Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92/14.5TBNLS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
CAPITAÇÃO
CÁLCULO
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO FAM. E MENORES – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 5º DO DL Nº 70/2010, DE 16/06.
Sumário: Para o apuramento da capitação a que se reporta o artigo 5º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, devem os rendimentos anuais ilíquidos do trabalho dependente ser divididos pelos 12 meses do ano, independentemente de naquele montante global estarem ou não englobados os subsídios de férias ou de Natal.
Decisão Texto Integral:  







                Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

No Tribunal da Comarca de Viseu, Inst. Central - 1ª Sec. F. Men. - J2 - no processo de Regulação das Responsabilidades parentais relativas à menor M... que H... intentou contra S..., no incidente de incumprimento do acordo de exercício das responsabilidades parentais, a requerente solicitou que fosse accionado o FGADM.

O Ministério Público defendeu a improcedência do pedido de intervenção do FGADM, por não estarem reunidos todos os pressupostos legais, mais arguindo a procedência do incidente de incumprimento.

O tribunal proferiu decisão julgando “procedente o presente incidente e, em consequência, declara-se que o requerido S... incumpriu o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no que respeita à prestação de alimentos, devida à menor M... e, em consequência, determino a sua condenação a pagar o montante de €606,85, e sem prejuízo das prestações vincendas.

Ademais, julga-se improcedente o pedido de condenação em multa do requerido.

Mais declara este Tribunal não determinar a intervenção do FGADM, quanto ao pagamento da prestação substitutiva da prestação originária alimentícia devida à menor por não estarem preenchidos os pressupostos legais tendentes a permitir a dita intervenção, assim se decidindo que não será concedido o pagamento por parte do FGADM da prestação substitutiva de alimentos.

Destarte, informa-se expressamente a requerente que assim que tenha conhecimento de bens da titularidade do progenitor susceptíveis de penhora e com valor comercial, deverá diligenciar por instaurar a competente acção executiva por alimentos ou requerer o cumprimento do art. 48º do RGPTC, caso tenha conhecimento que existem vencimentos, subsídios e outros rendimentos susceptíveis de desconto.”

Na sequência desta decisão, por requerimento, a requerente solicitou ao tribunal que:

a) o montante a considerar como não pago à data da decisão é diverso do que se fez constar na parte decisória - €606,85 -, salvo se ficar a constar que as prestações vincendas são as que se vencerem a partir de Outubro de 2014, porquanto o pai da menor não pagou qualquer quantia desde a decisão e antes e após a entrada da petição de incumprimento;

b) seja reanalisada a decisão judicial no que toca à intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, considerando o relatório elaborado pelos serviços de segurança social de Viseu, junto ao processo de regulação das responsabilidades parentais, e no qual os técnicos admitem poder ser alterado o sentido do seu anterior parecer, deixando ao critério do tribunal o conceito de agregado familiar para efeitos do FGADM.”

Em resposta o Ministério Público considerou que o pedido de reanálise do indeferimento do FGADM deveria ser indeferido uma vez que a decisão proferida não foi objecto de recurso e por isso tinha transitado em julgado.

O Tribunal indeferiu o requerido, considerando que “se quanto à condenação pelo não pagamento é de considerar que a liquidação abrange as prestações vencidas mencionadas nos pontos 3 e 4 dos factos provados todas as prestações periódicas que se venceram após, já quanto ao pedido de reanálise da decisão que indeferiu a intervenção do FGADM esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal com o proferimento das mesma, apenas podendo ser reapreciada caso se alterem os pressupostos de facto a analisar, mediante a suscitação de novo incidente.

Sempre se dirá todavia que o ora expendido pela requerente teria sido oportuno quanto previamente à prolação da decisão foi notificada da promoção do indeferimento feita pelo Ministério Público.”

A requerente na sequência desta decisão veio declarar que “quando da notificação da promoção de indeferimento do Ministério Público não se encontrava junto aos autos de regulação das responsabilidades parentais o relatório da segurança social que indica expressamente que a situação de pagamento pelo FGADM seria possível se considerassem o agregado familiar do menor como composto pela mãe e pela criança.

Este relatório que vem no mesmo sentido que a requerente sempre veio defender nos autos, foi junto a 13 de Julho de 2016, notificado
à requerente no dia 14 de Julho de 2016, sendo a sentença deste incumprimento foi notificada à mandatária a 12 de Julho de 2016.

