Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4097/15.0T9CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: RECURSO
DECISÃO INSTRUTÓRIA DE PRONÚNCIA
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO INTERPOSTA, PARA A CONFERÊNCIA, DE DECISÃO SUMÁRIA
Legislação Nacional: ARTS. 308.º, N.º 3, E 310.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: Nos termos do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, não é passível de recurso a decisão que denega o pedido de suspensão provisória do processo quando proferida no âmbito do despacho que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público.
Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo de Instrução 4097/15.0T9CBR da Comarca de Coimbra, Juízo de Instrução Criminal de Coimbra, Juiz 3 foi proferida decisão sumária em 5 de Dezembro de 2018 que rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos, do seguinte teor:

I. Relatório

No processo de Instrução 4097/15.0T9CBR da Comarca de Coimbra, Juízo de Instrução Criminal de Coimbra, Juiz 3, em 17 de Novembro de 2017 foi proferida a seguinte decisão instrutória:

Relatório

O DM do Ministério Público deduziu acusação, requerendo o julgamento em processo comum, e perante tribunal singular, dos arguidos:

- A., sociedade por quotas matriculada sob o NIPC (…), com sede na Rua (…), n.º (…), Loja n.º (…), (…) e com morada para notificação na Rua (…), (…), andar (…), (…);

- B., (…), comerciante, nascido em (…), natural da freguesia de (…), concelho de (…), filho de (…), com morada na Rua (…), (…), andar (…), (…),

Imputando-lhe a prática, ao arguido B., em autoria material, um crime de Abuso de Confiança em Relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 6º nºs I e 2, 107º nºs 1 e 2 e 105° nºs 1, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e pelo artigo 30° nº 2 do Código Penal e por força do disposto no art. 7º, nº 1 do RGIT, a arguida A. incorreu na prática do mesmo ilícito criminal e um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p. e p. no art. 7. º, 107.º, n.º 1 e 2, por referência ao art. 105.º, n.º 1 e 4 da Lei nº 15/2001 de 05 de junho.

Inconformado com tal despacho veio o arguido requerer a abertura da fase da instrução, alegando, em síntese:

- a substituição da acusação pela suspensão provisória do processo por se verificarem os respectivos requisitos legais elencados no artº 281 º do CPP com a

- imposição de injunções que o tribunal entender e que no caso satisfazem as exigências de prevenção , geral e especial , que no caso se fazem sentir;

- tal suspensão provisória deverá ser requerida pela co-arguida, A.;

Foi declarada a abertura da instrução no decurso da qual foi junta pelo arguido documentação de fls. 465 a 468, 481 a 487,405 a 502; 520 a 536 e de fls. 562 a 567, de onde consta do respectivo averbamento registral a constituição de garantia de pagamento de caução no âmbito da SPP dos autos sobre o prédio, Lote de terreno destinado a construção urbana n.º 43 , localizado em (…), inscrito na matriz cadastral das Finanças sob o art.º (…) da freguesia de (…);

A fls. 390 veio o requerente suscitar vício de nulidade de falta de notificação da acusação à sociedade arguida, pois o expediente foi remetido não para a sede da mesma mas para a morada do arguido requerente e sendo que este à data não era o legal representante daquela pelo que a sociedade não se encontra regularmente notificada da acusação. Já em sede de debate instrutório o arguido renunciou à invocada nulidade por ter tido conhecimento de que a sociedade arguida requereu à SS o pagamento da dívida em causa nos autos em 150 prestações sucessivas como aliás lhe é permitido pela lei aplicada.

Procedeu-se à realização do competente debate instrutório não tendo sido requerida qualquer diligência indiciária suplementar e tendo a sociedade arguida junto os elementos documentais de fls. 569 ss;

Saneamento

O Tribunal é competente.

Inexistem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer além da seguinte:

- Da validade da notificação da acusação à sociedade arguida A.

Apesar da renúncia da arguição do vício processual de falta de notificação da acusação cumpre apreciar o mesmo já que se trata de irregularidade da notificação da acusação e constitui vicio de conhecimento oficioso em conformidade com o art.º 123 º do CPP, entre outros, Ac. TRG de 5-11-2007, CJ, 2007, TS, pág.287.

Resulta dos autos através da certidão comercial junta a fls. 328 ss que a arguida A. possui com o legal representante, gerente , desde 12 de Setembro de 2011 até à data (…) e não o requerente . A acusação foi notificada não a esta última mas ao requerente na vertente de representante da sociedade arguida.

Nesta linha e mobilizando a argumentação do Acórdão da Relação do Porto de 20-02-2013 acessível in www.dgsi.pt,O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. O registo constitui presunção de que existe a situação jurídica nos termos em que é definida. Entre outros factos relativos às sociedades comerciais por quotas, como é a recorrente, estão sujeitos a registo os que importem a cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos membros dos seus órgãos de administração. [9] Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, embora quando sujeitos a registo e publicação obrigatória nos termos do n.º 2 do artigo 70.º só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação.

Por outro lado, a notificação das sociedades feitas em processo penal segue as regras privativas dele, complementadas com as resultantes do processo civil quando necessário, mas desde que não contrariem os princípios gerais daquele. Nomeadamente, no que aqui nos interessa, os princípios do processo equitativo e do contraditório.

Ora, é norma constitucional que os arguidos em processo penal têm direito a que as causas em que intervenham sejam objecto de decisão mediante um processo equitativo e que assegure todas as garantias de defesa, incluindo a contraditar, não só na audiência de julgamento mas também nos actos instrutórios que a lei determinar. Quer isto dizer que o processo penal há-de garantir igualdade de armas à acusação e à defesa e uma efectiva oportunidade do arguido de se defender da acusação, o que passa, também, pelo direito de requerer a instrução com vista a comprovação judicial da acusação.

É dentro destes parâmetros que se deve considerar a questão aqui em dissídio. Assim, parece adequado pensar-se que só no caso da acusação deduzida pelo Ministério Público contra uma sociedade comercial por quotas ser notificada a quem efectivamente exerça a gerência se lhe permite o efectivo exercício do direito de defesa. Até porque não raras vezes a renúncia desse cargo tem subjacente um qualquer litígio com a sociedade ou sócios dela o que predispõe a situações adversas aos direitos de defesa da mesma. Daí que se nos afigure mais curial nestes casos em que a sociedade é arguida que a notificação de acusação seja feita a quem efectivamente for o seu gerente, pois que aqui se impõe não propriamente defender terceiros de actos da sociedade praticados por quem já não exerce a gerência da sociedade mas defender permitir a defesa desta de actos de terceiros. Conforme já disse em acórdão da Relação do Porto, «a autora ao propor uma acção judicial contra a ré não pode invocar que é terceiro para efeitos de registo quanto à indicação de quem é o representante legal da sociedade, requerendo que se cite seja quem for que seja ou haja sido membro do Conselho de Administração desta. A função da citação é permitir a defesa do réu contra o pedido formulado pelo autor o que só pode ser efectivamente praticado se à acção for chamada a ré, na pessoa do seu representante legal. Ora o representante legal da ré não parece completamente definido, sendo certo que, claramente não é o agravante, pelo menos com fundamento nos elementos dos autos, a menos que se demonstre que, posteriormente à renúncia que invocou veio ele a ser eleito ou designado, de novo, membro desse Conselho de Administração" E sendo esta solução, de resto, a que melhor se coaduna com os citados princípios do processo penal, naturalmente que a acolheremos.

Em conformidade considera-se regular a notificação da acusação nos termos efectuados pelo MP. Saliente-se que entendimento diferente seria caso o MP tivesse também acusado o legal representante da sociedade, o que não sucedeu pois quanto a este os autos foram arquivados. Tanto mais que a prova testemunhal recolhida em sede de inquérito - fls. 305ss, depoimentos de (…), (…), (…), (…), trabalhadores da empresa em causa no período descrito na acusação referiram de modo peremptório desconhecer por completo a gerente (…) que indicou uma morada sita na Venezuela.

Em todo o caso e mesmo que se partilhasse do entendimento de que a notificação da acusação deveria ter sido efectuada na pessoa de (…), uma vez que dos elementos dos autos resulta que a mesma se encontra com paradeiro desconhecido, tendo voltado à Venezuela sempre o processo teria de seguir em conformidade com o disposto no art.º 283º , n.º 5 do CPP e encontrando-se os direitos da mesma na qualidade de legal representante tutelados pelo instituto da contumácia.

Da suspensão provisória do processo

Concordando-se com o douto Acórdão do STJ, de 13/02/08 (www.dgsi.pt) que:

( ... )

1 - Tendo trazido a Lei n.º 48/2007 alterações significativas ao teor do art. 281.º do CPP (suspensão provisória do processo) é de aplicar imediatamente esta nova redacção ao processo em recurso, à luz do disposto no n.º 1 do art. 5.0 do CPP, por se não verificar qualquer excepção do seu n. º 2. ( ... )

A Exposição de Motivos da respectiva proposta de lei confessa a intenção de «alargar a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso» já fora consubstanciada em outras iniciativas legislativas e regulamentares como da Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17 /2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal)( ... )

A Lei n.º 48/2007, acentuou a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 ao Ministério Público - e na instrução ao JIC - ao substituir a expressão "pode ( ... ) decidir-se( ... ) pela suspensão do processo" por esta outra, claramente impositiva: "oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina ( ... ) a suspensão do processo», mas já assim se devia entender no domínio da redacção dada pela Lei n." 59 /98, mas pretendeu-se afastar a interpretação de que "o pode decidir-se" constituía uma mera faculdade concedida ao Ministério Público a usar discricionariamente e afirmar a interpretação de que verificados os respectivos pressupostos, se impunha ao Ministério Público a suspensão provisória do processo.

Por outro lado, o acrescentamento, no mesmo n.º 1 do art. 281.º do CPP, da expressão "oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente" reforça ainda esta interpretação e dá direitos acrescidos a estes sujeitos processuais, a que hão-de necessariamente corresponder as acções, os expedientes necessários à sua concretização, dentro da garantia de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrada (art. 20.º) e levada ao art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4.0 do CPP: «2. A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.

