Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/14.8TBVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
FACTOS ESSENCIAIS NUCLEARES
FACTOS ESSENCIAIS COMPLEMENTARES
FACTOS INSTRUMENTAIS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.5, 607 CPC, 334, 798, 1031, 1032 CC
Sumário: 1. - Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.

2. - Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares (ou principais) – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.

3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes, por não contenderem com o regime substantivo aplicável ao caso), factos essenciais complementares (com papel completador de uma causa de pedir, ou excepção, de natureza complexa, por congregante de diversos elementos) ou concretizadores (na função de pormenorizar ou decompor os factos nucleares, em moldes indispensáveis para a procedência da acção ou da excepção) dos alegados pelas partes –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material.

4. - Traduzindo a alegação uma declaração de existência (ou inexistência) de um facto, ela pode ser expressa ou tácita/implícita, podendo deduzir-se um facto complementar ou concretizador não expressamente articulado de factos essenciais nucleares alegados que, com toda a probabilidade, o revelem.

5. - Sendo o contrato de arrendamento urbano oneroso e sinalagmático, a obrigação de realização de obras pelo locador tem de ser vista à luz do princípio da equivalência das atribuições patrimoniais e da justiça contratual (subprincípio da boa-fé objectiva).

6. - Por isso, tem de ponderar-se a relação entre o custo das obras necessárias e o valor da renda paga, sob pena de violação de elementares exigências de justiça e equidade contratual e, assim, de abuso do direito.

7. - Se, nessa ponderação, o custo das obras é tal que só ao fim de várias décadas será amortizado pelas rendas pagas, então deve considerar-se inexigível a realização de tais obras.

8. - Nesse caso, a culpa do locador pela omissão de obras de conservação apenas releva para efeitos indemnizatórios ao arrendatário, nos termos do disposto no art.º 798.º do CCiv..

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

I (…), com os sinais dos autos,

intentou ([1]) a presente ação declarativa comum contra

S (…) & Filhos, S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a R. condenada a:

«a) Realizar no prédio identificado no art.º 1.º da petição as obras necessárias e adequadas a repor as condições de habitabilidade do rés-do-chão, nomeadamente, a reparação e/ou substituição do telhado por forma a que evite qualquer infiltração de água ou humidade no rés-do-chão, reparação e/ou substituição das janelas e portadas exteriores por forma a assegurar um adequado isolamento térmico, acústico e de luminosidade e reparação geral das paredes, tetos e soalho do arrendado por forma a eliminar as anomalias causadas pelas infiltrações de águas, substituindo os rebocos caídos e podres, reparando as paredes, pintando as paredes e tetos, etc. e entregando o arrendado à autora em condições de habitabilidade, tudo no prazo de 30 dias a contar da sentença;

b) pagar à autora a quantia de € 150,00 por cada mês, contados desde 15 de abril de 2014, correspondentes ao montante das rendas que a autora paga pelo arrendado do apartamento referido nos artigos 28º e 29º (…) até que a ré efectue as obras referidas em a) e disponibilize à autora o arrendado em condições de habitabilidade, acrescido dos juros legais contados desde a data de liquidação de cada uma das rendas até integral pagamento da ré à autora;

c) pagar à autora o montante que se vier a liquidar em execução de sentença relativo aos prejuízos causados com a deterioração e inutilização dos móveis, electrodomésticos, livros e tudo o mais existente no arrendado, propriedade da autora, em consequência das infiltrações de água, a liquidar em execução de sentença;

d) pagar à autora a quantia de € 5.000,00 a título de danos morais».

Para tanto, foi alegado, em síntese, que:

- no âmbito de contrato de arrendamento para habitação celebrado em 01/09/1976, relativo ao rés-do-chão de identificado prédio urbano – de construção anterior a 1940 –, tendo a A. passado a ocupar a posição do primitivo arrendatário (marido, entretanto falecido, da demandante), e sendo, nos termos contratuais, as obras exteriores a cargo do senhorio, nunca a R. efetuou obras de conservação, o que ocasionou infiltrações de água pelo telhado, atingindo também o locado, com inerentes danos, seja no espaço locado, seja em bens que a A. ali mantinha e ali continuam, por não ter outro espaço para onde os mudar;

- perante tal situação, a A. teve de abandonar o locado, por falta de condições mínimas de habitabilidade, o que foi comunicado à R., que ignorou os apelos daquela, vendo-se a demandante na necessidade de procurar provisoriamente outra habitação, pelo que veio a celebrar, com início em 15/04/2014, contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo de um ano, de um apartamento mobilado, com um montante de renda mensal de € 150,00, que passou a pagar;

- a R. continua a recusar-se a realizar as obras necessárias, querendo desde há muito que o inquilino abandone o arrendado, sendo que a conduta daquela causa à A., com 75 anos de idade, grande transtorno e desorientação, bem como medo e depressão, devendo tais danos morais ser objeto também de reparação.

A R. contestou, impugnando diversa factualidade alegada pela A. e alegando que:

- à data da celebração do contrato a renda mensal era de valor correspondente a € 9,98, recentemente atualizada para € 50,00, sendo que ao longo dos 38 anos de relação contratual a A. nunca comunicou à R. qualquer necessidade de obras;

- as obras exigidas podem ascender ao montante de € 100.000,00 sendo manifestamente abusivo a A. vir peticioná-las face ao montante de renda pago mensalmente;

- a R. não pode ser responsabilizada pelo estado dos bens móveis pertença da A..

Conclui, assim, pela improcedência da ação e consequente absolvição total da demandada.

Na audiência prévia, tendo a A. exercido o contraditório, pugnando pela inexistência de abuso do direito, foi proferido despacho saneador, seguido de enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

Realizada perícia, deduziu a A. incidente de liquidação, que foi admitido, peticionando, quanto à al.ª c) do pedido originário, a condenação da R. no pagamento da quantia de € 12.000,00, a que a demandada deduziu oposição, pugnando pela improcedência da matéria incidental.

Realizada audiência final, foi proferida sentença, com decisão da matéria de facto e de direito, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição total da R..

Da sentença veio a A., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

(…)

Contra-alegou a R., pugnando pela manutenção, por bem fundada, da sentença recorrida.


***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito da apelação

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte apelante – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([2]) –, importa saber:

a) Se deve alterar-se a decisão de facto da 1.ª instância, por erro de julgamento (supressão de parte dos pontos 12, 13, 14 e 17, bem como da totalidade do ponto 26, todos da factualidade dada como provada; aditamento aos pontos 11 e 18, da mesma factualidade; e inclusão na factualidade provada do alegado no art.º 26.º da petição inicial e ainda que “Os factos ocorridos causaram à autora grande transtorno e desorientação, andando triste e deprimida”).

b) Se ocorre abuso do direito na exigência de obras;

c) Se estão verificados os pressupostos de procedência dos pedidos da ação.


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III – Fundamentação

A) Impugnação da decisão da matéria de facto

1. - A Recorrente, inconformada com a sentença absolutória proferida, começa por impugnar a decisão de facto, pretendendo, desde logo, que se proceda, pela via recursória, à supressão de parte dos pontos 12, 13, 14 e 17, todos da factualidade dada como provada.

Assim, pugna pela eliminação dos seguintes segmentos fácticos a considerar:

- “já em 1976 o imóvel apresentava sinais de que carecia de intervenção a nível de obras de conservação” (ponto 12);

- “nem a autora ou seu marido efectuaram obras no interior do locado” (ponto 13);

- “… pelo telhado do prédio aludido em 3…” (ponto 14);

- “… o aludido em 16 ficou a dever-se à pluviosidade intensa que nessa altura do ano se fez sentir, e provocou a queda de parte do telhado…” (ponto 17).

E pela eliminação total do ponto 26, de que consta que “o aludido em 25) ocorre em virtude de não ser possível substituir ou repor as telhas sem proceder a obras de recuperação do imóvel, atento o seu estado avançado de degradação”.

2. - Em primeiro lugar, esgrime a Apelante que os factos dos pontos 12, 13, 17 e 26 não foram alegados e não são (meramente) instrumentais, antes se tratando de factualidade essencial (pelo seu extremo relevo para a decisão da causa), relativamente à qual não foi exercido o princípio do contraditório.

Haverá, então, violação do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv., como pretende a impugnante?

Dispõe este normativo legal que cabe às partes o ónus de alegar os factos essenciais constituintes da causa de pedir e fundantes das exceções deduzidas (n.º 1), acrescentando serem ainda considerados pelo tribunal (n.º 2), para além de outros, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (al.ª a)), bem como os (essenciais) que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham as partes tido a possibilidade de se pronunciar (al.ª b)).

Como refere Abrantes Geraldes ([3]), «importa reflectir nas modificações operadas em sede de delimitação dos “temas da prova”, por contraposição com o anterior sistema assente em “pontos de facto da base instrutória” ou com o anacrónico sistema dos “quesitos”, impondo-se agora se atenuem os efeitos de um determinado e frequentemente excessivo rigorismo formal, já criticável perante o sistema anterior», determinando o novo sistema «que a produção de prova em audiência tenha por objecto “temas da prova”(art. 596.º) enunciados na audiência prévia, em vez de incidir sobre “factos” sincopados, tendo-se optado por inscrever a decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença (art. 607.º, n.º 3)», perante o que será de admitir «uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais que deixem a justiça à porta do tribunal» ([4]).

