Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
196/06.8GHCTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: REENVIO DO PROCESSO
IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.ºS 40º E 426º-A, DO C. PROC. PENAL
Sumário: É com o objectivo de garantir a imparcialidade do(s) julgador(es) que se verifica o impedimento da participação em novo julgamento, a efectuar por força do reenvio do processo, de juiz que haja participado no julgamento anterior (cfr. artigos 40º e 426º-A, do C. Proc. Penal).

A omissão dessa exigência legal configura nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea a), do mesmo Código, que tem como consequência a invalidade desse novo julgamento e bem assim dos actos subsequentes que se lhe seguirem, com inclusão do respectivo acórdão (cfr. artigo 122.º, n.º 1, do referido corpo normativo).

Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos:
- R…, solteiro, residente …, em Alcains;
- F..., casado, residente …, em Alcains.,
sob imputação, na acusação pública a fls. 591/598, da prática dos seguintes crimes:
1. Ao arguido R..., em concurso efectivo:
a) de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.° do Código Penal (doravante designado apenas por CP), na redacção anterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente, p. e p. pelo art. 347.°, n.° 1, do CP, na redacção dada pela referida Lei;
b) de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 181.°, n.º 1, e 184.°, ambos do CP, tanto na redacção anterior como posterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro;
c) um crime de roubo p. e p. pelo art. 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), em conjugação com o art. 204.°, n.° 2, al. f), do CP;
d) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.°, n.° 1, e 204.°, n.° 1, al. a), do CP;
e) um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.°, n.°s 1 e 2, do DL n.° 2/98, de 3 de Janeiro;
f) um crime de extorsão, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 223.°, n.º 1 e 30.°, n.º 2, do CP;
g) um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 223.°, n.º1, 22.° e 23.°, todos do CP.
2. Ao arguido F..., um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.°, do CP, na redacção anterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente, p. e p. pelo art. 347.°, n.° 1, do CP, na redacção dada pela referida Lei.
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2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão de 22 de Abril de 2010, decidiu julgar parcialmente procedente por provada a acusação e, em consequência:
1. Absolveu o arguido R… da prática de:
a) um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.°, do CP, na redacção anterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente, p. e p. pelo art. 347.°, n.° 1 do Código Penal, na redacção dada pela referida Lei;
b) um crime de injúria agravado p. e p. pelos arts. 181.°, n.º 1, e 184.°, ambos do CP, tanto na redacção anterior como posterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro;
c) um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), em conjugação com o art. 204.°, n.° 2, al. f), do CP;
d) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.°, n.° 1, e 204.°, n.° 1, al. a), do CP;
e) um crime de extorsão, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 223.°, n.º 1 e 30.°, n.º 2, do CP;
f) um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 223.°, n.º 1, 22.° e 23°, todos do CP.
2. Absolveu o arguido F... da prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.° do CP, na redacção anterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente, p. e p. pelo art. 347.°, n.° 1, do Código Penal, na redacção dada pela referida Lei.
3. Condenou o arguido R… prática:
a) de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art. 208.°, do CP, na pena de 15 meses de prisão;
b) de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.°, n.°s 1 e 2, do DL n.° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 meses de prisão;
c) de um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.°, n.º 1, do CP, na pena de 18 meses de prisão.
4. Em cúmulo jurídico, condenou o arguido R... Filipe Rodrigues dos Santos na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses.
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3. O Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação de Coimbra que, pelo acórdão de fls. 860 a 878, determinou o reenvio (parcial) do processo para novo julgamento, a efectuar pelo tribunal competente, referido no artigo 426.º-A do Código de Processo Penal, por a decisão final recorrida padecer dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável da fundamentação.
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4. Realizado julgamento, também no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, com a participação dos mesmos Juízes que integraram o Tribunal Colectivo anterior, em acórdão de 18 de Março de 2011, foi integralmente mantida a decisão vertida no acórdão proferido em 22 de Abril de 2010.
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5. Ainda não conformado, o Ministério Público recorreu do novo acórdão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - Os arguidos R... e F... foram absolvidos da prática do crime de:
- resistência e coacção p. e p. pelo art. 347.º do CP e o primeiro arguido ainda pela prática do crime de injúria agravado p. e p. pelos arts. 181.º, n.° l e 184°, ambos do CP, pelos quais vinham acusados.
2.ª - O arguido R...foi condenado pela prática do crime de extorsão p. e p. pelo art. 223.º, n.° l do CP, numa pena de 18 meses de prisão e, após cúmulo jurídico desta pena com as penas aplicadas pela prática de crimes de furto de uso de veículo - 15 meses de prisão - e de condução sem habilitação legal - l0 meses de prisão -, foi condenado numa pena única de 2 anos de 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses de prisão.
3.ª - O presente recurso reporta-se a matéria de facto e a matéria de direito, sendo que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.° 3 do CPP, se indicam os pontos da matéria de facto que se consideram incorrectamente julgados:
- os pontos 22.°, 25.° e 32.° da matéria de facto provada e
- as alíneas B), C) e D) da matéria não provada.
4.ª - O Tribunal da Relação ordenou a repetição do julgamento destes autos, nos termos do art. 426.° do CPP, a fim de serem reparados os vícios detectados de:
- insuficiência para decisão da matéria de facto e
- contradição insanável na fundamentação, de acordo com as alíneas a) e b) do n.° 2, do art. 410.º do CPP, especificando-se em concreto as matérias em questão.
5.ª - Repetidas que foram por determinação do tribunal audições de algumas testemunhas ouvidas no primeiro julgamento, procedeu o tribunal a quo a alterações na matéria de facto provada e não provada.
6.ª - Porém, não pode o tribunal ir para além das questões concretas incluídas no poder de reenvio, formando-se em relação à restante matéria de facto caso julgado, “caso julgado progressivo”, com o define o CPP italiano (cfr. Paulo P. Albuquerque, Comentário ao CPP, pág. 1163, 2.ª edição).
7.ª - A questão relativa à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, reportava-se à razão de ser, às circunstâncias em que surgem no local dos factos, sucessivamente, os vários grupos de elementos da GNR, como reforços.
8.ª - Consta agora do douto acórdão recorrido ampla matéria de facto sobre essa questão, sendo que nesse sentido decidiu alterar a matéria provada, designadamente, no ponto 6.° e que agora corresponde ao ponto 22.° da matéria provada. Isto é, no ponto 22.° elimina-se a expressão proferida pelo arguido F..., quando se muniu de um ferro, segurando-o com as mãos: “se alguém dá mais um passo eu fodo-vos a todos”.
9.ª - Diga-se que a repetição do julgamento era restrita a algumas questões, bem como à reprodução de apenas alguns elementos de prova. Nesse sentido se compreende a chamada de atenção da Sr.ª Juíza Presidente ao Procurador da República na audiência de julgamento, constante da gravação na sessão de 15-3-2011, ao arguido R…, pelo minuto 7,20, no sentido de que o MP “estava a fazer perguntas que não eram da matéria de esclarecimento e que o arguido já prestara declarações na outra audiência...”.
10.ª - Se assim é, obviamente que haveria matérias que estavam definitivamente assentes, tal como era o caso do ponto 6.° da matéria provada no primeiro julgamento, não podendo o tribunal que repetia o julgamento alterá-la, sob pena de estar a violar o disposto no art. 426.° do CPP, bem como o princípio do caso julgado.
11.ª - Ou então, pretendendo o Tribunal da Relação perceber porque é que, na verdade, surgiram os reforços policiais que ninguém põe em dúvida que existiram, para ainda em segundo julgamento que não era de reprodução global da prova, retirar factos da matéria já provada que objectivamente contribuíram para essa presença reforçada, gradual, de elementos das GNR.
12.ª - Deverá, deste modo, a nosso ver, manter-se como provada toda a matéria que já constava do ponto n.° 6 e que agora corresponde ao ponto n.° 22, a este se acrescentando a matéria que o tribunal deu como não provado na alínea C), que passará a ser considerada matéria provada, como já estava anteriormente.
13.ª - Pois que, do modo como decidiu o tribunal violou o disposto no art. 426.° do CPP, verificando-se a nulidade prevista no art. 379.°, n.° l al. c) in fine do CPP.
14.ª - No ponto 25.° da matéria provada atribui-se a expressão (ameaçadora) dirigida ao Sr. Juiz de Direito e indicada no mesmo ponto, ao arguido F..., quando nos parece certo que a mesma foi proferida pelo arguido R....
15.ª - Na verdade, no sentido de a mesma expressão ter sido proferida pelo arguido R...já era matéria assente no acórdão do primeiro julgamento na 1.ª instância, no acórdão do Tribunal da Relação e ainda nos ponto 16.°, 17.° e 18.° deste 2.° acórdão da 1.ª instância. É que o arguido que foi “apartado” do guarda P... (pontos 18.° e 25.°) foi o R...e não o F....
16.ª - Aliás, da própria fundamentação do acórdão também se verifica que o Sr. Juiz, Dr. B..., (sendo ele próprio o visado com a ameaça), pela Dr.ª D... e pela Dr.ª G... todos foram unânimes em atribuir tal expressão ao arguido R..., bem assim, pela testemunha H..., da GNR.
17.ª - Sendo considerado mero lapso do acórdão deverá o mesmo ser corrigido, tendo tal influência na apreciação dos factos. Caso contrário, estamos em presença de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 410.º, n.°s l e 2 al. b), do CPP, o que para os devidos efeitos se alega.
18.ª - De acordo com a matéria de facto dada como provada, designadamente, nos pontos 1.° a 25.°, verifica-se que os arguidos criaram um ambiente hostil, materializado em acções violentas contra as autoridades públicas presentes - Juiz de Direito e elementos da GNR - que se encontravam no exercício das suas funções, visando impedi-las.
19.ª - Esta violência foi verbal contra os elementos da GNR e contra o Sr. Juiz e física contra um dos guardas, por parte dos arguidos, quer pela matéria já dada como provada, quer ainda com as alterações à matéria de facto que propugnamos.
20.ª - Resulta da matéria de facto provada que os reforços policiais que estavam a alguma distância, para manter alguma discrição, dada a natureza da diligência, só seriam chamados a intervir se fosse necessário. Esse chamamento seria por feito através de um sinal gestual entre os guardas, o que veio efectivamente a ser feito.
21.ª - Dá o tribunal como provado que o chamamento de reforços foi para “impressionar”. Naturalmente que sempre se impressionaria os visados com o desrespeito da ordem judicial, apresentando-se força em número de agentes e que pelos vistos um dos arguidos - R...- nem se deixou impressionar, pois que andou agarrado a um dos guardas, provenientes de um dos reforços, tendo sido “apartados” por outro guarda.
