Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
910/03.3TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE PERMUTA
ACESSÃO IMOBILIÁRIA
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.220, 289, 410, 473, 474, 479, 939, 1269, 1340 CC
Sumário: I – A declaração de nulidade de um contrato-promessa de permuta, no âmbito do qual nenhuma das partes transmitiu à outra qualquer bem (nem se invoca a entrega da posse), não pode levar à condenação da restituição de qualquer bem (ou da restituição da posse de qualquer bem).

II - À situação que resultar da construção autorizada de edifício no terreno prometido trocar, aplica-se o regime da acessão industrial imobiliária (art. 1340), não o das benfeitorias (arts. 289/3 e 1269 e segs), nem o do enriquecimento sem causa (arts. 473, 474 e 479, todos do CC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              A (…) & A (…) Lda, com sede em ..., ..., in-tentou contra          AP (…) e mulher, MS (…), residentes no ..., ..., a presente acção ordiná-ria  pedindo que: a)        se declare nulo, com todas as legais consequências, um contrato verbal, que identifica, celebrado entre a autora e os réus; b) se ordene a restituição aos réus de um talhão de terreno a que se refere aquele contrato; c) se condenem os réus a pagarem à autora o valor correspondente às obras por ela realizadas naquele terreno, no valor total de 375.000€; d) bem como a restituírem 1.984,59€ correspondente a metade do custo da li-cença de construção daquelas obras; e e) e ainda nos juros de mora sobre tais quantias, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento.

              Alega para tanto que o réu marido se comprometeu verbalmente, com o consentimento da ré mulher, a transmitir à autora aquele talhão de terreno, com projecto de construção, contra o comprometimento, por parte da autora, de construir o edifício e a transmitir aos réus duas das seis fracções autónomas destinadas a habitação do mesmo edifício; acrescenta que iniciou a construção do edifício, gastando 375.000€ na sua execução e entregando aos réus, para a obtenção da licença da mesma, 1.984.59€; mais tarde solicitou ao réu que procedesse à marcação da escritura da venda do talhão, respondendo-lhe o réu que não faria; entende que o contrato em conta é um contrato-promessa de permuta, nulo por falta de forma, o que tem as consequências que tirou acima, no pedido, considerando que a sua prestação consistiu, segundo ela, na construção do edifício.

              Os réus contestaram, dizendo, no essencial e em resumo, que: a ré não deu o assentimento ao negócio celebrado pelo réu; a autora aban-donou a construção do edifício por causa que nada tem a ver com o réu; não é através da declaração da nulidade do negócio que a autora se poderá ressarcir do valor das obras por si realizadas; concluem no sentido da improcedência da acção.

              A autora replicou, ampliando a causa de pedir: se não fosse em consequência da nulidade do contrato, as quantias pedidas sempre teriam que ser restituídas por enriquecimento sem causa.

              Os réus responderam, dizendo que também não era pelo enriquecimento sem causa que a autora poderia conseguir o que pretende.

              Depois de se ter avaliado o valor das obras feitas pela autora, fez-se o julgamento, acabando por se proferir sentença, em que se declarou nulo o contrato, se ordenou a restituição aos réus do talhão de terreno em causa e se condenou os réus a pagarem à autora 197.038,59€ (valor das obras e do que a autora entregou para a licença).

                                                                 *

              Os réus recorreram da sentença, terminando a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões:
         I. A restituição em espécie aos réus do talhão de terreno identificado nos autos só é viável com a demolição total das obras que nele foram incorporadas;
         II. Os recorrentes não tirarão qualquer partido das mesmas, sendo certo que, à luz do que foi negociado com a autora, só a sua conclusão lhes permitiria receber as contrapartidas devidas pela cedência do dito terreno;
         III.  A sua manutenção neste desde há cerca de dez anos tem--lhes antes causado consideráveis prejuízos, designadamente pela imobilização do valor desse terreno;
         IV. Acresce que as referidas obras, muito degradadas pelo decurso do tempo, como resulta das regras da experiência comum, constituem igualmente um desvalor, atentos os custos da sua demolição;
         V. Por conseguinte, os réus não podem ser condenados a pagar à autora o valor dessas obras com base no enriquecimento sem causa, como foi determinado pelo Sr. juiz a quo, ou como decorrência da própria nulidade do contrato;
         VI. Sem conceder, sempre teria que se considerar o enriquecimento patrimonial dos recorrentes, não apurado, que não o seu enriquecimento real, diversamente do que foi peticionado e julgado.
         VII. O único meio adequado para dirimir o presente conflito de interesses reside no instituto da acessão industrial imobiliária (art. 1340 do Código Civil [= CC]);
         VIII. A sentença recorrida violou, designadamente, o preceituado no art. 289 do CC, não podendo sequer ser executada.