E o próprio CPCiv. revogado – já desde a redação dada pela Lei n.º 180/96, de 25-09 – previa a “consideração, mesmo oficiosa, de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa” (respectivo art.º 264.º, n.º 2), bem como dos “factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório” (n.º 3 do mesmo normativo).

Como vem entendendo o STJ ([5]):

«Com as últimas reformas do processo civil, porém, as partes, por um lado, perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, e, por outro, o Tribunal passa a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio que é, em derradeira análise o fim último de todo o processo.

(…) Reconhece-se, agora, ao Juiz a “possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, os factos meramente instrumentais e [d]os utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa”».

No mesmo sentido se chama a atenção para a necessidade de «considerar de uma forma inovadora em face do NCPC que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto. Para o efeito já não valem, como valiam em face do art. 646º, nº 4, do anterior CPC (…), os argumentos de pendor formalista. Mais do que nunca, é possível agora o juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5º, nº 2.

O modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo.

Atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório. Na verdade, continua a caber às partes a definição do objecto do litígio (…).

Certo é, porém, que (…) o juiz tem agora a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.

Esta simples afirmação logo aponta para uma evidente conclusão: a de que, relativamente aos factos instrumentais – ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais (à procedência da pretensão do autor e à procedência da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu), relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes – o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova» ([6]).

O tribunal pode agora, ao abrigo do dito art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., acolher para a decisão factos que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e mesmo que a parte nenhuma vontade tenha manifestado quanto à sua utilização (seja por os não ter alegado ou por não ter manifestado tal vontade na sequência do respetivo conhecimento no âmbito da instrução).

Assim, só está afastada a intervenção oficiosa corretiva do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais “nucleares” ou “principais” (aqueles que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas), continuando a manter-se de forma irrestrita o princípio do dispositivo. Já quanto aos demais (factos instrumentais ou factos essenciais que sejam complementares ou concretizadores de outros alegados pelas partes) poderão os factos não alegados ser tidos em conta pelo tribunal, sem limitações relativamente aos instrumentais e com sujeição à possibilidade de exercício do contraditório no concernente aos restantes (essenciais).

Como refere Paulo Pimenta ([7]), os factos essenciais nucleares – diversamente e por contraposição aos factos essenciais complementares e concretizadores – «constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respectiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção», enquanto os “complementares” e os “concretizadores”, «embora também integrem a causa de pedir ou a excepção, não têm já uma função individualizadora» ([8]) ([9]).

Quanto aos factos meramente instrumentais, serão eles os não substantivamente relevantes, os que, «por não contenderem com a definição, densificação ou substanciação da fattispecie normativa em que assentam as pretensões dos litigantes, podem ser, mesmo que não alegados, objecto de consideração oficiosa pelo julgador, bastando que resultem da instrução e discussão da causa» ([10]).

Ora, revertendo ao caso dos autos, parece claro que os factos mencionados não são meramente instrumentais, já que, obviamente, dotados de manifesta relevância substantiva, mas também não constituem factualidade essencial nuclear/principal, donde que hajam de caber na categoria dos factos essenciais complementares ou concretizadores a que alude a al.ª b) do n.º 2 do art.º 5.º do NCPCiv..

Donde que possam ser atendidos se alegados – ainda que de forma implícita/tácita ([11]) – ou, mesmo oficiosamente, se resultantes da instrução/discussão da causa e as partes tiveram a possibilidade de sobre eles se pronunciar.

Vejamos, então.

Contrariando a posição da Recorrente, defende a Apelada que se trata de factualidade (a dos pontos 12, 13, 17 e 26) meramente instrumental, o que já vimos não ser o caso.

Depois, argumenta a Apelada que foi a própria A./Apelante quem alegou o factualismo impugnado, desde logo o do ponto 12, chamando a atenção para os art.ºs 13.º a 18.º da petição inicial (p. i.).

Ora, é certo que a A./Apelante deixou alegado na p. i. que, desde, pelo menos, 1976, a R. nunca efectuou obras de conservação no imóvel, cuja construção é anterior a 1940 (art.º 13.º), em consequência do que vêm ocorrendo infiltrações (art.º 14.º) e decorrentes danos (art.ºs 15.º a 18.º).

Perante este quadro fáctico expressamente alegado, não vemos que o segmento controverso do dito ponto 12 extravase do complexo factual trazido aos autos, devendo o mesmo ter-se por implícito, como desenvolvimento, do assim alegado, pois que foi a própria A. a admitir que o imóvel já tinha mais de 36 anos de construção em 1976 e que pelo menos desde então nunca foram efectuadas tais obras.

Assim, não parece verificar-se nesta parte a anomalia apontada, já que o segmento respondido, de pendor explicativo (face ao respondido ao seguinte ponto 13), resulta da interligação dos factos alegados e de um simples desenvolvimento dentro do quadro factual trazido aos autos (o estado de conservação do imóvel e necessidade de obras de conservação). Acresce que o julgador, no âmbito do elenco dos factos essenciais, “pode e deve correlacioná-los, fazer a interpretação factual que considerar mais adequada e concluir com as respostas que daí resultem” ([12]).

Doutro modo, cairíamos – salvo o devido respeito – numa posição de excessivo rigor formal, arredada ou, ao menos, limitadora da justiça material que se quer ver fomentada no processo civil, com o risco de não poder o tribunal dar respostas explicativas dentro do quadro factual problemático trazido aos autos.

Donde que não possa acolher-se nesta parte a argumentação da Apelante, inexistindo violação ao disposto no art.º 5.º do NCPCiv..

Passando ao ponto 13 – pretende a A. que seja suprimido apenas o segmento nem a A. ou seu marido efetuaram obras no interior do locado, mantendo-se o demais (que “Desde 1976 que a ré nunca efectuou obras no prédio aludido em 2) e 3) ao nível do telhado, das paredes, janelas e portadas exteriores do rés-do-chão”) –, dir-se-á que continuamos no âmbito do quadro fáctico atinente ao estado de (não) conservação do imóvel e causas respectivas, matéria que, evidentemente, está no âmago do litígio e da inerente discussão, tendo o Tribunal a quo optado por uma resposta explicativa, de molde a procurar deixar explicitadas, em toda a sua extensão, as razões para a situação actual, matéria com relevância para a decisão dos pedidos formulados na acção.

Assim, valem aqui também as razões anteriormente indicadas para o ponto 12, devendo fomentar-se soluções que permitam a prevalência da justiça material sobre o rigorismo meramente formal, contanto que se esteja, como está, dentro do quadro fáctico discutido nos autos, devendo permitir-se respostas explicativas quanto aos factos alegados, de modo a deixá-los adequadamente contextualizados, relacionados e dimensionados.

E o mesmo se diga quanto ao segmento controverso do ponto 17, de nítido pendor explicativo, pois que de intencionalidade reveladora da causa do facto do ponto 16, sem o que não se entenderia bem tal ponto 16, isto é, ficaria sem se saber da razão pela qual “Em fevereiro de 2014 o telhado do prédio ficou parcialmente removido, ficando parte da cobertura da casa sem telhas e nas restantes partes muitas das telhas soltas, levantadas e retiradas do seu local”, matéria, obviamente, de grande relevância para a boa decisão da causa.

Já quanto ao questionado ponto 26) – aqui pretende a Recorrente a total supressão do facto respondido – tem de repetir-se o explanado quanto ao ponto 17: trata-se, novamente, de facto com nítido pendor explicativo, revelador da causa/motivação do facto do ponto 25, sem o que não se entenderia adequadamente tal ponto 25, isto é, ficaria sem se perceber a razão pela qual “… a ré não efectuou qualquer obra de reparação do telhado, recusando-se a repor as telhas que faltam, no seu devido local, bem como a proceder à reparação das janelas e portadas exteriores do imóvel …”, matéria claramente relevante para a boa decisão da causa, no escopo da realização da justiça material.

Inexistindo, pois, violação ao preceituado no art.º 5.º do NCPCiv., têm de improceder os argumentos da Recorrente em contrário.

3. - Invoca depois a Apelante que a prova quanto aos questionados pontos 12, 13, 17 e 26 se baseou apenas no depoimento de parte do sócio gerente da R., meio de prova legalmente inadmissível para tanto, à luz do disposto no art.º 352.º do CCiv..

Porém, compulsada a motivação da decisão de facto da sentença ([13]), verificamos que a convicção do Tribunal assentou, desde logo, nesta parte – como o mesmo expressamente reporta – na prova pericial (relatório/“laudo apresentado de fls. 134 a 147 dos autos, com os esclarecimentos de fls. 173/174”), seja quanto ao “estado actual do locado” ou às “obras necessárias à reposição das condições de habitabilidade no locado e o custo das mesmas”, seja já “quanto às causas da degradação do imóvel e o referido laudo aponta o que considera estar na base da sua origem” ([14]).

