Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
927/03.8TBFND-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: EXAME
PERÍCIA
ASSINATURA
PROVA POR TESTEMUNHAS
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 389º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I – O meio idóneo para verificar a autenticidade de uma assinatura é o exame pericial; essa autenticidade pode, porém, ser judicialmente estabelecida, independentemente da perícia, no caso de o escrito ter sido feito na presença de pessoas que, interrogadas, afirmem peremptória – e convincentemente – terem visto assinar o documento à pessoa a quem a assinatura é imputada.

II - Se os peritos não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a pertença da assinatura impugnada ao seu autor aparente, então o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal deve estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível.

III - Se o cheque contém, de facto, uma assinatura que não se prova ser, por exemplo, a do sacador, estamos face um documento com a aparência de cheque, mas em que são inexistentes as relações cambiárias entre sacador aparente e o sacado, assim como as relações entre sacador aparente e o portador, faltando, por conseguinte, a causa accipiendi, por omissão de uma ordem de pagamento eficaz.

IV - Dado que a falta de prova da autoria, pelo executado, da declaração cambiária de saque, se não funda na relação fundamental ou causal dos cheques, não é uma excepção ex-causa, àquele é lícita opô-la a qualquer portador do cheque, ainda que mediato, independentemente da prova de este ter, ao adquirir os cheques, procedido conscientemente em seu detrimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

J…, por requerimento apresentado na secretaria judicial no dia 23 de Junho de 2003, promoveu, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, contra C… e B… acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para dos últimos haver a quantia de € 40.653,24, e juros de mora vincendos, à taxa legal, contados sobre € 40.000,00.

Fundamentou esta pretensão executiva no facto de ser portador de quatro cheques, cada um no valor de € 10.000,00, emitidos pelos executados, na qualidade de legais representantes da sociedade G…, Lda., que se obrigava com as assinaturas conjuntas de três gerentes, pelo que, tendo os cheques sido emitidos por apenas dois deles, são eles que respondem pelo seu pagamento, e de o executado C…, a favor de quem os cheques foram emitidos, os ter transmitido, apondo-lhes a sua assinatura no verso, a M… que, por seu turno, lhos transmitiu, apondo-lhes a sua assinatura no verso, cheques, que, apesar de terem sido apresentados a pagamento no banco sacado, no prazo de 8 dias a partir das datas da sua emissão, não foram pagos, assumindo expressamente os executados, instados diversas vezes para efectuar o pagamento, não o pretenderem fazer.

Os executados – por articulado que deu entrada na secretaria judicial no dia 23 de Outubro de 2003 – opuseram-se, por embargos, à execução, pedindo, entre outros objectos, que se declarasse a ilegitimidade do segundo para a execução, por não ser ele que figura no título executivo.

Fundamentaram esta pretensão no facto de o executado B… não ter assinado nem rubricado os títulos dados à execução – que foram entregues pelo co-executado C… a M… - pelo que não é parte legítima.

O exequente respondeu que o embargante B… após a sua assinatura nos cheques e que aceitava a confissão dos executados relativa ao facto da entrega dos cheques pelo co-executado C… a M...

No despacho saneador – considerou-se o embargante B… parte legítima, decisão a que não obsta a que a venha a apurar-se que a assinatura constante do verso dos cheques dados à execução não pertence ao embargante, impondo-se, então, uma decisão de mérito, mas julgando-se procedente a excepção peremptória inominada do endosso tardio, determinou-se a extinção da execução.

Todavia, esta Relação, sob recurso do exequente, por acórdão de 8 de Maio de 2007 julgou improcedente tal excepção e ordenou o prosseguimento da instância, acórdão que os executados impugnaram através do recurso ordinário de revista, mas a que o Supremo, por acórdão de 13 de Novembro de 2007, negou provimento.

Seleccionado para a base da prova, designadamente se as assinaturas constantes no rosto dos cheques foram apostas pelo punho do executado B…, o Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto procedeu à perícia grafológica, tendo concluído, no respectivo relatório, que não é possível formular qualquer conclusão relativamente à verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas de B…, aposta nos documentos identificados como C1 a C4 – por comparação com a escrita inquestionavelmente dele - ser ou não do seu punho.

Realizada a audiência de discussão e julgamento – com registo fonográfico dos actos de prova levados a cabo oralmente – a sentença final da causa, proferida no dia 27 de Fevereiro de 2014, julgou não provado aquele enunciado de facto e parcialmente procedente a oposição do executado B…, com a consequente extinção da execução, quanto a este, e improcedente quanto ao mais, mantendo-se a execução quanto aos demais executados.

É esta decisão que o exequente impugna através do recurso ordinário de apelação, tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões:

Os apelados concluíram, na resposta ao recurso, pela improcedência dele.

2. Factos provados.

2.2. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., A2-1., esta motivação:

A convicção do tribunal resultou de uma apreciação global da prova, conjugada com as regras da experiência comum.

A resposta negativa ao art.º 1.º da base instrutória resulta, desde logo, da nossa percepção directa, ainda que obviamente não pericial, em resultado da análise após comparação das assinaturas válidas do embargante B…, no confronto com as dos cheques que constituem título executivo. E ainda por comparação com as que constam dos cheques juntos a fls. 440 e ss. Nestes não só a assinatura deste executado é a que dos seus documentos de identificação, bem como ficha bancária, como ainda, se trata de cheques em que constam 3 assinaturas, como era exigido para obrigar a sociedade.

A prova pericial não é conclusiva.

As testemunhas ouvidas, e que emitiram opinião neste sentido, foram, desde logo, e do rol dos embargantes, J…, respondendo após análise da ficha bancária dos embargantes. Sendo-lhe mostrados os cheques juntos com a execução, referem que dos mesmos não consta a assinatura indicada como a do embargante B... Em contrapartida, nos cheques juntos a fls. 440 e ss. constam 3 assinaturas, e as mesmas são semelhantes às feitas na ficha de abertura de conta pelos vários sócios da G...

