Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
217/09.2PEAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 147º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Na audiência de discussão e julgamento, quando se trate, não de proceder ao “reconhecimento” do arguido, mas à identificação do mesmo pela testemunha, como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º, do C. Proc. Penal e não a prova por “reconhecimento de pessoas” a que alude o art.º 147º, do mesmo Código.
Decisão Texto Integral: 1. No processo comum colectivo n.º 217/09.2PEAVR do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido PM..., devidamente identificado nos autos, por acórdão datado de 16 de Julho de 2010, foi CONDENADO pelos seguintes crimes:
a) pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos A do rol de factos provados);
b) pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado tentado,  p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2 a), 23º, nº 2, 73º, nº 1 a) e b), 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos B do rol de factos provados);
c) pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos A[1] supra);
Tal Tribunal decidiu condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

            2. Inconformado, o arguido recorreu do Acórdão, tendo finalizado a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
            «1ª- O RECORRENTE FOI CONDENADO PELA PRÁTICA DE 2 (DOIS) CRIMES DE FURTO QUALIFICADO E POR 1 (UM) CRIME DE CRIME DE FURTO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA, TENDO-LHE SIDO APLICADA UMA PENA ÚNICA DE 5 (CINCO) ANOS DE PRISÃO.
2ª- RELATIVAMENTE AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA DEVERIA O RECORRENTE TER SIDO ABSOLVIDO DOS MESMO EM VIRTUDE DA PROVA REALIZADA EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NÃO SER SUFICIENTE PARA SE FORMAR UM JUÍZO DE CERTEZA QUANTO À PRÁTICA DE TAL CRIME.
3ª.- AO NÃO PROCEDER DESSE MODO VIOLOU O TRIBUNAL AD QUO OS PRINCIPIOS DO IN DUBIO PRO REO E DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA.
4ª- O RECORRENTE COOPEROU COM A JUSTIÇA CONFESSANDO A PRÁTICA DOS 2 (DOIS) CRIMES DE FURTO QUALIFICADOS QUE LHE ERAM IMPUTADOS.
5ª- É CONVICÇÃO DO TRIBUNAL AD QUO QUE TAIS CRIMES FORAM ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE DETERMINADOS PELA NECESSIDADE DE REALIZAÇÂO DE VALORES PARA ADQUIRIR AS DROGAS DE QUE ERA O RECORRENTE DEPENDENTE.
6ª- O RECORRENTE ENCONTRA-SE EM TRATAMENTO DA SUA DEPENDÊNCIA DESDE JANEIRO DE 2009, NUNCA MAIS TENDO CONSUMIDO QUALQUER TIPO DE SUBSTÂNCIA ILÍCITA.
7ª- O RECORRENTE ENCONTRA-SE MENIFESTAMENTE ARREPENDIDO DOS SEUS CRIMES AGORA QUE TEM CONDIÇÕES MENTAIS PARA AFERIR DA ILICITUDE DO SEU COMPORTAMENTO AO TEMPO DA PRÁTICA DOS FACTOS.
PELO EXPOSTO, A PENA DE 5 (CINCO) ANOS DE PRISÃO APLICADA REVELA-SE MANIFESTAMENTE EXCESSIVA.
TERMOS EM QUE SE REQUER RESPEITOSAMENTE SEJA DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E CONSEQUENTEMENTE
· SER O RECORRENTE ABSOLVIDO DA PRÁTICA DO CRIME
DE FURTO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA, P. E P. PELOS
ARTIGOS 22°, N°1, N°2, ALÍNEA A); 23°, N° 1 E N° 2; 73°, ALÍNEA A) e
B); 203°, N°1 e 204°, N° 2, ALÍNEA E) DO CÓDIGO PENAL;

· SER REDUZIDA A MEDIDA CONCRETA DA PENA DE PRISÃO APLICADA, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 72° E 73° DO CÓDIGO PENAL.


            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo que:
· deverá improceder o recurso na parte relativa ao erro de julgamento constante das conclusões de recurso, sendo que a prova foi apreciada livremente, mas segundo as regras da experiência comum e os depoimentos das testemunhas AC... e MA..., mostraram-se coesos, objectivos e isentos, e como tal merecedores da credibilidade que o Colectivo lhes deu;
· (…) tendo em conta os factos e sua gravidade, já significativa, bem como a personalidade do arguido PM..., acima enunciada, sendo que todos os ilícitos foram cometidos num lapso temporal bastante reduzido, considera ajustado aplicar-lhe, em cúmulo jurídico, pena única de 5 (cinco) anos de prisão», opinando que «bem andou pois o Tribunal ao aplicar ao recorrente a pena única de 5 anos de prisão».
Conclui pelo pedido de improcedência de recurso.

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 584-586, no sentido de que o recurso não merecer provimento, concordando com a posição do Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            6. Aqui se consigna que:
· o arguido não se encontra preso à ordem destes autos, estando em cumprimento de pena no Pº 1587/08.5TAAVR do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro – cfr. despacho de fls 520.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[2] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber:
             - se há erro de julgamento quanto à factualidade B, devendo antes ser absolvido da prática do crime de furto qualificado, na forma tentada;
- se a pena aplicada é excessiva.
           
            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):

A

1) Entre as 12.00 horas do dia 22 e as 20.00 horas do dia 23 de Janeiro de 2009, o arguido PM... dirigiu-se à residência pertencente a AG..., sita na Rua …, Aveiro, com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
2) Aí chegado, saltou o muro do pátio existente nas traseiras e partiu o vidro, danificando também a persiana, da janela de acesso à copa junto à cozinha e entrou.
3) Já dentro da habitação, retirou e levou consigo, fazendo-os seus:
· um relógio com bracelete em ouro, no valor de 450 €;
· uma pulseira em ouro grossa, no valor de 1500 €;
· um par de brincos em ouro, no valor de 300 €;
· duas alianças em ouro, no valor de 350 €;
· um fio em ouro, no valor de 380 €;
· uma pulseira em ouro, no valor de 700€;
· um broche prateado, com uma pedra;
· dois alfinetes em prata, de lapela para gravata, com o signo Sagitário;
· um broche com três golfinhos prateado;
· um broche prateado com várias pedras;
· um pin prateado, com o brasão do signo Sagitário;
· um pin dourado, em forma de cruz, com a inscrição “Jesus”;
· um relógio de peito, de senhora de marca “Lorus”, com mostrador branco;
· uma pulseira/bracelete dourada;
· uma parte de um fio de fantasia com quatro peças;
· um broche dourado e cinzento;
· uma parte de uma bracelete de relógio de senhora, prateada apenas com dois elos;
· um colar de fantasia, com pedras azuis e bolas pequenas douradas;
· três partes de um fio prateado, todos estes objectos de valor não apurado;
· as chaves de casa e
· as chaves de um veículo (objectos descritos a fls. 16 e 26 do Ap. 206/09.7PBAVR, que vieram a ser recuperados no dia 29 de Janeiro de 2009, na casa do arguido PM...).

B

4) No dia 24 de Janeiro de 2009, entre as 12.30 horas e as 13.30 horas, o arguido PM... dirigiu-se à residência pertencente a LM…, sita na Rua …, Aveiro, com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
5) Na altura a LM… estava em casa a tomar banho e tinha o rádio ligado.
6) Aí chegado, o arguido PM...partiu a telha de fibra que tapa o gradeamento da parte inferior da marquise daquela residência, passou pelo espaço entre as grades e entrou na marquise.
7) Depois, abriu a porta de sacada que dá acesso à sala e dirigiu-se ao hall de entrada, mas apercebendo-se da presença de gente no interior da habitação, bem como de vizinhos no interior do prédio que, entretanto, o tinham descoberto, fugiu, sem nada levar consigo.
8) Naquela habitação existiam objectos e valores susceptíveis de serem retirados pelo arguido PM...de valor superior a 1000,00€.

