Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/17.2T9AGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PRESENÇA DO ARGUIDO EM AUDIÊNCIA
NÃO NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA AO DEFENSOR
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL DE ARGANIL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 32.º, 41.º, 46.º, 47.º, 53.º, 64.º, 65.º, 67.º E 68.º DO RGCC; ARTS. 368.º, 374.º, N.º 2, E 379.º DO CPP
Sumário: I – Se a ausência de uma disciplina própria de invalidades processuais no Regime Geral das Contraordenações é notória, o mesmo já não acontece quanto à participação e ausência do arguido na audiência de julgamento em processo contraordenacional.

II - No processo de contraordenação, a regra, é a da não obrigatoriedade da presença do arguido em julgamento, sendo afastada por decisão do juiz se a considerar como necessária ao esclarecimento dos factos.

III - Em processo de contraordenação, tendo o arguido o direito de se fazer acompanhar de advogado, escolhido ou nomeado, em qualquer fase do processo, não é obrigatória a constituição de advogado, nem a nomeação de defensor.

IV - A lei não comina com nulidade a falta de notificação da decisão da autoridade administrativa ao defensor.

V - A mesma constitui uma irregularidade processual que, nos termos do art.123.º, n.º 1, do CPP, aplicável aqui subsidiariamente, deve ser arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer ato nele praticado.

Decisão Texto Integral:








            Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        Relatório

Por decisão de 19 de setembro de 2015, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária condenou o arguido A... , como autor de uma contraordenação, p. e p. pelos artigos 4.º, n.º 3, 138 e 146.º, alínea l), todos do Código da Estrada, na coima de € 750,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.

O arguido A... não se conformando com a decisão administrativa, impugnou a mesma judicialmente, com os fundamentos e conclusões constantes de fls. 17 a 21 dos autos.

Admitido o recurso de impugnação judicial formulado pelo arguido A... e realizada a audiência de julgamento, o Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Competência Genérica de Arganil, por sentença de 24 de maio de 2017, julgou o recurso de impugnação judicial improcedente e, em consequência, manteve a decisão administrativa.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... para o Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Impugna-se a validade da presente sentença e alega-se a nulidade de falta de notificação do arguido para estar presente em Julgamento, nos termos conjugados dos Art.332.° n.º1 e 119.° al. c) do CPP.

2. Nos termos do Art.122.° n.º 1 e 2 do CPP, a nulidade em causa determina a invalidade de todos os atos seguintes à falta de notificação, incluindo a Sentença, pelo que, salvo melhor opinião, a Audiência de Julgamento realizada é nula, e a Sentença também.

3. A falta de notificação do Arguido para Julgamento, fere grosseiramente as garantias de defesa do mesmo, nomeadamente as previstas no Art.32.° n.º 1 da CRP.

4. Nulidade esta que se requer, seja conhecida em sede do presente recurso.

5. Por outro lado, verificou-se uma irregularidade nos termos do Art.123° do CPP, pelo facto de tal, impossibilidade de notificação não ter sido informada ao Mandatário, e esta mesma irregularidade, no nosso entender, invalida tanto o próprio acto, como os subsequentes

6. Comporta ainda uma irregularidade grave o facto de, também uma testemunha não ter sido notificada, sem que tal tenha, mais uma vez, sido dado a conhecer ao Mandatário, e portanto nos termos do n.º 1 do Art.123° CPP, mais uma vez trata-se de uma irregularidade que afecta os termos subsequentes, sendo que, nesta medida, devem os mesmos ser declarados inválidos.

7. Por último, e mais uma vez, a decisão administrativa proferida pela ANSR não foi notificada ao Mandatário, conforme deveria nos termos dos Art.46° e 47° n.º2 do RGCO, o que consubstancia uma irregularidade nos termos do Art.123° CPP.

8. O arguido não aceita a forma de instrução do procedimento e entende que a ANSR ao aplicar o artigo 175°/4 e 2, al. b) do Código da Estrada, praticou um acto inconstitucional e que aquelas normas estão feridas de inconstitucionalidade material por violação do art.32°/10 da CRP.

9. O arguido solicita que seja absolvido e seja declarada inconstitucional a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária por esta ter declinado a audição do agente autuante e das testemunhas indicada pela defesa e com isso esvaziou o direito do arguido a se poder defender-se dos factos que lhe foram imputados, a decisão viola o art.32°/10 da CRP.

10. No entanto, em bom-rigor, e colocada a questão, é evidente que, o prazo estabelecido no Art.74.º n.º 1 do RGCO é inconstitucional porquanto diminui drasticamente as garantias de defesa do arguido em processo de contra­ordenação, ferindo o disposto no Art.32° n.º 1 e 10 da CRP, bem como a igualdade normativa, pelo que se conclui violar também o disposto no art. 13 da CRP

Termos em que deve atender-se aos fundamentos expostos e, em consequência:

I. Ser conhecida a Nulidade Insanável respeitante à falta de notificação do Arguido para estar presente em Julgamento, nos termos do Art.119.º c) do CPP

II. Consequentemente e nos termos do Art.122.º ser determinada a invalidade da Audiência de Julgamento e respectiva Sentença.

III. Serem conhecidas as irregularidades respeitantes à falta de notificação do Mandatário sobre a decisão administrativa, falta de notificação do Mandatário para a impossibilidade de notificação do arguido, e falta de notificação das testemunhas, declarando-se portanto a invalidade dos actos em causa, e da Sentença.

IV. Serem conhecidas as inconstitucionalidades

V. E assim, revogar-se a decisão recorrida.

O Ministério Público junto do Juízo de Competência Genérica de Arganil, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela confirmação integral da sentença recorrida.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

         

           Colhidos os vistos cumpre decidir.