( ... ) O arguido e o assistente podem, pois, pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo, a qual não pode deixar de ser determinada, se se verificarem os respectivos pressupostos: no decurso do inquérito, ao Ministério Público por requerimento; findo o inquérito, ao juiz de instrução, na "acção" adequada à efectivação desse direito e que só pode, pois, ser constituída pelo requerimento de abertura de instrução em que se pede que se analisem os autos para verificar se se verificam os pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo e que em caso afirmativo se diligencie, além do mais, pela obtenção da concordância do Ministério Público, tal como o impõe o n.º 2 do art. 307.º do CPP, pois só esse requerimento abre a possibilidade ao juiz de instrução de proferir a decisão a que se refere o art. 307.º e que inclui, como se viu, a possibilidade de suspender provisoriamente obtida a concordância do Ministério Público

( ... ) »

O instituto da suspensão provisória do processo é uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal, com o objectivo de, sempre que possível, deve evitar-se os julgamentos com eventuais efeitos socialmente estigmatizantes e penas potencialmente criminógenas. Por outras palavras, a suspensão provisória do processo é uma medida de "diversão com intervenção", sendo expressão do princípio da oportunidade, entendido este como "uma liberdade de apreciação do MP - no caso dos autos por parte do JIC - relativamente ao se da decisão de acusar apesar de estarem reunidos os pressupostos legais (gerais) [ do dito dever]" (Pedro Caeiro, «Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da "justiça absoluta" e o fetiche da "gestão eficiente" do sistema», in RMP nº 84, Out/Dez. 2000, P: 32 ), mas essa liberdade de apreciação do Ministério Público está sujeita, ainda assim, ao princípio da legalidade, embora este se encontre limitado pelo princípio da oportunidade "sendo os tópicos político-­criminais os da intervenção mínima, da não estigmatização do agente, do consenso e da economia processual" (Pedro Caeiro, ob. cit., p. 39; entre outros, Acs. do TC nº 67/2006, DR II de 9/3/2006, nº 116/2006 consultado em www.tribunalconstitucional.pt) e nº 144/2006, DR II de 3/5/2006 ), em que «Privilegiando o diálogo e o consenso», reconduz-se este instituto a um «quadro de ilicitude, culpa e exigências de prevenção de baixa intensidade», assim se viabilizando « o arquivamento do processo, com força de caso julgado material, sem fazer passar o arguido à fase do julgamento (art. 282 nº 3 CPP)"» ( Ana Paula Guimarães, «Da impunidade à impunidade? O crime de maus tratos entre cônjuges e a suspensão provisória do processo», in Liber discipulorum para Figueiredo Dias, pp. 865 e 866.

No caso concreto o MP em sede de instrução deduz oposição à requerida suspensão provisória do processo pelo facto de o arguido requerente enquanto gerente de facto da sociedade arguida já possuir várias condenações em sede criminal como se atesta do registo criminal de fls.27 4, pelos crimes de falsificação de documento, crime de abuso de confiança contra a segurança social , fraude fiscal o que põe em causa as exigências de prevenção geral e especial do caso.

Verifica-se que falta, pois um dos pressupostos para suspensão provisória do processo que se traduz na falta de concordância do MP pelo que não pode ser aplicada.

Fundamentação

Dispõe o artº 286º nº 1 do Código de Processo Penal que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

Por outro lado, determina o artº 283º nº 1 do mesmo diploma que «Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público deduz acusação contra ele».

Sobre o que sejam de considerar indícios suficientes, o artº 283º nº 2 do Código de Processo Penal esclarece que «Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança».

Veio assim o legislador consagrar o entendimento que Já se encontrava jurisprudencialmente sedimentado , de que é paradigma o Ac. da RL de 4 de Novembro de 1981 , Col. Jurisp. T. V, p. 184 e ss, ao referir que são indícios suficientes, « ... os factos ou conjunto de factos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente , e fazem nascer a convicção de que , a manterem-se a julgamento , virá aquele a ser condenado pelo crime que lhe é imputado , importando ter-se em mente , na avaliação em cada caso , dessa suficiência , que não deve o julgador sujeitar o arguido a vexames e despesas inúteis».

Quer-se com isto dizer que, enquanto a condenação, em sede de julgamento, apenas se basta com um juízo de certeza, para efeitos de acusação ou de pronúncia basta um juízo de razoabilidade de ter sido cometido um facto tipicamente ilícito e de determinado agente ter sido o seu autor.

Como refere Germano Marques da Silva (in «Curso de Processo Penal», vol. III, pág. 182- 183), « ... nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e só, indícios, sinais de que o crime foi eventualmente cometido por determinado arguido». As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional do mérito, mas sim mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento.

De tudo o exposto resulta que para a pronúncia, tal como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência do crime, dos quais se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o crime foi praticado pelo arguido.

Dos Indícios

Indica-se com suficiência a factualidade constante da acusação de fls. 340 a 341 que aqui se reproduz.

Motivação

Nos termos do art.º 127º do CPP, sempre que a lei não disponha de modo diverso, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. O princípio da livre apreciação da prova é válido para todas as fases processuais. Não equivale a prova arbitrária. O juiz não pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas. A convicção do juiz não pode ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável.

Ora, embora a decisão do juiz tenha sempre uma convicção pessoal, até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais v. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. 1 , ed. 1974, p. 204, tem sempre de ser fundamentada objectivamente, para permitir o seu controlo, constituindo uma garantia contra a arbitrariedade;

Como refere aquele professor , na ob. Cit, p. 203 , se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há-de ser ... em todo o caso uma convicção objectivável e motivável , portanto , capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável;

No caso vertente e quanto à prova da factualidade indiciária acima referida, uma vez que quanto a tais factos não ocorreu a produção de qualquer outra prova em sede de instrução, tem-se em consideração, a certidão permanente da sociedade arguida de fls. 51 ss.; a participação de notícia de crime de fls. 39 e 40; a notificação para pagamento de fls. 256; - os prints de fls. 76 ss.; o relatório preliminar de fls. 86 e 87; as cópias de declarações para efeitos de IRS, recibos de vencimento e documentos de fls. 132 a 13 7, 150 a 152, 162 a 165 e 172 a 17 4 e ainda o depoimento das testemunhas (…), de fls. 129 ss, (…), de fls. 147ss, de (…), de fls, 159 ss e de (…), de fls. 169ss e que em suma confirmaram os poderes de gestão de facto da empresa por parte do requerente e os pagamentos de salários e dedução das contribuições devidas à segurança social.

Do Crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. arts. 105°-1 e 5 e 107º, todos do RGIT.

Imputa-se, aos arguidos, a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, P: e P: pelo disposto nos artigos 6.º e 107.º, nºs. I e 2, e, por força deste, 105.º, nºs. 1 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro - com referência à jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2010.

Desde logo, cumpre salientar que o art.º 107.º do R.G.I.T. dispõe que "As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do art.º 105.º".

Quer isto significar que uma vez, feita a dedução ou retenção, já a empresa através dos seus representantes não pode utilizar essas quantias a seu belo prazer já que a partir desse momento, fica fiel depositária de quantias pertencentes à Segurança Social, incumbindo-lhe a obrigação de as entregar nos prazos legais.

Saliente-se que a não entrega total ou parcial da prestação tributária ou equiparada traduz-se num acto de fazer sua coisa alheia.

O agente obtém validamente a coisa passando a possui-la ou detê-la licitamente a título precário ou temporário e, posteriormente, passa a alterar o título de posse ou detenção, passando a dispor da coisa como se fosse sua, deixando de a possuir em nome alheio e fazendo entrar a mesma no seu património ou dispondo dela com o propósito de não a restituir, ou seja, não lhe dando destino a que estava ligada.

Assim verifica-se a apropriação da contribuição social, pelo sujeito passivo, equiparado a um fiel depositário, - logo que o agente que esteja legalmente obrigado a entregar à Segurança Social a contribuição social que deduziu e não entregue tal prestação, total ou parcialmente. Basta pois a simples não entrega das contribuições que lhe são devidas por parte da entidade empregadora (cf. Alfredo Sousa, Infracções Fiscais Não Aduaneiras, Y ed., pág.129),

Note-se que, para o efeito, a apropriação não tem de ser necessariamente material, podendo ser apenas contabilística.

Como se decidiu no douto Acórdão da Relação do Porto de 20-06-2012 relatado pela Exmª Juiz desembargadora Drª Maria Leonor Esteves acessível in www.dgsi.pt: A apropriação implícita no tipo legal de crime "não tem de ser necessariamente material, podendo ser, como quase sempre é, apenas contabilística" e "verifica-se com a não entrega das contribuições à segurança social e respectiva afectação a finalidades diferentes, por parte da entidade empregadora".

Em conformidade a lei basta-se com o vencimento do crédito a favor do trabalhador para que “ope legis” seja devida a contribuição à Segurança Social nos respectivos prazos, e isto independentemente de posteriormente ocorrer o acto material de pagamento dos respectivos salários ou não. Acresce que eventuais convenções contratuais da suspensão do pagamento do salário devido é inoponível ao Instituto da Segurança Social. E isto pelo carácter indisponível de tais prestações sociais, porque não se está perante a tutela penal de um direito de crédito.

Como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-1-2000, no recurso 759 /2000, 1 ª Secção , relatado pelo Exmº Juiz Desembargador, Dr. Manuel Braz, o Estado como que confiou aos arguidos a recolha de impostos, no caso de abuso de confiança ao fisco, e os arguidos aproveitando-se da situação, logo que tiveram os respectivos montantes em seu poder, apropriaram-se deles, dando-lhe um destino diverso da lei. Violaram, pois uma relação de confiança que resulta da lei, considerações que valem para o abuso de confiança à Segurança Social;

Trata-se de uma relação caracterizada como de racionalidade técnica, de confiança fundada na lei v. Alfredo José de Sousa e Augusto Silva Dias ( Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários», II, pp. 169,276 e 461.