                                                            C

9) Nesse mesmo dia, logo depois, o arguido PM... dirigiu-se para as instalações da Fundação …, sitas na Avenida …, Aveiro, com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
10) Aí chegado, forçou o portão automático que dá acesso ao jardim.
11) Uma vez no jardim, deslocou-se à parte lateral do edifício, forçou a janela de postigo em madeira que dá acesso à cave e entrou.
12) No interior, o arguido PM...percorreu as diversas divisões, remexeu em diversas gavetas, onde se encontrava a chave de um cofre que abriu e de onde retirou diversos artigos.
13) Assim, dos locais onde se encontrava, no interior da Fundação, retirou:
· Treze réplicas de moedas de colecção, em prata, banhadas a ouro amarelo, com peso total de 221,6 gramas, no valor global de 200,00€;
· Um botão de punho, em ouro amarelo, com o peso de 4,2 gramas, no valor de 70,00€;
· Um par de brincos, em ouro amarelo, com pedra de água marinha, com o peso de 5,8 gramas, no valor de 95,00€;
· Duas alianças, em ouro amarelo, com o peso de 2,95 gramas, com o valor de 95,00€;
· Um par de brincos, em ouro amarelo, com marfim, com o peso de 6,39 gramas, no valor de 20,00€;
· Dois alfinetes de gravata, em ouro branco, com diamante encrostado, com o peso de 2,5 gramas, no valor de 250,00€;
· Um alfinete de gravata, com o símbolo do clube “Galitos”, com o peso de 2,7 gramas, no valor de 50,00€;
· Um alfinete de gravata, em ouro branco, com o peso de 0,80 gramas, no valor de 15,00€;
· Dois botões de punho, em ouro amarelo, com o símbolo de uma âncora, com o peso de 8,20 gramas, no valor de 120,00€;
· Uma pulseira, em ouro amarelo, com medalha e inscrição “Lembrança de meus avozinhos”, com o peso de 2,65 gramas, no valor de 80,00€;
· Uma pulseira, em ouro amarelo de barbela, com o peso de 4,89 gramas, no valor de 80,00€;
· Uma argola pequenina, em ouro amarelo, com o peso de 0,10 gramas;
· Um fio, em ouro amarelo, com um medalhão e fotografia do Pai do fundador da Fundação , com o peso de 15,27 gramas, no valor de 250,00€;
· Uma pedra rubi vermelha, com o peso de 0,68 gramas, no valor de 500,00€;
· Uma pedra rubi vermelha, com o peso de 0,05 gramas, no valor de 30,00€;
· Duas pedras citrinos, de cor amarela, com o peso de 1,10 gramas, no valor de 30,00€;
· Dois topázios, de cor azul, com o peso de 1 grama, no valor de 30,00€;
· Uma safira australiana, azul escura, com o peso de 0,30 gramas, no valor de 30,00€;
· Um topázio, de cor azul, claro, com o peso de 0,55 gramas, no valor de 30,00€;
· Duas safiras australianas, de cor azul, com o peso de 0,20 gramas, no valor de 20,00€;
· Um relógio de pulso de senhora, com bracelete metálica de cor amarela;
· Um alfinete de cor amarela, com brilhantes verdes;
· Um alfinete de gravata em forma de pato de cor amarela;
· Um botão de punho de cor amarela;
· Um alfinete com duas pedras de cor violeta;
· Uma pequena chave de urna de cor amarela;
· Dois peões, um de cor amarela e outro de cor cinzenta;
· Uma pistola de defesa, calibre 6,35mm, marca Mauser;
· Uma licença de uso e porte de arma e
· Um livrete de manifesto de arma.
14) Uma vez na posse dos descritos objectos e valores, o arguido PM...aprestava-se para abandonar o local, estando a forçar o portão automático para sair das instalações da Fundação, quando foi surpreendido por agentes da PSP, que procederam à sua detenção.
15) Tais objectos e valores foram todos encontrados na posse do arguido PM...e devolvidos à Fundação, à excepção da pistola de defesa, calibre 6,35mm, marca Mauser, da licença de uso e porte de arma e do livrete de manifesto de arma, que ficaram apreendidos na PSP.
16) Foram-lhe ainda apreendidas umas luvas, que usou para ocultar as impressões digitais, e um telemóvel.

D

17) Ao actuar da forma descrita, o arguido PM...agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, concretizado, de fazer seus os aludidos objectos e valores, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que, quer ao entrar naquelas habitações e na Fundação quer ao retirá-los, agia contra a vontade e sem autorização dos respectivos donos.
18) Na segunda situação apenas não logrou concretizar os seus intentos por facto alheio à sua vontade, tendo sido descoberto nas suas acções por terceiras pessoas e receando ser detido pela entidade policial.
19) Sabia ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

E

20) O arguido PM... é oriundo de uma família sócio-económica e culturalmente desfavorecida, composta pelos progenitores e nove filhos, sendo que o pai faleceu quando ele tinha 7 anos de idade.
21) O arguido PM...era consumidor de heroína e cocaína, o que fazia desde cerca dos 14 anos de idade, vivendo na altura sózinho num apartamento arrendado.
22) Trabalhou algum tempo como carpineteiro confrador em obras de construção civil, em Espanha, vindo depois a ficar inactivo profissionalmente, praticando actos ilícitos para obter dinheiro para adquirir as drogas.
23) Iniciou tratamento à toxicodependência depois de ficar preso, em Janeiro de 2009, o qual ainda mantém no Estabelecimento Prisional de Custóias.
24) Mantém contactos regulares com a sua mãe, por telefone, e com alguns dos irmãos.
25) Tem um filho de cerca de dois anos, fruto da relação com a sua companheira, iniciada por volta dos 15 anos de idade, efectuando aquela visitas regulares ao arguido PM...no Estabelecimento Prisional..
26) Este evidencia dificuldades de adaptação ao meio prisional e de cumprimento das normas aí instituídas, tendo sido alvo de sanções disciplinares, com vários dias de isolamento.
27) Concluiu o 6º ano de escolaridade.
F

28) O arguido PM... foi condenado nos processos e nas penas seguintes:
· em 12-07-2001, por crime de furto qualificado, em pena de prisão (não se diz no CRC qual), suspensa na sua execução por 2 anos (tendo depois sido revogada tal suspensão);
· em 17-01-2002, por crime de falsidade de testemunho, na pena de 90 dias de multa, à taxa de 03,00€;
· em 01-02-2002, por crimes de furto qualificado, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão (já extinta pelo cumprimento);
· em 03-07-2002, por crimes de furto e roubo, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos (já extinta);
· em 21-04-2008, por crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 45 dias de multa, à taxa de 07,00€ (já extinta);
· em 14-05-2008, por crime de furto qualificado tentado, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano;
· em 29-10-2008, por crime de furto qualificado tentado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e
· em 28-10-2009, por crime de furto qualificado tentado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão».