Não logrou convencer, nesta parte, considerando o que já se deixou escrito relativamente à resposta ao art.º 1.º da base instrutória. E ainda porque confrontado com a ficha bancária das assinaturas para abertura de conta dos executados não apresentou justificação plausível. Mais referiu o tipo de acordo que tinha com os embargantes: adiantava o dinheiro dos cheques pré-datados, isto é, antecipava os pagamentos dos clientes dos executados, cobrando determinada taxa de juro. Não pagava qualquer comissão ao executado C… por este lhe arranjar clientes. Os cheques do processo de execução correspondem à quantia total dos cheques já entregues ainda não colocados a pagamento que os embargantes levaram.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC)[1].

Os embargos de executado são um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente, que corre por apenso à execução, constituindo um incidente desta (artº 817 nº 1 do CPC de 1961). Os embargos fundamentam-se num vício que afecta a execução. Se forem julgados procedentes, a acção executiva deve ser julgada extinta, no todo ou em parte (artº 817 nº 4 do CPC de 1961).

No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado oponente a prova dos fundamentos de oposição invocados, dado que revestem a nítida feição de factos constitutivos da oposição deduzida (artº 342 nº 1 do Código Civil)[2].

O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução recai, pois, sobre o executado[3]. Portanto, a oposição não provoca qualquer refracção às regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova. Assim, por exemplo, se o opoente impugnar a letra ou a assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (artº 374 nº 2 do Código Civil)[4].

Maneira que, no caso, dado que o executado B… a quem o exequente atribui a autoria da assinatura manuscrita aposta no rosto dos cheques a negou, é o último que está vulnerado com a prova de que, realmente, o primeiro é autor dessa assinatura, que a subscrição procede, realmente, do seu punho.

A sentença impugnada foi terminante em declarar não provado que as apontadas assinaturas foram apostas pelo punho do apelado B…, facto que determinou decisão de procedência do embargos e a extinção, quanto àquele executado, da execução.

Mas isso deve-se, no ver do apelante, ao error in iudicando daquele enunciado de facto em que, por erro na avaliação das provas, incorreu o tribunal de 1ª instância.

 Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de ambas as partes, a questões concreta controversa que importa resolver é a de saber se o Tribunal de que provém o recurso incorreu, no julgamento da questão de facto capital relativa à autoria das assinaturas do executado B…, apostas no rosto dos cheques que servem de título executivo, no local destinado à assinatura do sacador, num error in iudicando, por erro na avaliação ou apreciação das provas e, consequentemente, se reponderado esse julgamento, deve proceder-se à sua modificação, julgando-se provada aquela autoria, com a consequente revogação da decisão impugnada.

A resolução destes problemas vincula, naturalmente, ao exame, ainda que leve, da finalidade e dos parâmetros da actuação por esta Relação dos poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

3.2. Impugnação da decisão da matéria de facto controvertida.

3.2.1. Parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se os factos tidos como assentes a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do nCPC).

Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in iudicando[5] O recurso ordinário de apelação não perde, mesmo neste caso, a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame – embora aquele erro se torne patente – mas só se torne patente - sempre que a convicção desta Relação não coincida com a do decisor da 1ª instância.

Depois, essa reponderação é actuada sob o signo dos parâmetros seguintes:

a) Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (artº 341 do Código Civil);

b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (artº 607 nº 5 do nCPC).

c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;

d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.

e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;

f) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[6];
g) O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta.
h) O controlo pela Relação da decisão da matéria de facto não é actuado por imediação, i.e., através de numa percepção própria do material que lhe serve de base, mas através da audição de um registo sonoro ou da leitura, fria e inexpressiva, de transcrições, que torna indisponíveis todos os relevantíssimos momentos não-verbais da comunicação

3.2.2. Reponderação das provas reputadas de erroneamente avaliadas.
            A prova que, de harmonia com a alegação do apelante, foi mal avaliada, consiste no seu depoimento de parte e no depoimento das testemunhas ...
            A par destas provas – e da prova documental - uma outra foi, no entanto, produzida na instância recorrida: a prova pericial.
A prova pericial é uma prova cuja valoração é susceptível de levantar especiais dificuldades.

A perícia constitui, muito simplesmente, um meio de prova, relativamente à qual vale, por inteiro - de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos - o princípio da livre apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389 do Código Civil)[7].

Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres do perito ou peritos que procederam á diligência como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à perícia, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.

Significa isto que nada impõe que a perícia deva prevalecer, de modo absoluto, sobre qualquer outro meio de prova, ou dito de outro modo, que se lhe deva reconhecer força de prova plena.

Na verdade, não deve excluir-se a possibilidade de o perito ou peritos serem induzidos em erro pelos seus sentidos e de, portanto, o resultado da diligência se formar a partir de percepções individuais inexactas.

Estando fora de dúvida que a perícia é assinaladamente eficaz para esclarecer um facto que interessa à decisão da causa – v.g., a autoria de uma assinatura - ainda assim não deve excluir-se, por inteiro, a possibilidade de se censurar o erro dos peritos na produção dessa prova, opondo-lhe outros meios idóneos para rectificar percepções individuais erróneas e para corrigir equívocos ou a violação, na valoração dos resultados a que perícia os conduziu, de regras de ciência, de lógica ou de experiência.

Agora, convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil).

Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Assim, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente técnica ou científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo técnico científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva[8] (artº 604 do nCPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida[9].

Em boa verdade, não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos. Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime, uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.

Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.

No caso, por força da sua controversão, suscitou-se a necessidade de determinar se as assinaturas aposta no rosto dos cheques que servem de título executivo pertencem, realmente, ao executado B…, se aqueles escritos foram assinados pelo último, autor aparente daquelas assinaturas. Ora o meio naturalmente indicado para verificar a autenticidade daquela assinatura é a prova pericial: a submissão do escrito ao exame de pessoas especializadas no trabalho do reconhecimento da genuinidade da letra, a fim de que digam se a letra é do punho da pessoa a quem se imputa. Essa perícia obedece, em regra – e obedeceu no caso - a esta metodologia: o perito ou peritos comparam a letra que se pretende reconhecer com outra que se saiba – comprovadamente – pertencer a pessoa a quem aquela é atribuída. É, portanto, pelo confronto das duas letras que os peritos podem emitir o seu juízo sobre a veracidade ou falsidade da letra.