Por outro lado, repare-se que quer o sistema fiscal, quer o sistema da segurança social não visa apenas arrecadar receitas , mas tem igualmente em vista, e sobretudo, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a diminuição das desigualdades entre os cidadãos - art. º 103 e 104 da CRP, e garantir que determinadas receitas garantam o cumprimento de prestações sociais, muitas das vezes ligadas à própria dignidade da pessoa humana que lhe permita garantir a sua existência na adversidade, como seja acautelar a prestação da assistência médica, subsídio de desemprego , e ainda futura reforma dos trabalhadores;

Salienta a Profª Anabela Miranda Rodrigues, Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, II, p. 481 «É sabido que ao Estado, hoje, cabe assegurar ao cidadão não só a liberdade de ser como a liberdade para o ser. E a satisfação das prestações necessárias à existência do indivíduo em sociedade deve ser garantida pelo Estado ao mesmo nível que a protecção dos seus direitos fundamentais , quando estiver em causa a lesão ou perigo de lesão dos interesses ou valores aí contidos - o que vale por dizer ao nível penal , bens jurídicos dignos desta protecção são na verdade, tanto aqueles que surgem como concretização de valores jurídico constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização económica , como os que surgem como concretização de valores ligados aos direitos, liberdades e garantias.»

Assim, os tipos legais descritos pelo legislador na incriminação do abuso de confiança quer ao Fisco , quer à Segurança Social , não podem ser vistos como a tutela penal de simples direitos de crédito , mas antes de uma relação de confiança que se analisa por um dever de dar o destino previsto na lei a determinadas quantias devidas ao fisco ou à segurança social , que são destinadas pelo Estado na salvaguarda de direitos constitucionais dos contribuintes e dos trabalhadores , que constituem bens jurídicos fundamentais da comunidade, e que face à sua especial importância na satisfação de necessidades e direitos fundamentais para estes, justifica a sua criminalização como garantia da efectivação dos mesmos , com ressonância ética e comunitária;

Como refere o Prof Claus Roxin citado por Figueiredo Dias e Costa Andrade, RPCC, Ano 6º, vol. Iº, p. 76, «Num Estado de Direito, social e democrático, a assunção pelo Estado da realização do bem-estar - social através da concretização de uma democracia económica, social e cultural, com respeito pelos direitos liberdades fundamentais, legitima-se pela necessidade de garantir a todos uma existência em condições de dignidade. A realização destas exigências não só confere ao imposto um carácter de meio privilegiado ao dispor de um Estado de Direito para assegurar as necessárias prestações socais, como também alarga o âmbito do que é digno de tutela penal.»

De facto, um Estado para poder cumprir as tarefas que lhe incumbem tem de recorrer a meios que só pode exigir dos seus cidadãos. Esses meios ou instrumentos de realização das suas finalidades são os impostos, cuja cobrança é condição da posterior satisfação das prestações sociais, pelo que se compreende que o dever de pagar impostos seja um dever fundamental e que a sua violação , essencial para a realização dos fins do Estado possa ser protegido pela tutela criminal, pois não se trata da violação de um simples crédito - cfr. Casalta Nabais, « O dever Fundamental de Pagar impostos, 1998, p. 186 ss. considerações que valem de igual modo para as contribuições devidas à Segurança Social onde se tutelam bens como a defesa no desemprego, assistência social.

No caso concreto dos autos para que as contribuições pertencentes à Segurança Social passem a ser legalmente devidas, como já referido, a tanto basta com a realização da prestação laboral e o seu vencimento mensal o que se comprova nos factos indiciados.

Comprova-se a existência de declarações de remunerações encontrando-se assim verificados os elementos objectivos do crime em questão.

No que tange ao elemento subjectivo do crime basta-se com o dolo do agente abarque os elementos típicos, o que em face das considerações que foram feitas se comprova a existência de dolo directo - cfr. art. 14º, n.º 1, do Código Penal. Resulta, pois que os arguidos se encontram incursos na prática do crime de abuso de confiança devido à Segurança Social.

No caso concreto, a ponderação dos elementos de prova indiciária constantes dos autos apontam no sentido de se considerar mais provável, ou altamente provável, a condenação da sociedade arguida e do arguido se sujeitos a julgamento do que a sua absolvição o que justifica a sua submissão a julgamento pelos alegados factos- cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 197 4, p. 133.

Decisão

Pelo exposto, declaro encerrada a instrução e decido:

pronunciar em processo comum, para julgamento com intervenção do Tribunal Singular:

- A., sociedade por quotas matriculada sob o NIPC (…), com sede na Rua (…), n.º (…), Loja n.º (…), (…) e com morada para notificação na Rua (…), (…), andar (…), (…);

- B., (…), comerciante, nascido em (…), natural da freguesia de (…), concelho de (…), filho de (…) e (…), com morada na Rua (…), (…), andar (…), (…),

Pelos factos constantes da acusação de fls. 340 a 341 que aqui se dão por integralmente reproduzidos em conformidade com o art. 0 3 07º, n. º 1 do CPP.

Pelo exposto, cometeu o arguido B., em autoria material, um crime de Abuso de Confiança em Relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 6° nºs 1 e 2, 107º nºs 1 e 2 e 105º nºs 1, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e pelo artigo 30º nº 2 do Código Penal.

Em face do disposto no art. 7°, nº 1 do RGIT, a arguida (…) incorreu na prática do mesmo ilícito criminal.

Prova:

(…).

Em 18 de Dezembro de 2017 foi proferido o seguinte despacho incidente sobre requerimentos dos arguidos:

Veio o arguido B. arguir as seguintes nulidades:

- nulidade insanável prevista no art.º 119º alínea d) do CPP, nulidade prevista no art.º 120º, n.º 2 alínea d) do CPP e nulidade insanável prevista no art.º 119º alínea a) relativa a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal, com os fundamentos que aqui dou por reproduzidos.

Notificada, a DM do MP pronunciou-se a fls. 602 pelo seu indeferimento com os fundamentos que aqui se reproduzem.

Cumpre apreciar e decidir:

No que concerne à nulidade insanável prevista no art.º 119º alínea d) do CPP por falta de instrução a mesma analisa-se na omissão de instrução quando foi requerida por quem dispunha de legitimidade - cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, P: 310 e Acórdão do STJ de 2.2. 94 , in BMJ , n. º 434 p. 423.

No caso concreto foi determinada a abertura de instrução, realização de notificações, junção de documentos e realização de debate instrutório e foi proferida decisão instrutória.

Igualmente foi realizado o debate instrutório e teve-se em consideração o exarado em acta, ao contrario do alegado como se atesta da decisão instrutória pelo que também não se verifica qualquer nulidade.

O arguido B. requereu a abertura de instrução invocou a nulidade de acusação em conformidade com fls. 427, por já não ser o legal representante da sociedade arguida à data das notificações. Em sede de debate instrutório veio o ilustre advogado que representa o requerente renunciar à arguição de tal nulidade. Mas o ilustre defensor da sociedade arguida em debate instrutório nada disse quanto à regularidade da notificação da sociedade e o que estava em causa era a regularidade da notificação da acusação pública à co-arguida sociedade A. e daí que se tenha tomado conhecimento de tal questão por, como se refere na decisão, se estar perante vício de conhecimento oficioso. Não existiu, pois qualquer excesso de pronúncia nem prévia elaboração de decisão.

Igualmente cumpre referir que foi só o arguido que requereu a abertura da instrução requerendo a suspensão provisória do processo. O MP em sede de debate pronunciou-se no sentido de não concordar com a mesma uma vez que o requerente já tinha condenações pela prática do mesmo crime. Acresce que em sede de despacho que antecede a acusação, logo aí o MP tomou posição quanto aos dois arguidos sustentando que não optaria pela suspensão provisória em face do valor em dívida à segurança social e dos antecedentes do arguido - cfr. fls. 339, posição do MP que não sofreu alteração em sede de debate instrutório pelo que inexiste qualquer omissão de pronúncia.

Já em sede de debate instrutório a sociedade arguida limitou-se a juntar cópia de um requerimento que foi dirigido ao IGFSS em que requer o pagamento das dividas fiscais dos PEF em 150 prestações e sucessivas e a admissão da prestação de garantia, e cópia da hipoteca unilateral e nos termos que aqui se reproduz, não requerendo expressamente a SPP.

Em todo o caso, evidencia-se, que o MP deduziu oposição à suspensão provisória do processo, como já referido, seja a título da sociedade arguida ou do requerente da instrução, em face dos valores em divida à segurança social serem elevados - supostamente exigências de prevenção geral - e ainda pelo facto deste último já ter sido condenado por crimes idênticos. Note­-se que mesmo que uma sociedade arguida não possuía antecedentes criminais o facto do seu gerente de facto possuir condenações por factos idênticos, permite concluir que as exigências de prevenção geral do caso obstem à suspensão provisória do processo.

Confirma-se, pois a falta de concordância do MP com a suspensão provisória do processo pelo que falta um dos requisitos legais para a suspensão provisória do processo, seja a título da sociedade arguida seja a título do arguido requerente.

Por fim, alega o requerente que se verifica nulidade insanável do processo prevista no art.º 119º alínea a), por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal decorrentes dos art.ºs 17º e 53º do Código de Processo Penal e do art.º 206º, n.º 1, alínea a) e b) do CPCivil devido ao facto de o processo ter ficado indevidamente retido no DIAP após o despacho de encerramento de inquérito e apesar da prolação de acusação como se estivesse ainda nessa fase, sendo portanto nulas as notificações subsequentes, pois o MP já não dispunha de competência para a realização das mesmas, e tendo sido impedida a distribuição ao juiz competente.

As notificações do despacho da acusação são realizadas pelos serviços do MP e o processo só poderá transitar para o juiz de instrução caso esta seja requerida, pois constitui uma fase facultativa. Uma vez decorrido o prazo legal e não sendo requerida a abertura da instrução o processo é distribuído ao juiz de julgamento. Assim incumbe aos serviços do MP aguardar que seja requerida a abertura da instrução e só nesse caso remeter o processo para o juiz de instrução. Uma vez decorrido o prazo legal e não tendo sido requerida a instrução então o MP deve remeter o processo para a fase de julgamento.

Assim, e salvo melhor opinião não se vislumbra a existência de qualquer nulidade das invocadas.

A sociedade arguida veio a fls. 599 arguir os mesmos vícios processuais do requerente, nos termos que aqui se reproduz.