2.2. Inexistindo factos não provados, para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo»:
«A formação da convicção do Tribunal Colectivo baseou-se na globalidade das provas produzidas, em conjugação e confronto, e nomeadamente nos elementos seguintes:
· quanto aos factos referidos em A supra, foram valoradas as declarações do arguido PM..., que confessou ter cometido esse furto, referindo a forma como entrou na habitação e também alguns dos objectos de que se apropriou, concretamente aqueles em ouro (dizendo que não levou os restantes, designadamente o relógio e a pulseira grossa, no que não se afigurou convincente, em face das demais provas). Foram ainda valorados os depoimentos das testemunhas AG... e MPG... (casal proprietário dessa residência), tendo o primeiro referido a forma como ocorreu a entrada na residência, em função dos danos causados, e ambos os objectos que foram subtraídos, identificando cada um deles aqueles que tinha em sua conta na habitação, confirmando, respectivamente, a relação e auto de reconhecimento juntos aos autos (respectivamente fls. 16 e 26 do Ap. 206/09.7PBAVR) como sendo os bens subtraídos, além de o primeiro referir também as chaves e a forma como chegou àqueles valores, afigurando-se esses depoimentos credíveis quanto aos bens furtados, revelando conhecimento directo desses factos (sendo natural que o arguido não se recorde, em concreto, da totalidades dos bens daí retirados, tanto mais que nessa altura cometia vários furtos, pelos quais tem vindo a ser julgado e está a cumprir penas). Foram ainda consideradas as fotografias relativas à habitação, onde é visível a janela de entrada, e também as relativas aos objectos (fls. 9 a 11, 27 e 28), bem como o auto de apreensão na residência do arguido PM..., onde constam, entre outros, tais objectos, com as respectivas fotos (fls. 236 e 238 a 250);  
· quanto aos factos referidos em B supra, foram valorados os depoimentos da testemunha LM… (proprietária dessa residência), a qual referiu a data (como sendo a da queixa - fls. 3 do Ap. 212/09.1PBAVR) e hora da ocorrência, aquilo que estava na altura a fazer e os barulhos que sentiu, além de mencionar o local por onde a pessoa terá entrado, confirmando as fotos juntas (fls. 88 a 90), e também o valor dos objectos que tinha na casa, susceptíveis de serem levados; da testemunha AC... (vizinha dessa residência), a qual referiu a data e a hora da ocorrência e também aquilo que observou, concretamente um homem, ainda jovem, com um “kispo verde”, a entrar na marquise da residência, bem como os danos ali causados para o efeito, confirmando as fotos relativas ao local (fls. 88 e 89) e também o reconhecimento que fez do “kispo”, cujo auto consta junto ao processo (fls. 29), compatível com aquele que era usado pelo arguido PM...(cfr. fotos de fls. 39 a 42); da testemunha MA... (que disse ter um quiosque na entrado do prédio dessa residência, onde se encontrava), a qual referiu a hora da ocorrência e ter ouvido pancadas pela aquela zona do edifício, vendo, pouco depois, o arguido PM... a sair do prédio, que identificou em audiência sem evidenciar qualquer dúvida (tal como já havia feito nos autos – fls. 31), aludindo ainda ao “blusão verde” que na altura trajava, confirmando também as fotos do local (fls. 88 a 90), e da testemunha FJ... (agente da PSP), que referiu ter sido ao local e aquilo que aí observou, bem como as diligências depois feitas, confirmando as fotos recolhidas e o auto elaborado (fls. 26, 88 e 89). Da conjugação de todos esses elementos probatórios, não restaram dúvidas em como era o arguido PM...que esta no local e entrou naquela residência;
· quanto aos factos referidos em C supra, foram valoradas as declarações do arguido PM..., que confessou tais factos integralmente e sem reservas, de forma livre e espontânea, além de terem sido valorados os depoimentos das testemunhas VF... e MJ… (respectivamente Presidente e Secretária dessa Fundação), que referiram a ocorrência e objectos em causa, depois recuperados (com excepção da arma), em conjugação com os autos de apreensão, avaliação, reconhecimento e entrega respectivos, bem como as fotos de objectos (fls. 4 a 7, 11 a 22, 33 a 87, 229 e 230), além das fotos do edifício e seu interior (fls. 91 a 97);
· quanto aos factos referidos em D supra, foram valoradas as declarações do arguido PM..., que reconheceu a voluntariedade e ilicitude dos actos que assumiu, e a sua postura em audiência, sendo manifesta a sua capacidade e imputabilidade;
· quanto aos factos referidos em E supra, foram consideradas as declarações do arguido PM..., tendo o mesmo referido a sua situação pessoal e familiar, na altura e no presente, além de ter sido valorado, com especial relevo, o relatório social junto (fls. 458 a 461);
· quanto aos factos descritos em F supra, foi considerado o CRC do arguido, junto aos autos (fls. 447 a 454).

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
3.1. Comecemos pela impugnação de facto.
Diverge o recorrente da prova dos factos 4 a 8 (SEGMENTO B do rol de factos provados), entendendo que não foi feita prova cabal da sua intervenção nesse assalto levado a cabo em 24/1/2009.
Antes de mais, urge verificar se estão correctas as conclusões apresentadas.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, o recorrente indica, embora de forma muito imprecisa, mas sempre suficiente, no corpo da motivação as partes dos depoimentos gravados que crê ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que a peça das alegações de recurso não prima pela perfeição processual, entendemos que o recurso satisfaz as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
O recorrente impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões - o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada quanto ao RECURSO.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

3.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada (O NOSSO CASO);
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP.

3.4. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[3].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.5. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.6. Vejamos, então, se houve ou não erro de julgamento nestes autos.
Invoca o recorrente que foi erroneamente dada como provada a factualidade que o liga à prática do furto qualificado, tentado, referente à residência de LM…, em Aveiro (segmento B e só esse).
Invoca os depoimentos das testemunhas AM… e AD… como sendo insuficientes para o condenar por tal crime, assente que a ofendida não chegou a ver o assaltante.
Por tal motivo, entende que deveria ser absolvido, em obediência ao princípio do «in dubio por reo».
Defendeu-se, assim, o tribunal «a quo» neste jaez:
«- quanto aos factos referidos em B supra, foram valorados os depoimentos
· da testemunha LM… (proprietária dessa residência), a qual referiu a data (como sendo a da queixa - fls. 3 do Ap. 212/09.1PBAVR) e hora da ocorrência, aquilo que estava na altura a fazer e os barulhos que sentiu, além de mencionar o local por onde a pessoa terá entrado, confirmando as fotos juntas (fls. 88 a 90), e também o valor dos objectos que tinha na casa, susceptíveis de serem levados;
· da testemunha AC... (vizinha dessa residência), a qual referiu a data e a hora da ocorrência e também aquilo que observou, concretamente um homem, ainda jovem, com um “kispo verde”, a entrar na marquise da residência, bem como os danos ali causados para o efeito, confirmando as fotos relativas ao local (fls. 88 e 89) e também o reconhecimento que fez do “kispo”, cujo auto consta junto ao processo (fls. 29), compatível com aquele que era usado pelo arguido PM...(cfr. fotos de fls. 39 a 42);
· da testemunha MA... (que disse ter um quiosque na entrado do prédio dessa residência, onde se encontrava), a qual referiu a hora da ocorrência e ter ouvido pancadas pela aquela zona do edifício, vendo, pouco depois, o arguido PM... a sair do prédio, que identificou em audiência sem evidenciar qualquer dúvida (tal como já havia feito nos autos – fls. 31), aludindo ainda ao “blusão verde” que na altura trajava, confirmando também as fotos do local (fls. 88 a 90),
· e da testemunha FJ... (agente da PSP), que referiu ter ido ao local e aquilo que aí observou, bem como as diligências depois feitas, confirmando as fotos recolhidas e o auto elaborado (fls. 26, 88 e 89).
· Da conjugação de todos esses elementos probatórios, não restaram dúvidas em como era o arguido PM...que esta no local e entrou naquela residência».
Invoca o recorrente que:
- a LM...não o viu
- a Aurora apenas viu um vulto, não o tendo identificado
- a AD… identificou a sua pessoa como tendo sido o assaltante, tendo-o descrito como uma pessoa mais entroncada do que aquele que ele apresentava aquando da audiência (quando é certo que então pesava mais de 25 quilos relativamente a Janeiro de 2009).
Quer com isto significar que, para o recorrente, não foi feita prova bastante da autoria destes factos pela sua pessoa.
 