É claro que pode dar-se o caso de se estabelecer judicialmente a autenticidade da letra independentemente da perícia. É a hipótese de o escrito ter sido feito na presença de pessoas que, interrogadas, afirmem peremptória – e convincentemente – terem visto assinar o documento à pessoa a quem a assinatura é imputada. Fora esta hipótese, o meio idóneo para verificar a autenticidade da assinatura é o exame pericial.

Na espécie do recurso, as peritas, utilizando o apontado método da comparação da assinatura que se pretendia reconhecer com outra que se sabia pertencer ao seu autor aparente, concluíram não ser possível formular qualquer conclusão relativamente à verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas de B…, aposta nos documentos identificados como C1 a C4, ser ou não do seu punho.

A perícia é, pois, inconclusiva. Mas uma coisa é inconclusividade da perícia, outra, bem diferente, é a valoração da demais prova produzida – maxime da prova testemunhal – como se não se tivesse procedido a essa perícia.

Realmente, se os peritos – dotados de uma cultura especial e de experiência técnica e usando de uma metodologia de valor científico reconhecido – não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a pertença da assinatura impugnada ao seu autor aparente, então o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal deve estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena, de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto, que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível. O que, em qualquer caso, não se julga aceitável, numa prudente avaliação da prova, é o que o juiz – e menos a parte – se substitua aos peritos e, socorrendo-se do método utilizado pela perícia, se permita a formulação de um juízo de valor a que esses peritos não conseguiram chegar. Razão: é que a observação e o tratamento do facto discutido transcendem, evidentemente, o limite da cultura e da experiência comum, demandando conhecimentos especiais. E isto é assim, dado que o que, em última extremidade, justifica a realização da perícia é, justamente, a insuficiência dos conhecimentos do magistrado.

Neste contexto, deve recusar-se qualquer valia às considerações que o recorrente extrai das semelhanças – referidas na perícia - entre as assinaturas contestadas e aquelas que procedem indubitavelmente do punho do executado B…: se os peritos, apesar dessas similitudes, não conseguiram chegar a uma conclusão segura sobre a genuinidade – ou falta dela – daquelas assinaturas, por maior razão se deve ter por inteiramente inexactas as conclusões acerca dessa autoria que o recorrente – que é parte e não é perito – pretende fazer derivar daquelas semelhanças.

Resta-nos, por isso, o caso de as assinaturas terem sido feitas na presença de qualquer pessoa que, ouvida na audiência, assevere, de forma concludente, ter assistido à subscrição autógrafa, por aquele executado, dos cheques.

Não é esse, decerto, o caso do depoimento de parte do apelante.

Relativamente ao depoimento do recorrente, a primeira observação que se impõe é que não está em causa o seu valor como confissão - cuja obtenção constitui o seu fundamento final – dado, desde logo, por o facto discutido lhe ser favorável, nem sequer ser admissível o seu depoimento pessoal sobre ele (artºs 352 do Código Civil). Trata-se, portanto, muito simplesmente de valorar as declarações do depoente, por se referirem a um facto que é susceptível de o favorecer, à luz do princípio da livre mas prudente apreciação das provas, procedimento probatório que, uma jurisprudência e um doutrina dominantes, têm por perfeitamente admissível (artºs 358 nº 4 e 361 do Código Civil e 607 nº 5 do CPC)[10].

Abstraindo do facto de, ao menos por força da sua posição processual, o apelante não estar, evidentemente, em condições de independência e isenção que lhe permitam fazer um depoimento consciencioso e verdadeiro, tem-se por certo que o seu depoimento é, para o problema que nos ocupa, inteiramente asséptico.

Realmente, o exequente limitou-se a asseverar que tinha uma vivenda na …, próximo da Ota, para vender e que M… lhe entregou os cheques, dizendo-lhe que se os conseguisse receber lhe comprava a vivenda, tendo-os aceite, por achar que era fácil receber dos C…; acrescentou, por último, que o negócio ficou sem efeito. Descontando as singularidades dos contornos do negócio e da motivação do recebimento dos cheques, a verdade é que este depoimento nada nos diz sobre o facto da autoria das assinaturas contestadas.

Já os depoimentos das testemunhas …estão bem longe de confortar o ponto de vista do exequente, dado que, ambos, confrontados com os cheques e com a ficha das assinaturas detida pelo banco, afiançaram, por semelhança, reiteradamente, que nenhuma delas – das assinaturas apostas nos cheques – corresponde à do executado B…: não se vê aqui a assinatura do Sr. B…, não está aqui a do Sr. B…, não está – afirmou a última daquelas testemunhas.

Inócuo é também o depoimento da testemunha … dado que se limitou a garantir que os cheques têm uma assinatura de C… e que a outra não era dele: não posso afirmar que foi o B…; minha não é: o depoente nem sequer assaca ao apelado a autoria da assinatura suspeita, limitando-se a alegar que ela não é sua.

Susceptível de conduzir a uma distinta convicção sobre a veracidade ou a realidade do facto discutido é, decerto, o depoimento da testemunha ... Mas foi de caso pensado que se deixou para último a apreciação deste depoimento, a que o recorrente liga, por força do seu conteúdo, uma especial força persuasiva.

Realmente esta testemunha assegurou – peremptória e repetidamente – que os cheques foram assinados à sua frente pelo B…; já vinha tudo assinado; só esta é que assinou na minha frente: não havia mais ninguém, só eu e ele; assinou na minha frente, foi na minha frente; quem levava os cheques era sempre o B…; ele chegou lá e assinou os cheques na minha frente. E, a perguntas da Sra. Juíza de Direito, tratou de esclarecer que os clientes lhe entregavam os cheques pré-datados e ele – a testemunha – entregava-lhes as quantias e descontava os juros, e que deu os cheques dos clientes e recebeu os cheques da G...