O MP pronunciou-se pelo seu indeferimento. Cumpre apreciar e decidir:

Mais uma vez se reitera que a sociedade arguida não requereu a abertura da instrução e que o MP logo em despacho de inquérito tomou posição no sentido de não optar pelas SPP em face dos valores elevados em causa e dos antecedentes do arguido requerente. Em sede de instrução o MP não alterou a sua posição pelo que continua a faltar um dos requisitos para a suspensão provisória seja da sociedade seja do arguido requerente.

Igualmente não se verifica qualquer nulidade de falta de instrução ou insuficiência desta.

No que concerne à nulidade insanável prevista no art.º 119º alínea d) do CPP por falta de instrução a mesma analisa-se na omissão de instrução quando foi requerida por quem dispunha de legitimidade - cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, p. 310 e Acórdão do STJ de 2.2. 94, in BMJ, n. º 434 P: 423.

No caso concreto foi determinada a abertura de instrução, realização de notificações, junção de documentos e realização de debate instrutório e foi proferida decisão instrutória.

Igualmente da acta de debate instrutório não resulta que o MP tenha alterado a sua posição quanto à SPP já exarada no despacho de encerramento de inquérito.

Por fim, alega a sociedade arguida que se verifica nulidade insanável do processo prevista no art.º 119º alínea a), por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal decorrentes dos art.ºs 17° e 53º do Código de Processo Penal e do art. º 206º, n. º 1 , alínea a) e b) do CPCivil devido ao facto de o processo ter ficado indevidamente retido no DIAP após o despacho de encerramento de inquérito e apesar da prolação de acusação como se estivesse ainda nessa fase , sendo portanto nulas as notificações subsequentes , pois o MP já não dispunha de competência para a realização das mesmas , e tendo sido impedida a distribuição ao juiz competente .

As notificações do despacho da acusação são realizadas pelos serviços do MP e o processo só poderá transitar para o juiz de instrução caso esta seja requerida pois constitui uma fase facultativa. Uma vez decorrido o prazo legal e não sendo requerida a abertura da instrução o processo é distribuído ao juiz de julgamento. Assim incumbe aos serviços do MP aguardar que seja requerida a abertura da instrução e só nesse caso remeter o processo para o juiz de instrução. Uma vez decorrido o prazo legal e não tendo sido requerida a instrução então o MP deve remeter o processo para a fase de julgamento.

Assim, e salvo melhor opinião não se vislumbra a existência de qualquer das nulidades das invocadas.

Notifique.

Inconformados com a decisão judicial de 17 de Novembro de 2017 (a decisão instrutória) dela recorreram os arguidos.

O arguido A. formulou as seguintes conclusões:

A. O despacho do Tribunal a quo de 17 de Novembro de 2017, objecto do presente Recurso, é revelador da desatenção, por aquele Tribunal, do debate instrutório, contrariando factos (requerimentos dos arguidos e declarações da Senhora Procuradora da República junto daquele Tribunal) absolutamente evidentes e irrefutáveis, bem como da desconsideração do vertido na respectiva acta.

B. A omissão de decisão, pelo Tribunal de 1 ª Instância, sobre o pedido de suspensão provisória do Processo apresentado pela co-Arguida do Recorrente configura nulidade por omissão de pronúncia, susceptível de ser invocada e sanada por este Tribunal da Relação.

C. O pedido de suspensão provisória do Processo apresentado pela co-Arguida do Recorrente, ao qual não se opôs o Ministério Público, por se mostrarem cumulativamente verificados os pressupostos consagrados no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, deveria ter sido deferido pelo Tribunal de 1 a Instância.

D. Ao não ter decidido como indicado na alínea C. precedente, incorreu o Tribunal a quo em violação:

a. Do dever de decisão, consagrado nos artigos 202.º, n.º 2 da Constituição da República e 2.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

b. Do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aplicável por força do artigo 307.º, n.º 2 do mesmo diploma legal; e

c. Do direito do acesso ao Direito e aos Tribunais, garantido no artigo 20.º, n.º 1 da Lei Fundamental e ainda do direito a um processo equitativo com abrigo constitucional, concretamente, no n.º 4, parte final, do citado artigo 20.º da Lei Fundamental e também no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6. 0 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

E. Mal andou o Tribunal de 1 ª Instância quando decidiu indeferir o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pelo Recorrente, com fundamento na falta de concordância do Ministério Público, falta de concordância que terá tido dois motivos, a saber: o carácter elevado dos valores devidos à Segurança Social e a anterior condenação do Recorrente por crimes idênticos.

F. O Juiz de Instrução Criminal não pode / nem deve sujeitar-se cegamente à opinião do Ministério Público sobre o pedido de suspensão provisória do Processo que seja àquele formulado.

G. Impende sobre o Juiz de Instrução Criminal o dever de analisar criteriosamente o pedido que, no sentido da suspensão provisória do Processo, lhe seja formulado e, se entender que se verificam os pressupostos cumulativos consagrados no artigo 281.º, n.? 1 do Código de Processo Penal, deverá cuidar de obter a concordância do Ministério Público.

H. Tal análise criteriosa pelo Juiz de Instrução Criminal foi totalmente omitida, no caso dos autos, em que aquele Magistrado se limitou a, sem mais - sem qualquer ponderação dos fundamentos esgrimidos pelo Recorrente e ainda pela sua co-Arguida, para obter a suspensão provisória do Processo - a indeferir o pedido formulado com o pretexto da falta de concordância do Ministério Público, falta de concordância que se afigura particularmente grave porque absolutamente desprovida de qualquer fundamento legal válido.

I. Inexiste qualquer preceito legal do qual se alcance - em geral, para qualquer tipo de crime, ou, em particular, para o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social - que o carácter elevado do valor devido pelo arguido, se traduza de per se num impedimento à concessão da suspensão provisória do Processo ou seja revelador de particulares / especiais exigências de prevenção geral não susceptíveis de serem satisfeitas, no caso de não sujeição do arguido a julgamento e de opção pela alternativa da suspensão provisória do Processo.

J. Inexiste qualquer preceito legal do qual se alcance que a anterior condenação de co-arguido do arguido requerente da concessão da suspensão provisória do Processo seja causa de indeferimento do pedido, nesse sentido, formulado por este último.

K. A anterior condenação do Recorrente por crimes da mesma natureza do imputado nestes autos, não podia ter pesado na decisão sobre a suspensão provisória do Processo que, quando foi decidida, já tinha sido formalmente requerida por ambos os Arguidos, embora em momentos diferentes.

L. No caso sub iudice, verificam-se os pressupostos cumulativos previstos no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal para a suspensão provisória do Processo.

M. O Requerimento apresentado pela co-Arguida do Recorrente, em 24 de Março de 2017, dirigido à Secção de Processos Executivos do Porto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., solicitando o pagamento da dívida em causa, nestes autos, em cento e cinquenta prestações e a concomitante constituição de hipoteca voluntária unilateral, à ordem dos presentes autos, sobre prédio urbano, livre e desonerado, composto por terreno para construção, designado como Lote de terreno destinado a construção urbana n.º 43, localizado em Vale do Mouro, inscrito na matriz cadastral das Finanças sob o artigo 3136.º da freguesia de Oliveira do Bairro, com o valor patrimonial tributário de € 105.540,00, determinado no ano de 2015, valor suficiente para acautelar os créditos da Segurança Social, são elementos acrescidos a reforçar uma decisão de deferimento da suspensão provisória do Processo, acautelando suficientemente às exigências de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir, existindo fundadas razões para prever que a injunção proposta, bastaria para alertar os Arguidos para a validade da ordem jurídica.

N. No(s) despacho(s) objecto do presente Recurso, incorreu o Tribunal a quo em violação:

a. Do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aplicável por força do artigo 307.º, n.º 2 do mesmo diploma legal;

b. Do princípio da independência dos tribunais, consagrado nos artigos 203.º da Constituição da República e 4.º, n.º 1 e 22.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

e. Do dever que impende sobre os tribunais no sentido do cumprimento estrito da lei, previsto nos artigos 202.º, n.º 2 da Constituição da República e 4.º, n.º 1 e 22.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

d. Do disposto no artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, do qual se alcança a inadmissibilidade legal de interpretações normativas que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; e

e. Do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente, consagrado nos artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República, 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 24.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

Termos em que se pede a vossas excelências:

1. A revogação do despacho do juízo de instrução criminal de Coimbra juiz 3), de 17 de Novembro de 2017, objecto do presente recurso, através do qual aquele tribunal desatendeu o pedido de suspensão provisória do processo formulado pela co-arguida do ora recorrente e indeferiu o pedido de suspensão provisória do processo formulado por este último, despacho do qual resulta complementar o datado do 18 de Dezembro de 2017, que decidiu diversas nulidades arguidas por ambos os arguidos e que o recorrente considera parte integrante daquele despacho de 17 de Novembro de 2017.

2. A prolação de decisão de suspensão provisória de processo, nos termos requeridos pelo recorrente e pela sua co-arguida, A..

Sendo feita, desta forma, a costumada justiça!

A arguida A. formulou as seguintes conclusões:

O. O despacho do Tribunal a quo de 17 de Novembro de 2017, objecto do presente Recurso, é revelador da desatenção, por aquele Tribunal, do debate instrutório, contrariando factos (requerimentos dos arguidos e declarações da Senhora Procuradora da República junto daquele Tribunal) absolutamente evidentes e irrefutáveis, bem como da desconsideração do vertido na respectiva acta.

P. A omissão de decisão, pelo Tribunal de 1 a Instância, sobre o pedido de suspensão provisória do Processo apresentado pela Recorrente configura nulidade por omissão de pronúncia, susceptível de ser invocada e sanada por este Tribunal da Relação.

Q. O pedido de suspensão provisória do Processo apresentado pela Recorrente, ao qual não se opôs o Ministério Público, por se mostrarem cumulativamente verificados os pressupostos consagrados no artigo 281.º, n.? 1 do Código de Processo Penal, deveria ter sido deferido pelo Tribunal de 1 a Instância.