3.7. Ouvimos[4] as gravações dos depoimentos em causa, ou seja:
· Depoimentos das testemunhas LM...e AM… e AD… - sessão de 8/6/2010;
· Depoimento da testemunha AD… – sessão de 6/7/2010.
Quanto à queixosa LM..., referiu que ouviu barulho mas não viu ninguém a assaltar (também o tribunal não se baseou no seu depoimento para atribuir a culpa ao arguido mas apenas nos depoimentos das outras duas testemunhas AM… e AD…, falando nesse depoimento da queixosa para apurar toda a restante factualidade, nomeadamente os factos 5 e 8).
Quanto à testemunha AM…, vizinha da LM..., esta referiu que ouviu barulho no exterior da sua casa, tendo visto pela janela um corpo de homem entrar numa marquise da LM... que dá para o interior da casa desta, não tendo identificado a pessoa em causa, que lhe pareceu jovem e ágil e vestindo um kispo verde, peça esta que veio a ver na esquadra (fls 29).
Logo pensou que era um assalto, tendo saído e avisado um outro vizinho que lhe referiu que a LM...estava em casa.
Identificou o local nas fotos que lhe foram mostradas em julgamento.
E referiu que viu tal «kispo» na esquadra.
Finalmente, a testemunha AD… (que, a fls 485-v, surge, por lapso, como «MA...», quando é certo que o seu nome correcto é «AD…») referiu que viu claramente o arguido - e nisso foi peremptória – como tendo sido a pessoa que viu sair naquele dia do prédio da queixosa LM..., de que é vizinha, sendo alguém que não conhecia daquele prédio, avistamento este ocorrido após ouvir estanhos barulhos nessas casas.
Identificou-o claramente em audiência, tal como já havia feito um reconhecimento, a fls 31.
Disse que ele era mais moreno do que estava agora, vestindo um blusão verde tropa.
Nunca referiu que ele era mais entroncado, como insinua o recorrente.
Apenas mais moreno e talvez melhor parecido.
Esta testemunha não tem qualquer interesse na causa. E, desta forma, depôs de forma escorreita, firme e peremptória, sem qualquer hesitação…
Por isso, acreditámos nela…
Tanto mais que, a estar o arguido afinal naquele prédio naquele dia, só se podia concluir que este estava a mentir em julgamento quando negou a autoria deste furto tentado, tendo também sido surpreendido pela memória de duas testemunhas relativamente ao seu «kispo» verde…

3.8. Uma palavra sobre o «reconhecimento» do arguido feito em audiência por esta testemunha.
O reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C.P.P cuja finalidade é apurar o responsável pelo crime, ou seja, identificar a pessoa que foi vista a praticar o facto criminoso, ou que tenha sido vista antes ou depois do facto, em circunstâncias fortemente indiciadoras de ter sido o seu autor.
É óbvio que o resultado probatório positivo, com o reconhecimento do arguido como autor dos factos criminosos em investigação, a traduzir já uma forte suspeição da sua culpabilidade, impõe ao legislador que prudentemente e de forma cuidadosa assegure as necessárias condições de genuinidade e seriedade do acto, impondo a observância de regras através das quais minimize o risco de precipitação ou de falta de rigor.
“Em suma, dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade do acto.” – Ac TC n.º 452/05 de 25 de Agosto de 2005.
Assim, quanto ao procedimento a que deve obedecer o reconhecimento de pessoas, dispõe o art. 147º, do C.P.P:
N.º 1 – Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
Nº 2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
 Nº 3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
 Nº 4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
N.º 4 do artigo 147.º alterado pelo artigo 1.º do Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 15.º alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (DR 29 Agosto).
Redacção anterior
Vigência: 15 Setembro 2007
Nº 5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
N.º 5 do artigo 147.º aditado pelo artigo 1.º do Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 15.º alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (DR 29 Agosto).
Vigência: 15 Setembro 2007
Nº 6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
N.º 6 do artigo 147.º aditado pelo artigo 1.º do Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 15.º alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (DR 29 Agosto).
Redacção anterior
Vigência: 15 Setembro 2007
Nº 7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
De notar que a prévia descrição da pessoa a reconhecer permite verificar se a pessoa que o sujeito descreve corresponde ao identificando, avaliar a capacidade perceptiva e de memorização de quem faz a descrição e fixar os parâmetros físicos para a escolha das pessoas que devem entrar na cena cognitiva, o que permite o controlo da credibilidade do reconhecimento e, consequentemente, da sua efectiva atendibilidade.
Convém não esquecer que a pessoa a identificar deve ser colocada ao lado dos figurantes e sempre que possível deve apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento.
Do respeito pelo rigor imposto à respectiva disciplina resultará o valor da diligência como meio de prova, sempre a apreciar livremente pelo tribunal.
No reconhecimento podemos distinguir três modalidades:
a)- o reconhecimento por descrição,
b)- o reconhecimento presencial e
c) - o reconhecimento com resguardo.
O reconhecimento por descrição, previsto no nº 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação.
Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se «satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar» (Prof. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 416).
Esta modalidade de reconhecimento obedece aos seguintes passos:
- Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
- Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
- É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 ainda do art. 147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar mas não deve por este ser vista. Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separadas por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo [esta modalidade de reconhecimento não vale para a audiência].
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art. 147º, do C. Processo Penal).
Estamos pois perante uma proibição de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão [há quem entenda que se trata de uma nulidade - cfr. art. 118º, nº 3, do CPP - embora, ao nível do processo, a utilização de uma prova proibida tenha o mesmo efeito da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 126].
A questão fundamental objecto agora a decidir é a de saber se também se aplicam as regras gerais ao acontecimento ocorrido na audiência destes autos, em que uma testemunha, ao confrontar-se com o arguido na sala de audiências, soube identificar este como sendo a pessoa que esteve no local do crime no dia em causa, não ficando ao Tribunal qualquer dúvida quanto à boa sustentação daquela mesma identificação.
Antes da Reforma de 2007, a jurisprudência maioritária entendia que “os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento” - cf. Acórdãos do STJ de 01-02-96 CJ IV-I-198; de 11-05-2000, BMJ 497-293; de 2-10-96, BMJ 460-534; Acórdão da Relação de Évora de 07-12-2004, proc. 25/03-1; Acórdão da Relação de Lisboa de 11-02-2004, proc. 928/2004-3; Acórdão da Relação de Coimbra de 06-12-2006, proc. 146/05.9GCVIS.C1; Acórdão da Relação de Guimarães de 31-05-2004, proc. 2415/03-1; Acórdão da Relação do Porto de 22-01-2003, proc. 0240877; in www.dgsi.pt).
No entanto, foram surgindo soluções discordantes de forma que a jurisprudência se foi dividindo quanto à natureza dos reconhecimentos em audiência de julgamento:
- certa jurisprudência considerava que este tipo de reconhecimento consubstanciaria prova atípica, admissível nos termos do disposto no artigo 125º CPP (“são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”), valorada nos termos do artigo 127º CPP (livre apreciação da prova). A subjacente interpretação no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo CPP foi julgada inconstitucional por Acórdão nº137/2001, processo nº778/00 do Tribunal Constitucional.
- outra sensibilidade jurisprudencial entendia que o reconhecimento em audiência de julgamento integrado no relato de uma testemunha, não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem prejuízo dos direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o Princípio do Contraditório. Assim sendo, devia o referido “reconhecimento” ser livremente apreciado, nos termos do artigo 127º CPP (cf. neste sentido de que “o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento” os Acórdãos do STJ de 06-09-2006, proc. nº06P1392; da Relação do Porto de 19-01-2000, proc. nº 9940498 e de 07-11-2007, proc. 0713492).