     Fundamentação

            Da sentença recorrida consta, designadamente, o seguinte:

«Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, sendo que no seu início foi julgada improcedente a nulidade invocada pelo arguido a fls. 50, tendo quanto ao mais sido observado o formalismo legal, conforme resulta da respectiva ata.

1.Falta de notificação do auto de contraordenação ao arguido no decurso do processo administrativo.

O arguido insurge-se no recurso de impugnação judicial quanto a uma eventual falta de notificação do auto de contraordenação em apreço, alegando que nunca recebeu qualquer notificação.

Ora, resulta dos autos a fls. 3 (notificação postal com aviso de recepção) que o arguido foi notificado do auto de contraordenação, sendo que na notificação entregue ao arguido está detalhadamente explicitado o procedimento a observar para a apresentação da defesa quanto aos factos que lhe são imputados, conforme resulta dos termos da notificação de fls. 2. Sendo que nessa sequência, e de seguida, a fls. 4 e 5 dos autos, o arguido apresentou defesa por escrito, subscrita por advogado, juntando, na mesma ocasião, a competente procuração forense, conforme fls. 6 dos autos.

Acresce que o arguido foi notificado da decisão condenatória – cfr. fls. 9 a 14 - tendo apresentado impugnação judicial relativamente à mesma, demonstrando assim ter tido conhecimento da decisão condenatória e dos respectivos efeitos.

 Por conseguinte, dúvidas não subsistem que o arguido foi devidamente notificado quer do auto de contraordenação quer, posteriormente, da decisão condenatória, em conformidade com o disposto no artº 50º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e dos arts. 175º e 176º do Código da Estrada.

Termos em que improcede a invocada falta de notificação.

2. Falta do direito de audição e defesa do arguido no decurso do processo administrativo e subsequente inconstitucionalidade da decisão condenatória recorrida por violação do disposto no artº 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

O arguido insurge-se ainda contra a forma como foi conduzida a instrução do procedimento levado a cabo pela ANSR pois esta declinou a audição do agente autuante e das testemunhas indicadas pela defesa, com isso esvaziando o direito do arguido de se poder defender dos factos que lhe são imputados.

Também aqui entendemos que não assiste razão ao arguido.

Preceitua o artº 50º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

No caso dos autos, e ainda no decurso da instrução do procedimento administrativo o arguido exerceu o seu direito de defesa, conforme resulta dos requerimentos de defesa de fls. 4 e 5, e ainda fls. 15 e 16.

É certo que o arguido requereu produção de prova – em especial e na forma legalmente admissível, a fls. 15 e 16 – não tendo a ANSR procedido às audições requeridas.

No entanto, ainda que se entenda que tal omissão pode configurar uma nulidade processual, certo é que a mesma terá que se considerar sanada, nos termos do disposto no artº 121º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal “ex vi” do artº 41º do DecretoLei nº 433/82, de 27 de Outubro. Com efeito, o arguido quando o arguido foi notificado da decisão condenatória, apresentou impugnação judicial, sendo que no recurso apresentado voltou a requerer a mesma produção de prova (audição do agente autuante e inquirição de testemunhas) que havia feito no âmbito da instrução do procedimento. Ou seja, o arguido prevaleceu-se da faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia, portanto, não abdicou do seu direito de defesa. Com isto, entendemos que, a existir um ato anulável cometido pela ANSR, tal nulidade ficou sanada com o requerimento de prova apresentado no recurso de impugnação judicial.

Aliás, sobre esta temática, escreveu-se: “Nos termos do artigo 50.º do RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Por sua vez, o artigo 54.º do mesmo diploma legal constitui um afloramento do princípio da investigação oficiosa. O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa, que hão-de servir de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação - artigo 262.º, n.º 1, do CPP. No âmbito do processo de contra-ordenação, na fase da investigação e instrução, o direito de audição e defesa do arguido tem a sua pedra angular no artigo 50.º do RGCO no qual se define que não é possível aplicar uma coima, ou uma sanção acessória, sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar e, por tal forma, exercer o contraditório. Na fase administrativa, o arguido tem o direito de se pronunciar, inter alia, sobre a contra-ordenação; de igual modo, pode requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em fase de inquérito relativamente à autoridade judiciária. Porém, a não audição das testemunhas indicadas pelo arguido ou a omissão de quaisquer diligências por aquele sugeridas nunca acarreta a nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida Neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa de 02-10-2011, in www.dgsi.pt.. Nem sequer em processo penal, moldado por compreensível maior rigidez reivindicada pela condição e natureza de instrumento último de tutela de direitos fundamentais, isso acontece. Efectivamente, como é sabido, as normas ditas de mera ordenação social (que não devem validar a afirmação de que estaremos perante um “direito de bagatelas penais”), não tem a ressonância ética das normas penais. Por isso, a execução da vertente sancionatória pressupõe um processo de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal (que por força da gravosa natureza das sanções que por seu intermédio podem ser aplicadas, exige a observância de apertadas garantidas de defesa). Ora, no âmbito do processo criminal, a nulidade genérica “insuficiência do inquérito” prevista na primeira parte do artigo 120.º, n.º 2, al. d), apenas ocorre quando é omitida a prática de acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei, inclusive a falta de audição de testemunhas indicadas pelo ofendido/assistente, não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 91. Mas ainda para quem entenda existir nesse circunstancialismo a nulidade que a arguida arguiu, sempre esse vício estaria sanado Neste sentido, v.g., Ac. da Relação de Coimbra de 16-11-2006, in www.dgsi.pt. Em processo de contra-ordenação, a acusação surge apenas com a apresentação ao Juiz dos autos remetidos pelo MP na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa, nos termos do artigo 62.º do RGCO. O mesmo é dizer que, a partir dessa fase, a decisão administrativa deixa de valer como tal e passa a constituir uma acusação que delimita o objecto do processo. Ora, no caso em apreciação, (…) a arguida (…) na impugnação da decisão administrativa indicou precisamente as duas testemunhas que havia sugerido quando se pronunciou, por escrito, sobre a contra-ordenação que lhe foi imputada, teve oportunidade de fazer valer os seus argumentos, contrariando a prova da acusação. (…) A arguida prevaleceu-se, pois, do direito que a lei lhe conferia de, na fase de recurso, exigir a inquirição das testemunhas, direito esse que na fase administrativa lhe fora negado. Estatui o artigo 121.º, n.º 1, alínea c) do CPP: «Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados se tiverem prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia». «O fundamento desta causa de sanação de nulidade é claramente a economia processual. Com efeito, se não obstante a nulidade do acto o efeito a que se dirigia vier a ser igualmente produzido, é inútil recomeçar do princípio para não obter nada mais do que o que já foi alcançado» Germano Marques da Silva, ob. citada, vol. II, pág. 71/72..”. (in, Ac. Relação de Coimbra, de 09.01.2012, proc. 623/10.0T2OBR.C1 – Relator Alberto Mira, disponível em www.dgsi.pt, no qual se sumariou ainda que: “Na fase administrativa, o arguido tem o direito de se pronunciar, inter alia, sobre a contra-ordenação; de igual modo, pode requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em fase de inquérito relativamente à autoridade judiciária. Porém, a não audição das testemunhas indicadas pelo arguido ou a omissão de quaisquer diligências por aquele sugeridas nunca acarreta a nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida.”.