              A autora não contra-alegou.

                                                                 *

              A autora também recorreu da sentença mas apenas quanto à questão dos juros: teria havido omissão de pronúncia quanto a tal questão.

              Os réus não contra-alegaram.

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              O Sr. juiz, ao abrigo do art. 668/4 do CPC, na redacção aplicável ao caso dos autos, supriu a nulidade, conhecendo a questão dos juros e acres-centando à decisão recorrida a condenação dos réus “a pagar à autora juros moratórios, à taxa legal que neste momento é de 4%, sobre 197.038€, contados desde a citação até integral pagamento”.

              Os réus manifestaram a vontade de que os autos subissem para apreciação também desta questão.

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              Questões que importa decidir: se não deveria ter sido ordenada a restituição do talhão de terreno aos réus, nem a condenação destes a pagar, e com juros, à autora o valor das obras que lá estão e a despesa invocada.

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              Foram os seguintes os factos dados como provados [acrescentam-se entre parênteses rectos palavras que faltam na transcrição dos factos dados como assentes e resultantes das respostas aos quesitos e identificam-se os factos que respeitam aos quesitos da base instrutória; na alínea FF) corrige-se o seu teor, já que na sentença recorrida se transcreveu o quesito 15 que tinha sido dado como não provado, em vez do quesito 14 que tinha sido dado como provado].

              A) A autora dedica-se, com carácter habitual e fins lucrativos, à actividade de construção civil, nomeadamente à construção de edifícios para posterior revenda das respectivas fracções autónomas.

              B) Os réus foram donos dum prédio rústico, com a área de 2.000 m2, sito em ..., freguesia de ..., a confrontar do norte com  caminho público, do sul com Herdeiros de ..., do nascente com ...e do Poente com Estrada Municipal, inscrito na respectiva matriz sob o  artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° 000 ....

              C) No decurso de 1996 o réu marido submeteu à aprovação da Câmara Municipal da ... um projecto para construção de um edifício habitacional multifamiliar, constituído por cave, destinada a estacionamento e arrumos,  rés-do-chão, 1° e 2° andares destinados a habitação.

              D) A implantação de tal edifício foi projectada para uma parcela com a área de 710 m2 do prédio identificado em B), com a configuração e localização  representadas nas plantas de localização e implantação juntas ao projecto de arquitectura.

              E) O edifício projectado apresenta uma área de implantação de 280 m2 e uma área bruta de construção de 762 m2, composto por cave, rés do chão, 1° e 2° andares, com duas fracções em cada piso, todas de tipologia “T3”, destinadas a habitação.

              F) Em 13/04/1998 foi licenciada a respectiva construção, através do alvará de licença de construção nº ..., emitido em nome do réu marido.

              G) O réu requereu o destaque da parcela de terreno, com a área de 710m2,  para onde foi projectada a construção do aludido edifício.

              H) O réu marido requereu a inscrição matricial do terreno destacado, entregando para o efeito, em 09/03/1998, na competente Repartição de Finanças, o respectivo modelo 129.

              I) Na sequência da apresentação de tal requerimento, foi a mencionada parcela de terreno inscrita em nome do réu marido, na matriz predial urbana da freguesia de ....

              J) Em data anterior a 13/04/1998, altura em que foi emitido o alvará de licença de construção do edifício a implantar no prédio mencionado em D) [e aludido no quesito 3 infra], a autora, através do sócio-gerente (…) e o réu marido acordaram, verbalmente, na troca de tal talhão de  terreno para  construção, por duas fracções autónomas do edifício para o mesmo projectado e cuja construção veio a ser licenciada pelo alvará n.º ....

              K) O réu comprometeu-se a transmitir para a autora a propriedade do talhão de terreno mencionado em D) [e aludido no quesito 3º infra], com o projecto de construção do edifício para aí previsto, devidamente aprovado e licenciado pela entidade administrativa competente.

              L) Em troca, a autora comprometeu-se a construir, a expensas suas, o edifício projectado para o terreno e a transmitir para os réus duas das seis fracções autónomas destinadas à habitação para o mesmo previstas.