Mas também na prova testemunhal – conjugada com as demais provas produzidas –, com a testemunha (…) a depor sobre a existência de uma tempestade, ocorrida no início de 2014, sobre a existência de “um buraco no telhado”, bem como “telhas levantadas do outro lado”, sendo que “a estufa também teve estragos e outra casa mais abaixo” e que não houve reparação “por não ser possível reparar” (cfr. fls. 219 e 220); a testemunha (…), por sua vez, a depor sobre a sua deslocação ao local do imóvel locado (com a testemunha Isaías), “no princípio do ano de 2014”, sendo que “estava a madeira com bicho” e que “do outro lado ficou um buraco por o vento ter levantado as telhas. Disse que no telheiro caíram telhas” (cfr. fls. 220); e a testemunha (…)a depor que “já vivia na casa há 25 anos e no início de fevereiro de 2014 houve uma tempestade muito grande e ouviu um estrondo, tinha caído um pedaço de telhado”, o que a levou a deixar o imóvel (fls. 220).

Âmbito probatório em que pôde o Tribunal a quo concluir que «da prova produzida resulta que já em 1976 o locado apresentava sinais de necessitar de algumas obras, sendo que, depois dessa data não foram realizadas quaisquer obras, interiores ou exteriores nem pela ré nem pela autora ou seu marido, sendo que, em virtude da ausência das mesmas começaram a ocorrer pequenas infiltrações, e posteriormente em fevereiro de 2014 o telhado ruiu, causando o deslocamento de telhas, com a consequente entrada de água no locado.

Acresce que, da perícia realizada foi possível apurar o recheio existente no locado, o estado do mesmo e o estado do locado, bem como as obras necessárias a dotar o mesmo de condições de habitabilidade e o valor de tais obras.

(…)

Também da prova produzida resultou que a autora, votou o locado ao abandono, pois não obstante a queda do telhado e a inundação do locado a autora não se deu ao trabalho de retirar do mesmo quaisquer objectos, nem mesmo fotografias, livros, roupas de enxoval e coisas do dia-a-dia, para as quais certamente não era necessário grande espaço para as arrumar e guardar, sendo que, se as mesmas se retiradas logo após a inundação ainda seriam recuperáveis. A este propósito, a testemunha P (....) , referiu que na ausência da autora foi à casa e chovia torrencialmente no interior da mesma comparando a “um chuveiro” o que ali encontrou, sendo que, a mesma não revelou qualquer preocupação de face ao que encontrou diligenciar pela retirada de alguns objectos, pelo menos os de mais fácil transporte como as fotografias e outros objectos pessoais. Antes pelo contrário, disse que, não tem conhecimento que, dali tivessem sido retirados quaisquer objectos» (cfr. fls. 221).

Em suma, da leitura da motivação da decisão de facto (fundamentação da convicção) logo se depreende quais os elementos de prova, mormente pericial e testemunhal, a que o Tribunal recorrido atendeu para formar, nesta parte, a sua convicção, o que logo afasta, como é manifesto, a conclusão da Recorrente de que a convicção probatória se fundou (apenas) no depoimento de parte.

Se tal conclusão não resulta, de modo algum, demonstrada, o que se mostra é, afinal, o contrário, isto é, que foram atendidos outros elementos de prova, legalmente admissíveis e valoráveis, como as ditas provas de natureza pericial e testemunhal, que o Julgador valorou de acordo com a sua livre convicção, em conformidade com o disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv., e sem violação, pois, do disposto no invocado art.º 352.º do CCiv..

Donde que também hajam de improceder nesta parte as conclusões da Apelante.

4. - Por fim, pretende a impugnante diversos aditamentos à factualidade provada.

Desde logo, que se acrescente aos pontos 11 e 18 dos factos provados a expressão “devido aos factos referidos em 16 e 17”.

É a seguinte a redação desses dois pontos fácticos apurados:

«11 – O prédio aludido em 3) tem, para além do rés-do-chão aludido em 2), um andar superior, o qual sempre foi habitado por terceiros, ligados à ré (filha e neta do administrador da ré), até fevereiro de 2014, altura em que deixou de ser habitado por não ter condições de habitabilidade.

(…)

18 – Pelo menos desde dezembro de 2013, que a autora já não permanecia no locado com carácter de habitualidade, sendo que, após a data aludida em 16) abandonou o imóvel aludido em 2), o qual deixou de ter condições de habitabilidade».

E dos pontos 16 e 17 consta:

«16 – Em fevereiro de 2014 o telhado do prédio ficou parcialmente removido, ficando parte da cobertura da casa sem telhas e nas restantes partes muitas das telhas soltas, levantadas e retiradas do seu local.

17 – O aludido em 16) ficou a dever-se à pluviosidade intensa que nessa altura do ano se fez sentir, e provocou a queda de parte do telhado, fazendo com que a água das chuvas invadisse o 1º andar e através do soalho se infiltrasse e invadisse desde então o rés-do-chão aludido em 2), caindo água pelos tetos, escorrendo pelas paredes e empoçando o soalho na sala coberto por alcatifa, ficando o mesmo totalmente inundado com água, com os soalhos de todas as divisões cobertos de água e todas as mobílias, colchões, móveis, electrodomésticos, livros existente no arrendado totalmente encharcados».

Pretende, assim, a Apelante aditamento explicativo (nexo causal) às respostas aos referidos pontos 11 e 18, com referência à queda parcial do telhado ocorrida em fevereiro de 2014, por efeito de pluviosidade intensa, e consequente invasão da água das chuvas.

Ora, do ponto 11 já consta que o andar superior do prédio foi habitado até fevereiro de 2014, altura em que tal deixou de ocorrer por falta de condições de habitabilidade, sabendo-se, como visto, que foi então que ocorreu a queda parcial do telhado. Donde a desnecessidade de aumento do âmbito explicativo da respetiva resposta fáctica.

E, quanto ao ponto 18, provado que, desde (pelo menos) dezembro de 2013, a A. já não permanecia no locado com carácter de habitualidade, tal não pode, obviamente, decorrer do ocorrido em fevereiro de 2014.

E se, após a dita queda parcial do telhado (fevereiro de 2014), a R./Apelante, no contexto descrito, abandonou o imóvel, que deixou de ter condições de habitabilidade, inútil se mostra aditar o conteúdo fáctico explicativo de que tal ocorreu “devido aos factos referidos em 16 e 17”.

Donde a desnecessidade do pretendido aditamento fáctico explicativo.

Mais pretende a Recorrente o aditamento aos factos provados do alegado sob o art.º 26.º da p. i., por ter sido confessado pelo legal representante da R..

Nessa sede deixou a A. alegado que, não obstante o ocorrido em fevereiro de 2014 ser conhecido da R., a A. comunicou-lhe e mostrou-lhe esta realidade e solicitou a urgente reparação do telhado, pelo menos por forma a evitar a invasão do rés-do-chão pela água.

E é certo que (…), administrador da sociedade R., ouvido em depoimento de parte em representação da mesma, respondeu afirmativamente ao art.º 26.º da p. i., com o esclarecimento de que a A. “já não residia nessa data no imóvel”, o qual mantinha “ocupado” e onde se “deslocava com alguma regularidade”, sendo que “o declarante mandou a sua filha avisar a autora que, face ao estado do imóvel, seria prudente retirar os pertences de valor a fim de evitar que os mesmos se degradassem” (cfr. ata de fls. 201 v.º e 202).

E, se tal prova produzida por depoimento de parte foi valorada pelo Tribunal – que referiu que o depoente de parte “admitiu parte da factualidade alegada, nos termos constantes da respectiva acta que aqui se dá por integralmente reproduzida, pelo que, na parte em que a referida matéria constitui uma confissão nos termos do disposto no artigo 352.º do Código Civil, considera-se tal matéria assente” (cfr. fls. 218) –, certo é também que a factualidade pretendida, nos moldes em que formulada na p. i., não se encontra expressamente contemplada no quadro fáctico provado.

Todavia, consta com formulação diversa, em moldes até mais detalhados/concretizados, pois que se deu como provada a troca de correspondência entre as partes quanto a esta matéria, em modelo claramente datado e elucidativo (a A. não esclarecia/alegava a data concreta em que a contraparte tomou conhecimento da situação, o que conferia vacuidade temporal à sua alegação).

Assim, foi julgado provado que:

«20 – Pela autora foi enviada à ré carta registada com AR datada de 5 de maio de 2014, cuja cópia consta de fls. 52/53 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual foi recepcionada em 06/05/2014, conforme cópia de fls. 54 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no âmbito da qual, alegava além do mais que não tem condições económicas para realizar as obras, pois em 2012 teve um rendimento anual bruto corrigido de € 4.532,53, conforme documento de fls. 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21 – Na sequência da carta aludida em 20) foi pela ré remetida carta à autora datada de 8 de maio de 2014, cuja cópia consta de fls. 56/57 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».

Ora, do teor dessa correspondência postal, dando o Tribunal como reproduzido factualmente o respectivo conteúdo documental, resulta ilustrado o factualismo vertido naquele art.º 26.º da p. i., em termos, como dito, de maior concretização que o alegado (comunicação da situação pela A., solicitando a urgente reparação do telhado, após a queda parcial deste, de modo a evitar a invasão do rés-do-chão pela água, e resposta da contraparte).

Donde, por redundante e vago, a desnecessidade de aditamento do vertido no art.º 26.º da p. i..