Posto isto, com o qual comungamos, entendemos pois que não se vislumbra a ocorrência de qualquer nulidade processual, sendo que quer na instrução do procedimento quer na decisão condenatória proferida a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária não violou o artº 32, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

Pelo exposto, improcede também a invocada falta do direito de audição e defesa do arguido no decurso do processo administrativo e subsequente inconstitucionalidade da decisão condenatória recorrida por violação do disposto no artº 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

Não existem outras nulidades ou questões prévias ou incidentais, bem como quaisquer exceções de natureza processual ou substantiva que cumpra apreciar e que obstem ao conhecimento do mérito do recurso de impugnação.

Fundamentação de facto

 Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 15-08-2014, pelas 21h45m, no local En 2, Km 274, em Góis, o arguido A... conduzindo o motociclo de passageiros, com matrícula X (... ), de que é proprietário, desobedeceu ao sinal regulamentar de paragem de agente de autoridade competente para regular e fiscalizar o trânsito.

2. A referida ordem foi dada por agente de autoridade devidamente uniformizado, com material retrorrefletor, de forma clara e objectiva tendo o arguido percebido a ordem dada, não a tendo respeitado, contornando o agente e colocando-se em fuga.

3. O arguido não procedeu com o cuidado e prudência a que estava obrigado e que o trânsito de veículos aconselha e que no momento se lhe impunha.

4. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

Mais se provou que:

5. Em 19-12-2016, não constava do registo individual do condutor respeitante ao arguido, quaisquer infracções rodoviárias.

            Factos não provados com interesse para a decisão da causa:

- nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na decisão recorrida, o motociclo de passageiros, com matrícula X (... ) estava em Lisboa e o arguido circulava com a mesma em Carnaxide onde é bombeiro;

- o arguido trabalha e vive em Lisboa e nunca foi a Góis;

Motivação da decisão de facto positiva e negativa:

O Tribunal alicerçou a sua convicção, no conjunto da prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, tendo presente os princípios da livre apreciação e imediação da prova, conjugados com as regras da experiência comum e da normalidade social prevalente.

Assim, o tribunal teve em consideração, com especial relevo, os depoimentos das testemunhas E.... e F... , militares da GNR, os quais denotaram ter conhecimento pessoal e direto sobre os factos a que foram inquiridos, o primeiro por ser o agente autuante e o segundo, testemunha presencial da infracção verificada, tendo ambos prestado depoimento de forma credível. Ambos confirmaram o teor do auto de contra-ordenação constante de fls. 1,sendo que o agente autuante – militar da GNR, E... que se encontrava devidamente fardado com material retrorrefletor – descreveu de forma detalhada e minuciosa a dinâmica dos factos, nomeadamente, aduziu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, e no âmbito de uma operação STOP que a GNR estava a efectuar nas imediações do local onde estava a decorrer a concentração Motard em Góis, evento organizado anualmente, deu ordem de paragem ao condutor do motociclo matrícula X (... ) – trazia capacete na cabeça -, e que este apercebendo-se da ordem dada, não parou, tendo contornado o depoente, colocando-se em fuga. De seguida, e perante tal facto, o depoente referiu que, imediatamente, anotou a matrícula do motociclo e deslocou-se ao interior do veículo da GNR que se encontrava imobilizado nas imediações para consultar a base de dados disponível sobre a propriedade dos veículos, tendo, então, constatado que o proprietário do motociclo era o arguido, A... .

