não prova, mas antes, e pelo menos, por via de regra e determinantemente no âmbito de uma atividade exegética do julgador a incidir sobre tal teor ou contornos e na perspetivação da lei aplicável e da jurisprudência existente.

Ora no caso vertente, e vista a pi do autor, nela não se alcança ter ele invocado a violação, por banda da ré, do seu dever  de comunicação das clausulas.

Na verdade ele  -  nos artºs 20º e 21º -  apenas invoca a violação do dever de informação do teor das clausulas que, no entender da seguradora, excluem o seu direito indemnizatório, esclarecendo que se  tal informação lhe fosse prestada não teria aceitado o contrato naqueles termos.

O que, pelo que se expendeu,  não é o bastante para se concluir que ele alegou a violação do dever de comunicação.

A assim ser, não pode agora, apenas em sede recursiva, vir o autor  invocar a falta de prova, por banda da ré, da comunicação de todas as clausulas – gerais e especiais – do contrato, pois que tal matéria é nova.

E, inclusive, assumindo-se tal postura como em venire contra factum proprium  por reporte à plasmada na pi, e, ainda, com a sua declaração final constante na  Proposta de Seguro, seguidamente por si assinada, pelo Autor, a saber: «(…) Declaro que tomei conhecimento e aceito integralmente as Condições Gerais, Especiais e Particulares que serão aplicáveis ao contrato, caso a Seguradora aceite a presente proposta».

Em causa está, pois, apenas a questão da exigência de cumprimento do dever de informação por banda da ré, a qual, pelo que se viu, é  mais matéria de direito, a dilucidar na questão seguinte.

5.1.3.2.

(…)

 

5.1.4.

Decorrentemente, e no deferimento parcial desta questão, os factos a considerar são os  seguintes:

1. Em 1.Setembro.2008 o Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro de “MultiRiscos/Habitação”, na opção “Premier” (Edificio+Conteúdo), com plano de Coberturas “M.R.Hab – Multi Protecção Lar”, pela apólice n.º (...) , tendo por objecto seguro o edifício, correspondente à habitação permanente do primeiro, sito na Rua (...) , Taveiro, e o respectivo conteúdo, constando da Proposta de Seguro a seguinte “declaração do tomador do seguro”, seguida da assinatura do Autor:

“Declaro ter respondido com verdade e exactidão aos quesitos desta proposta. Fui informado de que falsas declarações, omissão, inexactidão ou reticências de factos que possam influir sobre a existência ou condições deste contrato, tornam o seguro nulo. (…) Declaro que tomei conhecimento e aceito integralmente as Condições Gerais, Especiais e Particulares que serão aplicáveis ao contrato, caso a Seguradora aceite a presente proposta”

2. Esse contrato garantia os riscos “tempestades”, “inundações “ e “danos por água”, estabelecendo o ponto 5.2. das “Condições Gerais” atinentes ao âmbito do contrato “Multi Protecção Lar-Premier” que “o contrato não garante os danos em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50% e em quaisquer objectos que se encontrem no interior dos mesmos edifícios ou construções e, ainda, quando os edifícios se encontre em estado de reconhecida degradação no momento da ocorrência”;

3. E prevendo o ponto 5.3. dessas mesmas Condições que “o contrato não garante os trabalhos de reparação, beneficiação ou reconstrução do edifício onde se encontrem os bens seguros, salvo quando a respectiva cobertura for expressamente contratada”;

4. Dispondo a alínea a) do ponto 2. das “Condições Especiais” do mesmo contrato que o mesmo garante os “danos causados aos bens seguros em consequência directa de tufões, ciclones, tornados e acção directa de ventos fortes ou choques de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos (sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção, objectos ou árvores num raio de 5 km envolventes dos bens seguros). Em caso de dúvida poderá o segurado fazer prova mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingirem intensidade superior a 100km/hora”;

5. No dia 20.Dezembro.2010, na zona de Taveiro, a velocidade média do vento (em Km/hora) foi de 16,1 e a quantidade de precipitação (em milímetros) foi de 20,3;