Pugna também a demandante pelo aditamento, como provado, de que os factos ocorridos lhe causaram grande transtorno e desorientação, andando triste e deprimida.

Tal matéria foi julgada não provada na sentença, com fundamento na ausência de prova dessa factualidade (cfr. fls. 221 e segs.).

A impugnante contrapõe – em sede de alegação recursória, embora sem transposição para as respetivas conclusões – que se trata de “facto notório, para quem tem experiência de vida e conhecimento do comum dos cidadãos dos concelhos de Vousela e São Pedro do Sul, com a idade e história de vida da autora”, mas também que tal foi “confirmado pelas testemunhas da autora, nomeadamente a testemunha P (....) ”, que relatou o estado de espírito da A..

Ora, se é patente que os factos do domínio psicológico/interior das pessoas não podem ter-se por factos notórios, antes carecendo de prova em concreto, nem podem presumir-se ou resultar, sem mais, da experiência comum em qualquer caso, resta verificar se o dito quadro de transtorno e desorientação, bem como tristeza e depressão, resulta comprovado do teor do depoimento da testemunha (…) a única que a impugnante concretizou e cujo segmento pertinente situou quanto às passagens da gravação em que se funda.

E, ouvido este depoimento, no segmento reportado, conclui-se que a testemunha – filha da A., como consignado em ata de fls. 202, e que na sentença se considerou ter prestado “depoimento de forma claramente comprometida com a versão da autora, motivo pelo qual o seu depoimento, só na parte em que se mostrou corroborado pelos demais elementos probatórios é que logrou convencer o Tribunal” (cfr. fls. 218) – referiu que a situação causou à A. impacto emocional, com tristeza e choro, por ter vivido muitos anos no locado com o seu falecido marido e por ver “tudo estragado”.

É sabido que a prova de um quadro de (grande) transtorno e desorientação, acompanhado de depressão, deve, em condições normais, ser objecto de prova técnica, do foro médico ou psicológico, por se tratar de matéria técnica não ao alcance do não especialista.

Não se mostra que a testemunha em questão seja especialista nestas matérias (resulta da ata de fls. 202 exercer funções de serviços gerais em balneários termais), pelo que, de per si, o seu depoimento, não corroborado por prova técnica, não seria bastante para convencer da existência do dito quadro de transtorno, desorientação e depressão.

Acresce tratar-se de pessoa familiar da A. (filha), que prestou depoimento sem o necessário distanciamento perante esta parte, o que limita a sua isenção/idoneidade e o correspondente valor probatório, não sendo deslocada, nesse âmbito, a afirmação do Tribunal recorrido – que ouviu e observou a testemunha, com acesso, pois, a todas as condicionantes e cambiantes da prestação do depoimento – no sentido de algum comprometimento da testemunha com a versão da A., enfraquecendo a força probatória do depoimento prestado, a demandar acrescida prova corroborante, não convocada pela impugnante.

Donde que, em autónoma convicção formada pelo Tribunal ad quem, se conclua, ouvida a invocada e situada gravação sonora, como na sentença, não se vislumbrado que tenha ocorrido erro na apreciação das provas.

Finalmente, a Apelante insurge-se contra segmento dado como provado no âmbito do ponto 14, não se conformando que seja tido por apurado que as pequenas infiltrações de água, ocorrentes desde há anos, proviessem do telhado do prédio.

Expende que tal matéria, embora alegada pela A., não foi confessada pela R. e resultou inverificada da instrução da causa.

Ora, é verdade que foi a A. quem alegou tal factualidade, constando do art.º 14.º da p. i. que “desde há vários anos que vêm ocorrendo infiltrações de água pelo telhado no prédio”, sendo que estas “atingiam o rés-do-chão arrendado à autora, provocando humidade e escorrências de água pelos tetos e paredes” (art.º 15.º da p. i.).

Trata-se, pois, de factualidade do conhecimento direto e pessoal da inquilina (A.), reportado às condições do locado onde habitava, que esta alegou expressamente e que não retirou ou alterou, vindo, porém, proferida a sentença, a insurgir-se, de forma insólita, contra a presença do assim por si alegado no quadro de facto dado como provado.

Note-se que não é a contraparte (a R., contra quem essa factualidade foi alegada) a insurgir-se contra esse juízo afirmativo fáctico do Tribunal recorrido; é a própria parte que alegou o facto como verdadeiro que se insurge contra o juízo do Tribunal que o considera verdadeiro e o dá, por isso, como provado.

Assim, se o Tribunal confirma como verdadeiro/verificado um facto que a parte alegou como verdadeiro, para que fosse, em seu benefício, dado como provado, sem que a contraparte se insurja contra tal juízo probatório, lógico será que o facto, na ausência de retratação do alegante, seja mantido como provado, sem necessidade de averiguar se a contraparte o confessou ou não.

E nem a Apelante explica a sua motivação para pretender agora que se dê como não verificado um facto do seu conhecimento pessoal que alegou como verdadeiro. Se não pretendia valer-se desse facto devia tê-lo oportunamente retirado, o que não se mostra que tenha feito.

Acresce que da prova produzida não resulta a identificação de qualquer outra objetiva causa efetiva para a situação, sendo o estado geral apurado do locado e do conjunto do imóvel compatível com o tipo de infiltrações alegado pela A. e com que esta, uma vez julgado provado o que alegou, agora se não conforma.

Tudo, pois, para dizer que razão não existe para mais esta pretendida alteração fáctica.

Por último, é pretendida a eliminação total do ponto 26, isto é, que se dê agora como não provado que a recusa de realização pela R. de obras de reparação «ocorre em virtude de não ser possível substituir ou repor as telhas sem proceder a obras de recuperação do imóvel, atento o seu estado avançado de degradação».

Fundamenta-se a impugnante no facto de apenas existir prova positiva por confissão de parte (da R.), tratando-se, porém, de meio de prova legalmente inadmissível, já que se trata de factualidade favorável ao confitente.

Na sentença, todavia, deixou-se menção de que a convicção assentou aqui essencialmente na prova pericial (o dito “laudo” de fls. 134 a 147, complementado pelos esclarecimentos de fls. 173 e seg.).

Ora, compulsada tal prova pericial – prova técnica, com o seu inerente acrescido valor probatório –, verifica-se que, efetivamente, do relatório junto e dos esclarecimentos apresentados resulta claramente que a reposição do arrendado em condições adequadas de habitabilidade obriga a diversas obras necessárias, não apenas ao nível do telhado, impondo a reposição deste, mas também quanto à inevitável e “fundamental” colocação de placa entre r/c e 1.º andar, seus acabamentos, reparação de paredes, eletrificação do imóvel, instalação de sistema de exaustão, reparação do soalho e colocação de janelas, portadas e portas novas.

Donde que, assim sendo – e é, à luz da prova pericial produzida –, não seja viável (“possível”), visto o fim habitacional pretendido, a mera substituição ou reposição das telhas, antes sendo inevitável, para que o locado se torne habitável em termos adequados, proceder a diversas obras de recuperação do imóvel, atento o seu estado de degradação.

Nada, pois, a alterar à sindicada decisão de facto.

B) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada (que se mantém):

«1 – No dia 8 de junho de 1963 celebraram casamento católico sem convenção antenupcial, A (…) e I (…)conforme certidão de fls. 19 a 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 - Em 1 de Setembro de 1976, a sociedade (…), L.da, na qualidade de senhoria e A (…), na qualidade de inquilino, outorgaram contrato denominado de arrendamento para habitação, relativo ao rés-do-chão do prédio sito na Quinta (....) , inscrito na matriz sob o artigo 378 do concelho de (....) , actualmente corresponde ao artigo 341 da União de Freguesias de (....) e (....) , conforme documentos de fls. 14 a 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3 – Na Conservatória do Registo Predial de (....) encontra-se descrito sob o n º 374/19951020, o prédio aludido em 2), conforme documento de fls. 22 a 24 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 – Pela apresentação 1 de 02/08/1975 encontra-se registada a aquisição do prédio aludido em 3) a favor de S (…), L.da, por compra, encontrando-se averbada pela Ap. 9 de 20/10/1995 uma actualização à Ap. 1 de 02/08/1975, aquisição a favor de S (…) e Filhos, L.da, conforme documento de fls. 22 a 24 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5 – A (…) faleceu no dia 15 de abril de 2013, no estado de casado com I (…), conforme documento de fls. 25 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 – A autora por carta registada com AR, datada de 24 de abril de 2013, remetida à ré comunicou o óbito aludido em 5), bem como que a partir de maio de 2013 a renda passaria a ser paga em nome da autora, conforme documentos de fls. 28/29 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, mostrando-se a cópia do AR assinada com a data de 29 de abril de 2013 (fls. 29 dos autos).