22.ª - Toda a matéria provada até ao ponto n.° 25.°, incluindo as ameaças ao Sr. Juiz, ocorreram antes de a ordem judicial ter sido aceite pelos arguidos e cumprida pelos agentes da autoridade.
23.ª - Não tendo o tribunal considerado a verificação dos elementos típicos do crime p. e p. pelo art. 347.° do CP, violou o tribunal na sua aplicação o disposto nesta norma.
24.ª - Quanto ao eventual exercício do direito de resistência por parte dos arguidos a que o tribunal também se reporta, socorrendo-se do disposto em normas da Lei de Promoção e Protecção, dir-se-á que esta apreciação, designadamente, através dos princípios legais enformadores da intervenção previsto no art. 4.º da citada lei, foi feita em sede própria, no respectivo processo de promoção e protecção.
25.ª - E, tendo surgido a hipótese de o menor ter sido assistido na véspera à tarde no hospital e não se justificando naquele momento tal diligência, resulta da matéria provada que o ambiente proporcionado pelos arguidos não era propício a que com serenidade e discernimento, no local, fosse alterado o sentido da ordem judicial já anteriormente tomada.
26.ª- “Para a perfectibilidade do crime em causa exige-se a legitimidade do acto funcional ou, pelo menos, que não seja notória e manifestamente ilegítimo. A ilegitimidade do acto a praticar pelo funcionário não pode deixar de permitir o exercício do direito de resistência (art. 21.º da CRP), que pode comportar uma acção defensiva traduzida na resposta à violência física decorrente da actuação policial”. Ac. Rel. Coimbra de 14-3-2007, citado nesta motivação.
27.ª - Ora, não houve da parte de qualquer das autoridades presentes qualquer exercício de violência, a ordem não era ilegítima e se, da parte dos arguidos, lhe parecia inútil tal diligência deveriam com normalidade e serenidade, sem necessidade de levantar um ferro ao ar em tom ameaçador, de proferir ameaças aos elementos da GNR e ao Juiz de Direito e de serem chamados reforços da GNR, conversarem com o Sr. Juiz de Direito e com aqueles sobre esse assunto.
28.ª - O facto de mais tarde a GNR ter conseguido realizar a diligência, transportando o menor ao hospital, tal não é impeditivo da verificação do crime de resistência e coacção, com os elementos típicos do art. 347.º do CP, bastando que o agente se oponha com violência ao exercício de funções para impedir ou constranger a autoridade no seu exercício. Acs. da Rel. de Coimbra de 27-6-2007 e de Guimarães de 2-11-2009 citados nesta motivação.
29.ª - Deverá o douto acórdão ser alterado por outro que condene os arguidos pela prática, em co-autoria, do crime de resistência e coacção, pois que não o tendo feito violou o tribunal na sua aplicação as apontadas normas legais.
30.ª - Quanto ao crime de injúria agravado vem apontado pelo Tribunal da Relação a existência de um vício de contradição insanável na matéria provada, por existir uma oposição lógica entre o facto provado do ponto 33.° e a alínea B) dos factos não provados do 1.° acórdão da 1.ª instância.
31.ª - Repetido o julgamento o tribunal retirou da matéria de facto provada anteriormente o elemento subjectivo da infracção, mantendo os pontos 32.° da matéria provada, com referência ao ponto 17.° e passou-o para a matéria não provada, na alínea B) da seguinte forma:
“O arguido R... sabia que a expressão proferida em relação ao militar da GNR P..., assente em 17.° da matéria provada, era ofensiva da honra e consideração devidas ao ofendido, por actuar no exercício e por causa das suas funções de agente de autoridade pública e que o seu comportamento, assente nos arts. 16.° e 17.°, desta matéria, incluindo a prolação de tal expressão eram proibidos por lei”.
32.ª - O tribunal eliminou a contradição insanável na matéria de facto, retirando da matéria de facto provada o elemento subjectivo deste crime e passou-o para a matéria não provada.
33.ª - Para tal o tribunal fundamentou-se no depoimento de R...na repetição do julgamento onde o mesmo, segundo a motivação (fls. 31 do acórdão), este se manifestou indignado com o desperdício de agentes de autoridade, quando a assistência hospitalar do irmão tinha sido cumprida no dia anterior. Prosseguindo a fundamentação, afirmando-se que o arguido não tinha em vista ofender o dito militar, mas só chamar à atenção para a desnecessidade da sua presença ali, eventualmente, até com prejuízo do exercício das usas funções.
34.ª - Para seguidamente a mesma fundamentação continuar na sua apreciação crítica, afirmando que o arguido sentia assim que a razão e o direito lhe assistiam, enquanto que o Sr. Juiz e os ditos militares é que estavam com um comportamento ilegal, depois de lhes ter sido informado que o menor já tinha sido assistido no dia anterior. E mais, nem reconhecia que o soldado da GNR estivesse a cumprir as suas funções....
35.ª - Ressalvando o devido respeito pela análise crítica da prova feita na fundamentação, parece-nos que as considerações feitas não respeitam a ordem que, em termos lógicos e as regras da experiência comum, era de esperar.
36.ª - Não deixamos de estranhar que se possa afirmar que o arguido, com as condições (até pessoais) que se lhe conhecem da matéria provada e nas circunstâncias dos factos, que ele sentiu ou que se aceite opinião no sentido de que o Juiz estava a ter um comportamento ilegal.
37.ª - Mas importa analisar o depoimento que o arguido prestou na repetição do julgamento sobre este aspecto de pormenor e no qual se baseou a fundamentação do douto acórdão recorrido.
38.ª - De acordo com o depoimento prestado pelo arguido R..., na sessão de 15-3-2011 a partir do minuto 2,40, não se extrai de forma linear, clara, nem espontânea a conclusão de que o arguido estivesse indignado com o desperdício de agentes da autoridade ou que, quando chamou “palhaço” ao guarda ou quando lhe disse que lhe “dava um tiro nos cornos”, estava chamar à atenção para a desnecessidade da sua presença ali.
39.ª - Mesmo que fosse desnecessária a presença do GNR ali, temos que convir que aquilo que se passou, de acordo com as regras da experiência comum, não eram modos normais de um cidadão se dirigir a um agente de autoridade.
40.ª - No depoimento do arguido o Tribunal, ao iniciar as perguntas, começa por afirmar que ele devia estar exaltado sem que ele o tivesse afirmado antes. Depois pergunta se, nessas circunstâncias, não estava de acordo que levassem o seu irmão mais novo. A uma pergunta assim formulada, parece-nos que se dá pistas para uma resposta...
A insistência na mesma pergunta, fornecendo elementos factuais ao destinatário da pergunta e insistindo na pergunta, questionando: “É isso?”, facilita a resposta que se limitou a dizer pura e simplesmente: “sim”, sem qualquer outro conteúdo que nos indique a convicção da resposta.
Depois passou-se à utilidade, desnecessidade ou desperdício da presença dos guardas naquele local, qualificativos que se incluíram nas perguntas. A resposta à primeira dessas perguntas até foi simples e clara: “Eu não vou dizer que não era útil, sinceramente não sei...só acho que não era necessária aquela situação”.
41.ª - Na insistência do Tribunal, depois da instância do Ministério Público, após o minuto 7,20, da mesma sessão, foi perguntado ao arguido se ao dirigir-se ao soldado da GNR achava que estava a agir para proteger o seu irmão ou se era por qualquer outra razão. A resposta não correspondeu à pergunta e foi no sentido de afirmar: “eu simplesmente tentei defender-me...”.
42.ª - Perante esta resposta, foi feita de novo a mesma questão pelo tribunal, mas acrescentando na pergunta se estava convencido que o seu irmão não tinha necessidade de ir ao Hospital. Foi obtida então uma resposta final que do teor da gravação é muito curta, mas que se mostra para nós imperceptível na gravação...
43.ª - Por outra parte, a instâncias do Ministério Público, logo após o minuto 7,20, o arguido para justificar porque é que disse as expressões dadas como provadas, referentes ao agente da GNR, disse que não era para ofender e justificou que estava com os nervos e tinha perdido a noção... . Porém, ao ser-lhe perguntado se sabia que o que disse, podia para o agente da GNR ser ofensivo, respondeu: “Sim, sim”. E tendo o M. P. insistido se reconhecia isso, a resposta foi de novo clara: “Sim, sim”.
44.ª - Ressalvando o devido respeito, que é muito, pelo tribunal a quo, parece-nos que a apreciação crítica da prova neste aspecto particular, não se mostra feita de forma correcta. Isto é, as resposta dadas pelo arguido às perguntas do tribunal, não consentem as respostas dadas à matéria provada reportadas ao elemento subjectivo do crime de injúrias agravado, bem assim relativamente à convicção de que o Sr. Juiz e os agentes da autoridade a partir de certo momento não estavam no exercício das suas funções e portanto a sua actividade era ilegal, referida nas alíneas B) e D) da matéria não provada, a exigirem uma resposta diferente, violando o tribunal o disposto nos artigos 379.°, n.° l al. a) e 374.°, n.° 2 do CPP.
45.ª - Assim, a matéria das alíneas B) e D) da matéria não provada deverá ser considerada matéria provada, sendo que as respostas às perguntas do tribunal dadas pelo arguido, para além de não nos parecem espontâneas, nem carregadas de convicção, foram em algumas situações não coincidentes com a argumentação expendida na apreciação crítica da prova citada.
46.ª - De outro modo, verifica-se existir incompatibilidade entre a matéria de facto dada como provada relativamente aos dados objectivos do crime de injúria qualificada p. e p. pelos artigos 181.° e 184.° do CP, dos pontos 16., 17. e 32. e a matéria dada como não provada relativamente ao elemento subjectivo do crime das alíneas B) e D).
47.ª - O que configura, para além da questionada apreciação crítica da prova na fundamentação do acórdão, um erro notório da apreciação da prova, nos termos do art. 410.°, n.°s l e 2 al. c) do CPP (Comentário do CPP de P.P de Albuquerque, pág. 1103, Anot. 223.3 al.iii).
48.ª - Deste modo, deverá o arguido R... ser condenado pela prática do crime p. e p. pelos arts.181.º, 184.° e 132.°, n.° 2, al. j), todos do CP.
49.ª - As circunstâncias de um ambiente algo perturbado que levou o tribunal a aceitar como não censurável o comportamento do arguido quando este profere tal expressão foram criadas por ele próprio e pelo seu pai co-arguido na prática de outro crime pelo qual propugnamos condenação.