R. Ao não ter decidido como indicado na alínea C. precedente, incorreu o Tribunal a quo em violação:

a. Do dever de decisão, consagrado nos artigos 202.º, n.º 2 da Constituição da República e 2.0 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto; e

b. Do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aplicável por força do artigo 307.º, n.º 2 do mesmo diploma legal; e

c. Do direito do acesso ao Direito e aos Tribunais, garantido no artigo 20.º, n.º 1 da Lei Fundamental e ainda do direito a um processo equitativo com abrigo constitucional, concretamente, no n.º 4, parte final, do citado artigo 20.º da Lei Fundamental e também no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6. º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

S. Mal andou o Tribunal de 1 ª Instância quando decidiu indeferir o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pelo co-Arguido da ora Recorrente, B., com fundamento na falta de concordância do Ministério Público, falta de concordância que terá tido dois motivos, a saber: o carácter elevado dos valores devidos à Segurança Social e a anterior condenação do co-Arguido da Recorrente por crimes idênticos.

T. O Juiz de Instrução Criminal não pode / nem deve sujeitar-se cegamente à opinião do Ministério Público sobre o pedido de suspensão provisória do Processo que seja àquele formulado.

U. Impende sobre o Juiz de Instrução Criminal o dever de analisar criteriosamente o pedido que, no sentido da suspensão provisória do Processo, lhe seja formulado e, se entender que se verificam os pressupostos cumulativos consagrados no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, deverá cuidar de obter a concordância do Ministério Público.

V. Tal análise criteriosa pelo Juiz de Instrução Criminal foi totalmente omitida, no caso dos autos, em que aquele Magistrado se limitou a, sem mais - sem qualquer ponderação dos fundamentos esgrimidos pelo co-Arguido da Recorrente, B., e ainda por aquela, para obter a suspensão provisória do Processo - a indeferir o pedido formulado com o pretexto da falta de concordância do Ministério Público, falta de concordância que se afigura particularmente grave porque absolutamente desprovida de qualquer fundamento legal válido.

W. Inexiste qualquer preceito legal do qual se alcance - em geral, para qualquer tipo de crime, ou, em particular, para o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social - que o carácter elevado do valor devido pelo arguido, se traduza de per se num impedimento à concessão da suspensão provisória do Processo ou seja revelador de particulares / especiais exigências de prevenção geral não susceptíveis de serem satisfeitas, no caso de não sujeição do arguido a julgamento e de opção pela alternativa da suspensão provisória do Processo.

X. Inexiste qualquer preceito legal do qual se alcance que a anterior condenação de co-arguido do arguido requerente da concessão da suspensão provisória do Processo seja causa de indeferimento do pedido, nesse sentido, formulado por este último.

Y. As condenações do co-Arguido da Recorrente por crimes da mesma natureza do imputado nestes autos, não podiam ter pesado na decisão sobre a suspensão provisória do Processo que, quando foi decidida, já tinha sido formalmente requerida por ambos os Arguidos, embora em momentos diferentes.

Z. No caso sub iudice, verificam-se os pressupostos cumulativos previstos no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal para a suspensão provisória do Processo.

AA. O Requerimento apresentado pela Recorrente, em 24 de Março de 2017, dirigido à

Secção de Processos Executivos do Porto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., solicitando o pagamento da dívida em causa, nestes autos, em cento e cinquenta prestações e a concomitante constituição de hipoteca voluntária unilateral, à ordem dos presentes autos, sobre prédio urbano, livre e desonerado, composto por terreno para construção, designado como Lote de terreno destinado a construção urbana n.º 43, localizado em Vale do Mouro, inscrito na matriz cadastral das Finanças sob o artigo 3136.º da freguesia de Oliveira do Bairro, com o valor patrimonial tributário de € 105.540,00, determinado no ano de 2015, valor suficiente para acautelar os créditos da Segurança Social, são elementos acrescidos a reforçar uma decisão de deferimento da suspensão provisória do Processo, acautelando suficientemente às exigências de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir, existindo fundadas razões para prever que a injunção proposta, bastaria para alertar os Arguidos para a validade da ordem jurídica.

BB. No(s) despacho(s) objecto do presente Recurso, incorreu o Tribunal a quo em violação:

a. Do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aplicável por força do artigo 307.º, n.º 2 do mesmo diploma legal;

b. Do princípio da independência dos tribunais, consagrado nos artigos 203.º da Constituição da República e 4.º, n.º 1 e 22.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

c. Do dever que impende sobre os tribunais no sentido do cumprimento estrito da lei, previsto nos artigos 202.º, n.º 2 da Constituição da República e 4.º, n.º 1 e 22.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

d. Do disposto no artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, do qual se alcança a inadmissibilidade legal de interpretações normativas que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; e

e. Do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente, consagrado nos artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República, 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 24.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

Termos em que se pede a vossas excelências:

3. A revogação do despacho do juízo de instrução criminal de Coimbra - Juiz 3, de 17 de Novembro de 2017, objecto do presente recurso, através do qual aquele tribunal desatendeu o pedido de suspensão provisória do processo formulado pela ora recorrente e indeferiu o pedido de suspensão provisória do processo formulado pelo seu co-arguido, B., despacho do qual resulta complementar o datado do 18 de Dezembro de 2017, que decidiu diversas nulidades arguidas por ambos os arguidos e que a arguida considera parte integrante daquele despacho de 17 de Novembro de 2017.

4. A prolação de decisão de suspensão provisória de processo, nos termos requeridos pela recorrente e pelo seu co-arguido, B..

Sendo feita, desta forma, a costumada justiça!

O Mmº Juiz a quo, entendendo que os recursos incidem sobre o despacho de indeferimento de nulidades (despacho de 18.12.2017 acima transcrito) admitiu o recurso interposto.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que os recursos devem improceder.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, os arguidos responderam, reafirmando os argumentos dos recursos.

Efectuado o exame preliminar verificou-se existir motivo para rejeição dos recursos, o que determina a prolação de decisão sumária (artigo 417º, nº 6, alínea b) do Código de Processo Penal).

 

II. Apreciação

Os requerimentos de recurso não suscitam qualquer dúvida no sentido de que os arguidos recorrem da decisão instrutória proferida que apelidam de despacho de 17-11- 2017 e não do despacho posterior que conheceu de nulidades que arguiram. O pedido formulado apenas se compagina com recurso dessa mesma decisão.

Ora, nos termos do artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal “a decisão instrutória que pronunciar o arguido nos termos do artigo 283º ou do nº 4 do artigo 285º, é irrecorrível ( ... )” como ocorre no caso.

Anote-se que o T.C. no seu Acórdão nº 235/2010 se pronunciou no sentido de que não é inconstitucional a interpretação dos artigos 281º, nº 5, 307º, nº 2, 310º, nº 2 e 399º segundo a qual é irrecorrível a decisão de denegação de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo quando inserta na decisão instrutória de pronúncia.

Anote-se ainda que nos termos do artigo 414º, nº 3 do Código de Processo Penal a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.

Em suma, a decisão que foi objecto de recurso não é recorrível o que determina a rejeição dos recursos nos termos dos artigos 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, com a condenação de cada um dos recorrentes em importância entre 3 e 10 UC nos termos do nº 3 do referido artigo 420º.


***

IV. Decisão

Nestes termos decide-se rejeitar os recursos interpostos, condenando cada um dos recorrentes na importância de quatro UC.

Inconformado com a rejeição do recurso, o recorrente B. reclamou para a conferência alegando o seguinte:

1.º

Através do Recurso interposto pelo Recorrente, rejeitado pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora, através da decisão singular antes aludida, pretendeu o Recorrente impugnar o despacho proferido, no Juízo de Instrução Criminal de Coimbra (Juiz 3), em 17 de Novembro de 2017, através do qual aquele Tribunal indeferiu o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pelo Recorrente e desatendeu o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pela sua co-Arguida, A., despacho do qual resulta complementar o datado de 18 de Dezembro de 2017, do mesmo Juízo de Instrução Criminal, que decidiu sobre o pedido, formulado por ambos os arguidos, de verificação e declaração de diversas nulidades cometidas no dito despacho 17 de Novembro de 2017, despacho de 18 de Dezembro de 2017 que o Recorrente considera parte integrante daquele outro de 17 de Novembro de 2017.

2.º

No entendimento do Recorrente, o despacho recorrido que, como supra exposto se reconduz à conjugação dos despachos de 17 de Novembro e de 18 de Dezembro de 2017, do Juízo de Instrução Criminal de Coimbra (Juiz 3), foi proferido em manifesta violação:

a) Do dever de decisão, consagrado nos artigos 202.0, n.º 2 da Constituição da República e 2.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

b) Do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aplicável por força do artigo 307.º, n.º 2 do mesmo diploma legal;

c) Do princípio da independência dos tribunais, consagrado nos artigos 203.º da Constituição da República e 4.º, n.º 1 e 22.º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto;

d) Do dever que impende sobre os tribunais no sentido do cumprimento estrito da lei, previsto nos artigos 202.0, n.º 2 da Constituição da República e 4.0, n.º 1 e 22.º, ambos da Lei n.0 62/2013, de 26 de Agosto;

e) Do disposto no artigo 9.0, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, do qual se alcança a inadmissibilidade legal de interpretações normativas que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;

f) Do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente, consagrado nos artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República, 97.°, n.º 5 do Código de Processo Penal e 24.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto; e

g) Do direito do acesso ao Direito e aos Tribunais, garantido no artigo 20.0, n.º 1 da Lei Fundamental e ainda do direito a um processo equitativo com abrigo constitucional, concretamente, no n.º 4, parte final, do citado artigo 20.º da Lei Fundamental e também no artigo 10.0 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.0 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

3.º

Violações essas que o Recorrente pretendia (e pretende) que sejam reconhecidas e declaradas, com todas as consequências legais pertinentes, através do presente Recurso;

4.º

Que - com o devido respeito pelo entendimento da Senhora Juíza Desembargadora Relatora, perfilhado na sua decisão de 05 de Dezembro de 2018, submetida, ora, à apreciação e escrutínio da conferência - o Recorrente considera interposto de decisão recorrível.

Vejamos,

5.º

Em primeiro lugar, deverá esclarecer-se que, através do Recurso interposto, rejeitado, não se pretendeu apenas impugnar o despacho do Tribunal a quo de 17 de Novembro de 2017, mas, também o despacho dele complementar proferido, em 18 de Dezembro de 2017, que decidiu sobre o pedido de verificação e declaração de nulidades cometidas naquele primeiro despacho, formulado pelo Recorrente;

6.º

Tendo, no entendimento do Recorrente, ambos os despachos passado a ser considerados como uma única decisão, passível de impugnação no seu todo;

7.º

Relativamente à qual não se encontra prevista a sua irrecorribilidade.

