Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | REFORMATIO IN PEJUS PROIBIÇÃO REENVIO NOVO JULGAMENTO ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA JUÍZO DE PROGNOSE CONDIÇÃO NULIDADE DE SENTENÇA | ||
Data do Acordão: | 01/22/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA (3.º JUÍZO) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 409.º, 426.º E 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CPP; ARTIGOS 14.º, N.º 1, 105.º E 107.º, DO RGIT | ||
Sumário: | I - Não existe violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, previsto no n.º 1 do artigo 409.º do CPP, quando na primeira sentença o tribunal da 1.ª instância optou pela aplicação de pena de multa, e na segunda sentença, elaborada por força de reenvio (parcial, circunscrito ao apuramento das condições pessoais, económicas e sociais do arguido) determinado pelo tribunal da relação, na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, visando o agravamento da pena, impôs pena de prisão, declarada suspensa na sua execução, mediante o dever de o condenado proceder ao pagamento, em certo prazo, ao Instituto de Gestão Financeira do Instituto da Solidariedade e Segurança Social, determinado valor monetário. II - Se, no âmbito de processo relativo a crime de abuso de confiança contra a segurança social, o tribunal de 1.ª instância apenas refere, na fundamentação de direito da decisão final, os rendimentos, dados como provados, auferidos pelo arguido, e, singelamente, decreta a suspensão da execução da pena, condicionada nos moldes definidos no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, não se mostra efectuado o juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal, e, consequentemente, a sentença proferida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 12-09-2012 e do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório No processo comum singular 37/10.1TAACB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, após realização de audiência de julgamento, em 6 de Julho de 2011 foi proferida sentença em que se decidiu:
Inconformado, recorreu o Ministério Público, finalizando a sua motivação com o pedido de que o arguido fosse condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução, condicionada ao pagamento, pelo arguido, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do montante dos benefícios indevidamente obtidos.
Apreciando o recurso nesta Relação, entendeu-se que a matéria sobre as condições pessoais do agente e sua situação económica – [cf. al. d), do n.º 2, do artigo 71º do Código Penal], era essencial para as próprias opções, em sede de penas, tomadas pelo tribunal e que a decisão se mostra «amputada» de aspectos relevantes para a ponderação da Questão da determinação da sanção [artigo 369º do CPP], o que encontra eco na exiguidade dos factores considerados em sede de determinação da pena, os quais - para além daqueles que já fazem parte do tipo e por isso insusceptíveis de ser de novo valorados -, no essencial, se quedaram pelos antecedentes criminais dos arguidos. Deste modo, foi considerado que a sentença recorrida enfermava do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que determina o reenvio – parcial - do processo para novo julgamento, a incidir exclusivamente sobre as questões supra identificadas, a realizar de acordo com o disposto nos artigos 426º e 426º - A do CPP, e a poder contar agora com a presença do arguido, outrora faltoso. Pelo que foi proferido acórdão que, julgando verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP – determinou o reenvio parcial do processo para novo julgamento a incidir apenas sobre as condições de vida do 1º arguido A... e a situação sócio-familiar dos dois arguidos (pessoa singular e pessoa colectiva) – artigos 426º e 426º - A do CPP, e que após fosse proferida nova sentença complementada com os novos dados que conseguir apurar sobre a situação económica, familiar e financeira destes 2 arguidos.
Na sequência de tal decisão, foi na 1ª Instância proferida nova sentença em 26 de Fevereiro de 2013, com o seguinte dispositivo: Em face do exposto, decide-se julgar a acusação totalmente procedente, por provada, e, em consequência: B..., LDA.: DO ARGUIDO A...