              M) Devido às relações de amizade e mútua confiança na altura existentes entre o sócio-gerente da autora e os réus, não foi formalizado o negócio aprazado através de escritura pública, nem tão pouco foi celebrado qualquer contrato escrito.

              N) Na sequência [e em virtude do acordado, a autora iniciou a construção do] edifício projectado e aprovado para o talhão de terreno mencionado em D) e aludido no quesito 3° infra, realizando, a expensas suas, todas as obras necessárias [à implantação e edificação do prédio que aí se encontra implantado, até à fase em que actualmente se encontra, ou seja, com o “tosco” concluído].

              O)  A autora realizou no mencionado terreno as seguintes obras:

              a) - Limpeza, desaterro, marcação e abertura de alicerces;

              b) - Construção de toda a estrutura de pilares e placas, incluindo a laje   da cobertura;

              c) - Construção de todas as paredes, exteriores e interiores em tijolo;

              d) - Aplicação da telha na laje da cobertura;

              e) - Assentamento de peitoris, soleiras, ombreiras e torças, em granito,  em todos os vãos que dão para o exterior e nas portas de entrada das fracções;

              f) - Construção de um muro divisório entre o edifício e a via pública. 

              P) A autora suportou todos os custos inerentes à execução das obras realizadas no terreno mencionado em D), [e aludido no quesito 3º infra], nomeadamente os referentes à mão-de-obra e materiais nela incorporados e equipamentos e consumíveis utilizados na sua realização.

              Q) A autora entregou aos réus a quantia de 397.875$ (o que equivale a 1.984,59€), correspondente a metade do custo da licença de construção do edifício, e facultou-lhes o seu alvará de empreiteira de construção civil e o seu seguro de acidentes de trabalho, para estes procederem ao levantamento de tal licença.

              R) A cave  do edifício mencionada em e) é constituída por seis fracções, destinadas a garagem [resposta ao quesito 1].

              S) o projecto mencionado em C) foi aprovado por despacho de 29/01/1996 [= quesito 2].

              T) Por deliberação da Câmara Municipal da ... de 23/05/1999, foi-lhe deferido o destaque, ficando o terreno destacado com a seguinte descrição:
         “Parcela de terreno com a área de 710 m2, no sítio de ..., freguesia de ..., concelho da ..., a confrontar do norte com caminho público, do sul com herdeiros de ..., do nascente com ...e do Poente com Estrada Municipal, a destacar do prédio urbano descrito na CRP da ... sob o nº 000 ..., ..., omisso na matriz” [= quesito 3].

              U) Embora o negócio tenha sido acordado entre o réu marido e o sócio-gerente da autora, ... a ré mulher tinha pleno conhecimento do [mesmo e deu o] seu assentimento à sua concretização [= quesito 4].

              V) A autora executou a nível de acabamentos a colocação de aros das portas em madeira, as lareiras e os granitos dos vãos exteriores [resposta ao quesito 5].

              X) A autora realizou no mencionado terreno, nomeadamente, as seguintes obras:

              a. Aplicação de material isolante na caixa-de-ar das paredes exteriores;

              b. Instalação de toda a tubaria e respectivos acessórios das redes de água, esgotos, gás, electricidade, telefones e aquecimento central;

              c. Aplicação de caixas de estores em todos os vãos que dão para o exterior; 

              d. Assentamento de todos os aros das portas interiores das fracções, em madeira de mogno;

              e) Assentamento de seis lareiras, em moca creme, uma em cada fracção [= quesito 6].

              Z). O valor das obras executadas é de 195.144€ [resposta ao q. 7].

              AA) No início de 2000, surgiram atritos e desentendimentos entre o sócio-gerente da autora e o réu marido [= quesito 8].

              BB) Face a tais desentendimentos e porque na altura a autora já havia investido várias dezenas de milhares de contos na execução dos trabalhos e como não tinha qualquer documento que lhe assegurasse a transmissão do terreno a seu favor, solicitou [ao réu marido] que procedesse à marcação da respectiva escritura Pública [= quesito 9].

              CC) Este, porém, não o fez e afirmou, por diversas vezes, para o sócio-gerente da autora e para terceiros que já não faria qualquer escritura e que o negócio estava desfeito [= quesito 10].

              DD) Perante tal atitude do réu marido, no decurso do mês de Maio de 2000 a autora suspendeu os trabalhos de construção do mencionado edifício [= quesito 11].