6. E no dia 21.Dezembro. 2010 e na mesma zona, esses foram de 12,8 e de 18,2, respectivamente;

7. No dia 21.Dezembro.2010 o telhado do edifício identificado no ponto 1. desabou;

8. Em consequência desse desabamento as águas pluviais entraram através do telhado e infiltraram-se no rés-do-chão do edifício mencionado no ponto 1., afectando as divisões correspondentes à cozinha e a sala de jantar;

9. No dia 22.Dezembro.2010 o Autor participou à Ré o sinistro ocorrido no dia anterior;

10, A Ré, na sequência dessa participação, no dia 23.Dezembro.2010 deu início ao processo de sinistro cometendo à sociedade “L (…), S.A.” a averiguação das causas do sinistro e a avaliação dos danos sofridos pelo Autor;

11. A vistoria teve lugar no dia 27.Dezembro.2010, tendo aquela sociedade elaborado relatório de peritagem que entregou à Ré em 2.Fevereiro.2011;

12. Na ocasião dessa vistoria o Autor já tinha procedido a obras de substituição do telhado;

13. A Ré, na sequência da recepção daquele relatório de peritagem e através de carta datada de 3.Fevereiro.2011 endereçada ao Autor e por este recebida, declinou a “responsabilidade no ressarcimento dos prejuízos verificados” argumentando que “a causa da origem dos danos reclamados na habitação - substituição integral da cobertura da moradia – deveu-se a factores relacionados com a sua construção e/ou ausência de manutenção e não da manifestação de qualquer risco garantido pela apólice em análise, nomeadamente o de tempestades”;

14. Posição que, na sequência de reclamação do Autor, reiterou através da carta datada de 30.Junho.2011 sustentando que o sinistro fora provocado por “infiltrações continuadas de águas pluviais em virtude da deficiente impermeabilização e falta de manutenção do telhado, situação expressamente excluída do âmbito de cobertura das apólices”;

15. O edifício identificado no ponto 1. é de construção anterior a 1988;

16. O telhado desse edifício tinha uma estrutura e ripado em madeira com cobertura em telha cerâmica;

17. O desabamento desse telhado foi provocado pelo seu mau estado de conservação associado à acção da precipitação;

18. Após o sinistro o Autor procedeu à substituição integral desse telhado por uma cobertura nova com estrutura em vigas pré-esforçadas em cimento e cobertura com telha cerâmica;

19. Tendo, na mesma ocasião, procedido à cobertura do pátio de entrada, que não existia anteriormente, e ao levantamento das paredes laterais do edifício mencionado no ponto 1. Na zona correspondente ao telhado que desabou;

20. A infiltração das águas pluviais danificou os tectos e paredes da cozinha e sala de jantar;

21. Assim como os móveis da cozinha, o aro e a porta dessa divisão;

22. O frigorifico existente na cozinha e dois televisores,

23. E, ainda, a instalação eléctrica;

24. A pintura da cozinha e da sala de jantar foi orçamentada em 1.750 €, acrescido de I.V.A.;

25. A reparação dos televisores danificados foi estimada em 325 €, a que acresce IVA., ascendendo a reparação do aparelho Sony a 110 € e a do Nordmend a 215 €;

26. O custo de substituição deste último televisor por um aparelho equivalente ascende a 149 €

27. A reparação do frigorífico ascende a 265 €, a que acresce IVA;

28. A reparação da instalação eléctrica ascende a 565 €;

29. A substituição dos móveis da cozinha e a reparação do aro e da porta dessa divisão ascendem a 3.180 € (com IVA incluído);

30. O custo de substituição do telhado referida no ponto 18. foi estimado pela Ré em 5.000 €;

31. O custo efetivo de substituição do telhado levada a cabo pelo Autor ascendeu a 6.700 €;

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Ab initio, cumpre apurar se, perante os factos apurados, a responsabilidade da ré emerge, ou não.

E a resposta é negativa.

Os riscos que constam do contrato e que poderiam, à partida, fundamentar tal responsabilidade, seriam os de tempestade e de inundações ou danos por água – pontos 4.2. e 4.3 das cláusulas gerais.