AMBOS OS ARGUIDOS CONDENAR ainda ambos os arguidos no pagamento solidário das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em 2 UC (artigos 513º e 514º do CPP e artigo 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao referido diploma) e nas demais
Inconformado com a nova sentença dela recorre agora o arguido A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O Tribunal da Relação determinou que fosse feita repetição parcial do julgamento apenas para apuramento das condições pessoais e económicas do arguido. 2. Não foram carreados aos autos outros factos senão os referentes à sua situação pessoal. 3. Nenhum motivo existe para que a pena agora aplicada seja tão mais gravosa do que a que foi antes, sendo certo que dos elementos agora trazidos aos autos nada houve que pudesse levar a esse agravamento. 4. A pena agora aplicada apenas veio ao encontro do que foram as alegações de recurso apresentadas antes pelo MP. 5. A situação pessoal do arguido não permite concluir que exista perigo de continuação da actividade criminosa ou que sejam grandes as exigências de prevenção especial. 6. Sendo certo que existem outras condenações, elas circunscrevem-se a um período perfeitamente identificado no tempo, não existindo qualquer perigo de continuação da mesma actividade e, logo, de qualquer prática delituosa. 7. A pena de multa seria a suficiente para que se assegurassem os interesses de prevenção geral e especial que, ao contrário do que a Mm. Juiz refere na douta sentença, são diminutos. 8. A pena aplicada é assim excessiva atentos os factos dados como provados. 9. A pena de prisão aplicada foi suspensa com a condição de pagamento da quantia em divida pela sociedade ao lGFSS. 10. Impunha-se que o tribunal tivesse feito uma análise de "prognose de razoabilidade" acerca da real capacidade de o arguido poder cumprir a condição que lhe foi imposta. 11. O tribunal limitou-se a aferir os rendimentos do arguido sendo que deles é impossível concluir que exista uma real capacidade para cumprir a condição que lhe foi imposta. 12. O que resulta do acórdão uniformizador de jurisprudência é que a condição de pagamento deverá resultar de um juízo de razoabilidade que deve ser feito e que deverá levar a que, se dele se concluir não puder ser feito o pagamento, não possa ser imposta a condição. 13. Não é possível ser dada outra interpretação ao que resulta do douto acórdão até porque se assim não fosse, para quê fazer esse juízo de prognose? 14. O juízo de prognose deve basear-se no que se extrai do processo e não em meras suposições ou crenças, devendo assentar no que é a realidade que o arguido vive. 15. Nos presentes autos, a Mm. Juiz não fez um verdadeiro juízo de prognose já que as conclusões a que chegou são verdadeiramente irreais. 16. A douta sentença é assim nula por omissão de pronúncia. 17. Ao ter decidido como decidiu, a Mm. Juiz violou, entre outras, o disposto no artigo 50º e 71º do CP e 14º do RGIT. 18. Só revogando a douta sentença se fará JUSTIÇA!
O Ministério Publico respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte: 1a - Vem o presente recurso interposto pelo arguido A... da douta Sentença de fls. 664 a 686 que o condenou pela prática, em autoria material e na forma continuada, nos termos dos artigos 14°, nº 1, 26°, 30°, nº 2 e 79°, todos do Código Penal, de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. nos artigos 6°,105°, nº 1, 2, 4, al. a) e b), 6 e 7 e 107°, nºs. 1 e 2, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, sob a condição de o mesmo proceder ao pagamento ao ISS, IP dos montantes ali estipulados, de forma faseada; 2a - O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proferiu douto Acórdão, tendo determinado "Julgar verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artigo 410°, nº 2, al. a), do CPP -, em determinar o reenvio parcial do processo para novo julgamento a incidir apenas sobre as condições de vida do 1° arguido e a sua situação sócio-familiar - artigos 426° e 426°-A, do CPP, APÓS o que deverá ser proferida nova sentença complementada com os novos dados que se conseguir apurar sobre a situação económica, familiar e financeira deste arguido"; 3a - A nova Sentença a proferir e entretanto proferida, pode conduzir, como no caso conduziu, à elaboração de uma nova Sentença, com a aplicação do direito aos factos provados resultantes dos julgamentos efectuados, tudo se passando como se a douta Sentença de fls. 473 a 496 inexistisse, podendo conduzir, como no caso sucedeu, a uma decisão diversa daquela a que aquela outra havia chegado; 4a - Tendo a douta Sentença a quo decidido nos termos constantes da 1a Conclusão que antecede, nela se não violou o princípio da "reformatio in pejus", na medida em que, já então, o Ministério Público havia interposto recurso da douta Sentença a quo pugnando pela aplicação ao arguido, ora recorrente, de uma pena de prisão, suspensa na sua execução, sujeita ao cumprimento da condição, de proceder ao pagamento ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, de forma faseada, do montante dos benefícios indevidamente obtidos; 5ª - Sendo cada vez mais crescente e presente "a banalização" e, por isso, demonstrados e conhecidos os elevados índices de criminalidade fiscal, tendo-se ainda em conta que são prementes as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, exige-se "firmeza de atitude, no confronto com a realidade actualmente patenteada nos tribunais" "e isso consegue-se de modo particularmente adequado e eficaz com as penas de prisão"; 6ª - Bem andou a douta Sentença a quo ao condenar o arguido A... na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por ser ajustada e equilibrada, pelo que não violou o disposto nos artigos 40°, 70° e 71°, todos do Código Penal; 7ª - Pena de prisão essa que --- tendo-se em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, as condutas anteriores e posteriores ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto serão de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição --foi, e bem, suspensa na sua execução, de 5 (cinco) anos, sob a condição de o mesmo proceder ao pagamento ao ISS, IP dos montantes ali estipulados, de forma faseada; 8ª - Ao ter decidido como decidiu, não violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 50°, nºs. 1 a 5 e 51°, nº 1, aI. a), todos do Código Penal e, bem assim, o disposto no artigo 14°, n° 1, do R.G.I.T.. 9ª - A douta Sentença a quo não enferma do vício da nulidade, por omissão de pronúncia, na medida em que nela observou a jurisprudência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. nº 8/2012. Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, devendo ser integralmente mantida a douta Sentença a quo. Contudo, Vªs. Exªs. Decidirão Conforme for de LEI e JUSTIÇA.
Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta. Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** II. Fundamentos da Decisão Recorrida Na sentença recorrida foi consignada a seguinte fundamentação factual: FACTOS PROVADOS: Discutida a causa, e com relevo para a boa decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos (constantes da sentença proferida a fls. 473 e ss e transitados em julgado, em face da anulação parcial do julgamento): * FACTOS NÃO PROVADOS: Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a boa decisão da causa. * MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e a livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma.
Nos termos do disposto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente. Refere o Professor Figueiredo Dias (in “Lições Coligidas de Direito Processual Penal”, edição de 1988/1989, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p.141) que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo». A audiência de julgamento decorreu com o registo, em suporte digital, dos depoimentos e esclarecimentos nela prestados. Tal circunstância que deve, também nesta fase do processo, revestir-se de utilidade, dispensa o relato detalhado dos depoimentos produzidos. * Assim, a motivação do Tribunal, no que respeita à matéria fáctica considerada provada e não provada, assentou:
Quanto à questão da culpabilidade e à situação pessoal da sociedade arguida: No trânsito em julgado parcial da sentença proferida a fls. 473 a 497 dos autos, uma vez que o Tribunal Superior determinou a anulação parcial do julgamento, com vista ao apuramento, em exclusivo, da situação pessoal do arguido A.... Quanto à situação pessoal do arguido A...: Nas declarações do arguido, prestadas, de forma segura, convicta e detalhada, na audiência de julgamento, corroboradas pelo teor do relatório social junto a fls. 596 a 600 dos autos, o resultado das pesquisas efectuadas, constantes de fls. 579 a 587 dos autos (das quais não resulta registado qualquer bem em nome do arguido, nem actividade remunerada exercida pelo mesmo), no certificado de registo criminal junto a fls. 590 a 594 dos autos e nas certidões das decisões condenatórias juntas aos autos na audiência de julgamento. *** III. Apreciação do Recurso A documentação dos actos da audiência determina que este Tribunal possa conhecer de facto e de direito como resulta do disposto nos artigos 363º e 427º do Código de Processo Penal. Mas, o objecto do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal) sempre sem embargo dos poderes de conhecimento oficioso. Ora, vistas as conclusões do recurso interposto, as questões que reclamam solução são as seguintes: - Se a sentença recorrida é nula por ter aplicado pena de prisão suspensa sob condição de pagamento das contribuições em dívida sem efectuar um juízo de prognose sobre a possibilidade de o arguido efectuar tal pagamento; - Se o arguido deve ser condenado em pena de multa, ao invés de prisão.
Antes de analisar as questões mencionadas e únicas que se mostram claramente vertidas nas conclusões do recurso, tendo em consideração o que se aborda na motivação do recurso, começa por se esclarecer que não se pode no caso vislumbrar violação do princípio da proibição de reformatio in pejus em razão de na primeira sentença proferida se ter optado pela aplicação de pena de multa ao arguido recorrente, enquanto na segunda foi condenado em pena de prisão. Como decorre do disposto no artigo 409º, nº 1 do Código de Processo Penal o Tribunal de recurso apenas está impedido de modificar na sua espécie ou medida as sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo do arguido quando o recurso for interposto somente pelo arguido, pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido ou simultaneamente pelo Ministério Público e pelo arguido no exclusivo interesse deste. Já o Tribunal de recurso não está impedido de reformar em prejuízo do arguido a decisão recorrida em caso de recurso do Ministério Público quando este formule pedido nesse sentido. Do mesmo modo se deve entender a aplicação do princípio às decisões da primeira instância. Ora, no caso ocorreu recurso do Ministério Público com pedido de agravamento da sanção penal e nesse âmbito foi proferido acórdão de reenvio do processo para novo julgamento em que se acentuava precisamente que a questão que determinou o reenvio era essencial para a escolha da pena. O Tribunal a quo ao condenar na nova decisão proferida em pena de prisão, quando na primeira havia condenado em multa o arguido recorrente não viola, pois, o princípio da proibição de reformatio in pejus.