              EE) Ulteriormente, a autora encetou diversas tentativas com vista à resolução consensual do assunto, que resultaram infrutíferas [= quesito 12].

              FF) O lote de terreno para construção urbana, com a área de 710 m2, no sítio de ..., mencionado no quesito 3, está actualmente inscrito na matriz da freguesia de ... sob o art. 198 e confronta do norte e nascente com caminho público, sul com herdeiros de ...e poente com os réus [= quesito 14]

              GG) A ocupação da aludida parcela de terreno pela autora, na sequência do contrato mencionado em J), K), L) e M), prolongou-se, pelo menos, por três anos [= quesito 19].

              HH) Os desentendimentos aludidos [nas alíneas AA) e BB] advieram  [de] suspeições lançadas pelo réu marido sobre ... sócio gerente da autora, a propósito dum anterior negócio semelhante ao que é objecto dos presentes autos [= quesito 21].

              II) O réu marido tomou impossível a continuação dos trabalhos, porquanto deixou caducar a licença de construção inicialmente emitida e, após a aprovação  do projecto de alterações que apresentou na Câmara Municipal da ..., não requereu a emissão da licença de construção referente a tais alterações no prazo conferido por lei, ou seja, no ano subsequente à data da notificação do despacho de aprovação [= quesito 22].

              JJ) O processo de obras referente à construção objecto deste acção foi, por isso, arquivado, por caducidade do despacho de aprovação [= quesito 23].

              LL) A autora iniciou na aludida parcela a construção do edifício para a mesma projectado e aprovado, com perfeito conhecimento de que se tratava dum terreno propriedade dos réus e com o conhecimento e anuência de ambos os réus [= quesito 24].

              MM) Não fora a confiança que o gerente da autora, (…) depositou nos réus, não teria iniciado os trabalhos sem previamente ter formalizado o negócio acordado entre ambas as partes [= quesito 25].

              NN) A solicitação dos réus, a autora tratava de tudo com a Câmara Municipal [resposta ao quesito 26].

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              Na sentença recorrida entendeu-se que os factos provados consubs-tanciavam a celebração, pela autora e pelos réus, de um contrato-promessa de permuta de bens imóveis, contrato atípico também denominado de “tro-ca” ou “escambo”, regulado subsidiariamente pelo regime do contrato-pro-messa de compra e venda, por força dos arts. 939, 410/1, ambos do Código Civil (= CC), pelo que devia constar de documento assinado por ambos os contraentes (arts. 410/2 e 875, ambos do CC - invoca-se no mesmo sentido, o ac do TRL nº. 0073208 da base de dados do ITIJ.

              Não o tendo sido, era nulo (art. 220 do CC), com as consequências do art. 289/1 do CC.               Conclui do que antecede: “assim, no caso, devendo a autora restituir aos réus o talhão de terreno, tendo a autora incorporado obras no valor de 195.144€, mais despendendo com licenças a quantia de 1894,59€, há que condenar os réus a restituir-lhe a mais valia patrimonial, correspondente a 197.038,59€”.

                                                                 *

              Como se vê das conclusões do recurso dos réus, eles não põem em causa a qualificação do contrato celebrado com a autora, nem a decisão quanto à nulidade do mesmo.

              O que põem em causa são as consequências tiradas.

              A sentença recorrida, para tirar as consequências em causa e tendo apenas invocado o nº. 1 do art. 289 do CC - : “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” – teve de partir do pressuposto de que os réus prestaram à autora o talhão e que a autora prestou aos réus a construção do edifício.

              Mas a prestação da autora aos réus não era esta, como até decorre da qualificação do contrato em causa como contrato-promessa. A prestação da autora era a sua futura declaração de vontade para a formação do contrato definitivo de permuta do terreno pelas duas fracções do edifício que iria construir.

              Quer isto dizer que a autora não fez qualquer prestação e assim os réus nada tinham que restituir, pelo que não podiam ser condenados a fazê-lo.

                                                                 *

              Quanto aos réus, a prestação deles também não foi a do talhão, entendida no sentido de lhe terem transmitido a propriedade dele. A prestação do réu era também a de fazer uma declaração futura para formação daquele contrato definitivo prometido. O mais que pode ter havido também – o que não vem alegado e por isso o carácter dubitativo da afirmação – era, para além da mera detenção do talhão, também a transferência da posse do mesmo para a autora, para nele construir o edifício.