Acresce,

8.º

Mesmo que se admitisse que o Recurso interposto tinha como objecto apenas o despacho do Tribunal a quo de 17 de Novembro de 2017, o que, todavia, não se admite e apenas se equaciona por hipótese académica, treino de raciocínio e excesso de cautela de patrocínio judiciário;

Deveríamos atentar no seguinte;

9.º

Tal despacho - através do qual o Tribunal a quo indeferiu o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pelo Recorrente e desatendeu o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pela sua co-Arguida, A. - é passível de recurso.

Vejamos,

10.º

O despacho de 17 de Novembro de 2017, através do qual o Tribunal de 1ª Instância, indeferiu o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pelo Recorrente e desatendeu o pedido de suspensão provisória do Processo formulado pela sua co-Arguida, A., não coincide, nem se reconduz, à decisão instrutória de pronúncia, da qual, nem o Recorrente, nem a sua co-Arguida, interpuseram recurso.

11.º

O dito despacho de 17 de Novembro de 2017 encontra-se bem demarcado, separado e delimitado, formal e materialmente, da dita decisão instrutória, com a mesma não se confundindo.

12.º

Não resulta admissível uma eventual alegação de incindibilidade entre a decisão instrutória de pronúncia e a decisão que indeferiu o pedido de suspensão provisória do processo, uma vez que as mesmas versam sobre matérias distintas e, isto, independentemente de se encontrarem documentadas na mesma peça processual.

13.º

No caso concreto dos autos, na peça processual do Juízo de Instrução Criminal de Coimbra (Juiz 3), de 17 de Novembro de 2017, encontram-se documentados diversos despachos, entre os quais, o de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo e o de pronúncia dos arguidos, perfeitamente distinguíveis, com total autonomia entre si.

14.º

A decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo não se confunde com a decisão de pronúncia;

15.º

Na lei penal adjectiva, não se encontra prevista a irrecorribilidade da decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo.

16.º

Pelo que deveria (deverá) sempre valer, a este propósito, plenamente a regra geral da recorribilidade das decisões judiciais que não sejam de mero expediente;

17.º

E concluir-se pela admissibilidade do Recurso.

Acresce,

18.º

A decisão de indeferimento de pedido de suspensão provisória do processo é sempre passível de recurso, quer seja proferida na fase de inquérito, quer na fase de instrução, conforme se alcança da aplicação do princípio geral da recorribilidade dos actos processuais, plasmado no artigo 399.º do Código de Processo Penal e de uma interpretação a contrario sensu do disposto no artigo 281.º, n.º 6 do mesmo diploma legal, aplicável, em sede de fase instrutória, ex vi do artigo 307.0, n.º 2 da lei penal adjectiva.

19.º

As alterações introduzidas ao citado artigo 281.º, pela Lei n.º 48 de 29 de Agosto de 2007, foram no sentido de alargar a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, pelo que não faria sentido restringir o direito ao recurso da decisão que o denegue.

20.º

Na previsão do artigo 310.0, n.º 1 do Código de Processo Penal, invocado pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora, consagra-se a irrecorribilidade da decisão instrutória, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.

Ora,

21.º

O processo de apreciação, análise e decisão do pedido de suspensão provisória do processo não é documentado na decisão instrutória;

22.º

Nem o pedido de suspensão provisória do processo configura questão prévia ou incidental, passível de ser enquadrada na aludida previsão legal (do artigo 310.0, n.º 1 do Código de Processo Penal); não sendo possível alcançar deste preceito, a irrecorribilidade da decisão de indeferimento daquele pedido.

23.º

Poderá compreender-se a irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, uma vez que estas sempre poderão ser arguidas, conhecidas e decididas, na fase de julgamento e caso não o sejam a contento do arguente, poderá sempre este interpor o correspondente recurso;

24.º

Já assim não acontece no que respeita ao pedido da suspensão provisória do processo, apenas passível de aplicação nas fases de inquérito e de instrução, relativamente ao qual, terminada esta última fase, já não poderá ser aplicado o instituto, com o efeito nefasto e lesivo de, indeferido o pedido formulado pelo arguido, mesmo que deficientemente, mesmo que com fundamentação omissa ou até inexistente, mesmo que em violação de normativos legais, como acontece no caso sub judice, tenha aquele que se conformar, por lhe estar, alegadamente, vedado o direito de recurso.

25.º

A alegada irrecorribilidade da decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória do Processo com o fundamento constante do despacho objecto da presente Reclamação, maxime num caso como o que nos ocupa, em que a dita decisão se encontra desprovida de fundamentação - o que a faz padecer de nulidade insanável, por ter sido proferida sem rigorosa observância do disposto no artigo 281.0 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 307.0, n.0 2 do mesmo diploma legal, omissões/ falhas que a tornam uma decisão grave e flagrantemente atentatória dos direitos e garantias de defesa da Reclamante, em sede de processo criminal - afigura-se gravemente lesiva do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, garantido no artigo 20.0, n.º 1 da Lei Fundamental, do direito a um duplo grau de jurisdição, consagrado como direito fundamental, no artigo 32.0, n.º 1 da Constituição da República, dos direitos e garantias de defesa dos arguidos, em geral, em sede de processo criminal, reconhecidas no citado artigo 32.º da Lei Fundamental e ainda do direito a um processo equitativo com abrigo constitucional, concretamente, no n.0 4, parte final, do citado artigo 20.0 da Lei Fundamental e também no artigo 10.0 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.0 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

26.º

O artigo 310.0, n.º 1 do Código de Processo Penal é inconstitucional - por violação do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, garantido no artigo 20.0, n.º 1 da Lei Fundamental, do direito a um duplo grau de jurisdição, consagrado como direito fundamental, no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República, dos direitos e garantias de defesa dos arguidos, em geral, em sede de processo criminal, reconhecidas no citado artigo 32.0 da Lei Fundamental e ainda do direito a um processo equitativo com abrigo constitucional, concretamente, no n.º 4, parte final, do citado artigo 20.º da Lei Fundamental e também no artigo 10.0 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.0 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais - quando interpretado no sentido da irrecorribilidade do despacho de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo, quando tal despacho seja documentado na mesma peça processual em que é vertida a decisão instrutória de pronúncia, inconstitucionalidade que se afigura ainda mais grave quando o despacho em causa se encontre desprovido de toda fundamentação, como acontece in casu, inconstitucionalidade que aqui fica arguida para todos os efeitos legais decorrentes de tal declaração.

Acresce, sem prescindir,

27.º

A pronúncia dos arguidos não constitui (não pode constituir) entrave, como tem entendido algum sector jurisprudencial, à reapreciação da decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo, por um Tribunal Superior, em sede de Recurso.

28.º

Caso o Tribunal Superior, no âmbito de Recurso interposto pelo arguido, entenda que o pedido de suspensão provisória do processo por aquele formulado, deve ser deferido, nada mais simples que revogar a decisão instrutória de pronúncia, com o fundamento, mais do que válido, de que, se o pedido de suspensão provisória do processo tivesse sido deferido pelo Tribunal de 1ª Instância, como correspondia, não teria o arguido requerente sido pronunciado, pelo que a decisão de pronúncia em causa sempre seria contrária à lei e, por isso, susceptível de ser revogada.

Acresce ainda, sempre sem prescindir,

29.º

A recusa do direito ao recurso do arguido quanto à decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo afigura-se ainda mais ilegal e violadora dos direitos fundamentais acima elencados, nos casos em que, como no sub iudice, tal decisão é desprovida de qualquer fundamentação, reconduzindo-se a uma decisão totalmente arbitrária, que impede ao arguido, sequer, de conhecer os motivos pelos quais o seu pedido não mereceu acolhimento, e que, mesmo assim, de acordo com o entendimento da Senhora Juíza Desembargadora reclamada, não deveria ser susceptível de sindicância.

Nestes termos e nos mais de direito requer a Vossas Excelências se dignem julgar procedente a presente reclamação e ordenar que se proceda à apreciação e decisão do recurso interposto pelo arguido, com a consequente revogação da decisão singular de rejeição, da senhora juíza desembargadora relatora de 05 de Dezembro de 2018.

Sendo feita, desta forma, a costumada justiça!

O Exmº Procurador-Geral Adjunto respondeu à reclamação nos seguintes termos:

Notificado da decisão sumária que rejeitou o recurso por si interposto e o recurso interposto pela arguida A., veio agora o arguido B., a fls. 728 a 735, ao abrigo do disposto pelo artº 652º. 3 do CPC, aplicável ex vi do artº 4º do CPP, apresentar pedido de decisão da conferência, alegando, em síntese, que “a pronúncia dos arguidos não constitui (não pode constituir) entrave, como tem entendido certo sector jurisprudencial, à reapreciação da decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo por um Tribunal Superior, em sede de Recurso"; e que o artº 310º. 1 do CPP é inconstitucional "quando interpretado no sentido da irrecorribilidade do despacho de indeferimento do pedido de suspensão provisória do processo, quando tal despacho seja documentado na mesma peça processual em que é vertida a decisão instrutório de pronúncia”.

Ora, sobre a possibilidade de recurso da decisão que denega o pedido de suspensão provisória do processo quando pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público se pronunciou desenvolvidamente o Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do Processo NUIPC 82/05.9110BRG (consultável em www.dgsi.pt), tendo-se aí concluído, com acerto, pela irrecorribilidade de tal despacho, mais não se justificando nesta sede do que dar por reproduzida a respetiva argumentação.

Também a alegada inconstitucionalidade invocada pelo arguido foi objeto de apreciação por parte do Tribunal Constitucional, no seu acórdão 235/2010, expressamente invocado na decisão reclamada e que teve na sua origem a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães acima citado, nele se tendo concluído não ser inconstitucional a interpretação dos artigos 281º. 5, 307º.2, 310º.2 e 399º do CPP segundo a qual é irrecorrível a decisão de denegação da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo quando inserta na decisão instrutória de pronúncia, dando-se igualmente aqui por reproduzido o respetivo teor.