50.ª - O tribunal aceitou que a expressão tivesse uma carga pejorativa e fosse até injuriosa, só que compreende-a e justifica-a com base no dito cenário de ânimos perturbados.
51.ª - Ora, não nos parece que o apontado contexto em que a expressão: “Palhaço, vai apanhar os gatunos”, tivesse uma perspectiva defensiva e que ainda assim possa ser considerada não censurável penalmente nas circunstâncias em que foi proferida.
52.ª - Com a expressão “Palhaço” dirigida a um elemento da GNR no exercício das suas funções em que o arguido se atravessa à sua frente, impedindo-o ou constrangendo-o no exercício das usas funções, este quis achincalhar e amesquinhar tal agente da autoridade, atingindo-o de forma livre e consciente na sua honra e consideração, na qualidade de elemento da GNR, querendo dizer que ele era tolo, parvo, estúpido ou que não se comportava perante as suas competências com a seriedade que as coisas devem ter (neste sentido, em situação semelhante se pronunciou o T. R. de Coimbra, em Ac. de 11-10-2006 citado na nossa motivação).
53.ª - Não condenando o arguido R... pela prática do crime de injúria agravado violou o tribunal na sua aplicação o disposto nos art.°s 181.°, 184.° e 132.°, n.° 2, al. j) todos do CP, na conjugação com as demais já citadas do CPP, devendo o arguido ser condenado pela prática de tal crime.
Mantendo neste recurso as questões suscitadas pelo Ministério Público no anterior recurso, por continuarem a ser pertinentes e porque não foram apreciadas por terem sido consideradas prejudicadas, mantemos de igual forma as conclusões que se seguem:
54.ª - Relativamente ao crime de extorsão em que o arguido R... foi condenado é este crime p. e p. com uma pena de 30 dias a 5 anos de prisão, tendo o arguido sido condenado numa pena de 18 meses de prisão.
55.ª - Da matéria de facto provada, concretamente, dos pontos n.°s 24.° a 32.° resulta que o crime não se traduziu num acto isolado, mas que se protelou no tempo, através do envio de mensagens de telemóvel, traduzidas em ameaças várias que envolveu duas ofendidas e visou várias pessoas familiares destas e que após ter extorquido dinheiro a uma delas, persistiu no comportamento criminoso.
56.ª - O tribunal para determinar a medida da pena referiu ter tido em conta os antecedentes criminais do arguido, o bem jurídico visado no anúncio - o bem vida da própria e dos familiares - e a repetição da conduta.
57.ª - Ora, para além do que fica referido, o arguido não manifestou qualquer arrependimento, não confessou os factos, nem se preocupou em reparar o mal do crime, nem sequer de devolver o dinheiro extorquido. São factos de elevada gravidade, é elevado o grau de ilicitude, sendo certo que o arguido se fez amigo das visadas para depois as aterrorizar durante algum tempo, até que foi a Polícia de Segurança Pública, a pedido de uma das vítimas, que interveio, pondo fim à prática criminosa.
58.ª - Deverá, desse modo, a nosso ver, ser o arguido punido de forma mais severa em pena que não seja inferior a 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de extorsão.
59.ª - De outro modo, violou o tribunal na sua aplicação o disposto nas normas conjugadas dos artigos 4.°, 71.° e 223.° todos do CP.
60.ª - Aliás, o mesmo tribunal no douto acórdão de que se recorre, ao condenar o arguido pela prática do crime de furto de uso de veículo automóvel que veio a ser recuperado, p. e p. pelo art. 203.° do CP com uma pena até 3 anos de prisão foi condenado numa pena de 15 meses de prisão que se nos afigura muito mais severa em termos relativos, quando é certo que, para além da moldura penal do crime de extorsão ser mais gravosa, os contornos e as consequências da prática deste crime exigem, a nosso ver, uma maior reprovação em termos de censura.
61.ª - Por fim, quanto à suspensão da pena aplicada em cúmulo jurídico ao arguido R..., esta só pode ser declarada nos termos do art. 50.° do CP se o tribunal puder fazer um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido de que este não virá no futuro a praticar novos crimes.
62.ª - Este juízo tem que assentar na matéria provada e há-de reportar-se à sua personalidade, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
63.ª - O tribunal fundamentou a suspensão da execução da pena de prisão no facto de esta medida ser uma medida pedagógica e no caso em apreço teve em atenção as circunstâncias atenuantes, não vislumbrando obstáculo à formulação de um juízo de prognose favorável ao arguido.
64.ª - Salvo o devido respeito, não aceitamos tal justificação de carácter genérico, uma vez que da matéria provada não recolhemos nenhum facto favorável à sua personalidade, antes pelo contrário. Na verdade, não confessou os crimes, não mostrou arrependimento, nem reparou qualquer dos males causados em qualquer dos crimes cometidos.
65.ª - Acresce que o arguido já cumpriu anteriormente pena de prisão, já foi condenado anteriormente por crimes de condução sem habilitação legal (3), ameaças (2), furto (2), desobediência e roubo.
66.ª - Entre várias condenações por multa, foi condenado, em cúmulo jurídico, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa por 3 anos. Acontece que o arguido está neste momento a cumprir uma pena de prisão, em cumprimento de prisão subsidiária, por não pagamento de multa criminal... (conforme matéria provada).
67.ª - Não vislumbramos assim factos suficientes que permitam fazer o juízo de prognose favorável ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 50.° e 53.° ambos do CP, em conjugação com o disposto nos arts. 40.°, 203.° e 223.° do mesmo diploma legal e no art. 3.°, n.°s l e 2 do DL n.° 2/98 de 3-1 e, tendo-o feito violou o tribunal o disposto em tais normas.
68.ª - “O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas, sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa”. Código Penal, 1.º vol. pág. 444, de Leal Henriques e Simas Santos.
69.ª - Julgando procedente o recurso no qual se pede a condenação do arguido R... pela prática dos crimes de resistência e coação de funcionários e de injúria agravado, bem como o agravamento da pena pelo crime de extorsão, por maioria de razão, se solicita que, reformulado o cúmulo jurídico, seja aplicada ao arguido uma pena única de prisão efectiva.
70.ª - Julgando procedente o recurso no qual se pede a condenação do arguido F..., pai do arguido R..., não nos repugna que o tribunal equacione em relação a este a hipótese de aplicação do instituto da suspensão da pena que vier a ser aplicada.
71.ª - Na verdade, foi bem diferente a postura deste arguido no sentido de confessar os factos e de demonstrar o seu arrependimento, conforme se observa da fundamentação do douto acórdão.
Pelo exposto, revogando o douto acórdão recorrido nos termos sobreditos Vossas Excelências farão justiça!
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6. Os arguidos prescindiram do prazo para apresentaram resposta ao recurso (cfr. fls. 1054/1055 dos autos).
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7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a motivação do recurso, emitiu parecer no sentido da sua procedência.
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8. Cumprido o n.º 2 do artigo 117.º do Código de Processo Penal, os arguidos não exerceram o seu direito de resposta.
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9. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e determinação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
O recurso interposto pelo Ministério Público versa simultaneamente matéria de facto e direito e demanda para conhecimento as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal;
- Nulidade do acórdão, nos termos, conjugados, dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, por falta de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal;
- Alterabilidade da matéria de facto;
- Se o acórdão recorrido padece dos vícios de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão da matéria de facto e de erro notório na apreciação da prova;
- Se os arguidos R...e F... incorreram na prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.° do CP, na redacção anterior à dada pela Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente, p. e p. pelo art. 347.°, n.° 1, do CP, na redacção dada pela referida Lei;
- Se alterada a matéria de facto, segundo os desígnios do recorrente, o arguido R...deve ser também condenado pela prática do imputado crime de injúria qualificada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. j), todos do CP;
- Se o arguido R...deve ser condenado, pela autoria material do crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do CP, em pena de prisão não inferior a 2 anos e 6 meses;
- Se deve ser reformulado o cúmulo jurídico de penas aplicadas e a aplicar ao arguido R...e ser o memo condenado num pena única de prisão efectiva.
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2. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1.O Juiz de Direito, em serviço de turno no Circulo Judicial de Castelo Branco, no dia .. de Novembro de 2006, no âmbito do Processo de Promoção e Protecção n.° 1946/06.8 TBCTB, do 2.º Juízo deste Tribunal, relativo ao menor Q... - irmão do primeiro arguido e filho do segundo arguido -, proferiu despacho, além do mais, com o seguinte teor: “Determinamos, nos termos do artigo 92.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 147/99, de 01.09, que a autoridade policial competente para a área de residência do menor acompanhe, de imediato, o Tribunal, a fim de, se necessário pela força e por forma a ultrapassar a resistência dos respectivos progenitores, assegurar a deslocação daquele aos serviços de urgência, do Hospital Amato Lusitano de Castelo a fim se ali ser observado”.
2. Assim, pelas 13 horas, L... e K..., no exercício das suas funções de Soldados da GNR, acompanhados do referido Juiz de Direito, e de um outro elemento da GNR, tendo em vista o cumprimento da transcrita decisão proferida por esse magistrado judicial, dirigiram-se ao Largo …, em Alcains, onde fica situada a residência dos arguidos.
3. Após ter sido comunicada, verbalmente, a razão da presença dos referidos profissionais (militares da GNR e Juiz de Direito), Y... - mãe do dito menor - e o arguido F..., perante os mesmos, declararam que o mesmo menor já tinha sido assistido no dia de ontem no HAL e a dita Y... - depois de se ter deslocado ao interior da habitação, para o efeito -, num momento em que se mantinham presentes os mesmos profissionais, mostrando numa das mãos um papel - que corporizava o original da declaração copiada a fls. 57, emitida pelo Hospital Amato Lusitano, onde se consigna que o arguido F... acompanhou o menor, no dia 17 de Novembro de 2006, entre as 19h13m e as 19h31m, ao serviço de urgências desse hospital -, referiu que se tratava do comprovativo hospitalar de tal assistência.
4. O Juiz de Direito B... nada respondeu à mãe do menor e aos arguidos.
5. De seguida, o Juiz de Direito B... deu ordem aos referidos elementos da GNR para entrarem na casa, mesmo se necessário, mediante o uso da força, tendo em vista ser o menor Q... conduzido ao Hospital Amato Lusitano, e que a questão do papel - reportando-se à declaração referida no artigo 3.º desta matéria assente - não interessava.