Abstraindo do facto da duvidosa licitude da actividade da testemunha, de o depoente ter comprovadamente um interesse directo no desfecho da causa – quer por força do facto de figurar na cadeia cambiária na qualidade de endossante, quer por virtude da circunstância de ser ele a pessoa verdadeiramente prejudicada com o não pagamento das quantias inscritas nos cheques – e de demonstrar uma memória notável – considerada a sua idade e a circunstância de os factos terem ocorrido há mais de uma década – há boas razões para crer, em face de factos definitivamente adquiridos para o processo, que a testemunha, com aquelas afirmações, falta, com descaro, à verdade que jurou dizer.

E diz-se, com tranquilidade, que a testemunha – quando afirma que os cheques foram assinados à sua frente pelo executado B… – adultera a verdade, por esta razão irrecusável. Está assente, por virtude do acordo das partes – e portanto, sem qualquer controversão, plenamente provado – que os cheques foram entregues pelo executado C… a M... Ora bem: se os cheques foram entregues à testemunha por aquele executado é bem de ver que o não foram pelo embargante B…, nas peculiares circunstâncias atestadas pelas testemunha. De resto, ainda que não se devesse concluir que a testemunha violou o iniludível compromisso que o vincula à verdade, temos por certo que o seu depoimento, pelas razões já apontadas, sempre se deveria depreciar ou desvalorizar, dado que patentemente o interesse que tem na causa é adequado a privá-lo da serenidade e imparcialidade necessárias para narrar o facto com perfeita isenção e imparcialidade, e actua – visto que as declarações que prestou o favorecem – no sentido de enfraquecer, consideravelmente, esse mesmo depoimento. E a recusa da atribuição a este depoimento qualquer força persuasiva, conjugada com o resultado da perícia, sempre impediria, numa avaliação prudente da prova, que se devesse concluir pela veracidade do facto questionado.

Feitas todas as contas, apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – no tocante à prova pessoal, através da audição do registo fonético – não há motivo para concluir que a tribunal de que provém o recurso, ao decidir julgar não provado o facto apontado, tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas. Dito doutro modo: apesar dos condicionalismos em que conheceu das provas – marcados pela ausência de imediação – a convicção que esta Relação delas extrai, coincide com a convicção da 1ª instância, pelo que, não há qualquer erro, na fixação dos factos materiais da causa, que deva corrigir-se.

Não há, portanto, fundamento para modificar aquele julgamento pelo que os factos materiais da causa, relativamente aos quais há que proceder à ponderação da correcção da decisão de direito – são os que foram apurados na 1ª instância.

E em face desses factos materiais, a procedência dos embargos – e correspondentemente do recurso – é um corolário que não pode ser recusado.

3.3. Concretização.

Um dos negócios subsequentes à abertura de conta bancária é a convenção de cheque, que tanto pode ser expressa como meramente tácita. Em regra, a convenção de cheque surge associada a um contrato de abertura de conta. Trata-se, porém, de uma convenção autónoma e não um simples acto integrado no negócio mais vasto da abertura de conta.

De forma deliberadamente simplificadora, bem pode dizer-se que o cheque é um documento, em regra normalizado, do qual consta uma ordem de pagamento, dada por um cliente ao seu banco, para que proceda a um determinado pagamento a um terceiro, ao portador ou até ao dador dessa ordem (artº 1, 2 e 12 nº 2 da LUC)[11].

O cheque enuncia uma ordem de pagamento que se dirige a um banqueiro, no estabelecimento do qual devem existir fundos à disposição do primeiro, em regra uma provisão constituída pelo emitente do título (artº 3 da LUC). É assim cheque o meio pelo qual se mobilizam fundos, quer em benefício do emitente – cheque a favor do depositante – quer a favor de um terceiro. O cheque pode apresentar-se como título de crédito à ordem quando indica o nome do beneficiário da ordem de pagamento; é então correntemente denominado cheque nominativo, designação, contudo, imprópria, dado que a sua forma de transmissão é o simples endosso (artº 12, 1º § da LUC). Quando seja ao portador, o cheque transmite-se por simples traditio (artº 5 da LUC).

O cheque pressupõe, portanto, uma convenção de cheque e uma relação de provisão, de harmonia com a qual o banqueiro deve ter fundos à disposição do emitente do título. Não é necessário que o sacador tenha previamente depositado esses fundos no banco; basta, por exemplo, que este tenha concedido àquele um limite de crédito.

A convenção de cheque é, assim, o contrato, expresso ou tácito pelo qual o depositante fica com o direito de dispor de uma provisão, por meio de cheque, obrigando-se o banco a pagar o cheque até ao limite da quantia disponível, quer esta resulte de um depósito antecipadamente efectuado ou de crédito concedido pelo banqueiro (artº 3 da LUC). Esta convenção tem por fim a atribuição ao cliente do direito de dispor de fundos por meio de um ou mais cheques: o direito de dispor de fundos por cheque equivale ao direito de sacar cheques.

A convenção de cheque adstringe as partes – necessariamente o banqueiro e o seu cliente – a uma pluralidade de deveres, alguns ainda que puramente acessórios. O dever principal que para o banco decorre da convenção de cheque é, naturalmente, o de pagar o cheque que seja sacado sobre a conta que detenha no seu estabelecimento, à custa de fundos que nessa conta se encontrem disponíveis.

O cheque é, fundamentalmente, um meio ou instrumento de pagamento: a sua função económica primordial consiste em ser um meio de execução e extinção de dívidas pecuniárias, representando, desse modo, um sucedâneo da moeda legal – notas e moeda metálica.

A emissão de um cheque coenvolve o estabelecimento de relações jurídicas entre os vários intervenientes. Uma relação de cobertura – que vincula o sacador e o sacado, que se consubstancia na constituição de uma provisão de fundos e num pacto de disponibilidade por meio de cheques; uma relação de valuta, referida à ligação ente o sacador e o tomador, que explica a emissão do cheque como meio de pagamento de determinada divida pecuniária do primeiro ao último, embora, excepto em caso de convenção expressa das partes, a emissão dos títulos de crédito se entenda feita pro solvendo, com a consequência de que o saque do cheque não opera a extinção da relação fundamental do sacador-devedor (artº 840 do Código Civil).