Assim, pelo exposto, entendemos que a decisão sumária reclamada não padece de qualquer vício ou imprecisão, devendo ser confirmada.

Colhidos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.


***     

II. Apreciação da reclamação

Está em causa na presente reclamação para a conferência decisão sumária de rejeição de recursos nos termos do artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal que prevê a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.

Começa o recorrente por afirmar que não recorreu apenas do conteúdo que consta da decisão instrutória, mas também do despacho posterior que indeferiu a arguição de nulidades.

No entanto, é o próprio recorrente que afirma na motivação do recurso que recorre do despacho de 17-11-2017 (decisão instrutória) sendo certo que o pedido recursivo que formula é apenas de revogação desse despacho, não se compaginando os seus termos com recurso do despacho posteriormente proferido.

No que respeita ao que foi decidido na decisão instrutória (não suspensão do processo e pronúncia do recorrente) e no sentido da sua recorribilidade alega em síntese:

-  a decisão de suspensão provisória não se confunde com a decisão de pronúncia e admite recurso e as alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007 de 28 de Agosto foram no sentido de alargar a aplicação desse instituto pelo que não faz sentido restringir o direito ao recurso;

- O pedido de suspensão provisória do processo não é documentado na decisão instrutória e não configura questão prévia ou incidental;

- Quanto a estas e as nulidades compreender-se-á a irrecorribilidade porque sempre poderão ser arguidas em julgamento, podendo então ser exercido o direito ao recurso;

- A não recorribilidade de uma decisão que se encontra desprovida de fundamentação o que a faz padecer de nulidade insanável é lesiva do direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20º, nº 1 da CRP), do direito a um duplo grau de jurisdição (artigo 32º, nº 1 da CRP) dos direitos de defesa em geral e do direito a processo equitativo (20º, nº 4 da CRP, 10º da DUDH e 6º da CEDH);

- Na interpretação em causa o artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal é inconstitucional.

Antes de mais deve salientar-se que a recorribilidade em nenhum caso está dependente da maior, menor, ou inexistente fundamentação da decisão recorrida, não podendo esse argumento relevar para a decisão da questão proposta.

Quanto à pretensa separação entre a decisão sobre a suspensão do processo e a decisão instrutória, é negada pelo disposto no artigo 307º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal que precisamente as reúne sob o título de “decisão instrutória” o que corresponde à exigência de, em primeiro lugar, na decisão instrutória, haver pronúncia sobre questões que possam obstar ao conhecimento dos fundamentos de pronúncia ou não pronúncia. E se assim é, consideramos não haver dúvida de que o conhecimento da suspensão do processo é questão prévia em relação ao objecto fulcral da decisão instrutória, sendo por isso abrangida pela irrecorribilidade prevista no artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Mas sobre o tema e as questões suscitadas pelo recorrente pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 235/2010, já citado na decisão sumária objecto de reclamação, nos seguintes termos que agora se transcrevem:

  

No caso em apreço, apura-se que a decisão da Relação de Guimarães, que confirmou a decisão de rejeição de recurso, conclui que, por força do disposto no artigo 310.º n.º 1 do Código de Processo Penal, não é passível de recurso a decisão que denega o pedido de suspensão provisória do processo quando proferida no despacho que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. Ou seja, seria irrecorrível a decisão impugnada por ter sido proferida no despacho de pronúncia.

Ora, é exactamente tal entendimento que o recorrente questiona. E, por isso, pede que seja julgada inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, do princípio da igualdade, do princípio da tutela jurisdicional efectiva, da garantia de acesso ao Direito e ao recurso (artigos 2.º, 13.º n.º 1, 20.º, n.º 1, 4 e 5 e 32.º n.º 1 CR) a interpretação que se extrai das disposições conjugadas dos artigos 281.º n.º 5, 307.º n.º 2, 310.º n.º 1 e 399.º do Código de Processo Penal no sentido de que é irrecorrível a decisão de denegação da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo proferida em instrução quando inserta na decisão instrutória de pronúncia.

(…)

8. A Constituição garante a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos” (artigo 20.º, n.º 1) afirmando, em matéria penal, que "o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo, o recurso" (artigo 32.º, n.º 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o recurso quanto a todas as decisões proferidas em processo penal. A garantia do recurso é inequívoca quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.

Como se escreveu no Acórdão n.º 31/87 do Tribunal Constitucional:

«(...) se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido. (…) Ora, a salvaguarda desse direito de defesa impõe seguramente que se consagre a faculdade de recorrer da sentença condenatória, como se determina, aliás, de forma expressa no nº 5 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho: «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei»; como imporá, também, que a lei preveja o recurso dos actos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. Mas já não impõe que se possibilite o recurso de todo e qualquer acto do juiz (…)».

No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão nº 178/88, in AcTC, vol. 12º, págs. 569 e seguintes, e ainda os n.ºs 216/99, in DR, 2ª Série, de 6 de Agosto de 1999, 471/2000, 30/2001, in DR, 2ª Série, de 23 de Março de 2001, e 463/2002 [os acórdãos do Tribunal citados sem identificação do local da publicação podem ser consultados emwww.tribunalconstitucional.pt.].

A faculdade de recorrer em processo penal constitui expressão das garantias constitucionais de defesa que impõem o recurso de sentenças condenatórias ou de actos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais. Todavia, sempre se aceitou que a Constituição não impõe a recorribilidade de todos os despachos proferidos em processo penal. Não o impunha antes, nem depois, da revisão de 1997, onde o segmento aditado ao artigo 32.º, n.º 1, explicita, afinal, o que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já entendia estar compreendido nas “garantias de defesa em processo penal” (Acórdão n.º 300/98).

Em suma, o "direito de recurso", como imperativo constitucional, hoje consagrado de modo expresso no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, deve continuar a entender-se no quadro das “garantias de defesa” – só e quando estas garantias o exijam – o que, pelas apontadas razões, não compreende necessariamente a impugnação do despacho de pronúncia (veja-se também neste sentido o já citado Acórdão n.º 30/2001).



9. A suspensão provisória do processo, prevista no artigo 281.º do Código de Processo Penal, foi introduzida no ordenamento jurídico português pelo Código de Processo Penal de 1987, constituindo uma excepção ao dever de o Ministério Público deduzir acusação sempre que tenha indícios suficientes de que certa pessoa foi o autor de um crime (artigo 283.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). O princípio da legalidade na promoção do processo penal deixou de ser comandado por uma ideia de igualdade formal, para ser norteado pelas preocupações político-criminais do sistema penal assentes na ideia de que a intervenção penal visa a protecção de bens jurídicos e a ressocialização do delinquente. Do ponto de vista substantivo, é um dos casos de introdução de medidas de diversão e consenso na solução do conflito penal relativamente a situações de pequena e média criminalidade, para cuja consagração concorrem tanto razões de funcionalidade do sistema de justiça penal (desobstrução da máquina judicial e promoção da economia e celeridade processuais, com isso se fortalecendo globalmente a crença na efectividade dos mecanismos de reacção penal, com o que simultaneamente se realiza o objectivo de prevenção), como de prossecução imediata de objectivos do programa político-criminal substantivo (evitar a estigmatização e o efeito dessocializador, ligados à submissão a julgamento, relativamente a delinquentes ocasionais com prognóstico favorável, o que se insere no princípio de redução da aplicação das sanções criminais ao mínimo indispensável).

Trata-se de um instituto a utilizar sempre que as exigências de prevenção não justifiquem os custos do prosseguimento formal típico para os propósitos político-criminais da intervenção mínima, da não-estigmatização do agente, do consenso e da economia processual.

As injunções e regras de conduta não revestem a natureza jurídica de penas, embora se consubstanciem em medidas funcionalmente equivalentes, tratando-se de sanção a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa. Sobre a matéria já o Tribunal se pronunciou nos Acórdãos n.ºs 67/2006, 116/2006, 144/2006).

Aquando da revisão do Código de Processo Penal, o argumento literal resultante da alteração da redacção dos artigos 281º do Código de Processo Penal e os trabalhos preparatórios (Acta nº. 22 da Unidade de Missão para a Reforma Penal), fazem concluir que as alterações a introduzir em sede de processos especiais têm o objectivo de reforçar a aplicabilidade deste tipo de processos para promover uma realização célere da justiça e uma rápida reposição da paz jurídica. “(...) No âmbito da suspensão provisória do processo são introduzidas diversas alterações com vista ao aumento da aplicação deste regime, destacando-se a eliminação do carácter facultativo da sua utilização pelo Ministério Público, ao qual é determinado que aplique a suspensão, com a concordância dos restantes sujeitos processuais e do juiz, desde que estejam preenchidos os respectivos requisitos.

Assim, nem as injunções e regras de conduta são penas, nem a suspensão provisória do processo é um despacho condenatório ou assente num desígnio de censura ético-jurídica, mas através do qual o arguido aceita respeitar determinadas injunções, e regras de conduta, e o Ministério Público se compromete a, caso elas sejam cumpridas, desistir da pretensão punitiva e a arquivar o processo.

A decisão de suspensão, no âmbito do inquérito, é da responsabilidade do Ministério Público, condicionada à concordância do juiz de instrução criminal e, no âmbito da instrução, da responsabilidade do juiz de instrução criminal, condicionada à concordância do Ministério Público. Entende-se, por isso, a razão que conduziu o legislador a impor que essa decisão não seja susceptível de impugnação.

Mas, no presente recurso, está em causa a questão contrária. isto é, a decisão que negou a suspensão. Ora, as razões da irrecorribilidade mantêm-se escoradas em iguais considerações. Não pode esquecer-se que o legislador não desconhece a tramitação a que condicionou a decisão de suspensão provisória do processo, determinando, no artigo 307.º do Código de Processo Penal (sob a epígrafe decisão instrutória), que encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou não pronúncia, ditado para a acta, (podendo ser proferido no prazo de dez dias quando a complexidade da causa em instrução o aconselhar). Intercalou-se entre a regra e a excepção da leitura da decisão instrutória, a possibilidade de aplicação do artigo 281.º do Código de Processo Penal.