7 – Pela ré foi remetida carta à autora datada de 08/09/2013, comunicando a actualização do valor da renda nos termos constantes de fls. 30 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – A autora e seu marido, sempre pagaram mensalmente, a renda por depósito bancário à ordem da ré (conforme documento de fls. 38 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9 – Nos termos do acordo aludido em 2) o arrendamento foi celebrado pelo prazo de um mês, com inicio em 1 de Setembro de 1976 e a terminar no último dia do mês de Setembro de 1976, considerando-se prorrogado por igual período e nas mesmas condições “enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal”, conforme documento de fls. 14/15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 – Nos termos da cláusula 4ª do acordo aludido em 2) “Todas as obras interiores de conservação e limpeza, são da obrigação do inquilino, e as benfeitorias que fizer, sem autorização do senhorio, ficam pertencendo ao prédio, não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização, as obras exteriores são a cargo do senhorio”, conforme documento de fls. 14/15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 – O prédio aludido em 3) tem, para além do rés-do-chão aludido em 2), um andar superior, o qual sempre foi habitado por terceiros, ligados à ré (filha e neta do administrador da ré), até fevereiro de 2014, altura em que deixou de ser habitado por não ter condições de habitabilidade.

12 – O prédio aludido em 3) encontra-se inscrito da matriz desde 1949, conforme resulta da certidão matricial de fls. 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que, já em 1976 o imóvel apresentava sinais de que carecia de intervenção a nível de obras de conservação.

13 – Desde 1976 que a ré nunca efectuou obras no prédio aludido em 2) e 3) ao nível do telhado, das paredes, janelas e portadas exteriores do rés-do-chão, nem a autora ou seu marido efectuaram obras no interior do locado.

14 – Devido à ausência de obras de conservação no locado, desde há vários anos que vêm ocorrendo pequenas infiltrações de água pelo telhado no prédio aludido em 3), as quais atingiam o rés-do-chão aludido em 2), provocando humidades na cozinha e casa de banho e escorrências de água pelos tetos e paredes das referidas divisões, que com o tempo ficaram com manchas de humidades.

15 – As janelas e portadas exteriores, em madeira, encontram-se deterioradas, podres, bem como os caixilhos e os vidros soltos de tal forma que impedem a abertura das janelas, com grandes fendas, deixando entrar frio, chuva, vento.

16 – Em fevereiro de 2014 o telhado do prédio ficou parcialmente removido, ficando parte da cobertura da casa sem telhas e nas restantes partes muitas das telhas soltas, levantadas e retiradas do seu local.

17 – O aludido em 16) ficou a dever-se à pluviosidade intensa que nessa altura do ano se fez sentir, e provocou a queda de parte do telhado, fazendo com que a água das chuvas invadisse o 1º andar e através do soalho se infiltrasse e invadisse desde então o rés-do-chão aludido em 2), caindo água pelos tetos, escorrendo pelas paredes e empoçando o soalho na sala coberto por alcatifa, ficando o mesmo totalmente inundado com água, com os soalhos de todas as divisões cobertos de água e todas as mobílias, colchões, móveis, electrodomésticos, livros existente no arrendado totalmente encharcados.

18 – Pelo menos desde dezembro de 2013, que a autora já não permanecia no locado com carácter de habitualidade, sendo que, após a data aludida em 16) abandonou o imóvel aludido em 2), o qual deixou de ter condições de habitabilidade.

19 – Entre a autora, na qualidade de arrendatária e J (…) e F (…), na qualidade de senhorios foi celebrado acordo intitulado “contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, datado de 10 de abril de 2014, tendo por objecto o imóvel identificado na cláusula primeira do referido acordo, junto aos autos de fls. 47 a 51, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo prazo de um ano, tacitamente prorrogável por iguais e sucessivos períodos de um ano, com inicio em 15/04/2014, sendo a renda anual de € 1.800,00 a pagar em duodécimos de € 150,00, sendo que, em anexo ao referido contrato consta uma lista de móveis constante de fls. 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

20 – Pela autora foi enviada à ré carta registada com AR datada de 5 de maio de 2014, cuja cópia consta de fls. 52/53 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual foi recepcionada em 06/05/2014, conforme cópia de fls. 54 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no âmbito da qual, alegava além do mais que não tem condições económicas para realizar as obras, pois em 2012 teve um rendimento anual bruto corrigido de € 4.532,53, conforme documento de fls. 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21 – Na sequência da carta aludida em 20) foi pela ré remetida carta à autora datada de 8 de maio de 2014, cuja cópia consta de fls. 56/57 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22 – I (....) , nasceu no dia 8 de junho de 1939 na freguesia e concelho da Guarda, conforme certidão de nascimento de fls. 58 a 60 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23 – Não obstante o aludido em 18) e 19) a autora continua a pagar mensalmente a renda relativa ao imóvel aludido em 2) à ré, a qual inicialmente ascendia ao montante de € 9,98 (nove euros e noventa e oito cêntimos) e após actualização passou a ser no valor de € 50,00 mensais.

24 – Do imóvel aludido em 2) a autora não tem acesso ao telhado.

25 – Após a carta aludida em 20) e até à presente data a ré não efectuou qualquer obra de reparação do telhado, recusando-se a repor as telhas que faltam, no seu devido local, bem como a proceder à reparação das janelas e portadas exteriores do imóvel aludido em 2).

26 – O aludido em 25) ocorre em virtude de não ser possível substituir ou repor as telhas sem proceder a obras de recuperação do imóvel, atento o seu estado avançado de degradação.

27 – No imóvel aludido em 2) encontra-se o seguinte recheio, propriedade da autora: a) num dos quartos, um pechiché e um guarda fatos, ambos em madeira, um colchão encostado à parede; b) no outro quarto existe uma cama de casal, com colchão, duas mesinhas de cabeceira, uma cómoda, uma estante; c) existem livros de diversos tipos: dicionários, enciclopédias, romances e outros num total de setenta; d) existem colectâneas de discos de vinil, num total de oito e quatro discos LP individualizados; e) no corredor existem três arcas com objectos pessoais: roupas e loiças; f) na sala existe um sofá de dois lugares, em material têxtil, uma mesa de jantar em madeira, uma arca em madeira, um aparador e uma cristaleira; g) em todas as divisões existem espalhados bens pessoais: copos, garrafas, pratos, chávenas, uma pequena máquina de costura portátil, diversos brinquedos, uma bicicleta de criança, uma caixa arquivadora de faqueiro, objectos de decoração; h) pequenos electrodomésticos: uma fritadeira, uma antiga máquina de slides, uma máquina de projecção de bobines, dois ferros de soldar, dois massajadores eléctricos, um aspirador industrial, dois pequenos rádios transístores, dois telemóveis NOKIA, um grelhador eléctrico e um aparelho de massagem de pés; i) fotografias, brinquedos têxteis artesanais feitos à mão, roupas antigas guardadas, conforme consta do relatório pericial, elaborado de fls. 134 a 147 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

28 – Os objectos aludidos em 27) foram deixados pela autora no imóvel aludido em 2) após o aludido em 16) a 18), sendo que, os mesmos se encontram a degradar dia a dia, uma vez que a falta de arejamento do locado terá potenciado a proliferação de fungos que deterioraram grande parte dos objectos e mobílias existentes na casa, e o seu aproveitamento apenas poderá passar pela limpeza profunda num reduzido número de objectos como louças e vidros, uma vez que os restantes matérias, têxteis, papeis e madeiras são mais susceptíveis à humidade, como resulta do relatório de fls. 134 a 147 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

29 – Para substituir os objectos aludidos em 27) foi estimado um valor de € 12.000,00, no qual não se inclui o valor da perda de objectos únicos como as fotografias.

30 – O relatório pericial junto de fls. 134 a 147 dos autos, conclui que “para conferir ao arrendado as condições mínimas de habitabilidade, é necessário: 1) Compor o telhado. (…) Pode ser feita através do aproveitamento das telhas em bom estado, a recolocar de forma agrupada (…) Estima-se um valor entre € 15.000 a € 20.000. Outra solução, consiste na colocação de um telhado completamente novo, suportado por vigas em cimento. O custo estimado varia entre os € 22.000 e os € 28.000; 2) Colocar uma placa entre o r/c e o 1º andar. (…) O custo aproximado (…) é de € 20.000; 3) Reparar os tectos e paredes; 4) Refazer a electrificação do arrendado; 5) Instalar um sistema de exaustão na cozinha e WC (…) podem variar entre os € 10.000 e os € 12.000; 6) Reparar o soalho (…) com um custo aproximado de € 2.000,00; 7) Colocar janelas, portadas e portas novas (…) num valor de € 2.400 (…)”.

31 – As obras aludidas em 30) não poderão decorrer em segurança se o arrendado ou o primeiro andar estiverem habitados.

32 – Para dotar o arrendado aludido em 2) (apenas o rés-do-chão) de condições de habitabilidade, será necessário proceder à realização de obras cujo valor poderá variais entre os € 50.400,00 e os € 65.400.

33 – Na data aludida em 20) o imóvel aludido em 2) já se encontrava em estado de abandono pela autora, com o recheio aludido em 27) no seu interior.

34 – Encontra-se inscrita na matriz da União de Freguesias de (....) , sob o artigo 1417 o prédio constituído em propriedade horizontal sito no (....) , Várzea, no qual se inclui a fracção K, conforme documento de fls. 73 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta que a referida fracção tem duas divisões.

35 – Os bens aludidos em 27) foram adquiridos pela autora ao longo dos anos, que há mais de 5, 10 ou 20 anos os vem usando e fruindo, para comer, cozinhar, descansar, ler, dormir, à vista de toda a gente sem oposição de ninguém, ininterruptamente até pelo menos dezembro de 2013, na ignorância de lesar direitos de outrem, e na convicção de exercer um direito próprio.