No interesse da menor vem fazer este esclarecimento tendo de accionar novo processo se nestes autos não conseguir começar a receber as prestações de alimentos devidas à sua filha”.

O Ministério Público promoveu que a requerente fosse notificada para juntar cópia da sua declaração de IRS, o que foi deferido.

Junto este documento Ministério Público promoveu que não se verificam os pressupostos que legitimam a condenação do FGADM no pagamento de qualquer prestação substitutiva de alimentos em relação à menor.

A requerente em resposta a esta promoção protesta que considera incorrecto que o seu agregado familiar seja composto como foi considerado e bem assim que o valor mensal com que a requerente conta não é o de 8.786,25 € recebendo apenas o valor de 625,00 € vezes 12 meses.

O Ministério Público perante a resposta da requerente veio promover que “os rendimentos a considerar são os previstos no DL 70/2010, de 16 de Junho, sendo os rendimentos apurados nos termos do art. 6º do mesmo diploma e por isso o rendimento a relevar é o de 8.786,25 €.

O valor do Indexante dos Apoios Sociais instituído pela Lei 53-B/2006 que fixa as regras de actualização das pensões e de outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social é em 2017 de 421,32 € - art. 2º da Portaria 4/2017 de 3 de Janeiro.”!

De novo em resposta a esta promoção a requerente juntou declaração de IRS referente ao ano de 2016 e solicitou que o técnico que realizou o relatório social fosse notificado para se pronunciar sobre a verificação dos requisitos para accionar o FGADM considerando a declaração de rendimentos de 2016 e um agregado familiar composto pela menor e pela progenitora.

O Ministério Público renovou que face à declaração de rendimentos não se encontram reunidos os pressupostos da intervenção do FGADM.

O Tribunal determinou a notificação do técnico que elaborou o relatório social como requerido.

O técnico veio responder juntando aos autos a informação de considerar estarem reunidas as condições que permitem o recurso ao FGADM a favor da menor porque o agregado familiar apresenta um rendimento per capita de 419,22 €.

O tribunal ordenou a notificação do FGADM para se pronunciar sobre o teor da informação prestada pelo técnico que elaborou o relatório.

Por fim, o tribunal proferiu a seguinte decisão:

“Como decorre dos elementos juntos aos autos, o agregado familiar onde se insere a menor apresenta uma capitação de € 481,03 (quatrocentos e oitenta e um euros e três cêntimos).

Ora, a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (que trata da garantia dos alimentos devidos a menores), e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio (que regula essa garantia), sofreram uma alteração (a Lei foi modificada pela Lei do Orçamento de Estado para 2013, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Decreto-Lei foi modificado pela Lei n.º  64/2012, de 20 de Dezembro) num dos pressupostos para a atribuição do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, estabelecendo agora o valor do indexante dos apoios sociais, fixado em € 421,32, quatrocentos e vinte e um euros e trinta e dois cêntimos (de acordo com a artigo 2.º, da Portaria n.º 4/2017, de 3 de Janeiro), em vez do salário mínimo nacional, como limite máximo dos rendimentos do menor ou de outrem a cuja guarda se encontre para que o Fundo seja concedido (sem prejuízo, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio, «Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.»)

Tendo em conta essa modificação, certo é que o rendimento do agregado familiar da menor está acima deste valor do indexante de apoios sociais.

Neste âmbito, é claro que se entrou em linha de conta com o cálculo da capitação dos rendimentos (para aferir se os rendimentos do agregado são ou não são superiores ao valor do indexante de apoios sociais), sendo certo que a ponderação de cada um dos elementos do agregado foi efectuada de acordo com a seguinte escala de equivalência fixada no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, com a última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho.

Na situação em apreço, fazendo os cálculos há uma superioridade do rendimento do agregado familiar do menor relativamente ao valor do indexante de apoios sociais.

Assim, tal facto consubstancia uma impossibilidade de condenação do Fundo de Garantia no pagamento das prestações alimentícias nos presentes autos.

Cumpre concluir que não é possível a atribuição do Fundo, na situação em apreço.

Pelo exposto, declara-se que não há a obrigação de pagamento por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores da prestação de alimentos devidos.”