O cheque, porém, não cria qualquer relação cambiária entre o sacado e o portador, como é patente em face do facto de o sacado não poder ser accionado em via de regresso, nem aceitar ou avalizar o cheque (artºs 4, 25 e 40 da LUC). Daqui decorre que o banco sacado, embora esteja obrigado a satisfazer a ordem emitida pelo sacador, não tem qualquer obrigação cambiária perante o portador, seja directa ou simplesmente de garantia – sem prejuízo, no entanto, da eventual responsabilidade civil extracontratual, que pode decorrer, quer da violação dos seus deveres gerais de conduta, quer da ofensa de deveres especiais de pagamento (artºs 73 e ss do RGIC, e v.g., 8 e 9 do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro).

O cheque é um título pagável à vista, pelo que o seu vencimento ocorre na data da sua apresentação, ainda quando a data da emissão seja posterior (artº 28 da LUC). O cheque deve ser apresentado a pagamento pelo portador no prazo de oito dias a contar da data da sua emissão – no caso de ter sido passado no país onde é pagável – e deve ser pago pelo banco sacado, mediante qualquer modalidade admissível – entrega em numerário, crédito em conta, transferência bancária, compensação, etc. - excepto no caso de ultrapassagem do prazo de prazo de apresentação, hipótese em que o banco pode, embora não deva, pagar (artºs 29 e 32 nº 2 LUC).

Em face do regime da convenção de cheque, é controversa a sua natureza. No entanto, a jurisprudência e uma doutrina maioritária são hesitam em assinalar-lhe a natureza de um contrato de mandato, não representativo, ordenado, justamente, para a realização dos actos jurídicos inerentes ao pagamento do cheque[12]. Esta qualificação é extraordinariamente importante, dado que, em tudo o não for objecto de regulação específica, são aplicáveis as regras do mandato, seja directamente seja por força da extensão de regime das regras desse tipo contratual a todas as modalidades atípicas de contrato de prestação de serviço (artº 1156 do Código Civil). Realmente, o sacado mais não é do que um simples mandatário ou executante de uma ordem do sacador; a relação intercedente entre o banco e o sacador não tem por fonte o acto de emissão do título – mas um negócio jurídico que lhe é interior: a convenção ou contrato de cheque.

Como se notou já, a emissão de um cheque envolve entre os sujeitos intervenientes, entre outras, uma relação jurídica de cobertura, i.e., uma relação subjacente entre o sacador e o sacado, traduzida na constituição de uma provisão de fundos e num pacto de disponibilidade por meio de cheques.

No entanto, deve sublinhar-se que a provisão e a convenção de cheque são simples condições de regularidade de emissão do cheque, não constituindo requisitos da sua validade jurídica (artº 3, in fine, da LUC). Por isso que o cheque sacado sem provisão – ou sem acordo prévio do banco sacado – é perfeitamente válido, embora irregular, constituindo o sacador em responsabilidade civil e penal[13]. Mas mesmo nesse caso, continua a reconhecer-se ao portador as acções cambiárias, a que se soma a faculdade de accionar, civil e criminalmente, v.g., o sacador. O que parece induzir a conclusão de que o cheque é um título abstracto: pressupõe uma relação subjacente, mas o efeito cartular não fica dependente da existência e regularidade da relação de provisão: se ela não existir, o direito cartular não é posto em causa; a única consequência é a impossibilidade de o portador se satisfazer através do sacado, dirigindo-se o seu direito apenas contra o sacador, cuja assinatura dá, aliás, a garantia mínima do cheque.

O negócio jurídico originário do cheque, graças ao qual este é emitido, é o saque, que consiste na declaração unilateral, feita pelo emitente do título – sacador – e dirigida a um banco – sacado – que tem por conteúdo expresso uma ordem de pagamento de quantia pecuniária certa a favor de terceiro – tomador. Se o cheque tiver sido sacado por uma pessoa a qualidade de representante de outra, sem, no entanto, dispor dos indispensáveis poderes representativos, é ela mesma que fica obrigada (artº 11 da LUC).

A obrigação do sacador é uma obrigação de garantia do pagamento do cheque: caso o banco não pague, o sacador deverá, ele mesmo, pagar directamente ao tomador ou portador do cheque (artº 12 da LUC). Outra obrigação de garantia de pagamento do cheque é a que decorre do endosso e do aval. O endossante fica constituído numa obrigação de garantia do pagamento perante o endossado e os portadores subsequentes (artº 18 nº 1 da LUC); o avalista, por sua vez, garante o pagamento do cheque por parte de um dos seus subscritores, mormente do sacador (avalizado) (artºs 25 a 27 da LUC).

No caso de falta de pagamento devido, o portador do cheque pode exercer judicialmente os seus direitos através da correspondente acção cambiária contra o sacador, endossantes ou outros co-obrigados – acção judicial que revestirá natureza executiva e pode ser movida contra qualquer daqueles obrigados (artºs 40, 41 e 43 da LUC).

À semelhança, por exemplo, da letra de câmbio, o cheque é um título de crédito de natureza creditícia, dado que incorpora um direito a uma prestação pecuniária, e abstracta, uma vez que lhe pode preencher uma pluralidade de causas-função. Mas já dela se distingue, visto que, para além de não constituir um instrumento de crédito mas um meio ou instrumento de pagamento, incorpora uma ordem de pagamento necessariamente dirigida a um determinado sacado – instituição de crédito ou bancária, na qual o emitente possui uma provisão de fundos.

Ao lado da sua função de meio ou instrumento de pagamento, o cheque pode também desempenhar uma função de garantia, como sucede, por exemplo, nos cheques pós-datados, que são, frequentemente, emitidos em garantia de uma obrigação de uma obrigação que pode ou deve ser cumprida doutro modo[14].  