Ora, na conjugação de tal depoimento, com a circunstância de que notificado o arguido, enquanto proprietário do motociclo para identificar o condutor à data da infração, nos termos do ponto 2.4 dos termos de notificação constante de fls. 2, o mesmo apesar de referir na sua defesa no âmbito da instrução do procedimento e em sede de recurso de impugnação – cfr. fls. 18 - que nunca tinha ido a Góis e que se encontrava a transitar com o motociclo em Lisboa, certo é que tais factos não obtiveram comprovação em audiência de julgamento, por falta de prova. Pelo que, dúvidas não subsistiram e nem subsistem ao tribunal que, por apego às regras da experiência comum e da normalidade social prevalente, o arguido era o condutor do motociclo identificado nos factos provados, à data da prática da infracção, pois não podemos olvidar que era e é o proprietário do veículo, não sendo plausível que emprestasse o motociclo a terceiros, tanto mais que estava a decorrer aquela que é considerada a segunda maior concentração Motard de Portugal, logo a seguir à concentração de Faro, onde afluem milhares de amantes do motociclismo vindos de todo o país e até do estrangeiro, sendo por isso um momento único e irrepetível de convívio social. Não acreditamos objectivamente que o arguido delegasse essas vivências em terceiros, pois são muito poucas as concentrações anuais em Portugal com a dimensão da de Góis.

Da conjugação de toda a prova produzida nos autos conjugada com as regras da experiência comum e da normalidade social, nomeadamente no que ao trânsito de veículos diz respeito, o arguido agiu com negligência, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei.

O tribunal teve ainda em consideração o teor do auto de contraordenação de fls. 1, dos termos da notificação de fls. 2 e o registo individual do condutor de fls. 8.

No que tange aos factos não provados: Não feita qualquer prova nos autos ou em audiência de julgamento.».        

                                                                        *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... , são cinco as questões a decidir:

1.ª - da nulidade insanável, por falta de notificação do arguido para julgamento;

2.ª - da irregularidade, por falta de informação ao mandatário do arguido da impossibilidade de notificação do arguido e de falta de notificação da testemunha B... ;

3.ª - da irregularidade, por falta de notificação da decisão administrativa ao defensor do arguido;

4.ª - da inconstitucionalidade material da decisão da ANSR, por violação do art.32.º, n.º 10 da C.R.P., na aplicação do art.175.°/4 e 2, al. b) do Código da Estrada; e

5.ª - da inconstitucionalidade do prazo estabelecido no art.74.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, por ferir o disposto nos artigos 32.°, n.ºs 1 e 10 e 13.º da C.R.P..



            Passemos ao seu conhecimento.

            Da nulidade insanável, por falta de notificação do arguido para julgamento

            O recorrente A... defende que nos termos conjugados dos artigos 332.º, n.º1 e 119.º, al. c), do Código de Processo Penal foi cometida uma nulidade insanável, na medida em que a lei exige expressamente a presença do arguido em julgamento e este não esteve presente porque não foi notificado, pelo que, nos termos do art.122.º n.º 1 e 2 do mesmo Código, são inválidos todos os atos seguintes à falta de notificação, incluindo a audiência de julgamento e a sentença.

Alega para o efeito, em síntese, o seguinte:

- Nos processos de contraordenação o tribunal pode decidir mediante audiência ou por simples despacho (art.64.º do R.G.C.O);

- Nos termos do art.67.º do R.G.C.O., o arguido não é obrigado a estar presente na audiência de julgamento do processo de contraordenação (n.º1) e, caso a sua presença tenha sido dispensada pelo tribunal, deverá para os efeitos devidos ser representado pelo seu mandatário (n.º 2);

- Por força do estabelecido no art.32.º do R.G.C.O., ao processo de contraordenação e suas diligências aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Penal, regendo este diploma as formalidades a serem verificadas em audiência de julgamento;

- Resulta do art.332.º, n.º1, do C.P.P., a regra de que é obrigatória a presença do arguido em juízo, comportando os artigos 332.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º do mesmo Código, as exceções a esta regra;

- Nas exceções dos n.ºs 1 e 2 do art.333.º do C.P.P., prevêem-se, respetivamente, a ausência do arguido regularmente notificado e a ausência do arguido que estando notificado justificou a falta, e as exceções dos n.ºs 1 e 2 do art.334.º do mesmo Código reportam-se a processos especiais;

- No presente caso, não foi entendimento do Tribunal decidir por simples despacho e também não foi prescindida a presença do arguido/recorrente, tendo sido requerida a notificação pessoal deste por via policial;

- O ora recorrente não foi notificado da data da audiência de julgamento e, por conseguinte, não foi notificado para estar presente em julgamento;

- O Tribunal decidiu ainda assim dar início da audiência e julgar o ora recorrente na sua ausência, quando resulta do art.332.º, n.º1 do C.P.P que é obrigatória a presença do arguido e, no caso, não se verifica nenhuma das exceções, nem previstas no art.333.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código, porquanto o arguido não foi notificado, nem no art.334.º do C.P.P., pois o processo de contraordenação não é um processo especial;

- A falta de notificação do arguido para julgamento, para além de integrar a nulidade insanável do art.119.°, al. c), do C.P.P., na medida em que o art.332.º, n.º1 do mesmo Código exige expressamente a presença do arguido em julgamento, fere as garantias de defesa do arguido, nomeadamente as previstas no art.32.° n.º 1 da C.R.P..

Vejamos se assim é.

A introdução do Direito de Mera Ordenação Social no sistema jurídico português, através do DL n.º 239/79, de 24 de Julho - posteriormente substituído pelo DL n.º 433/82, de 27 de Setembro -, tem subjacentes preocupações de natureza politico-criminal que se centralizam na afirmação de que aquele novo ramo do sistema sancionatório público estaria vocacionado para dar atenção a certas áreas de intervenção «…carentes de tutela jurídica de carácter sancionatório e finalidades preventivas nas quais, de acordo com as valorações então dominantes, não se justificava uma resposta penal, já então orientada para uma intervenção de ultima ratio, conforme apontava o disposto no artigo 18.º, n.º2, da Constituição de 1976.».[4]

A autonomia do Direito de Mera Ordenação Social face ao Direito Penal vai-se materializar em soluções de natureza substantiva e processual diversas das vigentes para este direito. Contudo, o Direito de Mera Ordenação Social manteve desde sempre profundas ligações ao direito penal e ao direito processual penal, demonstradas em múltiplas soluções normativas comuns.