Porém, há uma cláusula geral de exclusão de todos os riscos, a saber:

 «o contrato não garante os danos em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50%...» -5.2. das Condições Gerais.

Em tese coloca-se a problemática de saber  como é que o estado do local seguro é apurado; se deve a seguradora averiguá-lo previamente; se é o segurado que deve informar do mesmo.

No caso vertente a resposta está dada pelos pontos 6 e 7 condições gerais, onde se estipula:

6.

«O contrato tem por base as declarações (do segurado) constantes da proposta, na qual devem mencionar-se, com inteira veracidade,  todos os factos ou circunstancias que permitam a exata apreciação do risco e possam influir na aceitação do contrato…»

7.

«Sem necessidade de aviso prévio, a seguradora pode mandar inspecionar…as coisas seguras…»

   Temos assim que, perante o contrato, em princípio, são as declarações do segurado sobre o estado do objeto segurando que relevam para que a seguradora decida contratar.

Sendo a atividade investigatória desta uma mera faculdade que poderá, ou não, exercer.

No caso vertente não se provou que assim não fosse, pelo que tem de dar-se este iter negocial como seguido e aplicado.

Ora  não se provou que das  declarações do autor  constasse alguma referencia quanto à matéria estrutural do telhado  e ao seu mau estado.

E o certo é que se provou que  a estrutura em que ele se apoiava era de madeira e estava em mau estado de conservação – pontos 16 e 17.

Tanto basta para que, liminarmente e se mais não houver, a responsabilidade da ré seja afastada.

Há que convir que esta situação é cómoda para a seguradora e dá-lhe margem para, consabida que é alguma displicência ou incúria do segurado na correta e exata descrição das caraterísticas do objeto do seguro – ficando, obviamente, de fora, os casos de má fé em que tal exclusão é legal e justa -  poder vir a invocar esta clausula de exclusão.

Mas esta comodidade não é, só por si, e na economia de todo o clausulado, bastante, para, vg. com apelo ao abuso de direito, poder-se negar a exlusão.

Para tal deve o próprio segurado alegar e provar outros factos que suficientemente consubstanciem tal direito.

5.2.2.

Tal «mais» a eventualmente haver, prende-se com as invocadas violações dos deveres de comunicação e informação.

Perscrutemos.

5.2.2.1.

Estamos perante um contrato de seguro, o qual, porque contém cláusulas padronizadas pré-definidas pela seguradora, está sujeito ao regime das Clausulas Contratuais Gerais previsto no DL 446/85 de 25.10.

As cláusulas contratuais gerais consubstanciam-se como estipulações predispostas ou predefinidas, em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada capaz de influir na modelação do respetivo conteúdo ou possibilidade de alterações singulares.

Pré-formulação, generalidade e imodificabilidade são, pois, as suas características essenciais.

O que está em consonância com os propósitos de racionalização, certificação e uniformização que marcam a essência do fenómeno económico hodierno, no quadro da lógica, tipicamente empresarial, que recorre a este particular modo de contratação – cfr. Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas", 2ª Ed. ps. 212 e 213 e Ac. do STJ de 19-01-2006, dgsi.pt, p. 05B4052.

Em tal âmbito, o proponente, normalmente uma empresa dotada de um forte complexo organizacional, apresenta-se numa posição de maior preponderância e capacidade de influência e persuasão, por contraposição ao aderente, por via de regra uma pessoa singular mais necessitada e fragilizada.

E, assim, apenas formalmente se encontrando em posição de igualdade com a parte predisponente.

Inexistindo, muitas vezes, por parte do aderente, um verdadeiro conhecimento e negociação quanto às cláusulas predispostas, vg. devido à sua minúcia e complexidade, pelo que a sua  liberdade  se cinge ao dilema da aceitação ou rejeição.

Nesta conformidade, o regime jurídico estabelecido no DL. 446/85, de 25.10 vislumbra-se essencialmente – posto que, não lhe sendo alheios motivos de ordem pública, sopesada a finalidade do contrato e o tipo de contratação padronizada  - como um regime de proteção do aderente consumidor – ACs. do STJ de 28.04.2009, p. 2/09.1YFLSB e de 23.01.2014, p. 1117/10.9TVLSB.P1.S1, in dgsi. pt.