Para além de literal, a obrigação incorporada no cheque é também abstracta. A criação da obrigação cartular pressupõe uma relação jurídica anterior que constitui a relação jurídica subjacente ou fundamental, causa remota da assunção daquela obrigação. Todavia, por força do princípio da abstracção, a causa encontra-se separada do negócio jurídico relativo à emissão do cheque, decorrente de uma convenção extra-cartular: a convenção executiva em conexão com a relação fundamental.

A obrigação incorporada constitutivamente no cheque é vinculante independentemente dos vícios da sua causa: as excepções causais são inoponíveis ao portador do cheque precisamente porque decorrem de uma convenção executiva extra-cartular, exteriores àquele negócio jurídico (artº 22 da LUC).

Mas isto só é assim nas relações mediatas – i.e., aquelas que se verificam entre o sacador e um portador que se lhe não siga imediatamente na cadeia cambiária e que, portanto, não é sujeito da convenção extra-cartular - as excepções ex-causa só são oponíveis demonstrando-se que o portador, ao adquirir o cheque, procedeu, conscientemente, em detrimento daquele que lhe opõe a excepção (artº 22 da LUC).

Portanto, aquele a quem é exigido o pagamento do cheque pode opor a terceiros excepções fundadas na relação fundamental ou causal do cheque, a não ser que esses terceiros tenham, ao adquirir o cheque, procedido conscientemente em detrimento do devedor.

É, portanto, indispensável que o portador tenha agido, ao adquirir o cheque, com a consciência de prejudicar o devedor. No entanto, uma coisa é a intenção de prejudicar, outra, a consciência de prejudicar: o portador, ao adquirir o cheque, pode agir com o propósito de prejudicar o devedor mediante a inoponibilidade, por este, das excepções que tinha contra os precedentes portadores e pode proceder apenas com conhecimento dessas excepções e do prejuízo que é causado ao devedor com a perda delas. O adquirente do cheque, embora não a adquira com a intenção de iludir as excepções do devedor, pode fazê-lo sabendo que o devedor é prejudicado pela circunstância de não poder valer-se delas contra o novo portador.

Não é suficiente, portanto, o simples conhecimento, pelo adquirente, da existência das excepções, visto que a lei exige que o portador tenha agido conscientemente em detrimento do devedor e não age conscientemente em detrimento do devedor quem somente tem conhecimento das excepções que este poderia opor aos portadores antecedentes; não obstante esse conhecimento, pode o adquirente ter razões para supor que o devedor não será prejudicado, não excluindo, necessariamente, esse conhecimento, a boa fé do adquirente. Exige-se, assim, que o adquirente ao adquirir o cheque conhecesse a existência da excepção e tivesse consciência de prejudicar o devedor: uma tal consciência significa ter o adquirente conhecimento de que prejudica, com a perda das excepções o devedor, e que ele aceita, voluntariamente, este resultado, querendo provocá-lo ou, ao menos, aceitando-o[15]. A prova deste facto incumbe, naturalmente, ao excipiente (artº 342 nº 2 do Código Civil).

Todavia, nas relações imediatas, i.e., nas relações entre o sacador ou outro portador e o sujeito cambiário imediato, porque os sujeitos cambiários o são simultaneamente da convenção executiva, tudo se passa como se a obrigação incorporada no cheque deixasse de ser literal e abstracta. Quando isso suceda, o sacador pode opor ao portador as excepções decorrentes das relações pessoais entre ambos.

A abstracção da obrigação incorporada no cheque não significa, como se salientou, a ausência de uma causa de assunção dessa obrigação – mas apenas que essa causa se encontra separada do negócio cartular, decorrendo, não dele próprio mas de uma convenção subjacente, extra-cartular: a convenção executiva em conexão com a relação fundamental.

A sentença impugnada observou que entre os títulos executivos elencados na lei se incluem os cheques.

Como o Supremo já salientou[16], do ponto de vista da sua exequibilidade, o cheque – como, de resto, qualquer outro título de crédito – pode, analiticamente, ser encarado em três planos ou perspectivas distintas.

Assim, o cheque pode, desde logo, valer como verdadeiro e próprio título de crédito que, por respeitar a uma pretensão abstracta, é suficiente para fundamentar a execução, mesmo que dele não conste qualquer causa debendi. Se o direito de crédito se encontra titulado por um cheque, o exequente tem apenas este ónus: o de apresentar esse título, dado que ele incorpora a relação cambiária que constitui a causa petendi do pedido executivo. A dispensa da invocação da causa debendi no título executivo abstracto, como é, decerto, o cheque, tem, naturalmente, esta particular relevância: o de a sua exequibilidade não ser afectada por incidências relativas a essa causa de aquisição da prestação. O título é exequível, qualquer que seja a relação subjacente ou ainda que esta nem sequer se tenha constituído ou já não subsista.

No caso, porém, de não observar os requisitos previstos na respectiva Lei Uniforme – inobservância que é cominada com o vício grave da inexistência, ressalvados, naturalmente os casos, em que tal falta possa ser suprida pela lei (falta de indicação da época e do lugar de pagamento e do lugar de emissão), o documento correspondente – por carência de uma ou várias menções obrigatórias – mais do que um título inválido ou ineficaz, não pode ser sequer ser havido, de todo em todo, como cheque, o que sucederá, também nos casos, em que se mostre extinto, v.g., por revogação ou prescrição da obrigação cambiária (artºs 1, 2 nºs 1 e 2 a 4 da LUC).

Isso não significa, porém, que seja destituído de qualquer relevância jurídica, dado que pode valer como uma simples quirógrafo – ou seja, um documento particular probatório da obrigação fundamental subjacente, que implique o reconhecimento dessa obrigação causal subjacente, desde logo como reconhecimento unilateral de uma dívida, sem indicação da respectiva causa, que dispensa o credor de provar essa relação fundamental - desde que, segundo certo entendimento do problema, esta não esteja submetida a específicas formalidades legais – cuja existência, até prova do contrário, se presume (artº 458 do Código Civil). Nesta hipótese, valendo o título ou documento particular apresentado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, ele pode fundamentar a execução, não obstante dele não constar a causa debendi nem uma tal causa se mostrar alegada pelo exequente no requerimento executivo: quando isso suceda, apesar da causa debendi não resultar do título executivo nem este se mostrar completado com essa alegação, cabe ao executado proceder à ilisão da presunção, provando a inexistência ou a invalidade da obrigação presuntivamente confessada ou reconhecida pela declaração unilateral invocada pelo exequente (artº 349 e 350 nºs 1 e 2 do Código Civil).