Pese embora o reforço de aproximação do Direito de Mera Ordenação Social ao Direito Penal e Direito Processual Penal que se faz sentir com as sucessivas alterações ao RGCOC aprovados pelo DL n.º 433/82, e a que não serão alheias as elevadas coimas e sanções acessórias previstas no direito contraordenacional, as linhas de estrutura do processo de contraordenação subsistem.

Neste quadro, não surpreende que o direito penal seja definido no art.32.º do RGCOC como direito subsidiário e que o art.41.º, do mesmo regime, com a epígrafe “ Direito subsidiário” estabeleça que «Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.».

Do art.41.º do RGCOC resulta que a importação das soluções do processo criminal está dependente, num primeiro momento, do reconhecimento da necessidade de encontrar uma solução para o caso dentro do regime específico das contraordenações e da inexistência de solução própria neste quadro legal.

Feito este reconhecimento entra-se num segundo momento, de aplicação das normas do processo penal. Esta passará, sempre que necessário, por um processo de adaptação, tendo em conta as soluções do processo penal e as especificidades do processo de contraordenação, de forma a respeitar as linhas de estrutura deste processo.

O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente que não existe um paralelismo automático entre os institutos e regimes próprios do processo penal e do processo contraordenacional, não sendo, por conseguinte, diretamente aplicáveis a este todos os princípios constitucionais próprios do processo criminal.

Neste sentido, no seu acórdão n.º 373/2015, afirma que o «conteúdo das garantias processuais é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação. (…) no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor ressonância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório (cfr., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos n.ºs 158/92, 50/99, 33/2002, 659/2006, 99/2009 e 135/2009)».[5]

Como bem refere o recorrente A... , o art.332.º, n.º1, do Código de Processo Penal, referindo-se à presença do arguido em audiência de julgamento, começa por dizer que é obrigatória a presença do arguido em julgamento, acrescentando depois, «sem prejuízo do disposto nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2, 334.º, n.ºs 1 e 2.». 

O art.333.º do Código de Processo Penal, ao estabelecer, no seu n.º 1, que « Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.» e, no n.º 2, que «Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efetuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º.», pressupõe que o arguido se mostra regularmente notificado para a audiência de julgamento e não comparece.

De acordo com este n.º1, a ausência do arguido só é motivo de adiamento se o tribunal entender ser absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a sua presença desde o início da audiência e, do seu n.º 2, resulta que não sendo adiada a audiência serão inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes.

Por sua vez, o art.334.º do Código de Processo Penal possibilita a audiência na ausência do arguido em casos especiais, como no de reenvio do processo sumaríssimo para processo comum ou o arguido requeira ou consinta que a audiência tenha lugar na sua ausência desde que se encontre impossibilitado de a ela comparecer.  

O incumprimento destas normas, como das restantes do Código de Processo Penal, remete-nos para o regime das invalidades processuais.

O art.118.ºdo Código de Processo Penal estabelece que “ A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei” ( n.º1); quando assim não suceder, o ato ilegal é irregular ( n.º 2).

A norma enuncia o princípio da tipicidade ou da legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respetivo ato, sendo razões de economia processual as que baseiam tal diferenciação.

Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis, a que se refere o art.119.º, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.º e 121.º.

As nulidades insanáveis, que podem ser conhecidas oficiosamente, são as que constam do art.119.º do C.P.P. e ainda as que forem, como tal, identificadas noutras disposições do Código.

Entre as nulidades insanáveis enumeradas no art.119.º, está « A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência» (na alínea c)».

Cremos ser razoavelmente pacífico, em face da letra e do espirito desta norma que a nulidade da alínea c), do artigo 119.º, do C.P.P. só se verifica quanto às situações em que a lei exige a comparência, do arguido ou do seu defensor, e os atos venham nessas situações a serem praticados sem a sua presença.

De acordo com o art.120.º, n.º1 do C.P.P. “ Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.”

Sobre os efeitos de declaração de nulidade, o art.122.º do C.P.P. estatui que “ As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles puderem afetar ( n.º1), devendo a declaração de nulidade determinar quais os atos inválidos e ordenar, se necessário  e possível, a sua repetição ( n.º2), aproveitando todos os atos que puderem ser salvos ( n.º3). 

O art.123.º, do C.P.P., estabelece o regime das irregularidades, consignando no seu n.º 1 que  “ Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer ato nele praticado.”.

Se a ausência de uma disciplina própria de invalidades processuais no Regime Geral das Contraordenações é notória, o mesmo já não acontece quanto à participação e ausência do arguido na audiência de julgamento em processo contraordenacional.

O Regime Geral das Contraordenações regula quer a participação, quer a ausência do arguido, na audiência de julgamento.

O art.65.º, do Regime Geral das Contraordenações, estatui que interposto recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, se o juiz o aceitar, marca audiência de julgamento, salvo o caso referido no n.º 2 do art.64.º, isto é, exceto se considerar desnecessária a audiência e o arguido e o Ministério Público não se opuserem, caso em que decidirá por mero despacho. 

