Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
126/14.3GATBU-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA DE MULTA
NÃO CUMPRIMENTO
SUBSTITUIÇÃO DE PENA SUBSTITUTIVA NÃO CUMPRIDA
Data do Acordão: 09/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 43.º, N.º 2, DO CP
Sumário: I - A multa resultante da substituição da pena de prisão não é passível de ser substituída por trabalho, nos termos do disposto no art. 48.º do CP.

II - O art. 43.º, n.º 2, do CP, regula expressamente a matéria: “Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”.

Decisão Texto Integral:

           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra



O Ministério Público, não se conformando com o despacho proferido pela Mma Juiz que deferiu o requerimento do arguido A..., constante de fls 46 e 61 e determinou que a multa decorrente da substituição da pena de prisão fosse substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
A. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo artigo 143.º e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal (com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal) na pena de seis meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 5,50;
B. A pena substitutiva de multa não se confunde com a pena de multa principal consagrada nos artigos 47.º a 49.º do Código Penal - sendo que a pena de multa aplicada já é uma pena de substituição, não podendo, por isso, ser substituída por outra pena de substituição;
C. É na sentença/acórdão que o Tribunal se deve pronunciar sobre a aplicação das penas de substituição e não em momento posterior (pois são penas aplicadas em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas);
D. Não se trata de uma interpretação rígida mas sim de uma interpretação correta atenta desde logo a construção do sistema e que traduz corretamente os pensamentos/posição do legislador na altura da construção do Código;
E. Por essa razão os regimes da pena de multa principal e da pena de multa substitutiva não são idênticos, sendo que o artigo 43.º comporta apenas uma remissão seletiva (e não global);
F. Ao deferir o requerimento do arguido e deste modo substituir a pena de multa de substituição por trabalho a favor da comunidade, o Tribunal a quo violou, os artigos 40.º, 43º, nºs. 1 e 2, 47º, 48.º, nºs. 1 e 2 e 49.º do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito deve a Decisão em crise ser revogada e substituída por outra que indefira o requerimento do arguido/condenado de substituição da pena de substituição por trabalho a favor da comunidade, julgando o recurso ora interposto procedente e alterando-se nesse sentido a Decisão proferida pelo Tribunal a quo.


Respondeu o arguido, B... , pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:
1.Por sentença cujo dispositivo consta a fls. 243-244, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada (p. p. pelos arts. 143.1 e 145.1/1, ai. a) e 2, ambos do CP) na pena de SEIS MESES de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa diária de € 5,50.
Requereu o arguido a substituição da pena de multa que lhe foi aplicada pela prestação de trabalho em favor da comunidade (fis. 262-263) e, na sequência, foi elaborado Relatório dos Serviços da Direcção Regional da Segurança Social, junto a fls. 276-277.
Na promoção que antecede, pronunciou-se a D. Magistrada do MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido de se opor à substituição, atendendo à natureza substitutiva da multa aplicada, que entende não comportar substituição secundária por trabalho em favor da comunidade.

2. Nos termos do art. 48.º/1 do CP, pode a pena de multa que seja aplicada ao arguido ser substituída por trabalho a favor da comunidade conquanto tanto seja requerido pelo condenado e desde que esta se mostre apta a satisfazer, pela sua execução, os fins específicos a que aquela se dirigiu (cfr. art. 48.º/1, última parte, do CP).
Radicando estes, no que possuem de essencial, na reposição contrafáctica das expectativas comunitárias na vigência e integridade da norma violada subjacente à prática delitual e, outrossim, na ressocialização do respectivo agente, compelindo-o a reconformar o seu perfil social e comportamental no sentido da compaginação com os comandos ético-normativos promanados pela Ordem Jurídica, a substituição por trabalho a favor da comunidade constitui uma medida de diversão ancorada na premissa que nem sempre as arquitecturas de direito penal tradicionais permitem, na abordagem ao caso concreto, obter um grau optimizado de satisfação dos interesses perseguidos pelo Direito Criminal.
Pressupõe-se, pois e neste mesmo contexto, que o condenado não possui um estatuto económico-financeiro que permita uma execução da pena de multa (materializada na ablação patrimonial) harmonizada com a dimensão punitiva pretendida alcançar com a sua aplicação e com uma plena realização dos interesses ínsitos à punição (art. 48.1I1, última parte, do CP).
Relativamente à especialidade que aponta o Ministério Público, de que a pena de prestação de trabalho em favor da comunidade, in casu, será convocado a substituir uma multa de substituição, louvamo-nos no que dissemos a fls. 266-270, que aqui temos por inteiramente reproduzido, tendo por sustentada a admissibilidade legal e genérica da substituição secundária da multa (de substituição) em pena de trabalho em favor da comunidade, sem prejuízo da aferição da verificação dos seus requisitos específicos.
3. Ora, no caso dos Autos, não resultando dos autos que o arguido possua um estatuto económico-financeiro incompatível com a medida de substituição proposta, considerando até a sua situação de desemprego, a sua pobre instrução académica, o cariz esporádico dos rendimentos que aufere, a debilidade da sua situação física e encargos que representa (cfr. Factos Provados 10.)), sendo que do Relatório junto a fls. 276-277transcorre que se encontra motivado para desenvolver actividade em favor da comunidade, estão reunidas as condições para que a pena possa ser substituída por trabalho comunitário - assim se logrando os efeitos visados pela reacção criminal de forma maximalista, em consonância com o que acima se disse - a executar pelo mesmo número de horas por que foi determinada a pena de multa em dias (cfr. art. 58.013, ex vi art. 48.0/2, ambos do CP).
Nestes termos e com estes fundamentos, DEFIRO o requerido e SUBSTITUO a pena de multa aplicada ao arguido A... pela prestação de 180 horas de trabalho a favor da comunidade, a realizar nos termos constantes do Plano a fls. 276-277, que HOMOLOGO.
*
Notifique e comunique aos Serviços da Direcção Geral de Reinserção Social, ainda para que informe o tribunal de qualquer ocorrência anómala ou alteração ao regime fixado.
*
Questão a decidir:
- Se a pena de multa substitutiva da pena de prisão é ou não passível de ser substituída por dias de trabalho a favor da comunidade;