Por último, pode o cheque que não incorpore todas as menções legais obrigatórias ou se mostre extinto, valer como quirógrafo da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que o facto constitutivo da obrigação causal resulte do próprio cheque ou tenha sido alegada pelo exequente no respectivo requerimento executivo. Como é claro, esta terceira virtualidade do cheque, apenas relevará nos casos em que a declaração cambiária não puder valer como declaração unilateral de reconhecimento do débito subjacente à emissão do cheque e, portanto, nas hipóteses em que o credor não puder beneficiar da presunção da existência da causa debendi (artº 458 do Código Civil). Neste caso, recairá sobre o exequente o ónus da alegação – e da prova – dessa causa debendi, do facto constitutivo da obrigação, porque sem essa alegação, a obrigação não fica individualizada e, por isso, o requerimento executivo é inepto por falta de indicação da respectiva causa de pedir (artºs 193 nº 2 a) do CPC de 1961 e 186 nº 2 a) do NCPC).

Um tal alargamento da exequibilidade dos documentos negociais particulares – obtido em nítido prejuízo do princípio da suficiência do título executivo, de harmonia com o qual o título é, em si mesmo, suficiente para fundamentar uma execução – foi expressamente reconhecido pelo legislador da Reforma de 2003, instrumentalizada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, ao admitir a possibilidade o exequente expor os factos que fundamentam a pretensão executiva, quando estes não constem do título executivo (artº 810 nº 3 b) do CPC de 1961).

O que, em todo o caso não pode dar-se por certo, em face da natureza do cheque e da obrigação que dele emerge é que o cheque a que falte um qualquer dos requisitos exigidos pela lei ou se mostre extinto possa valer como reconhecimento unilateral de divida.

Realmente, ao contrário do que sucede com a letra e com a livrança, que contêm uma inequívoca promessa de pagamento de uma dada quantidade de espécies pecuniárias, o cheque, dado que se limita a incorporar uma ordem de pagamento dirigida a uma instituição financeira ou a um banco, não importa exactamente um reconhecimento, directo e expresso, de uma dívida do executado relativamente ao portador e, nessas condições, dificilmente poderá beneficiar da presunção da existência de uma qualquer causa debendi, que, portanto, dispense o exequente da alegação do facto constitutivo da obrigação (artº 458 do Código Civil)[17].

Ora, no caso do recurso, feito o exercício da prova, o exequente não demonstrou, como era seu ónus, que a assinatura que atribuía a um dos executados – o embargante B… – procedesse do seu punho. Desta resposta negativa sobre a prova deste facto não decorre, evidentemente, que se tenha por demonstrado o facto contrário, antes tudo se passa como se o facto não tivesse sido alegado, devendo o juiz resolver a questão contra a parte onerada com a prova (artºs 346 do Código Civil e 414 do nCPC)[18]. Nestas condições, há que decidir contra o exequente, parte onerada com a prova.

E como a excepção em que se resolve a falta de prova da autoria, por aquele executado, da declaração cambiária de saque, se não funda na relação fundamental ou causal do cheque, não é uma excepção ex-causa, aquele executado é lícita opô-la a qualquer portador do cheque, ainda que imediato, portanto, também ao exequente, independentemente da prova de este ter, ao adquirir os cheques, procedido conscientemente em seu detrimento. É que – como a doutrina é acorde em assinalar - se o cheque contém, de facto uma assinatura que não se prova ser, por exemplo, a do sacador, estamos face um documento com a aparência de cheque, mas em que são inexistentes as relações cambiárias entre sacador aparente e o sacado, assim como as relações entre sacador aparente e o portador, faltando, por conseguinte, a causa accipiendi, por omissão de uma ordem de pagamento eficaz – sem prejuízo evidentemente do princípio da independência recíproca das assinaturas (artº 10 da LUC)[19].

Desde que o exequente não demonstrou que o executado é, realmente, autor da declaração cambiária de saque dos cheques – sendo certo que também não o é da relação subjacente, que apenas vincula o co-executado e a sociedade comercial G…, Lda. - e os respectivos instrumentos não documentam que o seja de qualquer outro negócio jurídico cambiário, como o endosso ou o aval, que o constitua na obrigação – de garantia – de pagamento do cheque, a procedência da oposição sempre se teria por meramente consequencial.

O recurso não dispõe, pois, de bom fundamento. Cumpre julga-lo improcedente.

Síntese recapitulativa:

a) O meio idóneo para verificar a autenticidade de uma assinatura é o exame pericial; essa autenticidade, pode, porém, ser judicialmente estabelecida, independentemente da perícia, no caso de o escrito ter sido feito na presença de pessoas que, interrogadas, afirmem peremptória – e convincentemente – terem visto assinar o documento à pessoa a quem a assinatura é imputada;

b) Se os peritos não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a pertença da assinatura impugnada ao seu autor aparente, então o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal deve estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena, de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto, que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível;

c) Se o cheque contém, de facto, uma assinatura que não se prova ser, por exemplo, a do sacador, estamos face um documento com a aparência de cheque, mas em que são inexistentes as relações cambiárias entre sacador aparente e o sacado, assim como as relações entre sacador aparente e o portador, faltando, por conseguinte, a causa accipiendi, por omissão de uma ordem de pagamento eficaz;

d) Dado que a falta de prova da autoria, pelo executado, da declaração cambiária de saque, se não funda na relação fundamental ou causal dos cheques, não é uma excepção ex-causa, àquele é lícita opô-la a qualquer portador do cheque, ainda que mediato, independentemente da prova de este ter, ao adquirir os cheques, procedido conscientemente em seu detrimento.