36 – A autora apresentou um pedido de vistoria junto da câmara municipal de (....) , tendo obtido a resposta que consta de fls. 80 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».

E foi julgado não provado:

«- Que a construção do prédio aludido em 2) e 3) é anterior a 1940.

- Que em virtude do aludido em 14) as paredes e tetos do rés-do-chão aludido em 2) ficaram negras e podres, com fendas e rebocos caídos e com toda a pintura do arrendado destruída.

- Que a causa do aludido em 16) não é do conhecimento da autora.

- Que o aludido em 16) não ocorreu devido a causas naturais.

- Que após o aludido em 17) a autora desligou a electricidade.

- Que a autora não tinha para onde mudar os seus bens pessoais aludidos em 27).

- Que alguma vez se tenha colocado a questão de a autora abandonar temporariamente o arrendado para a ré efectuar obras de reparação e que esta alguma vez se tenha recusado.

- Que as obras necessárias a repor as condições de habitabilidade do imóvel aludido em 2) ascendem ao montante global de € 20.700,00 acrescido de IVA à taxa legal, nos termos orçados a fls. 99/100 dos autos.

- Que a ré tem pressionado a autora a abandonar o imóvel aludido em 2), levando-a a abandonar o imóvel e a alterar completamente o seu dia-a-dia, e as suas rotinas, o que lhe causa um grande transtorno e desorientação.

- Que a autora vive no limite da sobrevivência, em permanente sobressalto com medo de não ter dinheiro para o dia a dia.

- Que tudo a deixou triste e deprimida e profundamente desgostosa.

- Que a autora antes do aludido em 16) e 20) tenha comunicado à ré que o imóvel aludido em 2) necessitava de obras.

- Que a ré nunca soube o actual estado do imóvel até 6 de maio de 2014.

- Que no recheio aludido em 27) se inclua no quarto aludido em a) uma cama e duas mesas de cabeceira e no aludido em b) livros; que na sala se encontre um móvel de televisão, um sofá de 3 lugares, um maple em cabedal, um móvel de sala de jantar, uma sapateira, um frigorífico, uma mesa e 6 cadeiras; que o número de livros ascende a 170; que na cozinha exista um móvel, lava louças, um fogão, um frigorífico pequeno e um forno eléctrico.

- Que os bens aludidos em 27) antes do aludido em 16) estavam em razoável estado de conservação e permitiam à autora satisfazer todas as suas necessidades com os mesmos

- Que as obras necessárias a repor as condições de habitabilidade do imóvel aludido em 2) ascendem ao montante global de € 97.350,00 nos termos orçados de fls. 112 a 114 dos autos».


***

C) Substância jurídica do recurso

1. - Se (in)existe abuso do direito na exigência de obras

Invoca a Apelante ocorrer violação intencional de deveres do senhorio, geradora de incumprimento contratual, por falta de realização das obras necessárias à reposição do locado em estado que permitisse a manutenção do gozo respetivo para fins habitacionais, perante defeito, não corrigido, posterior à entrega do arrendado, imputável a conduta culposa da locadora (art.ºs 1031.º, al.ª b), e 1032.º, al.ª b, ambos do CCiv.).

Verificada, como resulta da factualidade provada, a existência de defeito superveniente exterior (telhado), não reparado pela locadora, que compromete o gozo pela locatária (um subsequente vício da coisa locada que não lhe permite continuar a realizar o fim a que se destina), cabe então saber, vista a necessidade de obras, se estamos perante vício ocorrido “por culpa do locador”, bem como se a invocação do incumprimento é excessiva e evidencia abuso do direito.

Na sentença entendeu-se que, nos termos contratuais, as obras exteriores eram a cargo da locadora (R.) e as interiores a cargo da locatária (A.), sendo que nem uma nem outra realizaram obras, de que carecia o arrendado, interior e exteriormente, ao que acresce que a A. não solicitou a realização de obras anteriormente ao vício ocorrido.

E considerou-se na decisão recorrida que, ante a necessidade e o montante das obras a realizar, e visto o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais, no âmbito do contrato oneroso e sinalagmático de arrendamento urbano, não era exigível a respectiva realização à locadora, pois que, visto o baixo montante da renda, ocorre abuso de exercício do direito da locatária a exigir obras com um custo desproporcionadamente superior à vantagem decorrente do recebimento de tão baixas rendas.

Assim, foi expendido na fundamentação jurídica em crise:

«… o locado não detém condições de habitabilidade, sendo (…) necessário proceder à realização de obras que ascendem a um valor entre € 50.400 e € 65.400.

Tanto o valor mínimo indicado como o valor máximo, a desproporção é enorme em relação à renda actualmente paga de € 50,00.

Na verdade, tendo por base tal valor da renda, mesmo considerando o valor da renda paga durante 37 anos (desde Setembro de 1976 a Setembro de 2013 no montante de € 9,98), acrescido do valor da renda actualizada para € 50,00 após Setembro de 2013, a ré necessitaria de mais de 76 anos para recuperar o referido investimento.

Para já não falar no montante de € 65.400,00 que corresponderia a um período de amortização muito superior.

Assim, diremos que tal exigência de obras, em concreto e na economia do contrato, acarretaria um iniquo e, assim intolerável, desequilíbrio contratual.

Ora, no caso, seria manifestamente desproporcional exigir a realização das obras necessárias à ré tendo por base o montante de renda suportado pela autora, pelo que, julgando procedente a invocada excepção de abuso de direito terá que ser julgado improcedente o pedido de realização das obras …».

Diga-se que este entendimento vem sendo, de há muito, adotado pelo STJ, que se tem pronunciado no sentido de que, no âmbito do contrato de arrendamento urbano, “a obrigação de realização de obras pelos senhorios tem de ser aferida de harmonia com o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais de que há manifestação no art. 237º C.Civ.”. Assim, sob pena de colisão com o “elementar princípio de justiça e, eventualmente, a proibição do abuso de direito ínsita no art. 334º C.Civ., tem, pois, de atender-se à relação entre o custo das obras pretendidas e a renda paga pelo arrendatário”, sendo “de considerar excessiva a desproporção entre o valor das obras da reparação e o das rendas quando precisos 12 anos para obter o retorno desse valor: em tais termos, a pretensão da realização das obras não constitui exercício equilibrado, moderado, lógico e racional do direito invocado, importando, mesmo, abuso de direito que a torna ilegítima” ([15]).

Entendimento este com que também concordamos integralmente, pois que, doutro modo, cair-se-ia, em casos de acentuada desproporção, em desfavor do locador, entre o “ativo” do valor das rendas recebidas e o “passivo” do custo das obras necessárias, em situações de flagrante injustiça, que o subprincípio da justiça contratual, inerente ao princípio da boa-fé, não consentiria, por levar ao sacrifício excessivo/intolerável do interesse contratual de uma das partes perante a outra, tornando, a esta luz, perante o balanço de prestações das partes na execução da relação contratual duradoura estabelecida, um contrato oneroso numa relação tendencialmente gratuita, tal a insignificância do “ativo” das rendas perante o “passivo” do custo das obras.

Em tais casos bem se justifica que o exercício do direito, pelo locatário, a exigir as obras resulte paralisado – por contrariedade à boa-fé objetiva, inerente à figura do abuso do direito (art.º 334.º do CCiv.), tornando-o ilegítimo, já que excessivo/desproporcionado –, com a consequência da inexigibilidade dessa prestação contratual ao senhorio.

Ora, como demonstrado na sentença em crise ([16]), o caso dos autos é de flagrante desproporção entre o valor das rendas – mesmo a atual, de € 50,00 mensais (e muito mais a anterior, de módico montante correspondente a € 9,98 mensais, pago durante mais de trinta anos) – e o custo apurado de realização das obras necessárias (valor mínimo de € 50.400,00 e máximo de € 65.400,00) a tornar o locado adequado para o fim habitacional a que destinado, desproporção essa que torna excessiva a exigência reparatória trazida aos autos pela A./Apelante, já que levaria a sacrifício intolerável do interesse contratual da contraparte na relação locatícia, que é, como dito, onerosa e sinalagmática.

Em contrário, argumenta a Recorrente que as únicas obras que se impunham, em atempada reparação, eram as incidentes sobre o telhado, com um custo significativamente inferior ao antes mencionado, o que afastaria a dita desproporcionalidade e o abuso do direito.

Porém, a factualidade provada não permite acolher este entendimento, já que demonstrado que, para conferir ao arrendado as condições mínimas de habitabilidade – as que permitiam assegurar a realização do fim contratual –, é necessário, não apenas compor o telhado (com custo não inferior a € 15.000,00, mas podendo atingir, numa intervenção completa, os € 28.000,00), mas ainda colocar uma placa entre o r/c e o 1º andar (custo aproximado de € 20.000,00), reparar os tectos e paredes, refazer a eletrificação, instalar sistema de exaustão, reparar o soalho e colocar janelas, portadas e portas novas, importando no aludido custo total a variar entre os € 50.400,00 e os € 65.400,00.