              Portanto, também não podia ter sido ordenada a restituição do imóvel aos réus, pois que o imóvel nunca saiu do domínio dos réus. E muito menos da posse do imóvel (pois que a transmissão desta, como se viu, nem sequer foi alegada, nem foi pedida a restituição da posse).

                                                                 *
              No fundo, a sentença recorrida, apesar de qualificar o contrato como de promessa de permuta, decidiu como se o contrato fosse de permuta, sendo as contraprestações respectivas a transmissão do talhão e a construção do edifício…

              Mas o contrato é de facto um contrato-promessa e não um contrato definitivo nulo por falta de forma, pois que se fosse este o caso, então o réu não se teria comprometido a transmitir, antes teria transmitido logo. Tal como a autora não se teria comprometido a transmitir mais tarde as duas fracções…

              E se as prestações fossem aquelas, então não haveria qualquer correspectividade entre as mesmas: contra a entrega do talhão, a autora construiria o edifício para quem? Para ela? Então teria recebido o talhão sem contrapartida. Para os réus? Então porque é que a autora só teria que lhes vir a transmitir duas das seis fracções?

                                                                 *

               No fundo, a configuração da restituição nos termos da decisão recorrida, corresponde, no reverso (está-se a invocar a consideração de Heinrich Hörster, A Parte Geral do CC Português, Almedina, 1992, pág. 590: “”no fundo, a situação corresponde, de uma maneira inversa, aos efeitos do contrato de compra e venda (art. 879): os efeitos do art. 289/1 são o “reflexo” de cada um dos efeitos previstos nas três alíneas do ar. 879. Temos a retransmissão imediata da propriedade e as obrigações subsequentes de reentregar a coisa e de reembolsar o preço pago”) a considerar que o contrato se tinha traduzido na troca de um terreno por um edifício com seis fracções para habitação e 6 fracções para garagens, o que não tem qualquer correspondência com a realidade. E, em termos práticos, a solução encontrada na sentença recorrida, conduz a impor aos réus a compra de um edifício inacabado, com 6 fracções para habitação, mais 6 para garagens, por 197.000€, quando tudo o que eles queriam, ao contratarem, era virem a receber, em troca de um terreno, duas fracções em tal edifício, sem nada pagarem. Qualquer uma destas perspectivas só por si já indiciava que não podia ser como a autora queria.

                                                                 *

              A sentença recorrida, embora invoque a norma do art. 289/1 do CC, também invoca termos específicos do enriquecimento sem causa e este, como se viu, foi instituto que a autora também invocou como causa de pedir subsidiária.

              Diga-se antes de mais que o regime do enriquecimento sem causa (arts. 473 e segs do CC), só poderia ser invocado, se se assumisse que não poderia ser aplicado o regime da acessão industrial imobiliária (art. 474 do CC) e, para além disso, haveria então que ter em conta o enriquecimento real, limitado pelo enriquecimento patrimonial, dos réus (arts. 473 e 479, ambos do CC), pressupostos estes da aplicação de tal regime que não foram invocados.

              Ora, estando provado que a autora fez uma obra num prédio dos réus, com anuência destes [facto LL], e sendo esta obra a construção de um edifício num terreno sem nada, sendo pois uma obra, por isso, eminentemente inovatória, o regime que era de facto aplicável era o da acessão industrial imobiliária (art. 1340 do CC) e não o do enriquecimento sem causa.

               Não era, também, o regime da indemnização das benfeitorias (eventualmente aplicável, para o caso de terem sido alegados factos que impusessem a sua consideração, por força do art. 289/3 e 1269 e segs, todos do CC). Para se estar perante uma benfeitoria não poderia haver, pelo menos, a inovação referida acima – posição que, apesar das divergências de opiniões, todos os autores aceitam; apenas como exemplo, vejam-se as posições de Quirino Soares, no seu estudo sobre Acessão e Benfeitorias, na CJSTJ.1996, tomo I, págs. 11 e segs, “completado” há uns anos com um outro, sobre Construção de obra sobre edifício alheio, publicado nos Cadernos de Direito Privado, n.º 12 Out./Dez. 2005, págs. 3 e segs; e de Júlio Gomes, no seu O Conceito de Enriquecimento… Porto, 1998, UCP, págs. 322 e segs, especialmente pág. 332, quando lembra que “a benfeitoria, como resulta da sua própria definição no CC, é uma despesa realizada para conservar ou melhorar uma coisa e não para a transformar”).