Marcando audiência de julgamento, o art.67.º, n.º1 do Regime Geral das Contraordenações, ao estabelecer que «o arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos», deixa claro que no processo de contraordenação, a regra, é a da não obrigatoriedade da presença do arguido em julgamento, sendo afastada por decisão do juiz se a considerar como necessária ao esclarecimento dos factos.

O n.º2 deste art.67.º, dispõe, ainda, que «Nos casos em que o juiz não ordenou a presença do arguido este poderá fazer-se representar por advogado com procuração escrita».

Em processo de contraordenação, tendo o arguido o direito de se fazer acompanhar de advogado, escolhido ou nomeado, em qualquer fase do processo (art.53.º n.ºs 1 e 2 do R.G.C.O.), não é obrigatória a constituição de advogado, nem a nomeação de defensor.

Caso o arguido não compareça, e não tenha sido ordenada a sua presença na audiência de julgamento, assiste-lhe o direito de se fazer representar por advogado constituído através de procuração escrita.

Nos termos do art.68.º, n.º 1 do R.G.C.O., «Nos casos em que o arguido não comparece nem se faz representar por advogado, tomar-se-ão em conta as declarações que lhe tenham sido colhidas no processo ou registar-se-á que ele nunca se pronunciou sobre a matéria dos autos, não obstante lhe ter sido concedida oportunidade para o fazer, e julgar-se-á.». Se, porém, o tribunal o considerar necessário, pode marcar uma nova audiência (n.º2).

Esta norma, “…incidindo sobre a ausência do arguido, tem aplicação em relação à hipótese quer em relação à hipótese de a sua comparência obrigatória ter sido determinada obrigatória, quer o não tenha sido.”.[6]

Em suma, existe uma disciplina própria no Regime Geral das Contraordenações, quanto à participação e ausência do arguido na audiência e do seu advogado constituído ou defensor nomeado, bem diverso do estabelecido no processo penal, designadamente, quanto à regra da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento e do seu acompanhamento por advogado ou defensor.

Posto isto e retomando o caso concreto.

Resulta de folhas 37 dos autos que recebido o recurso de impugnação judicial interposto pelo  arguido A... , subscrito pelo seu Ex.mo Defensor constituído, o Ex.mo Juiz, por despacho de 20-3-2017, entendeu que a causa não podia ser decidida por simples despacho e, entre outras determinações, ordenou que se notificasse o arguido para estar presente na audiência de julgamento, que designou para o dia 26 de abril de 2017. 

Perante a impossibilidade do Ex.mo Defensor constituído estar presente na audiência naquela data, o Ex.mo Juiz, por despacho de 29-3-2017, a folhas 59, deferiu o seu requerimento de folhas 51 e transferiu a audiência de julgamento para o dia 15-5-2017.

Da ata da audiência de julgamento de 15-5-2017, consta que chegada a hora do julgamento estavam presentes as testemunhas E... e F... .

Não se encontravam presentes: o Ex.mo Defensor constituído e a testemunha C... , que se mostra notificados, e o arguido A... e as testemunhas D... e B... , que não foram notificados, apesar de ter sido tentada a sua notificação nos termos que constam de fls. 118 a 119, 121 a 122 e 124 a 125.

Perante esta situação o Ex.mo Juiz proferiu um despacho com o seguinte teor:

“ - No que concerne à tentativa de notificação do arguido para comparecer na presente data para realização da audiência de julgamento, resulta dos autos, por um lado, a fls.78 que o motivo pelo qual tal carta para notificação foi devolvida, deveu-se simplesmente à indicação de “não atendeu”, e por outro, a fls. 121 a 122, constata-se que o arguido se furtou à notificação, pelo que se conclui que a falta de notificação é-lhe exclusivamente imputável. Com efeito, a morada para a qual o Tribunal enviou por correio, e posteriormente, solicitou ao OPC a notificação do arguido é a que consta dos autos desde o seu início, não tendo sofrido qualquer alteração superveniente. Por conseguinte, e uma vez que o arguido no decurso do processo administrativo se pronunciou sobre a contraordenação em causa através de requerimento subscrito pelo seu advogado, entendemos neste momento não ser necessária a sua comparência na audiência de julgamento, pelo que se dispensa a sua presença, devendo dar-se inicio à audiência de julgamento, nos termos do artº 68º, nºs 1 e 2 “a contrario sensu” do RGCO. Igualmente não constitui motivo de adiamento a não presença do seu advogado, nos termos do disposto nos artºs. 53º; 59º, nº.2 e 68º, nºs.1 e 2 do RGCO.

  - No que concerne às testemunhas arroladas pelo arguido, relativamente à testemunha C... , que se encontra devidamente notificada e não justificou a sua falta, vai a mesma condenada em multa, cuja taxa de justiça se fixa em 2 UCs, nos termos do disposto no artº.116º, nº.1, do CPP, “ex vi” artº.41º do RGCO. Quanto às restantes testemunhas e como resultado do teor de fls.119 e 125, a falta de notificação terá que se considerar imputável às referidas testemunhas, uma vez que é manifesto que as mesmas tiveram o propósito de se eximirem à sua notificação.

   - Nestes termos, o Tribunal dispensa a comparência do arguido/recorrente e dispensa-se a inquirição das testemunhas por si arroladas, e nos autos melhor identificadas, não se mostrando necessário a marcação de nova sessão de julgamento, já que o arguido/recorrente e as testemunhas por si arroladas deram causa a tal incumprimento, sendo manifesto o carácter dilatório das respectivas condutas, por forma a entorpecer a acção da justiça.”.