Nem se mostra – e cabia à A. demonstrá-lo – que apenas houvesse necessidade de reparar o telhado ao tempo em que a R. tomou conhecimento dos respetivos danos e que fosse a demora dela que houvesse ocasionado os demais danos ocorridos.

Acresce que o próprio valor apurado de custo de reparação do telhado (fosse a reparação completa ou até a de menor relevância) seria, à luz do critério referido, desproporcionado face ao montante mensal da renda, havendo a sopesar, quanto a esta, o seu valor efetivo (o efetivamente recebido) e não qualquer valor hipotético (eventualmente superior) que nunca vigorou no âmbito da relação contratual e, por isso, não pode servir como elemento de ponderação, na aferição da medida dos sacrifícios/benefícios para as partes, o que torna irrelevante, para o efeito em apreciação, a eventual omissão, não deliberada, de atualização extraordinária de rendas pela locadora.

Em suma, nada a censurar à sentenciada procedência da deduzida exceção de abuso do direito, determinando o declínio total do pedido de realização de obras, assim improcedendo as conclusões em contrário da parte recorrente.

2. - Se estão verificados os pressupostos de procedência do demais peticionado

2.1. - Pretendia ainda a A./Apelante indemnização fundada na omissão de realização de obras devidas e exigíveis no locado e decorrente mora (ou incumprimento contratual), à razão de € 150,00 mensais – desde 15/04/2014 e até à realização das obras e disponibilização do locado em condições de habitabilidade –, correspondentes à renda que paga pelo local onde passou a residir, mediante outro contrato de arrendamento, tendo passado a pagar duas rendas (a do arrendado aqui em questão e a do novo arrendamento).

O pressuposto de tal pedido indemnizatório era, assim, o de as ditas obras serem devidas/exigíveis e haver mora na sua realização, ainda possível, aqui radicando o pretendido ilícito contratual e o dano invocado (privação do gozo).

Ora, afastada, como visto, a exigibilidade de realização das obras pela locadora (R./Apelada), afastada fica também, salvo o devido respeito e visto o demais circunstancialismo do caso, a constituição desta na obrigação de indemnizar a este título (privação do gozo do locado), a não ser até ao montante das rendas que a arrendatária, apesar da privação, continua a pagar (cfr. ponto 23 dos factualismo provado).

Só parcialmente se concorda, por isso e neste âmbito, com a fundamentação da sentença, onde foi explanado:

«… face à factualidade provada e à inexigibilidade das obras por parte da ré, (…) não poderá também esta ser condenada em tal pedido, pois o mesmo seria desproporcional até ao montante de renda pago pela autora à ré (pois a autora paga à ré de renda mensal o montante de € 50,00 peticionando que esta suporte o montante de € 150,00 relativo à renda do novo contrato de arrendamento).

Acresce que, sempre se dirá que o único pedido que poderia ter sido nesta sede formulado que poderia obter acolhimento, face à factualidade provada seria o da suspensão do pagamento da renda pela autora à ré face à indisponibilidade do gozo do locado.

Contudo, não tendo tal pedido sido formulado, não cabe aqui equacioná-lo, mas apenas julgar improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da renda respeitante ao novo imóvel arrendado».

Quer dizer, se não foi pedida a suspensão de pagamento de rendas (ou devolução de rendas pagas em tempo de patologia contratual), foi, isso sim, pedida indemnização pelo dano da privação do gozo adequado do locado, âmbito em que se pode fixar, por justa, indemnização correspondente às rendas pagas sem contraprestação adequada, tanto mais que a R. não está isenta de toda a culpa quanto ao sucedido ao locado.

É certo, por provado, que desde 1976 a R./Apelada nunca efectuou obras exteriores no prédio, as quais eram a seu cargo nos termos contratuais.

Entre tais obras exteriores haverão, naturalmente, de contar-se as obras de manutenção/conservação do telhado, consabido que se tratava de parte exterior do edifício, ademais, exposta às intempéries e ao poder dos elementos, a demandar, em suma, periódica e prudente vigilância e adequada conservação.

Ora, prova-se também que, em consequência da falta de obras de conservação – exteriores –, o imóvel passou a sofrer, desde há anos, de pequenas infiltrações de água pelo telhado, atingindo o espaço locado e ali provocando humidades e escorrências, com a decorrente deterioração dos elementos componentes do edifício expostos a tais infiltrações, a começar, obviamente, pela própria estrutura de suporte do telhado, na zona do andar superior ([17]), este não contemplado no arrendamento à A. (restrito ao r/c).

Quer dizer, se cabia à R. efectuar tais obras, certo é também que incumpriu ela esse dever de conservação do telhado, por onde veio a ocorrer a invasão de água que, descendo até ao r/c, encharcou os bens móveis da A./Apelante (recheio), assim os danificando desde logo, e tornou inabitável o espaço arrendado, embora possa ter ocorrido também incúria da arrendatária quanto às obras interiores a seu cargo.

Em suma, ocorre omissão ilícita de conservação do telhado pela R., ocasionando a queda parcial do mesmo e contribuindo, assim, para o ocorrido estado de inabitabilidade do locado.

Donde que deva alterar-se, nesta vertente, a sentença recorrida, concedendo-se indemnização pela privação do gozo/uso do locado em montante correspondente às rendas pagas desde março de 2014 (à razão de € 50,00 mensais), a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal aplicável às dívidas de natureza civil, contados desde a citação e até integral pagamento, assim procedendo em parte as conclusões da Apelante.

2.2. - Pretende, por outro lado, a A./Apelante indemnização por danos no recheio que mantinha no locado e que dali não retirou.

Tal pedido indemnizatório veio também a ser julgado improcedente, constando da sentença a seguinte fundamentação (que cabe sindicar):

«O dever de indemnizar, contudo, supõe a mora do devedor (senhorio), sejam ou não urgentes as reparações a efectuar; supõe, no mínimo, que ele tomou conhecimento e ficou consciente da necessidade da sua realização; caso contrário, nunca a omissão que lhe é imputada poderá considerar-se ilícita nem culposa, o que exclui a sua responsabilidade pelos danos ocorridos.

(…) não obstante o aludido em 16) tenha causado a inundação de todo o recheio existente no locado, o certo é que, o mesmo foi pela autora votado ao abandono, sem ser dali retirado, pelo menos os objectos de pequena dimensão como fotografias, livros, discos de Vinil, roupa de enxoval, louças. Pois, se é certo que, no âmbito do novo contrato celebrado pela autora, relativo ao gozo de outro imóvel, o mesmo contempla alguns móveis, o certo é que do anexo I do mesmo junto a fls. 51 dos autos, não consta que tenham sido cedidas louças, ou roupas de enxoval, livros ou outros objectos pessoais à autora, semelhantes àqueles que por ela foram deixados na casa.

Acresce que, o estado de degradação actual do recheio se ficou a dever à falta de arejamento do locado, que terá potenciado a proliferação de fungos que deterioraram grande parte dos objectos e mobílias existentes na casa. Tal significa que a degradação do recheio teve como causa a falta de diligência por parte da autora no arejamento dos referidos objectos e na retirada dos mesmos antes que tivessem proliferado fungos. Tanto mais que, não resultou provado que a autora não tivesse onde acondicionar tal recheio por forma a evitar a situação actual em que se encontram.

Assim, diremos que da factualidade provada resulta afastada a presunção culpa da ré, tanto mais que a autora nunca comunicou a necessidade das obras antes do aludido em 16) e após tal situação que abandonou o recheio na casa, não diligenciando pela conservação do mesmo, pelo que, terá tal pedido que ser julgado improcedente».

Como já se deixou expresso, afastada a exigibilidade de realização das obras, razão não havia para que a A. ficasse a aguardar indefinidamente a sua realização, esperando que o locado lhe fosse restituído totalmente reparado e pedindo indemnização, no montante indicado, pelo dano decorrente da privação até que esta cessasse.

Pelo que cabia à A./Apelante, em prudente atuação, retirar os bens que mantinha no locado – os que não tivessem ficado destruídos, sendo que não se mostra que tenham todos ficado inaproveitáveis por força, exclusivamente, da invasão de água ocorrida no dia da queda parcial do telhado –, por este evidenciar já não ter condições para que fossem ali conservados, donde que não possa imputar-se à contraparte os danos resultantes da permanência (até ao presente) desses bens num espaço sem quaisquer condições para a sua preservação e onde, ao contrário, só poderiam degradar-se.

Em vez de os retirar, a A. deixou o locado e, nele, o recheio de sua pertença, em processo de degradação acelerada, designadamente por falta de arejamento do espaço locado.

Todavia, a R./Apelada não efectuou, como dito, as obras exteriores a seu cargo, entre elas as de manutenção/conservação do telhado, provando-se que, por falta destas, passou a haver infiltrações de água para o interior, levando à deterioração de elementos componentes do edifício, a começar pela estrutura de suporte do telhado.

Tal inobservância do dever de conservação (exterior) do telhado à R. é imputável, a título de negligência – a sua culpa presume-se nos termos do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do CCiv. –, por ali vindo a ocorrer a invasão de água que, descendo até ao r/c, encharcou os bens móveis da A./Apelante (recheio), assim os danificando desde logo, muito embora tenha ocorrido, como dito, agravamento posterior, devido este à incúria (negligência) dela em retirar os bens.