Esclarecida esta prévia questão, vejamos se ocorre a nulidade alegada. Foi o recorrente condenado em pena de prisão cuja execução foi condicionada ao pagamento em cinco anos das contribuições em dívida à Segurança Social; no primeiro ano a quantia de € 10.000,00, no segundo ano a quantia de € 20.000, no terceiro ano a quantia de € 50.000, no quarto ano a quantia de € 75.000 e no quinto ano a restante quantia em falta, de € 82.486,17 acrescida dos acréscimos legais. Alega o recorrente que tal condicionamento da suspensão foi decretado sem que se tenha avaliado da respectiva razoabilidade em face da apurada condição económica do arguido. Lembremos que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 8/2012 publicado no DR de 24.10.2012 fixou jurisprudência no sentido de que: "No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do artigo 50º, nº 1 do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia." Tal jurisprudência, com que nos conformamos, é inteiramente transponível para o crime de abuso de confiança à Segurança Social previsto no artigo 107º do mesmo diploma legal a que igualmente é aplicável o citado artigo 14º, nº 1. A propósito da aplicação do regime de prisão suspensa, condicionada ao pagamento das contribuições e legais acréscimos, consignou-se o seguinte na decisão recorrida: "De acordo com o artigo 50º, nº 1, do Código Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A ideia que subjaz a este instituto é a de que a simples ameaça da prisão poderá, em muitos casos, bastar para ao cumprimento das finalidades da punição, quando se revele apta a afastar o agente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral, sendo certo que a mesma se revogará caso o agente cometa um crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (artigo 56º, nº1, alínea b) do CP). Tendo em conta a medida da pena aplicada (1 ano e 6 meses de prisão) e a inserção familiar e profissional do arguido (e sobretudo o facto de já não exercer a actividade de empresário), o Tribunal entende que, in casu, a censura do facto e a ameaça de aplicação de uma pena de prisão serão ainda aptas a assegurar as finalidades da punição, afastando o arguido do cometimento futuro de factos semelhantes. Nos termos do disposto no artigo 14º, nº 1 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa. Conforme estabeleceu, a este propósito, o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 8/2012, publicado no DR de 24.12.2012: (… teor do Acórdão já acima transcrito) Resulta dos factos provados que o arguido aufere o salário mínimo nacional, vive, com a sua companheira (que se encontra desempregada e aufere subsídio de desemprego), em casa arrendada, pela qual paga € 180,00 mensais, com dois filhos, sendo um deles menor. Assim sendo, e ao abrigo do disposto no artigo 14º, nº 1 do RGIT, entende-se dever a execução da pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa pelo período de 5 anos, e, em face da actual situação pessoal do arguido e da previsibilidade de melhoramento da mesma com o terminus da penhora da pensão de reforma, sujeita à condição de o arguido pagar ao Instituto de Gestão Financeira do Instituto da Solidariedade e Segurança Social – Delegação Distrital de Leiria: Por muito “grano salis” que se coloque na leitura do trecho assinalado a negrito não se consegue nele encontrar qualquer juízo sobre a razoabilidade de impor ao arguido o pagamento faseado das referidas quantias relativas a contribuições. Apenas se vislumbra uma tentativa de avaliação da situação económica do arguido no futuro quando se afirma a previsibilidade de melhorar, ainda assim sem qualquer avaliação dessa melhoria na possibilidade prática de o arguido, em face dos rendimentos provados, fazer face ao pagamento das prestações anuais fixadas. Porém, o que se afirma sem sofismas no Acórdão Uniformizador é que o regime de suspensão da pena de prisão obrigatoriamente condicionado ao pagamento dos impostos/contribuições e legais acréscimos apenas será de decretar se for razoável impor tal regime, ou seja, se a situação económica actual e a previsível situação económica no futuro permitir antever que o condenado está em condições de satisfazer a condição. Esse juízo concreto sobre a possibilidade de satisfação da condição decretada não se encontra vertido na sentença recorrida. O Acórdão Uniformizador – que, segundo o entendemos, aponta para um novo paradigma de aplicação da lei penal fiscal com base na sua interpretação actualista, o que exigirá reavaliação dos critérios de escolha entre penas de multa e prisão nos casos das PME em que as dívidas de impostos se avolumam em razão da falta de eficácia do fisco até ao momento do seu encerramento – é bem claro na sua fundamentação no sentido de que se o juízo sobre a razoabilidade de imposição da condição for negativo deve então o tribunal reavaliar a possibilidade de aplicação de outras penas principais ou de substituição da prisão. Em suma, não tendo o Tribunal a quo efectuado o mencionado juízo sobre a razoabilidade de impor ao arguido a satisfação da condição; limitando-se a referir os rendimentos provados e a decretá-la, ter-se-á de concluir que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do mencionado Acórdão e do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal. *** IV. Decisão Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência, declarar nula a sentença recorrida, determinado que o processo volte à 1ª Instância para prolação de nova sentença pela Mmª Juiz que proferiu a anterior e que supra a omissão verificada, extraindo do juízo a formular e em falta as necessárias consequências jurídicas. Não há lugar a tributação (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal). *** Coimbra, 22 de Janeiro de 2014 (Maria Pilar de Oliveira - relatora) (Maria José Nogueira - adjunta) |