Já o acórdão do Tribunal Constitucional nº425/2005, proc. 425/05, distingue o reconhecimento propriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art 147º do CPP.
E esclarece muito bem a diferença das situações:
“Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido”.
Gomes de Sousa, relator do Acórdão da Relação de Coimbra de 5-05-2010[5] (Pº 486/07.2GAMLD.C1) evidencia que o regime normativo da audiência de julgamento se mostra de difícil compatibilidade com o formalismo previsto no artigo 147º do Código de Processo Penal, claramente pensado para a fase de inquérito ou instrução.
De todo não deixa de assinalar que a questão da realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 147º do Código de Processo Penal só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução por inércia das entidades investigadoras, por nulidade processual ou nulidade probatória do acto praticado em fase de inquérito ou instrução. Acrescenta que, nestes casos, se impõe uma tomada de posição do tribunal no sentido de considerar necessária e adequada a realização de um “reconhecimento”, ao qual será atribuída uma específica e autónoma força probatória.
Após as alterações introduzidas no art 147º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não restam quaisquer dúvidas de que um reconhecimento efectuado sem o cumprimento dos requisitos contidos nos artigos 147º, 148º e 149º do Código de Processo Penal “não tem valor como meio de prova”, seja qual for a fase do processo em que ocorreu, tal como se estatui nos artigos 147º, nº 7, 148º, nº 3 e 149º, nº 3, do CPP.
Ponto é que o tribunal tenha decidido realizar o reconhecimento previsto no art 147º do CPP ou que não tendo assim decidido, quando tal se revelava necessário, tenha optado por alcançar o respectivo resultado, no âmbito do depoimento da testemunha ou do ofendido.
No caso dos autos, o reconhecimento de pessoas tal como foi feito, em sede de inquérito, foi válido.
De facto, a Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, com as alterações que introduziu na redacção do artº 147º do CPP, tornou o reconhecimento, enquanto meio de prova, sujeito a um mais apertado formalismo.
Contudo, tal assim é apenas no caso do reconhecimento stricto sensu, como modo de chegar ao conhecimento de alguém até então não conhecido nem identificado.
No caso dos autos, a identificação do arguido por uma testemunha em audiência não configura um estrito acto de reconhecimento, o que aliás nem sequer foi pedido pelo tribunal a quo (não se ignora que já havia nos autos uma identificação por reconhecimento).
Na acta nada consta – ou seja, não foi o tribunal que pediu um reconhecimento processual, enquanto meio de prova autónomo, assim mesmo considerado pela disciplina do nosso Código de Processo Penal.
Já se decidiu em aresto do STJ, que «um reconhecimento em audiência, para valer como meio de prova, terá de ser presidido pelo tribunal, e não, ser levado a efeito, durante o depoimento duma testemunha, mediante pedido do magistrado do MP para que esta, de entre vários arguidos, indique aquele a quem se refere».
No fundo, o que ali aconteceu foi uma mera identificação que de comum com o referido reconhecimento apenas tem a – incorrecta - nomenclatura.
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 7.11.2007 (in www.dgsi.pr/jtrp, “o simples acto de uma testemunha na audiência identificar o arguido como o autor dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento”.
Não é esse o espírito da lei.
E mesmo percebendo à evidência que as alterações introduzidas o tenham sido de modo apressado, quiçá por pressão de casos assaz mediáticos, mesmo assim não têm nem a dimensão nem o alcance que lhe atribui o arguido.
«De outro modo estaria achada a fórmula de anular qualquer prova testemunhal pois bastaria que a testemunha perante a pergunta de saber se reconhecia o arguido, se virasse, olhasse ou apontasse para ele, para de imediato deixar de se poder valorar o seu depoimento» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/3/2009 (Pº 1109/08-1).
A adição, pela lei nova, de um novo número ao art. 147.º do CPP, com a redacção atrás revelada, não se traduz numa qualquer novidade na disciplina do reconhecimento, apenas vindo dizer que, quer no inquérito, quer na instrução, quer no julgamento[6], o meio de prova que é o reconhecimento tem de obedecer ao formalismo enunciado naquele artigo.
Isto é, a lei nova não veio introduzir um novo meio de prova ou definir de maneira diferente o valor probatório daquele meio de prova - apenas veio dizer de forma inequívoca aquilo que já era suposto (e que muitas vezes se fazia na prática dos tribunais ) na lei antiga : que o meio de prova “reconhecimento” só o seria válido e eficaz se obedecesse ao formalismo do .º 2 do art. 147.º.
No domínio da lei antiga entendia-se (falamos do entendimento da jurisprudência e da prática dos tribunais) que o reconhecimento do arguido ou de alguém, feito por uma testemunha na audiência de julgamento, não tinha sempre de obedecer ao formalismo prescrito pelo art. 147.º CPP, pois este preceito legal só tinha aplicação nas fases de inquérito e de instrução (Ac STJ, de 2-10-1996, BMJ, 460.º-525; Ac STJ, de 1-2-1996, CJ/STJ, ano IV, t. I, p. 198 ; Ac STJ, de 11-5-2000, proc. n.º 75/2000, SASTJ, 41.º-76 ; Acs STJ de 11-05-2000, proc. n.º 75/2000, e de 17-02-2005, proc. n.º 4324/04 ; Ac STJ, de 2-10-1996, proc. N.º 96P728, www.dgsi.pt ; Ac STJ, de 6-9-2007, proc. n.º 06P1392, www.dgsi.pt ),
Esse entendimento e a prática correspondente não deverão sofrer abalo no âmbito da lei nova quando se trate não de proceder ao “reconhecimento“ do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão. Isto por se entender (como antes se entendia) que em tais casos o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º do CPP, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma.
Entendia-se que esta interpretação do artigo 147.º não violava o princípio das garantias de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ou qualquer outra norma constitucional, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 425/2005, de 25-08-2005 (proc. n.º 452/05, publicado no DR n.º 195, II Série, de 11-10-2005, pp. 14574 a 14579).
No caso em apreço, na audiência houve lugar à identificação do arguido por uma testemunha, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (artigo 327.º, 2, do CPP), não tendo sido sentida pelo tribunal a necessidade de recorrer ao meio probatório autónomo intitulado de «Reconhecimento de pessoas», tanto mais que já até havia sido feito anteriormente.
Logo trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cfr. artigo 355.º CPP).
Daí que seja irrelevante qualquer eventual crítica dirigida à correcção ou à observância estrita do formalismo legal imposto pelo artigo 147º.
Em todo o caso, também se sublinhava, e deve continuar a sublinhar-se, que tinham de considerar-se sanados quaisquer vícios do âmbito daquele artigo, existentes em reconhecimento efectuado em audiência, desde que não fosse logo arguida a nulidade do acto, quando o arguido a ele assistia (Ac STJ, de 14-4-1994, proc n. 46223 ; Ac STJ, de 2-10-1996, proc. N.º 96P728, www.dgsi.pt).
E precisamente no caso em apreço, não se vê dos autos (acta da audiência) que tenha sido, pelo arguido, invocada a nulidade do «reconhecimento».
Em suma, nem o tribunal recorrido estava inibido de valorar a identificação feita nos autos como simples prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre valoração da prova, o mesmo acontecendo agora com este tribunal de recurso.
São estes os elementos que o tribunal recorrido valorou[7].
            E com base nos mesmos, afigura-se-nos que estava o tribunal habilitado a decidir como decidiu - ao concluir da forma como o fez, o tribunal a quo observou as regras da experiência comum que balizam o princípio da livre apreciação da prova, assente que a versão provada é a única que se impõe pela lógica na correlacionação de circunstâncias entre os factos, com que o cidadão comum interpretaria as circunstâncias descritas.
           