Ora, não havendo recurso da decisão de não concordância do Ministério Público acerca da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, não faria sentido possibilitar o recurso da decisão de não aplicação do mesmo pelo juiz de instrução criminal e fazer depender da concordância do Ministério Público a aplicação da medida.

Diga-se, ainda, que a situação não é exactamente a mesma, ao contrário do que sustenta o recorrente, quando o juiz de instrução criminal não concorda com a posição do Ministério Público em inquérito porque, nessa fase, é o Ministério Público o dominus do processo. No presente caso, já depois do Ministério Público não ter optado pela aplicação desse instituto (opção essa que não pode ser discricionária mas antes vinculada aos requisitos legais), foi o juiz de instrução criminal que entendeu não aplicar tal instituto.

Também no caso da eventual aplicação da suspensão provisória do processo, o Ministério Público e o juiz concluíram, ambos, pela não aplicação de tal instituto.

A razão de ser da solução legal é idêntica à da irrecorribilidade de despachos que decidam questões prévias ou incidentais constantes da decisão instrutória, tratada no já citado Acórdão n.º 216/99 que decidiu não julgar inconstitucional a interpretação dada ao artigo 310.º n.º 1 do Código de Processo Penal, respeitante à matéria versada no artigo 308.º n.º 3 do mesmo Código, por considerar que não existe violação dos artigos 20.º e 32.º n.º 1 da Constituição.

Pondera-se, nesse Acórdão:

«O recorrente questiona a constitucionalidade da interpretação dos artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo Penal, adoptada na decisão recorrida, de que resulta a irrecorribilidade das decisões sobre questões prévias ou incidentais constantes do despacho de pronúncia.

Na perspectiva do recorrente, a irrecorribilidade consagrada no artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal refere-se tão somente à parte da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público e não aos despachos que decidam questões prévias ou incidentais de que se possa conhecer. A estes despachos deveria reconhecer-se autonomia, de modo a permitir a sua recorribilidade.

(…)

A fase da instrução – facultativa, no nosso actual sistema de processo penal (cfr. artigo 286º, nº 2, do Código de Processo Penal) –, visa permitir a reapreciação dos factos recolhidos na fase do inquérito, juntando-lhes eventualmente outros que surjam posteriormente, de modo a possibilitar um juízo de pronúncia (que fixará o objecto do processo na fase ulterior e final que se seguirá, o julgamento), ou de não pronúncia (que porá fim ao processo).

Nesta fase, o juiz, partindo dos dados recolhidos na fase do inquérito, tem a possibilidade de, a pedido das partes ou através dos seus poderes inquisitórios, ordenar as diligências necessárias ao esclarecimento da verdade material (artigos 287º, nº 3, e 288º, nº 4, e 290º e seguintes do Código de Processo Penal), acumulando assim mais elementos que lhe permitam formar uma convicção séria sobre a existência de indícios suficientes da prática da infracção; é assim razoável que o juiz condense na decisão instrutória os elementos até aí carreados para o processo, emitindo a partir da sua análise um juízo sobre o preenchimento dos elementos subjectivo e objectivo do tipo de crime de que o arguido vem acusado.

Por isso se compreende a articulação entre os nºs 1 e 3 do artigo 308º do Código de Processo Penal: "se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos [...]" (nº 1), sendo certo que, neste despacho, "o juiz começa por decidir todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer" (nº 3). O juiz tem que estabelecer os pressupostos da sua decisão, lógica e cronologicamente (…).

Esta condensação em tudo concorre para a salvaguarda das garantias de defesa (artigo 32º, nº 1, da Constituição) e de celeridade, aconselhável nos processos em geral e especialmente exigível em processo penal (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa). Não há lugar a qualquer fraccionamento da apreciação dos dados já recolhidos – que poderia conduzir a uma dispersão nociva ao apuramento da verdade material –, nem a um arrastar do processo, que seria forçoso caso o juiz tivesse que decidir primeiro as questões incidentais, abrindo-se prazo de recurso.

Na opinião do recorrente, esta condensação, no despacho instrutório, da decisão de questões prévias (por exemplo, sobre a admissibilidade de certas provas) e da decisão final (de pronúncia ou não pronúncia), na medida em que, por força do artigo 310º, nº 1, é irrecorrível, seria inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Mas então coloca-se a seguinte alternativa:

ou se sustenta a existência de um despacho autónomo para decisão destas questões, que a lei não contempla e que o Tribunal Constitucional não poderá criar – estaríamos, nesta primeira hipótese, perante uma lacuna do sistema, a que o recurso de constitucionalidade não pode dar cobertura;

ou se pretende que o despacho de instrução, na parte em que decida questões incidentais, não gozando de autonomia formal relativamente à decisão instrutória, alcance autonomia material que justifique a sua eventual revisibilidade, em sede de recurso.

(…)

Importa averiguar se constitucionalmente se impõe uma interpretação dessas normas de que resulte a admissibilidade de recurso da parte do despacho instrutório (que não alargue o objecto do processo para além dos factos constantes da acusação do Ministério Público) que decida questões incidentais, em atenção a valores tais como o acesso à justiça, na vertente do direito a um duplo grau de jurisdição, e a plenitude das garantias de defesa em processo penal.

A procedência da pretensão do recorrente – e do presente recurso – depende da resposta a dar a esta interrogação.

(…) O problema da conformidade constitucional do artigo 310º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, em face dos princípios do duplo grau de jurisdição e da plenitude das garantias de defesa, foi já por diversas vezes abordado pelo Tribunal Constitucional, no que respeita à recorribilidade do despacho instrutório na parte em que pronuncia o arguido, tendo o Tribunal concluído no sentido da não inconstitucionalidade.

Entende-se que as razões então aduzidas são transponíveis para a questão agora em discussão.

(…) Começando por confrontar o artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal com o artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e com o direito, que o recorrente invoca, a um duplo grau de jurisdição, remete-se para a doutrina do acórdão nº 265/94 (in Diário da República, II, de 19 de Julho de 1994, p. 7239 ss):

"A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies.

É certo que a Constituição garante a todos o «acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interessas legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20º, nº 1) e, em matéria penal, afirma que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa» (artigo 32º, nº 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal.

A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.

Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão do direito de defesa (veja-se, nesse sentido, o Acórdão nº 8/87 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., p. 235), a verdade é que como se escreveu no Acórdão nº 31/87 do mesmo tribunal, «se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido»."

(…) A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos objectivos constitucionais, que o arguido tenha possibilidade de recorrer de uma decisão condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na resolução dos processos-crime (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso das decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o legislador optou decididamente pela segunda via.

Esta opção foi aliás confirmada pela revisão constitucional de 1997, que aditou ao nº 1 do artigo 32º o segmento "incluindo o recurso". Como se escreveu no acórdão nº 101/98 (inédito) deste Tribunal, a intenção do legislador constituinte não foi "significar que haveria de ser consagrada, sob pena de inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa que tal processo há-de assegurar se contará a possibilidade de impugnação das decisões judiciais de conteúdo condenatório, na esteira do que já era entendido pela jurisprudência deste órgão de fiscalização" (veja-se também, no mesmo sentido, o acórdão nº 299/98, inédito). O arguido pode sempre, pois, recorrer da decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí contestar todos os vícios que derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória.

(…) Quanto à compatibilidade entre a solução do artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, com o princípio da plenitude das garantias de defesa, mais uma vez em equação se colocam os princípios da celeridade e da protecção dos direitos do arguido. Afirmou-se, a este propósito, no acórdão nº 610/96 do Tribunal Constitucional (in Diário da República, II, de 6 de Julho de 1996, p. 9117 s):

"[...] o que se questiona no presente recurso é se o desígnio de celeridade, que é consagrado constitucionalmente, legitima a irrecorribilidade de certas decisões instrutórias: justamente os despachos de pronúncia que não alteram os factos constantes da acusação do Ministério Público. E a resposta a esta questão indica que a celeridade não só é compatível com as garantias de defesa, podendo coincidir com os fins de presunção de inocência, como é instrumental dos valores últimos do processo penal – a descoberta da verdade e a justa decisão da causa –, próprios de um Estado democrático de direito.

Apenas é irrecorrível, portanto, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.

Ora, este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento na existência de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo: pelo Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de instrução. E o Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma magistratura autónoma (artigo 221º, nº 2, da Constituição), sendo concebido, no processo penal, como um sujeito isento e objectivo que pode, nomeadamente, determinar o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, propugnar, findo o julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão condenatória em exclusivo benefício do arguido [...]."

(…) Conclui-se, assim, que não existe na interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo Penal qualquer violação do princípio da plenitude das garantias de defesa constitucionalmente consagrado.

A irrecorribilidade da parte do despacho de pronúncia que decide questões prévias ou incidentais não é portanto contrária à Constituição da República Portuguesa. (…)».

Idêntica solução adoptou o Tribunal no Acórdão n.º 387/99, cuja fundamentação é igualmente transponível para o presente caso. Para além do mais, a jurisprudência do Tribunal tem devidamente sublinhado que se está perante uma situação diversa daquela a que se reporta a sentença penal, visto que, ao menos quando se trate de uma decisão judicial de pronúncia, esta não pode ser deixada de ser considerada como um mero juízo indiciário, provisório, cujo conteúdo não tem carácter condenatório.

Não pode, pois, entender-se como contrário à Constituição a interpretação efectuada pela decisão recorrida da norma contida no artigos 281.º n.º 5, 307.º n.º 2, 310.º n.º 1 e 399.º do Código de Processo Penal no sentido de que é irrecorrível a decisão de denegação da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo proferida em instrução quando inserta na decisão instrutória de pronúncia. (Fim de transcrição)

Porque concordamos inteiramente com esta argumentação resta-nos fazê-la nossa e concluir que não se verifica violação dos princípios constitucionais invocados pelo reclamante, nem interpretação desconforme à Constituição do artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Por consequência do exposto é de manter a decisão sumária de rejeição dos recursos.


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            III. Decisão

Pelo exposto acordam em indeferir a reclamação apresentada pelo recorrente, mantendo a decisão de rejeição dos recursos.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (cfr. artigo 8º, nº 9 e tabela III do R.C.P.).


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Coimbra, 26 de Junho de 2019
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

José Eduardo Fernandes Martins (adjunto)