O apelante sucumbe no recurso. Deverá, por esse motivo, suportar as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do nCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo apelante.

                                               15.02.10

Henrique Antunes - Relator
Isabel Silva
Alexandre Reis

[1] Por força da norma de direito transitório de que a Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil, se fez acompanhar, este não é aplicável ao incidente declarativo da acção executiva em que os embargos de executado se resolvem, que, por isso, continuam a ser regulados pelo Código de Processo Civil de 1961, antes da reconformação de que foi objecto através do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, também por força de uma norma de direito intertemporal contida neste último diploma legal (artºs 6 nº 4 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 21, nº 1, e 23 do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março e 1 do Decreto-Lei nº 199/2003, de 10 Setembro). Todavia, por força de outra norma de direito transitório de que a Lei nº 41/2013 se fez acompanhar, à impugnação da decisão impugnada no recurso, dado que foi proferida posteriormente a 1 de Setembro de 2013, em acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008, é aplicável o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com a reconformações de que foi objecto pelo Código de Processo Civil aprovado por aquela Lei (artºs 7, nº 1, e 8).
[2] Da mesma maneira, é sobre o oponente, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador a seu mando, que recai o ónus da prova da existência do acordo de preenchimento e da sua inobservância – Assento do STJ de 14 de Maio de 1996, DR, II Série, de 11 de Julho de 1996. Cfr. Acs. do STJ de 28.05.96, BMJ nº 457, pág. 401, da RP de 21.10.96, CJ, 96, V, pág. 183 e 27.01.98, CJ, STJ, 98, I, pág. 40. No caso de non liquet, aplica-se igualmente, quer as regras gerais quer as eventuais regras especiais (artºs 414 do CPC de 1961 e 346, 2ª parte, do Código Civil). Cfr. Ac. da RP de 05.02.98, CJ, 98, I, pág. 207.
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 177.
[4] Cfr., v.g., Acs. da RC de 06.02.90, BMJ nº 394, pág. 543, e da RL de 04.11.97, BMJ nº 471, pág. 448.
[5] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[6] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[7] Acs. da RP de 29.03.93 e da RE de 11.11.94, BMJ nºs 425, pág. 627 e 441, pág. 421. Cfr., contudo, em sentido aparentemente contrário, o Ac. da RP de 29.4.98, BMJ nº 476, pág. 489.
[8] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264.
[9] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780.
[10] Acs. do STJ de 09.05.06 e 02.11.94, da RG de 19.05.11, da RP de 18.01.01 e de 04.04.02 e da RC de 12.04.11, www.dgsi.pt. Cfr., por todos, João Paulo Remédio Marques, “A aquisição e valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte”, in Julgar, nº 16, ASJP, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, págs. 136 e ss.
[11] Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Volume III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1982, pág. 243 e 244 e Ferrer Correia e António Caeiro, “Recusa do pagamento do cheque pelo banco sacado; responsabilidade do Banco face ao portador”, in RDE, Vol. IV, t. 2, 1978, pág. 447.
[12] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, 2006, Almedina, Coimbra, pág. 497 e Sofia de Sequeira Galvão, Contrato de Cheque, Lisboa, Lex, 1992, págs 63 e 64, e Filinto Elísio, “A revogação do cheque”, in O Direito, Ano 100º, 1968, pág. 490, Ferrer Correia e António Caeiro, “Recusa do pagamento do cheque pelo banco sacado; responsabilidade do Banco face ao portador”, cit., pág. 463, e Acs. do STJ de 19.10.93, de 20.12.77 e de 03.02.05, BMJ nºs 430 e 272, págs. 466 e 217, e www.dgsi.pt, respectivamente. No sentido de que se trata de um contrato a favor de terceiro, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Títulos de Crédito, cit., pág. 256. Cfr., o Assento do STJ, nº 4/2000, DR, I Série-A, nº40, de 17 de Fevereiro de 2000, e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 9/2008, DR, 1ª Série, de 27 de Outubro de 2008.
[13] Sofia de Sequeira Galvão, Contrato de Cheque, Lex, Lisboa, 1982, págs. 26 e 27 e Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 116 e 117.
[14] Paulo Olavo Cunha, “O Cheque enquanto Título de Crédito, Evolução e Perspectivas, AAVV, “Estudos de Direito Bancário”, Coimbra Editora, 1999, págs. 243 a 260 e Nogueira M. Serens, “Natureza Jurídica e Função do Cheque”, Revista da Banca, 1991, págs. 99 a 131.
[15] Para o problema da oponibilidade das excepções que o devedor pode opor ao portador do cheque valem exactamente as mesmas soluções que são propostas no tocante às letras e às livranças: Ac. do STJ de 16.06.09, www.dgsi.pt. Cfr., Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1975, pág. 75, José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, pág. 37, Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª edição, Lisboa, 1990, págs. 116, 126 e 127, Vaz Serra, RLJ Ano 105, pág. 376 e Acs. do STJ de 12.10.78 e 26.06.73, BMJ nºs 280, pág. 343 e 228, pág. 233.
[16] Ac. do STJ de 21.10.10, www.dgsi.pt.
[17] Assim, v.g., os Ac. do STJ de 19.12.06 e de 18.10.07, www.dgsi.pt.
[18] Ac. da RE de 16.12.93, BMJ nº 432, pág. 453.
[19] Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, cit., pág. 639, e Fuzeta da Ponte, “Da problemática da responsabilidade civil dos bancos decorrente do pagamento de cheques com assinaturas falsificadas”, Separata da Revista da Banca, nº 31, 1994, pág. 68. Note-se, porém, que o nome necessário para que o cheque exista, é apenas uma assinatura possível; se não foi dada pelo sacador, este não responde, mas as vinculações de todos os outros intervenientes são válidas. O que significa que, afinal, o cheque não está construído na dependência de um saque válido; pode não haver saque e haver cheque e, portanto, que ao estabelecer a independência das assinaturas, estabelece, expressamente, a independência das obrigações: estas subsistem quianda que as obrigações dos outros não sejam válidas.