Resulta medianamente claro deste despacho que o Ex.mo Juiz encontrou dentro do regime específico das contraordenações uma solução própria para a realização do julgamento na ausência do arguido A... que passou, perante a impossibilidade deste ser notificado como determinara em anterior despacho, por entender que naquele momento não era necessária a sua comparência na audiência de julgamento, dispensar a sua presença, e dar inicio à audiência de julgamento, nos termos do art.68.º, n.ºs 1 e 2 “a contrario sensu” do Regime Geral das Contraordenações.

Para além de fundamentar esta sua tomada de posição no despacho, não deixou de clarificar que não constitui motivo de adiamento a não presença do seu advogado, nos termos do disposto nos artigos 53.º, 59.º, n.º2 e 68.º, n.ºs.1 e 2 do RGCO.

Tendo o arguido A... visto dispensada a sua presença na audiência, em processo contraordenacional, deixou de existir a obrigação de comparência dele na mesma e, consequentemente, passou a vigorar a regra da não obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, sendo a faculdade de representação pelo seu Ex.mo Defensor, notificado para o efeito, bastante para intervir na mesma audiência, requerendo o que tiver por conveniente.

Não havendo nenhuma lacuna em processo contraordenacional, relativamente à participação do arguido na audiência, à sua ausência na mesma, bem como do seu Defensor, a integrar pela aplicação das normas do processo penal, consideramos que a solução do processo penal constante do art.332.º, n.º1 do C.P.P., bem como dos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º do C.P.P. não tem aqui aplicação.

Não exigindo o art.67.º, n.º1 do Regime Geral das Contraordenações, como regra, a obrigatoriedade de comparência do arguido em audiência de julgamento e tendo sido dispensada a sua presença pelo Ex.mo Juiz no início da mesma, a realização da audiência sem a presença do arguido A... não integra qualquer nulidade, designadamente a nulidade insanável a que alude o art.119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, arguida pelo ora recorrente.

Improcede, assim, esta primeira questão. 


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Da irregularidade, por falta de informação ao mandatário do arguido da impossibilidade de notificação do arguido e de falta de notificação da testemunha B...

Invoca seguidamente o recorrente a existência de irregularidade, nos termos do art.123.º do C.P.P., porquanto em momento algum tomou conhecimento que o arguido nunca havia sido notificado para estar presente em julgamento, nem do insucesso de notificação da testemunha B... .

Não tem razão o recorrente, como passamos a demonstrar.

O Regime Geral das Contraordenações não regula a notificação das testemunhas para comparência em audiência de julgamento, pelo que, nos termos do seu art.41.º, importa atender aos preceitos reguladores do processo criminal, devidamente adaptados.

Os artigos 112.º e 115.º do Código de Processo Penal , integrados num Titulo com a epigrafe « Da comunicação dos atos e da convocação para eles», regulam, respetivamente, os meios de convocação das pessoas para ato processual e as circunstâncias em que o funcionário de justiça face às dificuldades em efetuar notificação ou cumprir mandado pode recorrer à colaboração da força pública, redigindo em caso de não cumprimento do mesmo um auto que transmite ao notificante ou mandante.

Especificamente, quanto à notificação de testemunhas, peritos e consultores técnicos, para audiência de julgamento, dispõe o art.317.º do Código de Processo Penal, que « A secretaria , oficiosamente ou sob a direção do presidente, procede a todas as diligências necessárias à localização e notificação das pessoas referidas no n.º 1, podendo, sempre que for indispensável, solicitar a colaboração de outras entidades.».

Posto isto.

Designado que foi o dia de julgamento para o dia 26-4-2017 e ordenada a notificação do arguido e das várias testemunhas arroladas pelo arguido, foram devolvidas, nomeadamente, as cartas remetidas para as moradas indicadas pelo arguido A... e pela testemunha B... , conforme consta de folhas 78 a 81 dos autos.

A folhas 91 e 94 dos autos encontram-se juntas, devolvidas, as cartas remetidas para as moradas indicadas pelo arguido A... e pela testemunha B... , para notificação destes para o julgamento designado para o dia 15-5-2017.

Notificado o Ex.mo Defensor do arguido, a folhas 98, da impossibilidade de notificação do  arguido A... e da testemunha B... , entre outras, face à devolução das cartas remetidas, veio o mesmo apresentar um requerimento, a folhas 113, onde declara que desconhece outra morada das testemunhas, requerendo que a secretaria diligencie no sentido de obter essas informações, nos termos dos artigos 244.º e 265.º do C.P.C. e que sejam enviadas novas cartas.

A secretaria consignou a folhas 114, em conclusão aberta ao Ex.mo Juiz, as diligências que encetou junto das autoridades policiais face à devolução das cartas remetidas, designadamente, ao arguido A... e à testemunha B... , constando das certidões da PSP de 15-5-2017, juntas a folhas 119 e 122, as diligências efetuadas e razões que levam a  autoridade policial a considerar que há um nítido subterfugio de ambos em serem notificados.  

Do exposto resulta, por um lado, que não vemos norma no Código de Processo Penal a impor a comunicação, ao mandatário do arguido, da impossibilidade de notificação do arguido A... e de falta de notificação da testemunha B... , nem o ora recorrente a menciona no recurso, sendo manifesto que os artigos 244.º e 265.º do C.P.C. referidos no requerimento de folhas 113 são completamente alheios à questão em apreciação; por outro lado, o Ex.mo Defensor do arguido A... foi notificado da impossibilidade de notificação do arguido e de falta de notificação da testemunha B... , por devolução das cartas.

Se o Ex.mo Defensor do arguido não foi notificado das certidões de não notificação da PSP de 15-5-2017, foi por não se ter comparecido na audiência de julgamento de 15-5-2017, para que estava notificado, pelo que se delas não teve conhecimento foi por comportamento apenas a si é imputável.