6. O militar L... foi quem assumiu o comando da patrulha constituída por si e pelo militar K... e solicitou aos colegas AJ... e CJ... que os acompanhassem até às proximidades da residência dos arguidos, a fim de ficarem de prevenção caso fosse necessário, sendo por si chamados através de sinal gestual.
7. O referido militar L...a solicitou a colaboração dos aludidos militares P... e CJ... por ser do seu conhecimento funcional que o arguido R..., por vezes, não obedecia às ordens da autoridade policial.
8. Também por causa do referido conhecimento por parte do militar L..., o mesmo solicitou aos militares da GNR da Mata JL..., AR... e BB... que também os acompanhassem até às proximidades da residência dos arguidos, a fim de ficarem de prevenção caso fosse necessário, sendo por si chamados através de sinal gestual.
9. Assim, nas circunstâncias de tempo assentes em 2. e 3., os militares P... e CJ...Cabaço mantiveram-se a uma distância entre 30 e 50 metros da porta principal da residência dos arguidos, no interior de um jipe da GNR, a aguardar o sinal do militar L...Silva.
10. Da mesma forma, os militares da GNR JL..., AR... e BB... mantiveram-se a uma distância entre 55 e 60 metros da porta principal da residência dos arguidos, no interior de um jipe da GNR, a aguardar o sinal do militar L... .
11. Após o assente em 5. e tendo-se apercebido da manutenção da ordem por parte do Sr. Juiz de Direito, Y... e o arguido F...colocaram-se à soleira da porta da entrada principal da sua residência, verbalizando que não deixariam que o menor Q... fosse levado dali na viatura da GNR.
12. Nas circunstâncias assentes em 11., os militares da GNR L... e P… limitaram-se a conversar com Y... e o arguido F..., no sentido de os convencerem a que o menor Q... os acompanhasse ao Hospital Amato Lusitano, ao mesmo tempo que o militar L...fez sinal gestual para que os militares P... CJ... se aproximassem.
13. O militar L... decidiu não entrar na residência de Y... e do arguido F...contra a vontade destes, porque, na sequência do assente em 2. e 3., entendeu que tal não se justificava e transmitiu isso ao militar P....
14. De qualquer modo, fez o sinal gestual aos militares P... e CJ... para impressionar os mesmos Y... e o arguido F..., tendo em conta a renovação da ordem conforme assente em 3.
15. Então, os militares P... e CJ... aproximaram-se da porta da residência dos arguidos, altura em que o arguido R... transpôs a porta principal respectiva, provindo do seu interior, e deu de frente com o militar P....
16. Por razões concretamente não apuradas, o arguido R... e o militar P... bateram-se mutuamente no seu corpo, afastando-se da frente da dita porta principal, tendo, designadamente, o arguido R... agarrado o casaco deste Soldado da GNR.
17. Nestas últimas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido R... dirigiu-se ao militar AJ..., dizendo-lhe, de forma voluntária: “Quando te apanhar levas um tiro nos cornos. Palhaço vai apanhar os gatunos”.
18. O militar CJ..., ao se aperceber do assente em 16., afastou-se igualmente da dita porta principal e foi apartar o militar P... e o arguido R....
19. Entretanto, os militares P... e L... continuavam a conversar com o arguido F...e com Y..., no sentido assente em 12.
20. Ao mesmo tempo, o militar L...fez sinal gestual para que os militares H..., BB... e JL... se aproximassem da porta principal da mencionada residência.
21. O militar L... procedeu da forma assente em 20. para impressionar Y... e os arguidos F...e R..., tendo em conta a renovação da ordem conforme assente em 3.
22. Então, o militar H... aproximou-se da referida porta principal, altura em que o arguido F..., sem transpor a porta exterior da residência, muniu-se de um objecto metálico com cerca de metro e meio de comprimento e configuração redonda com espessura de cerca de 2 cm., segurando-o nas mãos.
23. Nessa sequência, o militar H... dirigiu-se ao arguido F...e ordenou-lhe que pousasse o dito ferro, ao que este, de imediato, sem nada verbalizar ou gesticular, acedeu, colocando-o atrás da referida porta principal, de onde o havia, momentos atrás, retirado, e mantendo-se o arguido F..., à entrada da mencionada porta, sem nada gesticular ou verbalizar.
24. Nas circunstâncias de tempo assentes em 21., o militar JL..., ainda antes de chegar junto à porta principal da residência dos arguidos interceptou um rapaz que aparentava idade compreendida entre os 10/12 anos, que proferia palavras, em voz elevada, em monólogo e direcção indefinida, do género «Não levem o meu irmão», tendo-lhe solicitado que se calasse, em simultâneo com o que o afastou para uma zona lateral do recinto frontal à dita residência. O dito rapaz a tudo acedeu de imediato, sem qualquer reacção em sentido contrário.
25. A determinado momento, após terem sido apartados o militar P... e o arguido F..., este último dirigiu-se ao local onde se encontrava o Sr. Juiz de Direito B..., nestes termos: “Eu a ti fico a conhecer-te e hei-de-te fazer a folha”.
26. Nas circunstâncias de tempo assentes em 22., o militar BB..., tendo-se apercebido da presença de Y... a distância concretamente não apurada da mencionada porta de entrada da sua residência, verbalizando para os militares presentes que apenas aceitava que o menor Q... fosse transportado de ambulância ou de táxi para o Hospital Amato Lusitano (HAL).
27. Então, o militar BB... transmitiu aos colegas de Alcains, presentes no local, a vontade manifestada pela mãe do menor Q..., tendo um deles transmitido isso mesmo ao Sr. Juiz de Direito, que deu o seu assentimento a que o dito menor fosse transportado de ambulância para o HAL.
28. Os militares P..., CJ..., BB..., JL... e H... decidiram não entrar na residência de Y... e do arguido F...contra a vontade destes, porque não receberam instruções nesse sentido da parte do guarda L..., nem, na sequência do assente em 2. e 3., entenderam que tal não se justificasse.
29. Foi então estabelecida a ligação telefónica no sentido de chamar ambulância de Castelo Branco, pelo soldado P..., que chegou decorridos cerca de 10/15 minutos, espaço de tempo em que, nem os arguidos, nem a mãe do menor Q..., se manifestaram de forma alguma.
28. Entre o assente nos artigos 2. e 26., decorreram, no máximo, 15 minutos.
29. O Juiz de Direito ausentou-se do local, aí permanecendo os militares da GNR, até à chegada da ambulância, que veio a transportar o menor Q... ao HAL.
30. Os arguidos sabiam que os elementos da GNR L... e K... e magistrado judicial Dr. B..., nas circunstâncias assentes no art. 2., se encontravam no desempenho das suas funções e em cumprimento dos seus deveres profissionais.
31. O arguido R... tinha ainda conhecimento da qualidade de soldado da GNR do ofendido AJ... .
32. Os arguidos actuaram da forma descrita em 11., 17., 22. e 25., por estarem convencidos de que o comportamento do magistrado judicial Dr. B... e, designadamente, do soldado P..., não tinham justificação, a partir do momento em que tomaram conhecimento que o menor Q... havia sido assistido no HAL, conforme referido no artigo 3.
33. No dia 29 de Outubro de 2007, cerca das 18H45, quando a ofendida BC... se encontrava no interior da viatura de matrícula Volkswagen Passat - estacionada no parque de estacionamento sito junto à casa de …, Castelo Branco -, alguém, com a cara tapada com um lenço, dirigiu-se à primeira, exibindo-lhe e encostando-lhe à cabeça uma arma de fogo de características não concretamente apuradas, ao mesmo tempo que lhe disse “isto é um assalto” e que se gritasse disparava e que lhe desse de imediato a carteira e o dinheiro, o que esta fez.
34. Esse alguém levou consigo tal carteira, contendo no seu interior diversos documentos e moedas, tudo no valor global de €300.00, integrando tais objectos no seu património, apesar de saber que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva dona.
35. Tal pessoa usou, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física da ofendida, por forma a obstar a qualquer resistência da parte desta, sabendo que o meio utilizado era idóneo a impedir que a ofendida conseguisse resistir à acção por ele desencadeada.
36. No dia 26 de Março de 2008, alguém se aproximou do veículo de matrícula … , Audi A4, de cor azul, com o valor de € 13500, pertença do ofendido RD..., que se encontrava estacionado na Rua …, em Alcains.
37. Uma vez ali, este último alguém logrou colocar tal veículo em funcionamento, de forma concretamente não apurada, levando-o em seu poder, bem como dois telemóveis pertença do referido ofendido, no valor de €350, que se encontravam no interior de tal veículo, integrando tais bens no seu património, sabendo que não eram seus e que actuava contra a vontade do dono.
38. O arguido R..., sem autorização e contra a vontade do respectivo dono, conduziu o referido veículo de matrícula …, designadamente em finais do mês de Março de 2008, desde, pelo menos, Alcains, até à Carapalha, em Castelo Branco, numa distância de, também pelo menos, 20 quilómetros, e fê-lo sem estar legalmente habilitado a conduzir, o que o mesmo sabia.
39. O veículo veio a ser recuperado e entregue ao seu legítimo proprietário, apresentando danos no valor de € 635.25.
40. A partir do dia do 23 de Março de 2008, o arguido passou a enviar mensagens através do seu telemóvel para o telemóvel da ofendida IC... - que conhecera cerca de um ano antes na Pastelaria …, em Castelo Branco -, a exigir que esta que lhe fizesse a entrega de € 300,00, caso contrário que a mataria, bem como a outros membros da família.
41. Aquela ofendida, com receio que o arguido concretizasse tais ameaças, fez-lhe a entrega do referido montante em dinheiro, dentro de um envelope, na mencionada pastelaria.
42. Posteriormente, o arguido R... enviou mensagem, via telemóvel, para SM..., para que esta transmitisse à aludida IC...que, no dia 15 de Abril de 2008, esta última deveria fazer a entrega de €400,00 na mencionada pastelaria.
43. Ainda posteriormente, o arguido R... remeteu à dita IC...mensagens de telemóvel, pretendendo que a mesma lhe entregasse €20,00, numa das quais, remetida a 14/04/2008, escreveu: “Olá IC..., esperamos que amanha nao falhex senao juramos te que morrem mesmo. Nao vais falhar pois nao? RSPO PO R... RAPIDO”.
44. No dia 15 de Abril de 2008, o arguido R... foi detido por agentes da PSP, quando a ofendida IC...lhe procedia à entrega de €20.00.