É desta decisão que a requerente interpôs recurso concluindo que:

 “a) a sentença recorrida indeferiu o pedido formulado pela recorrente de pagamento das prestações de alimentos devidas à menor M... pelo fundo de garantia de alimentos devidos a menores;

b) não se conforma a recorrente como mãe da menor com tal decisão, porquanto dos autos constam documentos que terão de conduzir a decisão em sentido contrário;

c) desde o inicio que esta mãe reúne os requisitos para beneficiar deste pagamento e sempre se foi protelando a decisão, pese embora se conheça a realidade do agregado familiar da menor e a ausência em parte incerta do pai da criança;

d) dos relatórios sociais elaborados pela segurança social de Viseu fez-se sempre constar que a requerente reunia os requisitos para beneficiar deste apoio para a menor;

e) com o agregado familiar composto pela mãe e pela filha e com o rendimento auferido pela progenitora, preenche a mãe as condições que o legislador impos para ser concedida esta ajuda para a sobrevivência de menores;

f) o tribunal pediu ao longo do processo vários relatórios e todos apontam no sentido da concessão do benefício;

g) no último relatório social datado de 06 de Março de 2017, o técnico discrimina os rendimentos, o agregado familiar, os elementos de cálculo, e conclui de forma expressa que considera estarem reunidas as condições que permitem o recurso ao FGADM, de acordo com a actual legislação em vigor;

h) o digno magistrado do ministério público manteve a sua posição e fez diferentes cálculos, que alicerçam no seu entender uma decisão em sentido contrário;

i) os técnicos da segurança social são por força da instituição que representam e dos inúmeros relatórios que elaboram, os técnicos que devem realizar estes cálculos e auxiliar os tribunais na decisão em favor da lei e dos menores;

j) o técnico de forma expressa faz constar os cálculos e conclui que nos termos da legislação em vigor a requerente reúne condições para beneficiar do pagamento pelo FGADM;

k) caso não fossem necessários relatórios sociais nestes casos, e apenas o cálculo de rendimentos sem mais, não se pediria à segurança social para se elaborarem, nem se aguardaria pela sua junção;

l) o tribunal por encontrar uma situação de divergência entre a segurança social e o Ministério Público, oficiosamente decide notificar o FGADM para se pronunciar em dez dias;

m) o FGADM não se opõe à pretensão da requerente, e remete-se ao silêncio nesses dez dias e durante muito mais tempo e até este momento;

n) o tribunal a quo não poderia decidir sem esse elemento ou sem que interpretasse esse silencio como não oposição;

o) o tribunal de primeira instancia não considerou o documento que consta dos autos, elaborado pela segurança social, que conclui por um rendimento per capita diverso do que se incluiu na sentença e que conclui no sentido do preenchimento das condições para beneficiar do FGADM;

p) deve revogar-se a decisão proferida, e decidir-se que in casu estão preenchidas as condições para as prestações de alimentos serem pagas pelo FGADM.

q) Nestes termos, deve dar-se provimento ao presente recurso, decidindo-se pelo deferimento do pedido formulado pela requerente, protegendo-se a menor M... por estarem reunidas as condições para accionar o FGADM e assim se fará como sempre inteira justiça”

O Ministério Público contra alegou sustentando que que deve ser confirmada a decisão recorrida.

Cumpre decidir.

… …

Fundamentação

O tribunal recorrido na sentença em que decidiu o incumprimentos das responsabilidades parentais fixou como provado que:

… …

Os demais factos que interessam à decisão são os constantes do relatório e que se traduzem no teor dos requerimentos, promoções do Ministério Público e despachos de expediente proferidos depois da decisão de incumprimento das responsabilidades parentais ter transitado em julgado.

… ….

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso consiste em saber se com os elementos disponíveis da prova se encontram preenchidos os pressupostos legais tendentes a permitir o pagamento pelo FGADM da prestação substitutiva de alimentos.

Um primeiro apontamento de registo consiste na circunstância de a requerente, ora recorrente, depois de ter sido proferida sentença e de esta ter transitado em julgado, ter vindo solicitar ao tribunal que reapreciasse matéria que havia sido decidida naquela sentença.

Porém, a esta estranheza acresce a de se observar que, tendo o tribunal decidido, em 14-10-2016, que essa reapreciação não era admissível por se ter esgotado o poder jurisdicional, e que só através um novo incidente poderiam ser analisados novos pressupostos de facto, afinal vem posteriormente a realizar a instrução do processo e a reanalisar o que lhe tinha sido peticionado.