Compulsados os autos, constata-se que o arguido A... foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo artº 143º e 145º, nº 1 al a) e nº 2 do Código Penal, (com referência ao artº 132º, nº 2, al a) do CPenal) na pena de seis meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à razão diária de € 5,50, num total de € 990,00.
Dispõe o artº 43 n.º 1do CP:
“A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artº 47º.”
E o n.º 2:
“Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artº 49.º”.
Portanto o artº 43.º no seu n.º 1 impõe como regra a substituição das penas curtas de prisão por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
O n.º 2 estabelece a regra quanto á execução no caso do não pagamento da multa, prevendo-se a possibilidade da suspensão da prisão, ocorrendo as circunstâncias previstas no n.º 3 do artº 49.º do CP.
Como refere Leal Henriques e Simas Santos, in CP Anotado, 10 volume, pg 407, em anotação ao artº 44.º referente à redacção anterior à Lei nº 59/2007 “a pena de multa resultante da aplicação deste artigo, como pena de substituição é diversa da pena de multa (arts 47.º a 49.º), pena principal. E como referem estes autores a essa diversidade se referiu o prof. Figueiredo Dias na RLJ, ano 1250, pg 163, nos seguintes termos “este conjunto de razões faz compreender que a substituição da pena curta de prisão por multa correspondente tenha começado a ser advogada no campo politíco-criminal como uma mera possibilidade. Tenha sido, em seguida, sugerida como regime regra, só não devendo ter lugar a substituição quando a execução da prisão se revelasse indispensável à realização das finalidades da punição. E chegado inclusivamente a ser preconizada como regime obrigatório, dando-se automaticamente a substituição por multa de toda a prisão não superior não superior a um ano…..A pena de multa de substituição não é pena principal. Não o é, de um ponto de vista politico-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teologia que a preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno politico criminal – o da reacção geral contra as penas privativas de liberdade no seu conjunto – a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão e constitui, assim, especifico instrumento  de domínio de pequena criminalidade, de sorte que esta diversidade é já por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição. Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista politico-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal, a pena de multa agora em exame é uma de pena de substituição no mais lídimo sentido. Diferença esta donde resultam (ou onde radicam), como de resto se esperaria, consequências político-jurídicas do maior relevo, máxime em termos de medida e de incumprimento da pena”.
Como é referido no Ac da Rel Évora de 25/08/2004 na CJ 2004, T IV, pg 256, da acta nº 41, de 22/10/1990 o texto do nº 2 do artº 44º do CPenal, resulta do acolhimento da proposta feita pelo Sr. Prof. Figueiredo Dias, que expendeu o entendimento de que “se a pena de substituição não é cumprida, deve aplicar-se a pena de prisão fixada na sentença”. Argumentando que “só conferindo efectividade à ameaça da prisão é que verdadeiramente se está a potenciar a aplicação da pena de substituição”.
Assim, a multa resultante da substituição da pena de prisão, não é passível de ser substituída por trabalho, nos termos do disposto no atº 48º do CP, o que explica o silêncio do legislador sobre qualquer referência à possibilidade da substituição daquela pena por trabalho.


Termos em que se julga procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que indefira o requerido pelo arguido - substituição por trabalho a favor da comunidade.
                                                          
Coimbra, 23 de Setembro de 2015
                                                          
(Alice Santos - relatora)        
(Abílio Ramalho - adjunto)