3.8. Nem o princípio «in dubio pro reo» poderá aqui ser invocado pois não houve qualquer dúvida na mente dos 3 julgadores de Aveiro (revelando-se a única conclusão possível e admissível face ao cotejo da prova produzida, ao encadeamento lógicos dos factos, sendo tal raciocínio perfeitamente legítima face ao conteúdo permitido da livre apreciação da prova).
De facto, o arguido não tem qualquer razão em invocar a violação do princípio in dubio pro reo, desde logo porque este princípio só deve ser aplicado quando os elementos probatórios, no seu conjunto, não foram suficientes para o julgador formar a sua convicção num sentido ou noutro, como refere o acórdão desta Relação de Coimbra, de 24/03/2004 (em www.dgsi.pt/jtrp).
            Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo. Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do C.P.P., como sem razão o recorrente invoca.
            Razão pela qual não há que alterar a matéria de facto quanto aos pontos sindicados no recurso.
           
            3.9. Em CONCLUSÃO, da análise da prova produzida, através da audição dos depoimentos gravados, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante do acórdão recorrido, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada na decisão «a quo».           

            3.10. Resta falar das penas aplicadas pelos 3 crimes em causa, dois consumados e um tentado.
Vejamos como o tribunal fundamentou as penas parcelares que aplicou ao arguido:
«Importa, agora proceder à escolha e graduação das penas a aplicar. O crime de furto qualificado é punido com pena de 2 a 8 anos de prisão e o crime de furto qualificado tentado é punido com pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses (art. 73º, nº 1 a) e b), do C. Penal).
Na determinação da pena concreta, dentro dos mencionados limites, há que ter em consideração a culpa do arguido e as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a favor e contra ele (art. 71º do mesmo Código). As directrizes a observar são, por um lado, a culpa do agente, que impõe uma retribuição justa e, por outro, as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e as exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade (cfr. Acs. do STJ de 24-02-93, BMJ 424º, 405 e da RC de 17-01-96, CJ I, 38).
            No caso presente, atender-se-á ao grau médio da ilicitude dos factos (em face dos elementos que já fazem parte dos tipos incriminadores), sendo de ter em conta o valor dos bens subtraídos nos casos de consumação dos furtos, bem como a sua recuperação, no último caso de imediato, não subsistindo prejuízos relevantes; à elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, com que o arguido PM... actuou, querendo apoderar-se de bens de terceiro e obter benefícios ilegítimos, embora determinado pela realização de valores para adquirir as drogas de que era dependente; à existência de várias condenações criminais, o que é de ter em conta e revela uma personalidade propensa para o crime; à actual situação de reclusão do arguido PM... e também a sua postura em audiência, na medida em que admitiu parte dos factos (denotando algum sentido crítico).
Ponderando todos estes elementos e tendo em consideração as elevadas necessidades de prevenção, não só especial, mas também de ordem geral, que neste tipo de ilícito se fazem sentir, atenta a sua elevadíssima frequência e o alarme social que provocam, afigura-se adequado aplicar ao arguido PM... as penas de 3 anos de prisão por um crime de furto qualificado (factos A supra); de 1 ano e 9 meses de prisão por um crime de furto qualificado tentado (factos B supra) e de 2 anos e 10 meses de prisão por um crime de furto qualificado (factos C supra).
            Segundo o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Acrescente o nº 2 desse preceito que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
            Assim, a moldura do concurso tem como limite mínimo 3 anos de prisão e como limite máximo 7 anos e 7 meses de prisão. Nesta conformidade, tendo em conta os factos e sua gravidade, já significativa, bem como a personalidade do arguido PM..., acima enunciada, sendo que todos os ilícitos foram cometidos num lapso temporal bastante reduzido, considera ajustado aplicar-lhe, em cúmulo jurídico, pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.”
Contudo, não basta que a pena aplicada seja igual ou inferior a cinco anos, antes se impondo, para se poder determinar a suspensão da sua execução, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição. E para chegar a essa conclusão tem de atender-se à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Ou seja, não é relevante, por si só, a afirmação do arguido de que vai corrigir-se e que não cometerá outros crimes, sendo essa conclusão a extrair da sua personalidade e condições de vida, bem como do seu comportamento anterior e posterior aos factos, concretamente em termos de condenações criminais, e também das circunstâncias em que aqueles foram praticados. De todos esses elementos deve ressaltar um juízo de prognose favorável ao arguido, que leve o Tribunal a optar pela não execução da pena de prisão. Importa ainda considerar que mesmo a efectiva reintegração social do agente não pode relegar, para plano secundário, a prevenção geral e especial positiva, como finalidade também principal das penas (art. 40º do C. Penal).  
            Como refere Figueiredo Dias, o tribunal terá sempre de concluir “por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, para a formulação do qual “não pode bastar nunca ou só a personalidade ou só as circunstâncias do facto”, sendo certo que a existência de condenações anteriores tornam o prognóstico favorável “bem mais difícil e questionável”. Em todo o caso, “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, já que estão aqui em questão “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”. Assim, havendo “razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, págs. 342 a 344). 
            Na situação sub judice, apesar da pena ser inferior a cinco anos, atento o vasto passado criminal do arguido PM..., com várias reclusões, além de que está a cumprir outras penas, não apresentando qualquer projecto de vida estável que permita concluir que a ameaça da pena seria suficiente para assegurar as finalidade da punição, não estando salvaguardadas as finalidades de reprovação e prevenção do crime, não se determina a suspensão dessa pena, por não estarem verificados os requisitos legais (enunciados no citado art. 50º nº 1 do C. Penal)».
            Vejamos.
O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
            Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
            Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, só há que considerar que todas as penas parcelares – 3 anos de prisão[8] (SEGMENTO A)/1 ano e 9 meses de prisão[9] (SEGMENTO B)/2 anos e 10 meses de prisão[10] (SEGMENTO C)- se mostram equilibradas e ajustadas às reais necessidades de prevenção que se sentem neste caso em que este homem prevarica reiteradamente depois de ter cumprido penas de prisão efectivas pela prática de crimes semelhantes.
            Os argumentos do recorrente são absolutamente genéricos e pouco eivados em factos justificativos da pura alegação, ficando sem se saber o que significa, de facto, o termo “pena excessiva” aposto nas alegações de recurso.
Em lado nenhum do acórdão se dá como provado, como ele pretende, que o arguido já não consome droga há 2 anos. Estar em tratamento não significa estar completamente limpo da droga…
Não podemos olvidar que são muitas as situações criminais em que o arguido se envolveu no passado, funcionando a sua condição de toxicodependente como circunstância agravante face às reiteradas recaídas no consumo (somos nós que podemos também escolher o nosso próprio destino, passageiros de um tempo igualmente por nós determinado).
Não se pode ignorar que, mesmo em reclusão, o arguido «evidencia dificuldades de adaptação ao meio prisional e de cumprimento das normas aí instituídas, tendo sido alvo de sanções disciplinares, com vários dias de isolamento», «não revelando capacidade para definir objectivos ou projectos de realização pessoal ou socio-profissional normalizados», como consta do relatório da DGRS.
A moldura penal do cúmulo jurídico do arguido é a seguinte, seguindo o critério do artigo 77º, n.º 2 do CP:
- ficará situada entre os 3 anos de prisão (CRIME do Segmento A) e os 7 anos e 7 meses de prisão (soma de 3 A + 1 A 9 M + 2 A 10 M).
São, na realidade, prementes as exigências de prevenção especial, face ao já aqui aludido passado criminal do arguido (se é certo que acreditamos que um erro na vida não significa uma vida de erros, também cremos que são demasiados erros nas vidas deste homem, sem projecto de vida definido, erros estes que têm de ser devida e exemplarmente sancionados, atento o alarme social das suas condutas anti-sociais, a sua reiterada desocupação, propícia à ilicitude e as características das suas personalidades assaz indiferentes ao desvalor das suas condutas).
Como tal, não nos parece excessiva a pena de 5 anos de prisão, constantes do acórdão recorrido, pena que manteremos, mantendo também a sábia decisão de não suspender a execução desta pena, assente os critérios plasmados no artigo 50º do CP.

3.11. Uma palavra sobre a suspensão.
O artigo 50.º, n.º 1, do CP dispõe:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
            As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
            Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora era de 3 anos), entendemos, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).  
            Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.
             No seio da Comissão, Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.)
            Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:
              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).
Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).
            A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».
            A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
            Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, no caso vertente, depois de ter visto tantas suspensões no passado, algumas revogadas (fls 484 e 485), não poderá agora o arguido ter mais essa «benesse».

3.12. Termos em que se conclui que o recurso do arguido improcede na sua totalidade.

3.13. Urge, contudo, fazer a correcção de dois lapsos cometidos no acórdão que não mexe com o essencial das penas parcelares ou do cúmulo.        
            Assim,
1º- na parte do DISPOSITIVO, onde se lê:
«Pelo exposto, decide-se:
· a) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos A supra);
· b) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado tentado,  p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2 a), 23º, nº 2, 73º, nº 1 a) e b), 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos B supra);
· c) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos A supra);
· d) condenar o arguido PM..., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão (…)»
dever-se-á ler:
«Pelo exposto, decide-se:
· a) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos A supra);
· b) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado tentado,  p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2 a), 23º, nº 2, 73º, nº 1 a) e b), 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos B supra);
· c) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos C supra);
· d) condenar o arguido PM..., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão (…)

2º- na parte da fundamentação da parte B, onde se lê
«- quanto aos factos referidos em B supra, foram valorados os depoimentos (…) da testemunha MA... (que disse ter um quiosque na entrado do prédio dessa residência, onde se encontrava), a qual referiu a hora da ocorrência e ter ouvido pancadas pela aquela zona do edifício, vendo, pouco depois, o arguido PM... a sair do prédio, que identificou em audiência sem evidenciar qualquer dúvida (tal como já havia feito nos autos – fls. 31), aludindo ainda ao “blusão verde” que na altura trajava, confirmando também as fotos do local (fls. 88 a 90), (…)»
Dever-se-á ler:
«- quanto aos factos referidos em B supra, foram valorados os depoimentos (…) da testemunha AD… (que disse ter um quiosque na entrado do prédio dessa residência, onde se encontrava), a qual referiu a hora da ocorrência e ter ouvido pancadas pela aquela zona do edifício, vendo, pouco depois, o arguido PM... a sair do prédio, que identificou em audiência sem evidenciar qualquer dúvida (tal como já havia feito nos autos – fls. 31), aludindo ainda ao “blusão verde” que na altura trajava, confirmando também as fotos do local (fls. 88 a 90), (…)»


**************************


            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em
            1º- Alterar o texto do acórdão nos seguintes moldes:
1.1. a fls 489-V, onde se lê
«Pelo exposto, decide-se:
· a) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos A supra);
· b) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado tentado,  p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2 a), 23º, nº 2, 73º, nº 1 a) e b), 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos B supra);
· c) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos A supra);
· d) condenar o arguido PM..., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão (…)
o dever-se-á ler:
· a) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos A supra);
· b) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado tentado,  p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2 a), 23º, nº 2, 73º, nº 1 a) e b), 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos B supra);
· c) condenar o arguido PM... pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos C supra);
· d) condenar o arguido PM..., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão (…)

1.2. Na parte da fundamentação da parte B (fls 485-v), onde se lê:
«quanto aos factos referidos em B supra, foram valorados os depoimentos (…) da testemunha MA... (que disse ter um quiosque na entrado do prédio dessa residência, onde se encontrava), a qual referiu a hora da ocorrência e ter ouvido pancadas pela aquela zona do edifício, vendo, pouco depois, o arguido PM... a sair do prédio, que identificou em audiência sem evidenciar qualquer dúvida (tal como já havia feito nos autos – fls. 31), aludindo ainda ao “blusão verde” que na altura trajava, confirmando também as fotos do local (fls. 88 a 90), (…)»
Dever-se-á ler:
«quanto aos factos referidos em B supra, foram valorados os depoimentos (…) da testemunha AD… (que disse ter um quiosque na entrado do prédio dessa residência, onde se encontrava), a qual referiu a hora da ocorrência e ter ouvido pancadas pela aquela zona do edifício, vendo, pouco depois, o arguido PM... a sair do prédio, que identificou em audiência sem evidenciar qualquer dúvida (tal como já havia feito nos autos – fls. 31), aludindo ainda ao “blusão verde” que na altura trajava, confirmando também as fotos do local (fls. 88 a 90), (…)»

2º- Negar provimento ao recurso, MANTENDO na íntegra o acórdão de 1ª instância.

            3º- Comunicar de imediato o teor desta decisão ao tribunal de 1ª instância

            Condena-se o arguido em custas, com a taxa de justiça fixada em 3 UCs (artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ).
Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


_______________________________________
(Paulo Guerra)



________________________________________
(Vieira Marinho)








[1] Neste particular, há um lapso material que urge corrigir a final já que esta 3ª condenação refere-se ao acervo de factos constantes do ponto C do rol de Factos provados (e não A).
[2] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[3] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[4] E a voz ouvida tem uma importância capital. Mas não é tudo, como é bem de ver...
Como opina o Acórdão da Relação de Évora, datado de 18/3/2010 (Pº 22/07.0GACUB.E1):
«1. Na tarefa da valoração da prova exige-se ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, nas da lógica e da ciência, sem descurar a percepção – que a imediação potencia – da personalidade do depoente.
2. A voz não é o único canal comunicativo, sendo normalmente apreciado, pelo destinatário de qualquer mensagem, como um dos elementos da mesma, mas considerado numa avaliação global de toda a comunicação estabelecida. A voz é o canal mais informativo em qualquer comunicação, mas há que coaduná-la com elementos como expressões faciais, gestuais e corporais.
3. Em primeira instância, na apreciação do depoimento dá-se relevância aos aspectos verbais, mas também se considera a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, o tom de voz, as alterações na frequência vocal, as hesitações, o período de silêncio entre a pergunta e a resposta, os silêncios, a frequência dos períodos de silêncio no decurso do discurso, durante o discurso, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos corporais etc. Releva-se, ainda, a preocupação que a testemunha revela com o efeito do deu depoimento, em cada uma das partes, nos advogados, no Tribunal, a feitura ou não de alterações no tipo de discurso, e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores até da mentira.
4. Consequentemente, a prática de registo da voz das testemunhas, em sistema áudio, e a sua reapreciação pelo Tribunal de 2.ª instância, é insatisfatória e está longe de conduzir aos melhores resultados. Por isso, quando o julgador da primeira instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova - testemunhal ou por declarações - porque a opção tomada se funda na oralidade e na imediação, o Tribunal de recurso, em princípio, só a deverá censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada carece de razoabilidade, violando as regras da experiência comum».
[5] Acórdão este que poderia ter o seguinte sumário:
1. O reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento. nos termos dos artigos 355º, nº1, in fine, nº 2 e artigo 356º, nº 1, b) do Código de Processo Penal, não lhe sendo aplicável o disposto nos seus nºs 2 e 3.
2. Caso já tenha sido realizado um reconhecimento em inquérito, torna-se desnecessário repeti-lo em audiência de julgamento.
3. A realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 147º do Código de Processo Penal só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução, ou se realizado, enfermar de nulidade processual ou nulidade probatória.
4. O artigo 147º do Código de Processo Penal não determina a repetição de reconhecimentos, limitando-se a impor ao tribunal que, se entender adequado proceder a um reconhecimento em audiência de julgamento, este deverá observar o formalismo ali previsto.
5. A ineficácia da prova contida no nº 7 do artigo 147º do Código de Processo Penal não é uma nulidade processual em sentido restrito nem uma “inexistência”, mas sim uma proibição de valoração da prova.