Julgamos que o Tribunal entendeu implicitamente que se abria um novo incidente por a requerente ter referido que, por ter sido junto aos autos de regulação das responsabilidades parentais um relatório da segurança social em 13 de Julho de 2016, depois de ter sido proferida decisão no apenso de incumprimento das responsabilidades parentais (em 11 de Julho de 2016), tal imporia a possibilidade de se rever o que havia sido decidido quanto ao não pagamento pelo FGADM das prestações.

Ainda que de maneira breve, deixamos registado que o relatório a que alude a requerente a dele ter tido só conhecimento em 13 de Julho de 2016 diz respeito ao processo de regulação das responsabilidades parentais e não a este de incumprimento, sendo óbvio, da consulta do processo de regulação das responsabilidades parentais, que a sentença ali proferida só o foi depois de esse relatório ali ter sido junto, sendo que ele não interessava ao que se discutia nos autos de incumprimento uma vez que todos os elementos probatórios de decisão, nomeadamente os relatórios solicitados, foram obtidos antes de ter sido proferida a sentença de 11 de Julho de 2016.

A situação descrita, motivada pela requerente, é pois a de, depois da sentença proferida num processo ter transitado em julgado, o tribunal vir a reapreciar parte dessa decisão com fundamento na junção de um relatório social que nem sequer se destinava ao processo julgado mas sim a um outro e, para acrescer, um relatório que continha os mesmos elementos de ponderação que constavam naqueles outros relatórios mandados elaborar no processo e que foram tomados em consideração na sentença, sem que o tribunal aludisse à eventualidade de a reapreciação do pagamento do FGADM se reportar a um contexto temporal posterior já ao que fora tomado em consideração na sentença.

Julgamos que a tratar-se de uma realidade nova e diversa da configurada e decidia na sentença deveria eventualmente ter-se deixado inequívoco que a realidade em apreciação agora era diferente da coberta pela sentença antes proferida

Seja como seja, e deixando para trás a estranheza de toda esta situação que se arrastou no tempo com requerimentos, promoções e despachos de expediente nos quais até se deferiu a notificação de um técnico da Segurança Social para vir dar o seu parecer e opinião sobre de o FGADM devia ou não ser responsabilizado pelo pagamentos das prestações à menor, o que podemos desde já e liminarmente afirmar é que não assiste razão à recorrente quer quanto à responsabilidade do FGADM, seja no âmbito da sentença proferida e transitada em julgado, seja no âmbito da decisão proferida em 18 de Abril de 2017 e que é a recorrida. E não lhe assiste razão pela mesma razão de argumentos que se encontram presentes na sentença proferida no incumprimento.

O argumento de oposição da recorrente à decisão recorrida, para concluir que beneficia das condições que impõem o pagamento pelo FGADM das prestações de alimentos, é o de considerar que “ o elemento essencial para a decisão neste tipo de situações é (…) o relatório social e sempre os relatórios sociais elaborados no processo apontaram para o preenchimento dos requisitos para a atribuição desse beneficio” e o relatório elaborado pela segurança Social em 6 de Março de 2017 concluiu que “o agregado familiar em causa apresenta um rendimento per capita inferior ao valor do IAS (Indexante de Apoios Sociais), actualmente fixado em 419.22 € (Quatrocentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos), pelo que, consideramos estarem reunidas as condições que permitem o recurso ao F.G.A.D.M., a favor da menor M..., de acordo com a actual legislação em vigor.”

Defende ainda que por a opinião do Ministério Publico ser diferente, sustentando não estarem preenchidos os requisitos e com o agregado familiar da mãe e da filha concluiu por um rendimento per capita diverso daquele que foi apurado e documentado pela Segurança social, perante esta diversidade de posições o tribunal deveria ter adoptado a da requerente, até porque o Fundo de Garantia de alimentos notificado para se pronunciar não o fez o que deveria entender-se como aceitação de pagamento da prestação pois caso discordasse teria tomado posição expressa nos autos, o que não fez.

Na análise destes argumentos julgamos necessário esclarecer o equívoco em que labora a recorrente ao afirmar que o elemento essencial, e pelos visto decisivo, para o mérito é o relatório social e, mais ainda, as conclusões que nele sejam expressas pelo técnico que o elabore. E o equívoco reside na circunstância de o relatório ser, como o próprio nome indica, um elemento probatório a ser tomado em consideração pelo tribunal no momento de fixar os factos provados e não uma decisão, sequer acerca de quaisquer factos, quanto mais do direito a aplicar.