5.2.2.2.

Ao estabelecer a disciplina global das CCG, o legislador previu, no tocante aos contratos que nelas se baseiem, dois grupos de situações patológicas, a saber:

- por um lado a celebração de contratos singulares com a inobservância de certas regras pré-negociais, quanto aos deveres de comunicação e informação, aplicáveis qualquer que seja o seu conteúdo – vg. artº5º e 6º.

- por outro lado, a celebração dos mesmos contratos com um conteúdo que a lei vede – artºs 15º e sgs.

No primeiro caso as CCG atingidas não se incluem nos contratos singulares – artº 8º.

No segundo estas cláusulas são nulas com invocação do vício nos termos gerais - artº 23º - cfr. M J Almeida Costa e A Meneses Cordeiro in Clausulas Contratuais Gerais, 1990, p.27.

Neste sentido e no que para o caso interessa, estatuem os artºs 5º e 6º do mencionado diploma, nos seguintes termos:

Artº 5º (comunicação):

«1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.».

Artº 6º (Dever de informação):

«1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.»

Sendo que, nos termos do artº 8º (Clausulas Excluídas dos Contratos Singulares):

 Consideram-se excluídas dos contratos singulares:

a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º;

b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.

Temos assim que, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele, é necessária a respetiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial. Sem o que não pode falar-se de uma livre, consciente e correta formação de vontade, nomeadamente isenta dos vícios a que se alude nos arts. 246º, 247º e 251º C. Civil.

Na verdade, como também o art. 232º C. Civil previne, não pode falar-se em conclusão de um contrato se não estiver assegurada coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos relevantes do negócio, o que nos contratos de adesão supõe que se garanta ao aderente um cabal e efetivo conhecimento do clausulado que integra o projeto ou proposta negocial.

5.2.2.3.

Destarte, a generalidade da doutrina e da jurisprudência entendem que o dever de comunicação não se cumpre pela mera comunicação para que as condições gerais se consideram incluídas no contrato singular.

Sendo, outrossim, necessário para que esta inclusão se verifique e aquele dever se concretize, que, antes da conclusão do contrato, a comunicação se efetive e seja de molde a proporcionar à contraparte a possibilidade e um conhecimento completo e real do conteúdo do clausulado.

Tal comunicação não pode, pois, ser meramente parcelar ou sumária e exarada no exato momento da assinatura do contrato.

Devendo antes abranger a totalidade do clausulado, com a antecedência necessária a uma cabal apreensão, interiorização e possibilidade de reponderação - normalmente na fase de negociação, ou pré-contratual - e efetivada de modo adequado, tendo-se em conta, designadamente, a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das suas cláusulas – cfr. entre outros, o Ac. da Relação do Porto de 24-04-2008, dgsi.pt, p.  0832041; os Acs. do STJ de 19-01-2006  p. 05B4052, de 18-04-2006  p.  06A818, de 24-05-2007  p. 07A1337 e de 23-10-2008 p. 08B2977.

Quanto ao dever de informação ele reporta-se, como resulta da lei, não à globalidade das condições mas apenas a «aspetos» das cláusulas que, segundo as circunstâncias, justifiquem aclaração.

  Certo é que também aqui existe o dever do predisponente em informar o aderente.

  Mas, maxime nos casos em que ele cumpre adequadamente o seu dever de comunicação, este dever de informação, de certa forma e em certa medida, encontra-se mitigado.

  Por outro lado é de perspetivar que este dever não se impõe sempre e inexoravelmente ao proponente, mas apenas se as circunstâncias o justificarem.

  Estamos a pensar, vg., nos casos em que as clausulas assumem uma complexidade tal que dificulte a apreensão do seu conteúdo, significado e consequências e/ou nos casos em que o aderente revele uma perspicácia e uma capacidade de entendimento e discernimento abaixo da média.

5.2.2.4.

Todavia, para aferir sobre a violação, ou não, deste dever de informação, a postura, conduta e atuação do aderente também devem ser consideradas e avaliadas.