45. O arguido R... enviou igualmente mensagens via telemóvel para SM..., exigindo-lhe a entrega de €250.00 em dinheiro ou que a mesma deveria ter relações sexuais com o arguido R... ou com terceiros, tudo em troca do seu silêncio em relação a um relacionamento amoroso que a mesma tinha tido com um terceiro.
46. O arguido R... sabia que com a sua conduta estava a constranger as ofendidas IC... e SM... a entregar-lhe as quantias de €300,00 e €20,00, a primeira, e €250,00, respectivamente, actuando com o propósito de obter tais quantias e de as integrar no seu património, sabendo bem que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade das mesmas, o que só não veio a acontecer relativamente à ofendida SM... (quantia de €250,00), por razões alheias à vontade daquele.
47. O arguido R... pretendia integrar a quantia de €400,00 no seu património.
48. O arguido R... actuou de modo livre e voluntário, sabendo que as suas condutas assentes nos arts. 38., 40. e 43., da presente matéria, eram proibidas e punidas por lei, e estava convencido disso em relação à sua conduta assente no art. 29., da mesma matéria.
49. O arguido R... esteve em cumprimento de penas de prisão desde o dia 29 de Abril de 2008 a 11 de Agosto de 2008.
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Outros factos:
São conhecidos ao arguido R... os seguintes antecedentes criminais:
- foi condenado, por sentença transitada em julgado, datada de 29.08.2005, relativamente a factos praticados em 27.08.2005, integrantes de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00, já declarada extinta, por pagamento da multa;
- foi condenado, por sentença transitada em julgado, datada de 19.12.2007, relativamente a factos praticados em 19.04.2004, integrantes de crime de ameaça, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €4, 00, já declarada extinta, por cumprimento da prisão subsidiária;
- foi condenado, por sentença transitada em julgado, datada de 21.12.2007, relativamente a factos praticados em 10.10.2006, integrantes de crime de furto, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de €4,00, já declarada extinta, por cumprimento da prisão subsidiária;
- foi condenado, por sentença transitada em julgado, datada de 19.09.2008, relativamente a factos praticados em 09.03.2006, integrantes de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €4,50;
- foi condenado, por acórdão transitado em julgado, datado de 14.10.2008, transitado em julgado a 30.03.2009, relativamente a factos praticados em 4 e 5 de Dezembro de 2006, integrantes dos crimes de condução sem habilitação legal, furto, desobediência, ameaça e roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
Este arguido encontra-se preso no EP de Castelo Branco desde 21.12.2010, em cumprimento de prisão subsidiária, por não pagamento da pena de multa aplicada em processo de natureza criminal. Está previsto o termo de cumprimento da pena em 21.05.2011.
No EP de Castelo Branco, este arguido não está a exercer qualquer ocupação remunerada, por o EP não dispor de verbas para contratação de serviços por parte de reclusos.
Antes de estar preso, este arguido residia com os pais e os cinco irmãos mais novos, encontrando-se o mais velho desempregado, tal como os progenitores e os demais a frequentar a escolaridade.
O agregado residiu, até finais de 2010, numa casa arrendada no centro da vila de Alcains.
O arguido era distribuidor de publicidade desde Setembro de 2008 até ser preso, auferindo um vencimento líquido de €475,00 mensais, com atraso de pagamento, a pontos de ter deixado de colaborar para as despesas domésticas e não dispor de meios financeiros para pagar a pena de multa.
Possui a 4.ª classe.

São conhecidos ao arguido F... os seguintes antecedentes criminais:
- foi condenado, por sentença transitada em julgado, datada de 27.09.2004, relativamente a factos praticados em 26.09.2004, integrantes de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3,00.
Este arguido está desempregado, ocupando o seu tempo numa pequena horta de subsistência.
A mulher do arguido também se encontra desempregada, beneficiando do rendimento social de inserção, no valor mensal de €235,00.
O arguido beneficiou do subsídio de desemprego, no valor mensal de €297,00, até 10.12.2010.
O relacionamento familiar surge com alguns indícios de conflituosidade entre este arguido e a esposa e entre esta e os filhos mais velhos.
Este arguido mantém um relacionamento mais harmonioso e próximo com os filhos, diferentemente da sua mulher.
Este arguido é tido, no meio de residência, como pessoa com poucos hábitos de trabalho, mas pacífica.
O arguido efectua biscates na construção civil, sempre que se proporciona.
Por carência de condições financeiras, o agregado familiar deixou a casa arrendada e mudou-se para a residência dos sogros deste arguido.
Possui a 4.ª classe.
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3. E como factos não provados:
A) Nas circunstâncias de tempo e de lugar assentes nos artigos 1. a 31., da matéria assente ao nível da acusação pública, os agentes da GNR e magistrados referidos ali presentes viram-se obrigados a abandonar o local sem conseguir levar a cabo a função que ali se encontravam a desempenhar.
B) O arguido R... sabia que a expressão proferida em relação ao militar da GNR AJ..., assente no art. 17. da matéria provada, era ofensiva da honra e consideração devidas ao ofendido, por actuar no exercício e por causa das funções de agente de autoridade pública, e que o seu comportamento, assente nos arts. 16. e 17., desta matéria, incluindo a prolação de tal expressão, eram proibidos e punidos por lei.
C) Nas circunstâncias assentes em 22., o arguido F...brandiu no ar o ferro aí mencionado, ao mesmo tempo que dizia: “Se alguém dá mais um passo eu fodo-vos a todos”.
D) Os arguidos sabiam que os elementos da GNR L... e K... e magistrado judicial Dr. B..., após as circunstâncias assentes nos arts. 2. e 3., e os demais militares da GNR presentes no local se encontravam no desempenho das suas funções e em cumprimento dos deus deveres profissionais.
E) Os arguidos actuaram da forma descrita na matéria assente ao nível da acusação pública e da alteração não substancial comunicada, sabendo que a sua conduta era adequada a impedir que aqueles praticassem acto relativo ao exercícios de tais funções e assim estavam a incorrer em comportamento proibido e punido por lei.
F) No dia 29 de Outubro de 2007, cerca das 18H45, quando a ofendida BC... se encontrava no interior da viatura de matrícula Volkswagen Passat - estacionada no parque de estacionamento sito junto à casa de …, Castelo Branco -, o arguido R... , com a cara tapada com um lenço, dirigiu-se à referida ofendida exibindo-lhe e encostando-lhe à cabeça uma arma de fogo de características não concretamente apuradas, ao mesmo tempo que disse para a ofendida “isto é um assalto”, que se gritasse disparava e que lhe desse de imediato a carteira e o dinheiro, o que esta fez.
G) O arguido R... levou consigo tal carteira, contendo no seu interior diversos documentos e moedas, tudo no valor global de €300.00, integrando tais objectos no seu património, apesar de saber que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva dona. Este arguido usou, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física da ofendida, por forma a obstar a qualquer resistência da parte esta, sabendo que o meio utilizado era idóneo a impedir que a ofendida conseguisse resistir à acção por ele desencadeada.
H) No dia 26 de Março de 2008, o arguido R... aproximou-se do veículo de matrícula …, Audi A4, de cor azul, com o valor de € 13500,00 pertença do ofendido RD…, que se encontrava estacionado na Rua Leonor Simões Prata, em Alcains.
I) Uma vez ali, o arguido R... logrou colocar tal veículo em funcionamento, de forma concretamente não apurada, levando-o em seu poder - conduzindo-o (para além do dado por assente) -, bem como dois telemóveis pertença do referido ofendido, no valor de €350, que se encontravam no interior de tal veículo, integrando tais bens no seu património, sabendo que não eram seus e que actuava contra a vontade do dono.
J) A mensagem consignada no art. 42. da matéria assente, foi enviada pelo arguido R... sob o anúncio de morte, pelo próprio, da família da IC...ou de que mandaria vir uns tipos do Porto para fazer o serviço.
K) O arguido R... sabia que com a sua conduta estava a constranger a ofendida IC...a entregar-lhe a quantia de €400,00.
L) O arguido R... enviou as mensagens referidas no art. 45., da matéria assente, desde o início do mês de Abril de 2008 e a entrega do dinheiro deveria acontecer até ao dia 14 de Abril desse ano.
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4. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:
Os arguidos prestaram declarações.
Relativamente ao assente nos artigos 1. a 14., da matéria assente ao nível da acusação pública, o arguido R... reconheceu ter-se abeirado da porta da entrada quando a sua mãe respondia a quem se encontrava no exterior da habitação que o menor Q... não ia no carro das autoridades e tinha na sua mão a declaração do HAL, de que se encontra cópia a fls. 57.
Afirmou ter dado conta que Sr. Juiz de Direito se recusou a ler a dita declaração.
Afirmou ter-lhe sido desferido um murro na face por um agente da GNR, cujo nome desconhece, tendo-se limitado a defender-se, mediante o retorno do murro e o agarrar do casaco do mesmo elemento.
Negou ter proferido o anúncio “quando te apanhar, levas um tiro nos cornos”.
Referiu não se recordar que o pai (arguido F...) empunhasse o que quer que fosse.
Negou ter proferido qualquer ameaça relativamente ao Sr. Juiz de Direito.
Referiu terem-se concentrado no local vários elementos da GNR, sem conseguir identificar o que estavam a fazer, à excepção daquele com que se envolveu verbal e fisicamente, apenas por se terem batido reciprocamente nos seus corpos.
Confirmou ter sido chamada a ambulância, tal como a mãe sugeriu, não obstante esta última e os arguidos haverem exclamado que o Q... havia estado no dia anterior no HAL.
Referiu também o Sr. Juiz de Direito e duas Senhoras ausentaram-se do local, tendo ficado os elementos da GNR que aí se tinham junto.
Quanto aos factos descritos nos arts. 33. a 35., da referida matéria, negou a sua autoria.
Relativamente aos factos descritos nos arts. 36. a 39., da dita matéria, confirmou-os nos termos assentes, negando, porém, que tenha sido o próprio a retirar o veículo do local onde inicialmente se encontrava, o que imputou a um indivíduo de nome TT…, debalde, chamado a depor em tribunal, pois não fora encontrado.
Ainda sobre a mesma matéria, reconheceu ter provocado estragos, desconhecendo o valor respectivo.
Quanto aos arts. 40. a 42, ibidem, assumiu a sua autoria, nos termos vertidos na matéria provada, embora tentasse dar uma roupagem explicativa diversa para a sua verificação.
Assim, quanto aos €300,00, tentou convencer o tribunal de que teria sido a IC...a incitá-lo, mediante a promessa de tal contrapartida monetária, a destruir o carro da directora de turma. Porém, não obstante o arguido se ter recusado a fazer o serviço, e sem que o mesmo lograsse explicar o comportamento da IC..., esta procedeu à entrega, a si, da referida quantia. A explicação afigura-se-nos inverosímil, inverosimilhança essa que não foi contraditada.