Por outro lado, uma segunda inexactidão de raciocínio que se descobre no argumentário da recorrente é a de se considerar que se o FGADM não responde à notificação que lhe foi feita do teor do relatório social se deverá entender que esta falta de oposição confirma de bondade e mérito esse mesmo relatório, numa espécie de efeito cominatório pleno que, mais que dispensar, impediria o tribunal de tomar sobre esse relatório qualquer posição, convertendo-o automaticamente em sentença.

Da mesma maneira que o relatório social é apenas um meio probatório, como antes afirmámos, esta sua natureza não permite, obviamente, que qualquer falta de oposição do FGADM converte em factos provados os que nele se mencionem e, muito menos as conclusões de direito que nele tenham sido fixadas pelo técnico que o elaborou.

Posto isto e recentrando a decisão a proferir nos factos fixados pelo tribunal a quo verificamos que, efectivamente a requerente não beneficia das condições necessárias à intervenção do FGADM em substituição do progenitor incumpridor.

O art. 1º da L. 75/98 de 19/11 estabelece que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189.º do DL n.º 314/78 de 27/10, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

O Tribunal atende à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor pelo que intervindo o Fundo em substituição do seu devedor, a prestação a pagar por si deverá, tendencialmente, ser igual à já fixada judicialmente, ainda que possa estabelecer um montante inferior.

O art. 3º do DL. 164/99 de 13/05 determina que o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfazer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189º do Dl. nº 314/78 de 27/10 e;

b) o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

Para além disso, esse mesmo normativo estatui:

2 – Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.

3 – O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos referidos no número anterior são aferidos nos termos do disposto no DL nº 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei nº 15/2011, de 03 de Maio, e DL. 113/2011, de 29.11, e 133/2012 de 27 de Junho.

4 – Para efeitos de capitação do rendimento do agregado familiar do menor considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.

5 – As prestações a que se refere o nº1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.

Por assim suceder, importa relevar o IAS instituído pela Lei nº 53-B/2006 – que fixa as regras de actualização das pensões e de outras prestações atribuídas pelo ISS, valor que para o ano de 2015 era de €419,22 (na verdade, imutável desde 2009), realidade decorrente, desde logo, do Orçamento de Estado para o ano de 2016.

Como elemento central da decisão temos de determinar a capitação do agregado familiar onde se insere a menor sendo que esta capitação obedece ao estabelecido no art. 6º do DL n.º 70/2010, de 16 de Junho que, referente aos rendimentos de trabalho dependente, estabelece que “Consideram-se rendimentos de trabalho dependente os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei”. E isto significa que se incluem nesse valor o obtido durante um ano, incluindo neles os subsídios de férias e de natal[1].

Assim sendo, e aplicado o coeficiente de capitação do art. 5 do DL.70/2010 que no caso (progenitor e a menor) é de 1.5, resulta que a capitação do agregado familiar da menor é de 488,125, tudo conforme se decidiu na sentença de incumprimento e mais tarde no despacho recorrido.

E assim sendo, porque o valor indexante dos Apoios Sociais é, em 2017, de 421,32 de acordo com o art. 2 da Portaria 4/2017 de 3 de Janeiro, improcedem na totalidade as conclusões de recurso.

… …

Síntese conclusiva

Para o apuramento da capitação a que se reporta o artigo 5º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, devem os rendimentos anuais ilíquidos do trabalho dependente ser divididos pelos 12 meses do ano, independentemente de naquele montante global estarem ou não englobados os subsídios de férias ou de Natal.

Decisão

Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante

Relator: Des. Manuel Capelo

J.A.: Sr. Des. Falcão de Magalhães

J.A.: Sr. Des. Pires Robalo


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[1] Vd. Ac. RL- 9.4.2013 no proc. 1025/09.6TBBRR-A.L1-7 in dgsi.pt onde se sumariza que “Para o apuramento da capitação a que se reporta o artigo 5º do Decreto-Lei nº70/2010, de 16 de Junho, devem os rendimentos anuais ilíquidos do trabalho dependente ser divididos pelos 12 meses do ano, independentemente de naquele montante global estarem ou não englobados os subsídios de férias ou de Natal. “