Na verdade o seu comportamento não pode ser negligente ou descuidado, antes se lhe exigindo, ou cometendo o ónus – visto que a sua negligência normalmente apenas a si afetará – de atuar, pelo menos, com o normal cuidado e diligência do cidadão médio.

Temos assim que a análise mais razoável em vista dos interesses, direitos e deveres dos outorgantes nos contratos de adesão em que as clausulas preestabelecidas relevam essencialmente, é a seguinte:

Ao predisponente cumpre sejam proporcionadas e asseguradas as condições que permitam ao aderente aceder a um real conhecimento do conteúdo do contrato, a fim de, se este assim o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões.

Mas já não lhe é exigido que o aderente venha a ter, na prática, tal conhecimento, pois bem pode suceder que a conduta deste não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto.

Por conseguinte, aquilo a que o proponente está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de ela tomar conhecimento das condições do contrato pré-estabelecidas.

É que o dever de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das suas próprias obrigações e do seu dever de cuidado e de prudência.

Este dever de diligência do aderente emerge mais acentuadamente no que concerne ao dever de informação do artº 6º pois que este pressupõe uma iniciativa sua no sentido de pedir os esclarecimentos que tiver por convenientes, sendo que deles pode prescindir por se ter como suficientemente esclarecido ou por qualquer outra razão - cfr. Almeno de Sá, ob. cit. p.190; Acs. do STJ de 2/11/04, CJ/STJ XII-III-104; de 28/6/05, p. 05B4052; de 19-01-2006 p. 05B4052; de 17-10-2006  p.06A2604, de 13-05-2008, p. 08A1287, de 20.01.2010, p. 2963/07.6TVLSB.L1.S1 e de 20.03.2012, p. 1557/05.5TBPTL.L1, todos in  dgsi.pt.

5.2.2.5.

Já supra se viu que a questão da violação do dever de comunicação não pode ser colocada.

Na verdade, e como alega o autor e resulta da lei, o ónus da prova de tal dever recai sobre o predisponente, nos termos do artº 5º nº3.

Mas tal prova e tal ónus, apenas se impõe e advém, se a questão da não comunicação for alegada pelo aderente.

Não o tendo sido, como no caso não foi, a questão da comunicação, ou não comunicação, é irrelevante ou inócuo.

 Pois que não é facto alegado atempadamente, no cumprimento dos princípios do dispositivo, da substanciação e da autorresponsabilidade das parte, relativamente ao qual tenha sido dado à ré a possibilidade de provar o cumprimento de tal dever.

 Pelo que, constituindo ele um facto novo, não pode tal dever e ónus serem chamados à colação para onerar a posição da seguradora.

5.2.2.6.

Resta-nos, pois, a invocada violação do dever de informação.

A Srª Juíza concluiu pela sua inverificação nos seguintes termos:

«… “in casu” não se verifica que tenha ocorrido omissão desse dever considerando que, pela clareza da sua redação, as cláusulas contratuais que definem o âmbito de cobertura do contrato de seguro, transcritas nos pontos 2., 3. e 4., proporcionavam ao Autor segurado, usando de comum diligência, a possibilidade de apreensão do seu conteúdo e, assim, o conhecimento efectivo do alcance dessas cláusulas. Não se verifica, pois, em relação àquelas cláusulas contratuais a exigência de aclaração a que reportam os artigos 6.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, alínea b), do diploma em referência (…)».

Vejamos.

A clareza da redação da cláusula é um, mas não o único, e quiçá, mais importante, elemento a considerar para se concluir pelo a violação, ou não, do direito à informação.

Um dos  elementos essenciais, é, desde logo, o cariz algo residual e meramente parcelar, deste dever.

Na verdade, comunicadas – entregues – ao aderente as clausulas, cumpre a este, ex vi do seu dever de diligência e de defesa dos seus próprios interesses, lê-las e interpretá-las.

 E, cumprindo-lhe, ainda, por via de regra  - e salvo casos de complexidade técnica, obscuridade redatorial, confusão sistemática das cláusulas, ou incapacidade do segurado -  ele próprio, solicitar, em caso de dúvida ou desconhecimento, as explicações que tenha por necessárias.