Confirmou o facto relativo aos €400,00, à excepção do teor da ameaça, que não reconheceu nesses ou noutros termos, o que explicou por estar a precisar do dinheiro, face à situação de desemprego em que se encontrava e às necessidades do agregado familiar em que se integrava. Compulsadas as mensagens escritas enviadas para o telemóvel da SM... - algumas das quais reconhecidas por este arguido - em nenhuma se constata referência aos ditos €400,00, para que, dessa forma, se pudessem compreender mensagens como as de fls. 318 e 321.
No que concerne aos €20,00, afirma ter sido a IC...a insistir com o mesmo no sentido de este lhe arranjar droga, enquadrando nesse contexto as mensagens de fls. 289, 290, 292 e 293. Não assumiu as de fls. 291 e 294, mas não soube explicar o teor das mesmas, logo seguido do encontro no dia da detenção, sendo que a razão de ser de tal encontro, para a IC..., eram tais mensagens, em conexão com a de fls. 288, em discurso indirecto, com data de 11.04.2008, a que se seguiram as demais até 14.04.2008.
Assim, de acordo com um razoável juízo de normalidade do acontecer, apenas se pode imputar a totalidade das mensagens de fls. 289 a 294, ambas inclusive, ao arguido R....
Relativamente aos €250,00, negou a autoria própria da mensagem de fls. 306, onde se aludia a esta quantia, mas já admite que tenha sido o próprio a enviar as mensagens de fls. 305, 307, 308, 310, 315, 317, 324 e 333, que têm por pressuposta alguma condição monetária, não admitida pelo arguido. Ora, essa condição foi-nos revelada pela testemunha SM..., que apenas não sabia certificar as datas envolvidas, dado o tempo entretanto decorrido.
Voltamos a fazer actuar um juízo de normalidade do acontecer, sem que o arguido haja fornecido uma explicação plausível para as mensagens em causa, a si imputáveis.
Admitiu o assente no art. 44., da mesma matéria, bem como o consignado nos arts. 45., 46., 47. e 48., ibidem, mas não que, dessa forma, estivesse a constranger a IC...e a SM..., em relação a qualquer das quantias, incluindo os €300,00, como vimos. Porém, relativamente a esta última quantia, bem como aos €20,00, a nossa convicção adveio do depoimento da própria IC...- que o referiu textualmente -, conjugado com o do Sr. Chefe da PSP de Castelo Branco, AJ..., que deu conta do pavor da IC...a respeito da repetição do comportamento do arguido no que aos €20,00 diz respeito, depois de já a haver levado a entregar-lhe €300,00.
A consciência da ilicitude face ao assente nos arts. 38., 40. e 43., assim se inferiu dos factos, uma vez que o arguido R... não é destituído de entendimento, trata-se de condutas cuja valoração é apreensível ao senso comum e não foi demonstrada qualquer causa excludente da ilicitude ou da culpa.
O vertido no art. 41., da mesma matéria, logrou-se a partir da certidão de fls. 578.
Quanto a ter-se dado por não provado, relativamente a este arguido, que tivesse consciência que o seu comportamento, assente em 16. e 17., da matéria provada, fosse proibido e punido por lei, assim se considerou porque, quanto a 16., por motivos que ele (arguido) próprio não logrou explicar, levou inicialmente um murro do militar P..., limitando-se, como era seu direito, a reagir, e, quanto a 17., este arguido explicou apenas ter agido de tal forma por considerar injustificado que um Juiz e vários militares da GNR se deslocassem à sua residência para levar o irmão mais novo, sob o pretexto de assistência hospitalar, quando este já se tinha dirigido, na companhia do pai de ambos, no dia anterior, ao Hospital Amato Lusitano e isso mesmo foi dito às referidas pessoas, pela mãe de ambos, que se limitaram a ignorar a informação.
Por outro lado, quanto à expressão, dirigida ao militar da GNR AJ..., que veio em reforço dos dois militares que inicialmente se apresentaram no local, a pretender levar o referido irmão ao hospital distrital - «Palhaço, vai apanhar os gatunos» -, apesar de a admitir, justificou-a por ter ficado indignado com o desperdício de agentes da autoridade, quando a assistência hospitalar do irmão deste arguido já tinha sido cumprida no dia anterior. De qualquer forma, não tinha em vista ofender o dito militar na sua honra e consideração, mas tão só chamá-lo à atenção para a desnecessidade da sua presença ali, naquele momento, eventualmente, até com prejuízo do exercício das suas funções.
Nessa medida, sentia que o direito e a razão estavam do seu lado, enquanto que o Sr. Juiz de Direito e os ditos militares (ao terem-se aproximado da residência), designadamente o soldado P..., estavam a ter um comportamento ilegal, após lhes ter sido informado (e comprovado) que o menor já tinha sido assistido no dia anterior. Eis porque não reconhecia que o soldado P... estivesse a cumprir as suas funções, ao - nas circunstâncias assentes no artigo 15. - ter aparecido no local, pois que a desnecessidade de condução do menor Q... ao Hospital já havia sido transmitida e comprovada perante o Sr. Juiz de Direito e militares da GNR L... e P... .
O mesmo juízo de desnecessidade de intervenção, por parte deste arguido, foi formulado relativamente aos demais militares da GNR presentes, bem como ao Sr. Juiz de Direito, este ao manter-se no local, não obstante o assente em 2. e 3.
Esta posição do arguido ficou agora (com a última audiência de julgamento) mais clara, afastando, sem sombra de dúvida, qualquer convencimento erróneo a respeito da sua consciência da ilicitude.
O arguido F..., pedindo desculpa às pessoas com quem, nas circunstâncias descritas nos arts. 2. a 28., da matéria assente ao nível da acusação pública, reconheceu ter-se verbalmente exaltado, ressaltou ter sido informado o Sr. Juiz de Direito, pelos arguidos e pela mãe do menor, que este se tinha deslocado ao HAL no dia anterior, que não foi prestada atenção ao referido papel e, além do mais, que impediu o agente «Micas» de entrar na habitação, colocando-se à frente da porta. Alegou não se recordar de ter levantado qualquer objecto, nem de o arguido R... ter chamado «palhaço» ao agente da GNR AJ....
Confirmou também a ordem para entrar na habitação, dirigida aos militares da GNR, mesmo depois da informação que havia sido prestada ao Sr. Juiz de Direito, e o facto de o ora arguido se ter colocado à entrada da porta principal. De qualquer modo, este colocar, bem como, nas circunstâncias assentes, o segurar o ferro, não teve em vista obstaculizar o exercício de acto relativo às funções dos militares da GNR, porque este arguido não compreendia como, tendo sido o seu filho mais novo levado ao hospital distrital no dia anterior, logo que, no Centro de Saúde de Alcains, no dia 17.11.2006, lhe foi aconselhado que o menor Q... fosse visto em urgências, no HAL, poderiam os referidos militares, ainda assim, pretender levar o mencionado filho. Nessa medida, sentia que o direito e a razão estavam do seu lado, enquanto que o Sr. Juiz de Direito e os ditos militares (ao terem-se aproximado da residência), estavam a ter um comportamento ilegal.
Foi ainda este arguido mais claro, ao negar nesta audiência que tenha levantado o ferro e proferido a expressão ameaçatória que se deu por não provada, limitando-se a retirar o mesmo ferro de detrás da porta principal - onde sempre se encontrou para qualquer eventualidade - e segurá-lo nas suas mãos, ao ver aproximar-se a terceira leva de militares da GNR, constituída, designadamente, pelo militar H....
Porém, logo que lhe foi ordenado, por este último elemento da referida força policial, para recolocar o ferro no local de onde o tinha retirado, não hesitou em obedecer.
Esta versão dos factos foi inteiramente corroborada pelos militares P... Franco - com quem o arguido F...conversava - e H....
Confirmou também o transporte do menor Q... de ambulância para o HAL, com partida do largo em frente da habitação, onde a esperavam todos os elementos da referida força policial, cuja presença, ao longo da situação além descrita, referiu não compreender, qualificando-a de «aparato».
O Juiz de Direito, no …Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, em serviço de turno no dia … de Novembro de 2006, confirmou a prolação do despacho referido no art. 1., da matéria assente, reportando-se a situação de facto já de si conhecida, no dia anterior, através de comunicado da Segurança Social remetido para tribunal, apesar de ainda não autuado, nem objecto de despacho do Ministério Público, justificando a decisão por ter conhecimento prévio que se tratava de uma família violenta.
Referiu ter-se deslocado, na sua viatura pessoal, a Alcains, levando consigo a Sr. Procuradora-Adjunta G..., em turno nesse sábado, e a Sra. Juiz de Direito do … Juízo deste tribunal, que se dispôs a acompanhá-los, para colher experiência em situações pouco habituais, como a presente.
Confirmou ter-se dirigido com dois elementos da GNR do posto de Alcains até à porta da residência dos arguidos, tendo desde logo a mulher do arguido F...e mãe do arguido R... recusado a entrega do menor Q..., alegando que o mesmo já se tinha deslocado, no dia anterior, ao HAL, para os efeitos que agora eram pretendidos.
Reconheceu ter ordenado, de seguida, ao militar que estava à sua esquerda que a porta era para abrir, a fim de ser conduzido o menor ao dito estabelecimento hospitalar.
Confirmou terem-se o arguido R... e o militar AJ... envolvido fisicamente e o terem ambos chegado a cair ao chão e aí rebolado.
Ficou com a sensação de estar perante o que qualificou de «batalha campal», por os militares (os iniciais e os reforços que entretanto chegaram, em número total de 7) terem perdido o controlo da situação. Foi por isso que resolveu retroceder e desviar a sua viatura, quando o arguido R... se aproximou da mesma e lhe exclamou conhecê-lo e «fazer-lhe a folha».
Deu ordem para que a GNR lhe entregasse o menor em 1/2 hora, dando indicação que se dirigia para Castelo Branco.
Confirmou que o arguido F...empunhava um objecto metálico, com a descrição vertida na acusação pública.
Negou que lhe tenha sido exibido ou pretendido exibir qualquer papel, por parte da mãe do menor Q... ou por intermédio de outrem, em particular declaração do HAL em conforme o dito menor já tinha sido objecto de tratamento no dia anterior nesse estabelecimento.
Porém, pelos depoimentos que a seguir se desenvolverão, tal como afirmado pelos arguidos, ainda que não haja sido lido o teor do dito papel, a verdade é que a mãe do Q... afirmou tratar-se do comprovativo da assistência hospitalar deste último no dia anterior, no HAL.
Referiu estar persuadido de que o menor terá chegado ao HAL sensivelmente ao mesmo tempo que a sua viatura, num carro da GNR, acompanhado pela sua mãe.
A Srª Procuradora, já identificada, referiu ter tocado à porta da residência dos arguidos, em simultâneo com o Sr. Juiz de Direito, e, depois de se identificarem, foi respondido que aí ninguém entrava e, ainda, pelo arguido R..., reportando-se a um dos militares, “palhaço, vai apanhar os gatunos”.
Resolveu aproximar-se da porta, para ver o menor, numa altura em que o Sr. Juiz de Direito já se havia afastado, tendo sido surpreendida com o levantar de um ferro por parte do arguido F..., ao mesmo tempo que proferia a expressão consignada na matéria assente, da sua autoria.
A ora testemunha entendeu então mais prudente dirigir-se para a viatura do Sr. Juiz de Direito, o que fez.
Deu conta de o arguido R... se ter aproximado da viatura do Sr. Juiz de Direito, anunciando-lhe que lhe haveria de fazer a folha.
Deu conta também que a mãe do menor Q... veio em direcção à viatura, tendo desmaiado entretanto.
Negou ter visto qualquer papel exibido pela mãe do menor, relativo à assistência médica já prestada ao mesmo menor.
Garantiu que os militares da GNR ficaram no local, a aguardar a ambulância, a qual chegou ao HAL praticamente em simultâneo com a viatura do Sr. Juiz de Direito.
D..., já identificada, afirmou que o Sr. Juiz de Direito bateu à porta ou tocou à campainha da residência dos arguidos. Depois dá conta que a mãe do menor Q... ia a fechar a porta ao mesmo tempo que afirmava que este menor não ia a lado nenhum.
Então, apercebe-se que o Sr. Juiz de Direito dá ordem aos militares da GNR presentes para entrarem e o fazerem à força.
Deu conta de chegarem reforços, ao nível dos efectivos da GNR no local.
Como se recolheu de imediato à viatura, não se apercebeu das expressões proferidas no seu exterior.
Presenciou o arguido R... anunciar ao Sr. Juiz que lhe iria fazer a folha.
Referiu ter dado conta que a Sra. Procuradora-Adjunta teve um papel na mão, entregue em Alcains, que se reportava à assistência hospitalar prestada no dia anterior ao menor Q..., no HAL, garantindo, porém, que o Sr. Juiz de Direito, em Alcains, não se apercebeu de tal papel. Porém, não logrou dar a certeza acerca da coincidência do conteúdo do dito papel com fls. 57 dos autos.
Corroborou que a ambulância chegou ao HAL em simultâneo com a viatura do Sr. Juiz de Direito.
Instada, de novo, a Sra. Procuradora-Adjunta, acerca do dito papel, não soube confirmar se aquele que lhe foi exibido era o de fls. 57 ou sua cópia, embora tivesse a ideia de que se reportava a assistência médica prestada ao menor Q.... De qualquer modo, não lhe deu importância, porque “estávamos ali para cumprir o despacho” (sic.).
Abordada quanto a saber se o requerimento da sua autoria, que integra a certidão de fls. 426 e ss. teve em consideração a declaração de fls. 57, respondeu negativamente, mas que, mesmo assim, tal não se revestia de importância.
De qualquer forma, não se poderá concluir que o papel que a mãe do Q... trazia na mão era aquele que a Sra. Procuradora Adjunta trouxe de Alcains para Castelo Branco, pelo que apenas se destaca na matéria assente aqueloutro.
AJ..., guarda da GNR, que chegou ao local na segunda leva, juntamente com os já identificados na matéria assente, altura em que, por razões concretamente não apuradas, se bateram reciprocamente nos respectivos corpos, alegando a testemunha que quem se lhe dirigiu primeiro foi o arguido R..., o que este último contraditou.
Confirmou o dado por assente, relativamente a si e aos seus colegas militares, no cenário descrito entre os arts. 2. e 30., da factualidade assente, apenas tendo afirmado, diferentemente dos demais agentes envolvidos, que a sua intervenção no local - ou seja, ter saído do jipe em direcção à porta da residência -, além do chamamento por parte do militar L...Silva, se deveu ao facto de ter ouvido a expressão, proferida, designadamente, pelo arguido R...: “Larguem-nos, seus palhaços, vão-se embora daqui, vão apanhar gatunos”.
Não nos convencemos da prolação desta expressão, porquanto os seus colegas CJ..., L... e K... nada ouviram, antes tendo ouvido a expressão proferida pelo arguido R... «palhaço, ...», já assente, mas apenas depois de o militar AJ... se ter aproximado.
Aliás, não deixa de ser estranho que este militar tenha escutado tal expressão e não se haja apercebido do assente em 2. e 3., quando os referidos seus colegas inteiramente o confirmaram.
Mais confirmou que o Sr. Juiz de Direito autorizou que o menor Q... fosse transportado de ambulância para o HAL.
CJ..., guarda da GNR em Alcains, que chegou ao local juntamente com o militar P..., apercebeu-se do envolvimento físico entre o arguido R... e este último militar e que aquele se dirigiu a este como palhaço. Referiu não ter reparado no que se passou junto ao automóvel do Sr. Juiz de Direito.
No mais, confirmou tudo quanto se deu por assente, relativamente ao encadeamento dos factos até à sua aproximação à porta da residência dos arguidos.
AR..., soldado da GNR, presentemente na reserva, ficou nas proximidades da residência dos arguidos, de prevenção para o que pudesse acontecer, tendo-se deslocado para aí, pelas razões plasmadas na matéria assente.
Confirmou ter ouvido ter sido dito pela mãe do menor e arguidos que o Q... tinha sido observado nas urgências do HAL, no dia anterior. Mais frisou que, antes de o arguido R... e o militar da GNR se terem envolvido, a mãe do menor também tentou mostrar a declaração de fls. 57 ao Sr. Juiz de Direito, que respondeu não interessar a questão do papel e que era para cumprir a ordem.
Confirmou ter-se deslocado o arguido R... para junto da viatura do Sr. Juiz de Direito, anunciando-lhe que lhe ia pagar, que lhe ia fazer a folha.
Frisou que o arguido F...lhe guardou respeito e colocou o tubo galvanizado que tinha nas mãos no interior da residência.
Confirmou também o número de militares que ali se encontravam para cobrir a situação, em caso de necessidade, e a deslocação do menor em ambulância.
No mais, confirmou tudo quanto se deu por assente, relativamente ao encadeamento dos factos até à sua aproximação à porta da residência dos arguidos.
L..., militar da GNR, que inicialmente acompanhou o Sr. Juiz de Direito à porta da residência dos arguidos, referindo que o referido Sr. Juiz perguntou a quem apareceu à porta se o menor estava em casa, tendo sido obtida a resposta de que o mesmo havia estado no dia anterior no HAL, ao que não foi dada qualquer sequência, por parte dos magistrados presentes, mesmo quando a mãe do menor exibiu papel que identificou como sendo o comprovativo disso mesmo. Diversamente, o Sr. Juiz de Direito manteve que o menor Q... deveria ser presente ao hospital.
Confirma envolvimento físico posterior, entre o arguido R... e o militar P....
No mais, confirmou tudo quanto se deu por assente, relativamente ao encadeamento dos factos até ao assente em 30.
Y..., mãe do menor Q..., confirmou, relativamente aos factos descritos nos arts. 1. a 17., da matéria assente, ter sido a própria a informar os militares da GNR presentes - o Sr. Juiz de Direito, nas suas palavras, já se tinha dirigido para a sua viatura - que o filho já havia sido assistido no HAL e a quem, até tentou mostrar o papel.
Referiu estarem no local cerca de 10 guardas, embora admita não os ter contado, sendo que apenas o guarda P... recebiam as suas informações e este último ia falar com o Sr. Juiz de Direito, como foi a respeito da ambulância.
Garantiu que o Sr. Juiz de Direito atirou para o chão o papel comprovativo da assistência hospitalar do menor. Este pormenor, como resulta dos depoimentos dos Srs. militares da GNR, não foi confirmado.
Confirmou o envolvimento entre o filho R... e um dos guardas, que não os acima identificados.
BB..., guarda da GNR, não teve uma intervenção específica na situação, mantendo-se de prevenção, nas imediações da residência dos arguidos e com vista para a mesma..
Apercebeu-se da exaltação da mãe do menor, ao tentar fazer perceber aos militares presentes e ao Sr. Juiz de Direito, através daqueles, que o menor tinha estado no dia anterior no HAL, incluindo mediante a exibição de um papel que a mesma dizia comprová-lo.
Perante a manutenção da ordem, deu conta ainda da alternativa do transporte de ambulância, mediante sugestão da dita Y....
P..., guarda da GNR, que acompanhou os magistrados, deu conta das referidas tentativas de convencimento do Sr. Juiz de Direito - que não se identificou nessa qualidade, embora os guardas presentes o hajam feito -, no sentido de que já não era necessário ser o menor transportado ao Hospital e respectivo malogro, afirmando inclusive que o Sr. Juiz de Direito se apercebeu do papel (o comprovativo da estada no HAL, no dia anterior) e não quis saber, gerando-se a exaltação dos arguidos na sequência da manutenção da ordem pelo Sr. Juiz de Direito.
Não deu conta de o papel ter sido atirado ao chão pelo Sr. Juiz de Direito, por não ter ângulo para o local onde o mesmo e sua viatura se encontravam.
Por fim, o militar JL... confirmou tudo o assente, desde 2. e 3., até e sobretudo após a chamada pelo militar L..., esclarecendo, quanto ao dito menor, que o mesmo apenas falava em voz alta, sem perturbar a actuação da GNR, caso a sua vontade fosse a entrada à força na residência dos arguidos, que não era.
Também dos mencionados depoimentos e declarações resulta que a duração temporal dos factos não excedeu 15 minutos, ao que acresce o facto documentado a fls. 39, ou seja, que a ambulância transportando o menor Q... chegou ao HAL pela 13h43, rectius, a entrada no serviço de urgência, sendo que o transporte de Alcains até ao HAL não demoraria menos de 15/20 minutos e a ambulância terá demorado 10/15 minutos a chegar à residência do menor, em Alcains.