               E o regime da acessão podia ser aplicável, mesmo que fosse caso de obrigação de restituição com base na nulidade, como se vê, por exemplo, em Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, 1ª edição, págs. 582/583. Aliás, é este o regime normalmente aplicável, na sequência da nulidade ou anulabilidade de negócios jurídicos, quando aquele que esteve na posse ou detenção da coisa, vem depois invocar as obras que fez nela, desde que não sejam simples benfeitorias (assim, por exemplo, no caso do ac. do STJ de 17/03/1998 (97A669 – estas referências, sem mais, são sempre à publicação na base de dados do ITIJ), houve a declaração de nulidade do contrato/arrematação; invocou-se o artigo 289 do CC e fala-se na devolução, mas as regras invocadas são as do art. 1340 do CC; considerou-se a obra como acessão e não como benfeitorias. E explicou-se: desajustada da realidade defluente do acervo factual provado é a afirmação de que as obras realizadas no prédio em causa se traduzem tão só numa melhoria da coisa, a que corresponderia apenas a uma benfeitorização da mesma. […] O que resulta, na verdade, de uma imparcial ponderação dos factos é que tais obras atingem uma envergadura e dimensão tais, reforçando e transformando a ossatura básica do prédio, que bem se pode concluir que elas se integraram definitivamente na sua estrutura alterando, dest' arte, a sua própria substância. Mas esta caracterização das obras é própria da acessão imobiliária, já que não implica, apenas, uma beneficiação do que já existe, como acontece com as benfeitorias. Ora, esta dicotomia assim modelada reflecte uma das distinções doutrinais, traçadas a este respeito, com larga tradição entre nós e que não deixa continuar a impor-se, perante importante sector do nosso pensamento jurídico, mesmo após a publicação do actual Código Civil. Assim, o Professor Vaz Serra, entendendo, embora, que o critério distintivo deve fundar-se na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras - critério a que todavia não reconhece validade absoluta - não deixa, todavia, de considerar que no caso de acessão, não se trata, como sucede no âmbito das benfeitorias, apenas de conservar ou melhorar uma coisa de outrem, mas de construir uma coisa nova, mediante alteração da substância daquela em que a obra é feita (Rev. Leg. Jur. 108, páginas 265 e seguintes; Professor Manuel Rodrigues, A Posse, n. 73; Professor Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, página 274; Cunha Gonçalves, Tratado, III, página 301). No caso do ac. do STJ de 30/06/2009 (268/04.3TBTBU.C1.S1) há declaração de nulidade da compra e venda e aplica-se a acessão. No caso do ac. do STJ de 02/07/2009 (09B0534) trata-se de construção de edifícios e no que se fala é na acessão imobiliária. No caso do ac. do STJ de 16/06/2003 (03B4377) resulta da leitura do acórdão que também esteve em causa, antes, a anulação do contrato com base no qual os réus eram donos do prédio onde fizeram a reestruturação total do edifício.

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               Assim procedem parcialmente as conclusões V a VIII dos réus, sendo irrelevantes as 4 primeiras, o que, esclareça-se, não tem reflexos quanto à declaração de nulidade do contrato, questão que até seria de conhecimento oficioso (art. 286 do CC). Ela foi um pressuposto das consequências tiradas, pelo que delas não podia estar dependente, e foi só quanto às consequências tiradas que o recurso foi interposto.

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               Sumário:

               I – A declaração de nulidade de um contrato-promessa de permuta, no âmbito do qual nenhuma das partes transmitiu à outra qualquer bem (nem se invoca a entrega da posse), não pode levar à condenação da restituição de qualquer bem (ou da restituição da posse de qualquer bem).

               II - À situação que resultar da construção autorizada de edifício no terreno prometido trocar, aplica-se o regime da acessão industrial imobiliária (art. 1340), não o das benfeitorias (arts. 289/3 e 1269 e segs) nem o do enriquecimento sem causa (arts. 473, 474 e 479, todos do CC).

                                                                 *

               Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença excepto quanto à declaração de nulidade do contrato (do contrato promessa celebrado), declaração que se mantém, absolvendo-se os réus dos outros pedidos.

               Custas pela autora quanto ao recurso.

               Quanto à acção: custas em 2/3 pela autora e 1/3 pelos réus.

              


Pedro Martins (Relator)
Emídio Costa
Gonçalves Ferreira