Se assim não fosse, e máxime nos casos em que as clausulas, não obstante serem claras e percetíveis, são extensas, então a posição do predisponente estaria demasiadamente onerada, pois que de entre a plêiade de cláusulas, estaria, à partida, obrigada a esclarecer e informar o aderente de muitas delas, sem saber, se o aderente tinha ou não, necessidade de tal esclarecimento.

Ou, por outras palavras e noutra nuance, dando a este sempre a possibilidade de invocar o desconhecimento ou a não boa interpretação de um cláusula, sempre que ela não lhe conviesse ou a posição do predisponente na ação fosse nela alicerçada.

No caso vertente este entendimento tem força acrescida pois que o contrato foi celebrado apenas com base nas declarações do autor quanto ao estado da casa, sendo de presumir, perante uma não especial referência ao mesmo, que o estado do telhado era normal; e não degradado, como se provou.

O recorrente não pode, por um lado, querer beneficiar das vantagens do contrato decorrente desse presumido estado normal vg. com pagamento de um prémio menos oneroso; e, por outra banda, querer que irreleve a cláusula de exclusão, a qual  seria desde logo aplicável se ele tivesse informado do mau estado do telhado, que, por seu turno, certamente, iria agravar o prémio, ou, até, implicar que a ré se recusasse a celebrar o contrato.

Ademais provou-se que no contrato consta a seguinte declaração do tomador do seguro, seguida da assinatura do Autor:

«Declaro ter respondido com verdade e exactidão aos quesitos desta proposta. Fui informado de que falsas declarações, omissão, inexactidão ou reticências de factos que possam influir sobre a existência ou condições deste contrato, tornam o seguro nulo. (…)

Declaro que tomei conhecimento e aceito integralmente as Condições Gerais, Especiais e Particulares que serão aplicáveis ao contrato, caso a Seguradora aceite a presente proposta».

Ora a aposição da sua assinatura, logo por debaixo de tal frase, faz presumir o conhecimento da mesma e a assunção e aceitação do seu teor.

Pelo que incumbia ao recorrido a sua ilisão.

Mas dos factos apurados não resulta que o recorrido tenha operado tal ilisão, pelo que tem de concluir-se que ele teve efetivo conhecimento das clausulas gerais, ou, o que vai dar ao mesmo, que lhe era exigível tal conhecimento.

Na verdade, e aqui releva o argumento nuclear vertido na decisão neste particular conspeto, nada se provou, vg. quanto à sua compexidade, técnica, obscuridade redatorial,  ou outra, que impedisse o autor a tomar tal conhecimento, se tivesse agido com a diligencia devida, requerendo, se necessário, as informações e explicações que tivesse por pertinentes.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando.

I - Fundamentando-se as respostas a certos pontos da matéria de facto em vários meios probatórios, vg. testemunhas,  e  insurgindo-se o recorrente contra elas sem invocar tais meios, com incumprimento de exigências formais: indicação das passagens da gravação dos depoimentos, e, assim, dilucidação dos mesmos, a alteração das respostas tem, desde logo liminarmente, de naufragar.

II - Em sede de CCG - DL446/85, de 25/10 – a violação do dever de comunicação do predisponente é matéria de facto, com prova, ou não prova – ónus a impender sobre ele –, se pelo aderente for invocada; já a conclusão sobre a violação, ou não, do dever de informação é, essencialmente, matéria de direito, atinente a atividade exegética a incidir sobre o teor das clausulas pertinentes e  perspetivada a lei aplicável.

III - Inquestionado que seja o dever de comunicação,  o dever de informação  assume, por via de regra e salvo casos de complexidade técnica ou  obscuridade redatorial das clausulas, cariz residual e parcelar; e, assim, cabendo ao aderente, numa atuação proativa e diligente de defesa dos seus próprios interesses, lê-las, interpretá-las e, depois, pedir as informações e explicações que tenha por necessárias.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício que, neste particular, lhe foi concedido.

Coimbra, 2016.01.26.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos