Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
279/16.6T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO.
PAGAMENTO DO PRÉMIO.
DEVERES DE INFORMAÇÃO A CARGO DA SEGURADORA.
RESOLUÇÃO AUTOMÁTICA DO SEGURO.
Data do Acordão: 09/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 32º, 33º, 34º, 35º, 59º, 60º, 61º E 116º DA LCS (LEI DO CONTRATO DE SEGURO), APROVADA PELO DL Nº 72/2008, DE 16/04.
Sumário:
I – Nos termos do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16/04, nomeadamente nos seus artºs 32º a 35º, o contrato de seguro deve ser formalizado por escrito pelo segurador – apólice -, sendo regulado pelas estipulações dele constantes, a menos que a desconformidade entre a apólice e o acordado resultem de documento escrito ou de outro suporte duradouro (artº 35º).

II – Sendo o pagamento do prémio condição necessária da cobertura do risco – artº 59º-, segundo o disposto na al. a) do nº 3 do artº 61º, a falta do pagamento da fração do prémio devido implica a ‘resolução automática do contrato, na data do vencimento’ daquela.

III – Nos termos do nº 1 do artº 60º do mesmo diploma, ‘na vigência do contrato, o segurador deve avisar por escrito o tomador do seguro do montante a pagar, assim como da forma e do lugar de pagamento, com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que se vence o prémio ou fração deste’.

IV – Acrescentando o seu nº 2 que ‘do aviso devem constar, de modo legível, as consequências da falta de pagamento do prémio ou de sua fração’.

V – Impende sobre a seguradora o encargo de demonstrar o cumprimento das formalidades previstas no artº 60º RJCS.

VI – Embora o RJCS não estabeleça uma expressa consequência para a omissão de envio do aviso de pagamento com a antecedência de trinta dias, afigura-se que a inobservância desse dever implicará a inviabilidade de operar a automaticidade do efeito resolutivo previsto no nº 3 do artº 61º, posto que esta consequência pressupõe, naturalmente, o tempestivo cumprimento dos aludidos deveres informacionais que impendem sobre a seguradora.

VII – O facto de a seguradora não ter cumprido (ou não ter demonstrado esse cumprimento) com a tempestividade do cumprimento dos deveres informacionais estabelecidos no artº 60º não obstaculiza que possa proceder à resolução do contrato nos termos do artº 116º, depois de ter convertido a situação de mora em incumprimento definitivo, através da competente interpelação admonitória.

Decisão Texto Integral:
Processo 279/16.6T8CVL.C1
Apelação
523/18

Relator: Ramalho Pinto
Adjuntos: Felizardo Paiva
Jorge Manuel Loureiro

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A…, patrocinado pelo MºPº, intentou a presente acção emergente de acidente de trabalho contra E…, pedindo a condenação da Ré a reconhecer que o acidente que vitimou o Autor, em 09/10/2015, é um acidente de trabalho e que dele resultaram lesões e sequelas que motivaram, para além do mais, 134 dias de ITA e uma IPP de 15%.
Devendo, em consequência, ser condenada a:
1. Pagar ao Autor a quantia de € 2.100,44, a título de indemnização de 134 dias de ITA, nos termos dos arts. 47º nº1 a) e 48º nº1 e nº3 d) da Lei 98/2009 de 04/09, sem prejuízo da dedução de valor já recebido da seguradora
2. A quantia de € 858,20, a título de pensão pela IPP de 15,00% de que o Autor ficou a padecer por força do acidente de trabalho, obrigatoriamente remível, nos termos dos arts. 23º, 47º nº1 c), 48º nº3 c), 50º nº2 e 75º da Lei 98/2009 de 04/09.
3. Pagar a quantia de € 149,76 referente às despesas de transporte com as deslocações obrigatórias do autor ao Gabinete Médico-Legal da Covilhã e à 2º Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Castelo Branco, nos termos do artº 39º da Lei 98/2009 de 04/09.
4. Pagar as quantias que sejam devidas pelos tratamentos prestados ao Autor nos estabelecimentos clínicos, nos termos dos artºs 23º a) e 25º da Lei 98/2009 de 04/09.
5. Quantias a que acrescem juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do art. 135º do Código de Processo de Trabalho.
Alegou, para o efeito e tal como consta da sentença recorrida, que
no dia 09.10.2015, pelas 10.30 horas, na Covilhã, quando prestava serviço da sua profissão de servente para a sua entidade empregadora " E…., e mediante a retribuição anual global de € 8.173,34 (€ 510,00 x 14 a título de retribuição base + € 4,27 x 22 x 11 a titulo de subsidio de refeição segundo o IRCT de fls. 17 a 52 e artº 71º nº 11 da Lei 98/2009), foi vítima de um acidente de trabalho que consistiu em ter ficado entalado entre um muro e a pá da frente de uma retroescavadora.
Desse acidente resultaram-lhe lesões, pelo que reclama o pagamento de uma pensão anual e respetivos juros, com vista ao ressarcimento da IPP de que passou a padecer, com efeitos a partir do dia seguinte ao da alta.
Nada recebeu em relação a ITA no período em que esteve incapacitado para o trabalho, entre os dias 10.10.2015 e 20.02.2016, num total de 134 dias, pelo que reclama a quantia de € 2.100,44.
Reclama, também, o pagamento das despesas de transporte.
A Ré- patronal contestou, alegando a existência de validade de um contrato de seguro, celebrado com a B…., que cobre a responsabilidade decorrente de acidente de trabalho, a que os autos se referem, requerendo o chamamento a juízo desta entidade.
No mais, contesta a verificação de acidente de trabalho que, a ter-se verificado, é apenas imputável ao trabalhador, que agiu de forma manifestamente desatenta e descuidada.
Foi admitida como parte na acção a Ré B….,, que, após ter sido citada para os termos do processo, apresentou contestação, onde essencialmente, contesta a validade do contrato de seguro por falta de pagamento atempado do respectivo prémio, alegando que a entidade empregadora não pagou o prémio (fracção) na data do vencimento, o que determinou a resolução automática e imediata do contrato de seguro.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:
“Pelo exposto o Tribunal, julgando procedente o pedido formulado pelo autor A…, reconhece e declara como de trabalho o acidente que o vitimou em 09/10/2015 e que dele resultaram lesões e sequelas que motivaram um período de ITA e uma IPP de 11,25%, condenando, em consequência, a ré B…., a pagar-lhe:
1. A quantia de €643,65 (seiscentos e quarenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos) a título de pensão pela IPP de que o autor ficou a padecer, por força do acidente de trabalho, com efeitos a partir do dia seguinte ao da alta (22/02/2016)
2. A quantia de € 149,76 (centos e quarenta e nove euros e setenta e seis cêntimos) referente às despesas de transporte com as deslocações obrigatórias do autor ao Gabinete Médico-Legal da Covilhã e ao Juízo do Trabalho da Covilhã, nos termos do art.39º da Lei 98/2009 de 4/09.
3. A quantia de € 2.100,44 (dois mil e cem euros e quarenta e quatro cêntimos), referente à indemnização devida pelo período de ITA, nos termos dos arts.23º b), 47º nº1 a), 48º nº1 e nº3 d) e 50º da Lei 98/2009 de 04/09, sem prejuízo da dedução das quantias pagas pela ré a este título.
4. Quantias a que acrescem juros de mora, à taxa de 4%, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do artigo 135º do Código de Processo de Trabalho.
Mas se decide absolver a ré E…, dos pedidos contra ela deduzidos pelo autor.
*
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Custas pela ré B…– cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho”.
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Inconformada, veio a Ré- seguradora interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado, e veio apresentar recurso subordinado, rematando com as seguintes conclusões:
(…)
Em relação a este recurso não foram apresentas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
x
Definindo-se o âmbito dos recursos pelas suas conclusões, temos, como questões a decidir:
- no recurso independente:
- a nulidade da sentença;
- se o acidente sofrido está abrangido pelo contrato de seguro;
- no recurso subordinado:
- em caso de resposta negativa à questão anterior, se há que imputar a responsabilidade pelas consequências do acidente à Ré- patronal.
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A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, não objecto de impugnação, e que aqui se acolhem:
(…)
x
O direito:
- a nulidade da sentença:
Na sua alegação de recurso, a Ré- apelante veio arguir a nulidade da sentença, por “contradição entre os fundamentos invocados e o resultado expresso na douta decisão”.
Contudo, tal arguição não obedeceu ao disposto no nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, que dispõe que a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
Esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (nº 3 do artº 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ, 1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.
No caso em apreço, a recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso, apenas fazendo uma breve referência - “Vem, ainda, arguir a nulidade da douta sentença, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º n615º do C.P.C., ex vi art.º 1º do CPT atenta a contradição entre os fundamentos invocados e o resultado expresso na douta decisão”- no requerimento de interposição de recurso.
Ou seja, não incluiu, tal como resulta obrigatório do referido artº 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição da nulidade e obsta a que dela se conheça- cfr., neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
Entendimento também seguido no Ac. do STJ de 4/4/2001 (Revista 498/01), ao referir-se que a “arguição de nulidades tem se ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso, por forma explícita (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal a quo e estas são-no ao tribunal ad quem”.
Por sua vez, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05/08/2005, decidiu que, em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.
No recente Ac. do STJ de 11/05/2017, proc. n.º 1508/10.5TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se que “Tendo o recorrente referido, no requerimento de interposição de recurso, que um dos seus fundamentos era a “omissão de pronúncia sobre o ónus da prova”, mas sem aduzir aí os fundamentos dessa nulidade, o que apenas fez na parte final do corpo das alegações dirigidas ao tribunal de recurso, a arguição não é atendível, por incumprimento do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do CPT.”
Termos em que se não conhece dessa arguida nulidade.
- a segunda questão: se o acidente está abrangido pelo contrato de seguro:
Sobre esta questão escreveu-se na sentença recorrida:
“Isto posto, tendo resultado provado que a ré, entidade empregadora, não efetuou o pagamento do recibo de prémio de seguro, fração correspondente ao período de 01/10/2015 a 31/12/2015 no valor de 1.507,50€, com data de vencimento em 01/10/2015, primo conspectu, tal inadimplemento implicaria, em consonância com o disposto na al. a) do nº 3 do art. 61º, a «resolução automática do contrato, na data do vencimento» daquela fração do prémio devido.
No entanto, dispõe o nº 1 do artigo 60º da LCS que “na vigência do contrato, o segurador deve avisar por escrito o tomador do seguro do montante a pagar, assim como da forma e do lugar de pagamento, com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que se vence o prémio, ou frações deste”.
Acrescenta ainda o seu nº 2 que “do aviso devem constar, de modo legível, as consequências da falta de pagamento do prémio ou de sua fração”.
Apesar de a LCS não conter expressamente uma regra análoga à que constava do nº 4 do art. 7º do DL nº 122/2005, de 29.07 (no qual se preceituava que “recai sobre a empresa de seguros o ónus da prova relativo ao aviso a que se refere o presente artigo”), afigura-se-nos que a mesma solução resulta da aplicação dos critérios gerais de repartição do ónus probandi (cfr. arts. 342º e 343º do Cód. Civil), em consequência do que impenderia sobre a ré “B…” o encargo de demonstrar o cumprimento das formalidades previstas no transcrito art. 60º.
Na presente situação a ré “B… ()” provou, que enviou, por escrito, ao tomador do seguro, o aviso de pagamento, de onde constava o montante a pagar, assim como da forma e do lugar de pagamento, no entanto, não alegou nem provou demonstrou que tal aviso (apesar da data nele aposta ser 14/08/2015) tenha sido enviado ao tomador com a antecedência de trinta dias em relação ao momento do vencimento do prémio (01/10/2015), ou seja, pelo menos em 01/09/2015.
Ora, malgrado a LCS não estabeleça uma expressa consequência para a omissão de envio do aviso de pagamento com a antecedência de trinta dias, afigura-se- nos que a inobservância desse dever implicará a inviabilidade de operar a automaticidade do efeito resolutivo previsto no nº 3 do art. 61º5 posto que esta consequência pressupõe, naturalmente, o tempestivo cumprimento dos aludidos deveres informacionais que impendem sobre a seguradora.
Haverá que atentar, no entanto, que, por mor do disposto no nº 1 do art. 57º, a ré, entidade empregadora, encontrava-se em situação de mora debitoris no que tange ao pagamento do prémio (fração) referente ao ultimo trimestre de 2015, posto que, como resultou provado, estava constituída no dever de proceder ao pagamento de uma fração correspondente ao período de 01/10/2015 a 31/12/2015, no valor de 1.507,50€.
De acordo com o regime geral constante do art. 808º do Cód. Civil, a mora não faculta a imediata e automática resolução do contrato, mas possibilita a verificação de posterior incumprimento definitivo, pelo decurso de um prazo pré-fixado, prazo admonitório, ou em caso de haver perda de interesse do credor.
Assim sendo, o facto de a seguradora não ter cumprido (ou não ter demonstrado esse cumprimento) da tempestividade do cumprimento dos deveres informacionais estabelecidos no art. 60º não obstaculiza que possa proceder à resolução do contrato nos termos do art. 116º, depois de ter convertido a situação de mora em incumprimento definitivo, através da competente interpelação admonitória.
Ora, tal prova, também não feita pela ré, que não demonstrou, após a constituição em mora, da entidade empregadora, lhe ter solicitado o pagamento, concedendo-lhe prazo para o efeito, a parti do qual haveria de considerar definitivamente resolvido o contrato de seguro em questão.
Assim sendo, a conclusão a que chegamos é que, não tendo, validamente, operado a resolução do contrato de seguro, este estava válido à data da ocorrência do sinistro, devendo, em consonância a ré companhia de seguros responder pelo pagamento das indemnizações e pensões a que o sinistrado tem direito por via do sinistro laboral que sofreu”.
Subscrevemos, sem reserva, este entendimento.
Como refere a apelante, o que está em causa no recurso é determinar se o contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem, na modalidade de folhas de férias, celebrado entre as Rés em 14/05/2014 (ponto 6 matéria assente), titulado pela apólice n.º XXXXX, se encontrava válido e em vigor, dando cobertura ao presente sinistro ocorrido em 09/10/2015, pese embora a Ré patronal não tivesse efectuado o pagamento do recibo de prémio (fracção) correspondente ao período de 01/10/2015 a 31/12/2015, com data de vencimento em 01/10/2015.
Resultou provado:
- A Ré patronal não efetuou o pagamento do recibo de prémio de seguro, fracção correspondente ao período de 01/10/2015 a 31/12/2015, no valor de 1.507,50€, com data de vencimento em 01/10/2015- facto 34;
- O referido aviso/recibo foi enviado à tomadora de seguro E…, recibo este que não foi pago na data do seu vencimento- facto 35;
- A fracção do prémio a liquidar vencia-se no dia 01/10/2015- facto 36.
Nos termos do “Regime Jurídico do Contrato de Seguro”, aprovado pelo Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, nomeadamente nos seus artigos 32º a 35º, o contrato de seguro deve ser formalizado por escrito pelo segurador, num instrumento denominado apólice, sendo regulado pelas estipulações dele constantes, a menos que a desconformidade entre ele (apólice) e o acordado resultem de documento escrito o de outro suporte duradouro (art. 35.º).
Sendo o pagamento do prémio condição necessária da cobertura do risco- artº 59º- segundo o disposto na al. a) do nº 3 do art. 61º, a falta do pagamento da fracção do prémio devido implica a “resolução automática do contrato, na data do vencimento” daquela.
Nos termos do nº 1 do artº 60º do mesmo diploma “na vigência do
contrato, o segurador deve avisar por escrito o tomador do seguro do montante a pagar, assim como da forma e do lugar de pagamento, com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que se vence o prémio, ou fracções deste”.
Acrescentando o seu nº 2 que “do aviso devem constar, de modo legível, as consequências da falta de pagamento do prémio ou de sua fracção”.
Como bem se adverte na sentença, a circunstância de o Regime Jurídico do Contrato de Seguro não conter expressamente uma regra análoga à que constava do nº 4 do art. 7º do DL nº 122/2005, de 29.07 (no qual se preceituava que “recai sobre a empresa de seguros o ónus da prova relativo ao aviso a que se refere o presente artigo”) não afasta que se faça recair sobre a seguradora o ónus da prova do cumprimento das formalidades previstas naquele nº 1 do artº 60º, como facto constitutivo do seu direito de resolver o contrato- nº 1 do artº 342º do Cod. Civil, sendo que, mesmo em situação de dúvida sobre a repartição do ónus da prova, a mesma se resolve “”contra a parte a quem o facto aproveita” (artº 414º do CPC).
Neste sentido veja-se o Ac. da Rel. de Guimarães, de 5/11/2015, in www.dgsi.pt.
E não procede a argumentação da recorrente relativamente à aplicação do artº 799º, nº 1, do Cod. Civil (“Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação naÞo procede de culpa sua”) uma vez que para fazer funcionar esta norma impõe-se que esteja demonstrado o incumprimento, o que não acontece no caso concreto.
Apenas ficou provado que:
- A Ré patronal não efetuou o pagamento do recibo de prémio de seguro, fracção correspondente ao período de 01/10/2015 a 31/12/2015, no valor de 1.507,50€, com data de vencimento em 01/10/2015- facto 34;
- O referido aviso/recibo foi enviado à tomadora de seguro E…, recibo este que não foi pago na data do seu vencimento- facto 35;
- Decorre da nota explicativa constante do verso do aviso/recibo, que “… o não pagamento do prémio ou da fração deste até à data limite de pagamento indicada, neste aviso, implica a não prorrogação (não renovação) do contrato ou a resolução automática do contrato na data indicada para o efeito, sem qualquer outro aviso prévio. A C… não se responsabiliza por eventuais sinistros que possam ocorrer após aquela data”- facto 40.
Mas, como muito bem se acentua na sentença, a Ré “B… provou que enviou, por escrito, ao tomador do seguro, o aviso de pagamento, de onde constava o montante a pagar, assim como a forma e o lugar de pagamento, no entanto, não alegou nem demonstrou que tal aviso (apesar da data nele aposta ser 14/08/2015) tenha sido enviado ao tomador com a antecedência de trinta dias em relação ao momento do vencimento do prémio (01/10/2015), ou seja, pelo menos em 01/09/2015.
E, contrariamente ao defendido pela apelante, do simples facto de constar do aviso/recibo a data de 14/08/2015 não é possível inferir que o mesmo tenha sido remetido à Ré- patronal antes de 01/09/2015. Tal não resulta da matéria de facto provada (que a apelante não impugnou) nem é possível estabelecer-se uma presunção judicial relativamente a tal matéria.
Por outro lado, o efeito resolutivo do contrato previsto no artº 61º do DL n.º 72/2008 pressupõe o devido e tempestivo cumprimento do nº 1 do artº 60º de tal diploma, como expressamente se decidiu no citado Ac. da Rel. de Guimarães de 5/11/2015, e, no domínio da legislação anterior sobre contrato de seguro, mas com plena aplicação no domínio da nova legislação, nos acórdãos do STJ de 27/05/2009, (processo 08S3768) e da Relação de Coimbra de 20/09/2011, (processo nº 1097/10.0T2AGD), todos citados pela sentença e disponíveis em www.dgsi.pt.
Improcede, assim, o recurso independente.
Ficando prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.
x
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em:
- julgar improcedente a apelação independente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida;
- considerar prejudicado o conhecimento da apelação subordinada.
Custas de ambos os recursos pela Ré- seguradora.

Coimbra, 14/09/2018