Considera-se, portanto, demonstrada omissão ilícita e culposa de conservação do telhado pela R., ocasionando a queda parcial do mesmo e contribuindo, assim, para o dano no dito recheio, para o que também concorreu, a posteriori, como visto, a conduta da própria A./Apelante.

Tudo sopesado, verificados os danos – nos termos conjugados dos pontos 17, 27 e 28 da factualidade provada – e suficientemente quantificado, com recurso a prova pericial, o seu valor – do ponto 29 da mesma factualidade resulta um valor de substituição, tido por razoável, de € 12.000,00 –, afigura-se-nos, em equidade, vistas as contribuições (negligentes) de ambas as partes ([18]), regular o concurso mediante graduação, na proporção de metade, das respetivas responsabilidades (cfr. art.ºs 570.º, n.º 1, e 566.º, n.º 3, ambos do CCiv.).

Donde que se possa desde já arbitrar, dentro do que vem peticionado, o respetivo valor indemnizatório a cargo da R./Apelada em € 6.000,00.

Nesta parte, e com este limite, haverá, pois, a apelação de proceder, com alteração em conformidade da sentença recorrida.

2.3. - Pretendia, por fim, a A./Apelante indemnização por danos não patrimoniais, no montante peticionado de € 5.000,00, com referência ao invocado quadro de transtorno, desorientação, sobressalto, desgosto, tristeza e depressão.

Ora, o quadro fáctico alegado para ilustração de tais danos não resultou provado, nem, como visto, após impugnação da decisão de facto. Na verdade, o factualismo de suporte alegado consta, diversamente, do elenco factual julgado não provado.

O ónus da prova do dano cabia, naturalmente, à A./Apelante (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Tendo ela decaído nessa prova, forçosa é, sem necessidade de outras considerações, a improcedência do respetivo pedido indemnizatório, assim decaindo as conclusões por si apresentadas em contrário.

Em suma, na parcial procedência do recurso, deve alterar-se a decisão recorrida, com condenação, em substituição do Tribunal a quo (art.º 665.º, n.º 1, do NCPCiv.), da R./Apelada a indemnizar a A./Apelante no montante de € 6.000,00 (danos no recheio), para além do montante correspondente às rendas pagas desde março de 2014 (privação do gozo do locado).

***

IV – Sumariando (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.

2. - Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares (ou principais) – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.

3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes, por não contenderem com o regime substantivo aplicável ao caso), factos essenciais complementares (com papel completador de uma causa de pedir, ou excepção, de natureza complexa, por congregante de diversos elementos) ou concretizadores (na função de pormenorizar ou decompor os factos nucleares, em moldes indispensáveis para a procedência da acção ou da excepção) dos alegados pelas partes –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material.

4. - Traduzindo a alegação uma declaração de existência (ou inexistência) de um facto, ela pode ser expressa ou tácita/implícita, podendo deduzir-se um facto complementar ou concretizador não expressamente articulado de factos essenciais nucleares alegados que, com toda a probabilidade, o revelem.

5. - Sendo o contrato de arrendamento urbano oneroso e sinalagmático, a obrigação de realização de obras pelo locador tem de ser vista à luz do princípio da equivalência das atribuições patrimoniais e da justiça contratual (subprincípio da boa-fé objectiva).

6. - Por isso, tem de ponderar-se a relação entre o custo das obras necessárias e o valor da renda paga, sob pena de violação de elementares exigências de justiça e equidade contratual e, assim, de abuso do direito.

7. - Se, nessa ponderação, o custo das obras é tal que só ao fim de várias décadas será amortizado pelas rendas pagas, então deve considerar-se inexigível a realização de tais obras.

8. - Nesse caso, a culpa do locador pela omissão de obras de conservação apenas releva para efeitos indemnizatórios ao arrendatário, nos termos do disposto no art.º 798.º do CCiv..

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando, em consequência, a decisão recorrida e assim condenando, em substituição do Tribunal a quo, a R./Apelada a indemnizar a A./Apelante:
a) Pela privação do gozo do locado, em montante correspondente às rendas pagas desde março de 2014, à razão de € 50,00 mensais, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal aplicável às dívidas de natureza civil, contados desde a citação e até integral pagamento;
b) No montante de € 6.000,00 (seis mil euros), por danos no recheio existente no locado.
Já do mais peticionado a absolvendo.
Custas da ação e da apelação por A./Apelante e R./Apelada, na proporção do respetivo decaimento.

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.


Coimbra, 25/10/2016

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 08/07/2014 (cfr. fls. 35 dos autos em suporte de papel).
([2]) Processo instaurado após 01/09/2013, data da entrada em vigor do NCPCiv. (cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos daquela Lei n.º 41/2013).
([3]) Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 238.
([4]) Se o Autor aludido se reporta directamente à questão da admissibilidade de integração na decisão fáctica de asserções que sejam mais do que puras “questões de facto”, a verdade é que o quadro de opções legislativas – e de filosofia inerente – que invoca também vale, do mesmo modo, para o esclarecimento do que agora nos ocupa.
([5]) Cfr. Ac. de 07/05/2015, Proc. 4572/09.6YYPRT-A.P2.S1 (Cons. Orlando Afonso), em www.dgsi.pt.
([6]) Assim o Ac. STJ, de 10/09/2015, Proc. 819/11.7TBPRD.P1.S1 (Cons. João Trindade), disponível em www.dgsi.pt.
([7]) Cfr. Comunicação intitulada “Temas de Prova”, em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Texto_comunicacao_Paulo_Pimenta.pdf.
([8]) Nesta perspetiva, “factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exactamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da acção (ou da excepção)”.
([9]) Com entendimento essencialmente semelhante, cfr., na doutrina, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, ps. 19 a 25. Também na mesma perspetiva, na jurisprudência, pode ver-se ainda o Ac. STJ, de 24/04/2013, Proc. 403/08.2TBFAF.G1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.
([10]) Vide mencionado Ac. STJ de 24/04/2013, aludindo a factos “instrumentais ou probatórios”.
([11]) A alegação traduz uma declaração de existência (ou inexistência) de um facto (de que se pretende aproveitar na lide), donde o entender-se que, como tal, pode ser expressa ou tácita/implícita, podendo, pois, deduzir-se um facto não expressamente articulado de factos alegados que, com toda a probabilidade, o revelem (cfr., mutatis mutandis, art.º 217.º, n.º 1, do CCiv.). Assim, se o ónus de alegação em sede de articulados se basta com os factos essenciais (cfr. art.ºs 552.º, n.º 1, al.ª d), e 572.º, al.ª c), ambos do NCPCiv.), parece, se bem se vê, que nada impede que da alegação dos factos essenciais nucleares possa deduzir-se factualidade complementar ou concretizadora, desde que esta resulte, com toda a probabilidade, revelada por aqueles.
([12]) Vide mencionado Ac. STJ de 10/09/2015.
([13]) Onde é expressamente referido que o depoimento de parte do legal representante da R. foi atendido (apenas) “na parte em que a referida matéria constitui uma confissão nos termos do disposto no artigo 352.º do Código Civil” (factos desfavoráveis à parte depoente e que favorecem a contraparte).
([14]) Cfr. fls. 217 e seg. dos autos em suporte de papel.
([15]) Assim o Ac. STJ, de 08/06/2006, Proc. 06B1103 (Cons. Oliveira Barros), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre outros, cfr. o Ac. STJ, de 11/12/2012, Proc. 655/06.2TBCMN.G1.S1 (Cons. Gregório Jesus), também em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «(…) sendo sinalagmático o contrato de arrendamento, a obrigação de realização de obras pelos senhorios tem de ser aferida de harmonia com o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais, de que há manifestação no art. 237.º do CC de consagrar um princípio geral de direito. III - Deve atender-se à relação entre o custo das obras pretendidas e a renda paga pelo arrendatário, dado que, não sendo assim, se estaria a violar o mais elementar princípio de justiça e a proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC). IV - Provado que as obras necessárias são no valor de € 200 000 a € 250 000 e que a locatária deposita a título de renda o valor de € 130,24, sendo precisos mais de 100 anos para os locadores obterem o retorno do valor da reparação do locado, é indubitável que esta desproporção entre o valor das obras e o das rendas se mostra excessiva, pelo que a exigência aos senhorios da realização de obras no locado naquele montante viola o mais elementar princípio de justiça, caindo na previsão do abuso do direito constante do art. 334.º do CC. (…) IX - A culpa do senhorio pela omissão de obras de conservação releva, apenas, para a eventual indemnização do arrendatário, nos termos do art. 798.º do CC.».
([16]) Argumentação citada, que se sufraga, por ajustada.
([17]) Não se trata, assim, simplesmente de deteriorações surgidas em resultado do decurso do tempo e consequente desgaste dos materiais aplicados na construção – posto que ocorreu aceleração do seu natural desgaste, como tem de concluir-se, por efeito de elemento evitável (as ditas infiltrações) –, embora, naturalmente, os materiais sempre tivessem de envelhecer ao longo dos anos.
([18]) Dir-se-ia ocorrer concorrência de culpas (negligência) determinantes do dano final global, com uma parte a concorrer para a sua produção (a R.) e a outra, depois, para o seu agravamento (a A.).