Acrescente-se que não deixa de impressionar o facto de, nos episódios documentados a fls. 39 e 57, o menor esteve nas instalações da urgência hospitalar 15 minutos de cada vez, o que bem demonstra a necessidade da assistência hospitalar, designadamente da de fls. 39. Eis, também, porque nos convencemos da plausibilidade do estado psicológico dos arguidos relativamente à legitimidade da intervenção, in casu, dos Srs. Juiz de Direito e militares da GNR, em particular o soldado P....
Assim, quanto ao episódio descrito nos artigos 1. a 31., da base instrutória, a convicção do tribunal assentou na conjugação dos diversos depoimentos testemunhais consignando-se apenas os pormenores que obtiveram confirmação por mais que uma testemunha e por confronto com as declarações dos arguidos. Aliás, por parte dos pormenores haver sido afirmada pelos arguidos e corroborada por algumas das testemunhas, não houve necessidade de proceder a qualquer comunicação de alteração não substancial, para efeitos do art. 358.°, do C.P.Penal. Já o mesmo se não passou relativamente à matéria comunicada, porque afirmada pelos militares da GNR ouvidos.
BC..., ofendida nos factos descritos nos arts. 33. a 35., da matéria assente ao nível da acusação pública, contou o que se havia passado, sem, porém, lograr identificar o autor daqueles.
PC..., pessoa que viu, no dia dos factos descritos nos arts. 33. a 35., da matéria assente ao nível da acusação pública, a uma curta distância temporal da sua ocorrência, o arguido R... no parque de estacionamento onde a viatura de BC... estava estacionada, sem que, porém, tenha assistido aos mesmos ou tenha conhecimento de qualquer facto que associe o arguido à respectiva prática.
RD..., proprietário do veículo a que se reportam os factos descritos nos arts. 36. a 39., da dita matéria assente, não assistiu à respectiva subtracção, limitando-se a confirmar o que se encontrava no interior do mesmo, o local da sua recuperação e os estragos e correspondente custo de reparação, corroborando o orçamento de fls. 535.
AA…, encontrou o veículo pertença da anterior testemunha no sítio em que o mesmo foi deixado, o que logrou, inclusive, com a colaboração do arguido R....
IC..., ofendida nos factos assentes nos arts. 39. e 40. Apesar de o arguido R... haver negado as ameaças de morte à mesma e sua família, acreditámos na versão da testemunha, atento a forma apavorada como depôs e deu conta - como vimos - o Chefe da PSP de Castelo Branco, sem que a versão dos factos apresentada pelo arguido fosse minimamente credível.
Esta testemunha também aludiu aos €20,00 e €400,00, a que se reportam os artigos subsequentes da matéria assente. Porém, a testemunha não conseguiu demonstrar que as mensagens de telemóvel fotografadas a fls. 288-349 foram enviadas pelo arguido R..., sendo que o mesmo apenas reconheceu ter pedido os €400,00, desacompanhados de qualquer ameaça.
SM..., ofendida nos factos assentes nos arts. 42. e 45. Esta testemunha foi confrontada com as mensagens fotografadas a fls. 297-349, acentuou que as mesmas estavam identificadas, como tendo sido enviadas pelo R....
Ora, esta circunstância, em conjugação com o reconhecimento parcial, pelo arguido, do envio de mensagens fotografadas nos autos, precisamente naquele intervalo de páginas, atendendo ao dito juízo de normalidade do acontecer, permite-nos concluir nos termos já explanados.
Quanto às quantias, mostrou-se esta testemunha confusa no que tange aos €400,00 e perceptível, nos termos assentes, quanto aos €250,00.
AJ..., já identificado, dando-se aqui por reproduzido o já referido, a respeito da denúncia efectuada pela testemunha IC...e o flagrante delito combinado entre ambas as testemunhas.
Quanto à prova documental, além do já referido, valorámos o constante de fls. 288 a 294, 297 a 349, 499, 526, 535 e 536, 569, 578, certidão de fls. 426 e ss., 671, 672-677, 683-684 e 686-687.
Os antecedentes criminais dos arguidos assentam nos respectivos CRC´s.
O mais, relativo à situação económica, familiar e literária dos arguidos assentou nas declarações dos mesmos.
*
5. Questão preliminar:
Como se vê da simples comparação das respectivas assinaturas, facilmente se constata que o acórdão agora em recurso e aquele sobre que recaiu a decisão de reenvio do Tribunal da Relação de Coimbra foram proferidos pelos mesmos Juízes do Círculo Judicial de Castelo Branco.
As actas de fls. 688/694, 705/707, 712/713, 787, 910/913 e 1003/1010, na parte em que se referem à composição do Tribunal Colectivo de 1.ª instância, confirmam a identidade dos Magistrados que intervieram nos julgamentos.
A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, tendo em conta as alterações introduzidas na estrutura dos recursos penais, acrescentou ao Código de Processo Penal o artigo 426.º-A, relativo à determinação do tribunal competente para o novo julgamento em caso de reenvio do processo. Veio, por aquele motivo, substituir o disposto anteriormente nos artigos 436.º (reenvio determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça) e 431.º (reenvio determinado pelas Relações).
Dispunha o referido normativo:
«1. Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo.
2. Quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição».
A redacção não suficiente clara do artigo ora citado, gerou diversas interpretações no Supremo Tribunal de Justiça.
Mencionamos alguns dos arestos proferidos, com indicação sumária, mas suficientemente esclarecedora, das posições divergentes assumidas.
- Segundo o Acórdão de 05-03-1997, proc. n.º 48717, CJ/STJ, tomo I, pág. 241, reenviado o processo para novo julgamento noutro tribunal, nada obstava a que este fosse presidido pelo mesmo Juiz que tivesse intervindo no primeiro;
- No acórdão de 21-01-1998, proc. n.º 1116/97, CJ/STJ, tomo I, pág. 172, foi entendido que, ordenado o reenvio para novo julgamento não podia integrar o tribunal colectivo um Juiz que tivesse constituído o tribunal que proferira a primeira decisão, de que foi interposto recurso;
- De acordo com a posição firmada no Ac. de 17-02-1999, proc. n.º 1357/98, CJ/STJ, tomo I, pág. 214, quando, por efeito de recurso, o Tribunal da Relação houvesse determinado o reenvio do processo para que se procedesse a novo julgamento, o Juiz que tivesse proferido a decisão recorrida não podia voltar a integrar o tribunal colectivo;
- Em face do decidido no Acórdão de 02-10-2003, proc. n.º 2433/03, não constituía motivo de impedimento a eventual coincidência entre um ou mais Juízes do tribunal colectivo competente para o julgamento e os que tinham integrado o tribunal colectivo do primeiro julgamento, sem prejuízo de essa coincidência poder constituir motivo de recusa ou escusa, em incidente a decidir nos termos do artigo 45.º do Código de Processo Penal, intervindo, no caso de deferimento, o Juiz que nos termos da organização judiciária devesse substituir o Juiz recusado ou escusado (neste sentido se manifestou também o Ac. de 08-07-2004, proc. n.º 1277/04, CJ/STJ, tomo II, pág. 253);
- Pela posição assumida no Acórdão de 04-03-2004, proc. n.º 4084/03, a eventual coincidência entre um ou mais Juízes do tribunal colectivo competente para o Julgamento constituía fundamento de impedimento ou motivo de recusa ou de escusa, a analisar casuisticamente (no mesmo sentido, vide Ac. de 12-05-2005, proc. n.º 1745/05).
- Foi entendido no Ac. de 26-05-2004, proc. n.º 1255/04, CJ/STJ, tomo II, pág. 202: a realização do julgamento pelos mesmos juízes que tinham composto o anterior tribunal colectivo, consubstanciava, nos termos do artigo 119.º, al. a), do CPP, uma nulidade insanável, que determinava, como consequência, a invalidade desse novo julgamento e bem assim dos actos subsequentes que se lhe seguissem, incluindo o próprio acórdão proferido.
A revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, alterou profundamente o artigo 426.º-A e definiu, sem dúvidas que restem, a competência do tribunal para a realização do novo julgamento, após reenvio do processo.
Hodiernamente, é deste teor a referida norma:
«1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
2 - Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição».
Deste modo, o reenvio do processo, por verificação de um dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, determina necessariamente a repetição do julgamento por tribunal com composição pessoal diferente. Isto resulta da consagrada ressalva do previsto no artigo 40.º do referido diploma legal. Dito por outras palavras, por força do disposto na alínea c) daquele artigo, o Juiz que participou no primeiro julgamento fica impedido de participar no segundo.
O presente processo foi iniciado em 2006.
Não obstante, porque da aplicação da lei nova não resulta agravamento da posição processual dos arguidos nem tão pouco quebra da unidade dos vários actos do processo (artigo 5.º do CPP), o caso em apreciação rege-se pela referido artigo 426.º-A do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 48/2007.
Aliás, a aplicação da lei nova vem até reforçar os direitos de defesa dos arguidos. Efectivamente, para que haja um julgamento independente e imparcial, é necessário que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade.
Quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de administrar justiça. Nesse caso não deve poder intervir no processo, antes dever ser pela lei impedido de funcionar - deve, numa palavra, ser declarado iudex inhabilis.
Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência e imparcialidade. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos da comunidade como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança das pessoas em geral nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao administrar justiça, actuem, de facto “em nome do povo” (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição).
Foi com este objectivo de garantir a imparcialidade do(s) julgador(es) que o legislador alterou o artigo 426.º-A do CPP, impedindo a participação em novo julgamento, a efectuar por força do reenvio do processo, de juiz que haja participado no julgamento anterior.
A omissão dessa exigência legal configura nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea a), do CPP, que tem como consequência a invalidade desse novo julgamento e bem assim dos actos subsequentes que se lhe seguirem, com inclusão do acórdão recorrido (cfr. artigo 122.º, n.º 1 do referido corpo normativo) Neste sentido, v.g., Ac. do STJ de 26-05-2004, CJ,/STJ, tomo II, pág. 202..
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Nesta justa medida, fica prejudicado o conhecimento de todas as questões objecto do recurso interposto pelo Ministério Público.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em declara nulo o julgamento, por violação das regras da alínea a) do artigo 119.º, do Código de Processo Penal e, em consequência, invalidar esse acto e os actos subsequentes dele dependente, incluindo o acórdão recorrido, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 122.º do mesmo Código, devendo o novo julgamento caber ao tribunal colectivo cuja competência decorra da aplicação das regras do artigo 426.º-A ainda do referido diploma, sem intervenção de nenhum dos Juízes que participou no primeiro julgamento.
Sem custas.
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Alberto Mira (Relator)

Elisa Sales