 
[6] A questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.
[7] Por exemplarmente se referir a estas questões, aqui se deixa parte considerável do Acórdão do STJ de 3/3/2010 (Pª 886/07.8PSLSB.L1. S1)[7], publicado já depois da revisão do CPP de 2007:
«A questão fundamental que se coloca quanto ao reconhecimento em sede de audiência de julgamento é a da conformação que o mesmo acto deve assumir quando suceda em audiência.
A recente alteração introduzida pela Lei 48/2007 pretendeu esclarecer as divergências pré-existentes na jurisprudência, afirmando que as regras inscritas para o reconhecimento em sede de inquérito igualmente têm aplicação na fase de audiência, ou seja, a sua inobservância implica a proibição da sua valoração como prova.
Colocada perante a questão a tendência jurisprudencial anterior àquela Lei era maioritária no entendimento de que os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicavam à instrução, e inquérito, e não à audiência de julgamento (28). Argumentava-se que este tipo de reconhecimentos consubstanciava uma prova atípica que seria admissível nos termos do disposto no artigo 125º CPP, devendo ser valorada nos termos do preceituado no artigo 127º do mesmo diploma.
Tal entendimento foi objecto de apreciação no Acórdão do Tribunal Constitucional 137/2001 que se pronunciou no sentido de inconstitucionalidade, referindo que é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal.
Num sentido convergente também se argumentava que o reconhecimento em audiência de julgamento corresponde ao relato de uma testemunha e não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório.
Desenhado os caminhos seguidos pela jurisprudência anteriormente á Lei 48/2007 é importante que se diga agora que a alteração pela mesma introduzida, querendo resolver tudo o que concerne á questão, acaba por não resolver nada. Na verdade, subsiste a questão fundamental da indefinição da natureza da prova por reconhecimento o que tem subjacente a precisão sobre a sua finalidade.
Pressuposto básico da resolução de tal questão é o de que estamos perante a prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação. Constitui algo de absolutamente distinto a situação de confirmação como agente do crime em relação a alguém previamente identificado, investigado e assumido como sujeito processual com todo o catálogo de direitos inscritos como tal a qual se traduz numa intima comunicabilidade e interacção entre os diversos intervenientes processuais envolvidos no julgamento.
Imporá salientar aqui a aparente aporia em que se evolveu o legislador pretendendo tratar uniformemente situações que, de todo, não são susceptíveis de equiparação. Na verdade, em sede de audiência de julgamento rege o principio da publicidade e não se vislumbra como é que se possa evitar que neste acto, ou, previamente, e a partir do momento em que é pública a identidade do arguido, se possa evitar o eventual contacto ou uma possível identificação num espaço publico, ou privado, ou até a própria interpelação na abertura da audiência.
Na verdade, a questão fundamental não consiste em saber se o formalismo deve, ou não, ser observado em audiência de julgamento. Que não pode ser realizado, a não ser através de uma ficção, ou simulacro é, quanto a nós, um dado adquirido, pois que as regras que regulam a audiência de julgamento são incompatíveis com essa observância. A não ser que se interrompa a audiência para ir realizar o acto processual a uma esquadra de polícia o que, para além de ser ridículo e um desperdício de tempo, é desaconselhável e inútil.
Aliás, sendo desadequada tal prática é desaconselhável pois que o arguido, em fase de julgamento – antes mesmo da audiência – está publicamente exposto e já foi visto (ou pode ter sido visto) por todos os intervenientes processuais o que é uma mera decorrência da característica de publicidade dessa fase processual. Daí que um reconhecimento realizado, pela primeira vez, em audiência de julgamento seja substancialmente injusto, pois que já exposto o arguido aos olhares das testemunhas que o irão reconhecer. E aqui basta a mera possibilidade de tal já ter ocorrido. Desaconselhável, também, por ser já um dado adquirido por estudos em psicologia da memória que o “reconhecimento” deve ser realizado o mais próximo possível da data do evento.
“O tempo é um importante factor na determinação da fidelidade da identificação e o número de correctas identificações declina à medida que o intervalo de tempo entre o crime e o procedimento de identificação aumenta”. (30) Admitir um reconhecimento realizado pela primeira vez em audiência de julgamento é, além do exposto, uma clara violação do due process of law, na medida em que, na audiência, o arguido está exposto publicamente.
Sintetizando o exposto pode-se afirmar que a questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências, como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.
Na verdade, para além daquilo que constitui, quanto a nós, uma impossibilidade material temos por adquirido que o pensamento do legislador foi obliterado pela confusão entre prova testemunhal e prova por reconhecimento. Omitiu-se o pressuposto fundamental de que a prova por reconhecimento pressupõe a indeterminação prévia do agente do crime.
Assim, é, quanto a nós, linear que a situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.
Como refere Medina de Seiça o acto de reconhecimento visual de uma pessoa, na medida em que implica uma reevocação de uma percepção ocular anterior, apresenta profun­das similitudes com o processo mental próprio do depoimento testemunhal. Na verdade, «têm em comum o fundo: memórias empíricas» que, por meio da recordação podem emergir como informação disponível. Sustentados, pois, na complexa actividade mnemónica, ambos os meios de prova são par­ticularmente vulneráveis a múltiplos factores de distorção e engano que ocor­rem ao longo de todo o itinerário da cognição, da memorização e da evocação. Esta similitude, porém, não elimina as diferenças estruturais existentes entre as duas formas de percepção e recordação.
Numerosos estudos psicológicos têm posto em evidência que no teste­munho o depoente organiza a recordação mediante referentes de espaço e tempo, causa e efeito. Deste modo, as informações prestadas são apreensíveis com facilidade pelos destinatários, pois recondutíveis aos esquemas usuais da comunicação verbal. A situação é diversa quando se trata de efectuar um reconhecimento: dizendo-o com Cordero, aqui trabalha-se sobre uma maté­ria completamente alógica, que se presta aos «curtos-circuitos» de sensações racionalmente insondáveis.
 Por outro lado, em face de uma identificação visual feita por uma pes­soa, os meios de controle são muito mais limitados do que perante um tes­temunho. Neste último, o processo de composição da recordação pode ser aprofundado, vigiado e submetido a verificação, sobretudo no decurso da audiência mediante contra-interrogatório. Muito embora a pessoa que efec­tua o reconhecimento deva ser também ela objecto de interrogatório, em ordem a fiscalizar o mais possível o contexto em que terá ocorrido a sua percepção originária e a possibilidade de factores de erro entretanto ocorri­dos, certo é que o acto recognitivo em sentido estrito escapa a um efectivo controle.
Estamos, assim, reconduzidos ao postulado inicial do presente excurso e, consequentemente, levados a perfilhar o entendimento já expresso pelo Tribunal Constitucional quando refere que não há dúvida de que entre a "prova por reconhecimento" e a "prova testemunhal" existem diversos "pontos de contacto" (cf. Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", cit., p. 775 e Massimo Ceresa Gastaldo, "La ricognizione personale "attiva" all’esame della Corte Costituzionale: facoltà di astenzione o incompatibilità del coimputato", in Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1, 1995, p. 264).
Desde logo, pode dizer-se que um testemunho, enquanto "juízo" de imputação fáctica, implica sempre um "reconhecimento" de um determinado sujeito – recte, uma individualização concretizadora ou um acto de identificação directa [cf. Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", cit., p. 773, n. 173; v. também Daniela Vigoni, "La ricognizione personale", cit., p. 183; Giovanni Conso/Vittorio Grevi, Commentario breve al Nuovo Codice di Procedura Penale, Pádua, 1994, pp. 213 e ss.; Tommaso Rafaraci, "Ricognizione informale dell'imputato e (pretesa) fungibilità delle forme probatorie" – nota a Cass. sez. II pen. 28 febbraio 1997 – in Cassazione Penale, n.º 6, 1998, pp. 1739-1747].
Contudo, não podem olvidar-se as diferenças qualitativo-funcionais entre estes dois domínios probatórios.
De tal pressuposto arranca também a mesma decisão na declaração do pressuposto de que importa ter presente o pressuposto específico – que autonomiza o reconhecimento e o erige como meio de prova – traduzido num inequívoco juízo de necessidade, direccionado, como se disse, ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas "quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa" (v. Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos "atípicos" em processo penal., cit., p. 1413).
E se este juízo permite distinguir a valoração autónoma deste meio de prova daqueloutra relativa à prova testemunhal qua tale, também não é menos verdade que, por ele, se devem circunscrever à esfera da prova testemunhal os "reconhecimentos testemunhais", onde não se autonomize e onde não releve a necessidade de esclarecimento de uma qualquer situação de incerteza quanto à autoria dos factos e à identificação do agente.
De facto, a identificação subjacente a um depoimento testemunhal esgota a sua eficácia – e a possibilidade de o juiz o valorar – no âmbito de um meio probatório não direccionado ao reconhecimento de uma pessoa e, assim, qualquer "individualização" ou "reconhecimento" – em sentido impróprio, diga-se – que aí se faça não pode deixar de ter como pressuposto uma situação de determinação subjectiva, e, por isso, só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de onde emerge – a prova testemunhal –, não lhe podendo ser reconhecido um valor probatório autónomo e separado.
Ou seja, por outras palavras, não estando implicada na produção e valoração deste meio de prova uma necessidade de se afastar uma situação de incerteza quanto à identificação de um sujeito, a funcionalidade e a finalidade inerentes a um acto de "reconhecimento" – de imputação – que se produza neste contexto terá sempre uma função exógena da que é cumprida pelo reconhecimento em sentido próprio – v. g. aferir da credibilidade e consistência do depoimento –, não podendo aquele ser autonomamente valorado para responder às situações onde se justifique a autonomização de um verdadeiro acto de reconhecimento.

[8] Moldura penal abstracta – 2 a 8 anos de prisão.
[9] Moldura penal abstracta – 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão.
[10] Moldura penal abstracta – 2 a 8 anos de prisão.