Assim, improcede esta questão.


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            Da irregularidade, por falta de notificação da decisão administrativa ao defensor do arguido

Alega o recorrente A... , a este propósito, que nos termos dos artigos 46.º e 47.º do Regime Geral das Contraordenações a decisão administrativa deve ser notificada ao defensor do arguido.

O arguido constituiu mandatário na fase administrativa, pelo que qualquer notificação deverá ser dirigida não apenas ao arguido, mas também ao seu mandatário. No caso, o Mandatário do arguido não foi notificado da decisão administrativa de aplicação decisão administrativa decisão administrativa da coima e sanção acessória, pelo que se verifica uma irregularidade nos termos do art.123.º do C.P.P..  

Vejamos.

O art.46.º do Regime Geral das Contraordenações estabelece que «1 - Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem. 2 - Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação.»

Por sua vez, o art.47.º, do mesmo diploma estatui, designadamente, que « 1 - A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista. 2 - A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. 3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.».

Por requerimento de folhas 50, de 24-3-2017, reiterado posteriormente, veio o arguido invocar uma nulidade processual, com a consequente devolução dos autos à ANSR, porquanto o seu mandatário nunca foi notificado da decisão administrativa, nos termos do art.47.º do R.G.C.O., apesar de o ter expressamente solicitado.

A este respeito, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho no início da audiência de julgamento de 15-5-2017:

« -No que tange à nulidade invocada pelo arguido a fls.50, a mesma não poderá proceder, desde logo, porque a falta de notificação da decisão administrativa ao mandatário não constitui nulidade, mas antes uma irregularidade processual, a qual se encontra sanada. Na verdade, o requerimento do recurso de impugnação judicial apresentado em Juízo encontra-se subscrito e assinado pelo respetivo mandatário. Ou seja, ainda que o mandatário não tenha sido formalmente notificado da decisão administrativa, dela teve efectivo conhecimento através do arguido. Do que se conclui que o arguido exerceu plenamente o contraditório, sendo que esse exercício não se mostra abalado, ou posto em causa pela aludida irregularidade formal que, como se disse, se encontra sanada. -Pelo exposto, julga-se improcedente a nulidade invocada pelo arguido a fls.50 dos autos.».

O Tribunal da Relação subscreve integralmente este despacho.

A autoridade administrativa notificou a decisão condenatória ao arguido, mas não ao defensor escolhido, pelo que foram violados, conjugadamente, os artigos 46.º e 47.º do Regime Geral das Contraordenações.

Não sendo esta violação de lei cominada com nulidade, a mesma constitui uma irregularidade processual que, nos termos do art.123.º, n.º1, do C.P.P., aplicável aqui subsidiariamente, deve ser arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer ato nele praticado.

No caso, tendo o recurso de impugnação judicial sido apresentado em 10-11-2015 pelo Ex.mo Defensor (e não pelo próprio arguido, como o art.59.º, n.º 2 do R.G.C.O. permite) sem que nele invocado a irregularidade em causa, o que só veio fazer pela primeira vez em  24-3-2017, há muito que ficou sanada a irregularidade.

Assim, improcede, também esta questão.  


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Da inconstitucionalidade material da decisão da ANSR, por violação do art.32.º, n.º 10 da C.R.P., na aplicação do art.175.°/4 e 2, al. b) do Código da Estrada

O arguido/recorrente A... declara não aceitar a forma de instrução do procedimento e defende que a ANSR ao aplicar o art.175.º, n.º4 e 2, al. b), do Código da Estrada, praticou um ato inconstitucional, estando aquelas normas feridas de inconstitucionalidade material por violação do art.32.º, n.º 10.º da C.R.P..

Solicita a absolvição e que seja declarada inconstitucional a decisão da ANSR por esta ter declinado a audição do agente autuante e das testemunhas indicada pela defesa, com isso esvaziando o direito do arguido a poder defender-se dos factos que lhe foram imputados.

Adiantamos, desde já, que esta questão não pode proceder.

O art.32.º, n.º 10 da C.R.P. estatui que « nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.».

Por sua vez, o art.175.º do Código da Estrada, estatui, com interesse para a decisão, que após levantamento do auto, e comunicação da infração:

  « 2 - O arguido pode, no prazo de 15 dias úteis, a contar da notificação:

         a) (…)

         b) Apresentar defesa e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova;

        3 - (…)

     4 - O arguido, na defesa deve indicar expressamente os factos sobre os quais incide a prova, sob pena de indeferimento das provas apresentadas.»

Cremos ser mediamente percetível que a limitação do número de testemunhas e a imposição do arguido na defesa dever indicar expressamente os factos sobre os quais incide a prova, sob pena de indeferimento das provas apresentadas, resulta da natureza simplificada do processo de contraordenação, onde a celeridade processual deve pontuar, até porque os prazos de prescrição do procedimento são curtos.

No caso em apreciação, o arguido notificado da infração, apresentou defesa, arrolando a inquirição de cinco testemunhas, e apenas relativamente ao agente Pedro Pereira indicou qual o facto a que deve depor. Requer ainda a junção de “fotografias da via na data indicada”.

Na decisão administrativa condenatória, a ANSR esclarece que indefere a dita inquirição, nos termos do art.175.º do Código da Estrada, porquanto o arguido não refere sobre que factos devem as testemunhas prestar depoimento e não existe qualquer agente Pedro Pereira, tendo o auto sido levantado por E... , e que não existe qualquer registo fotográfico, pelo que se o entender deverá o mesmo juntar as fotografias em juízo.

Considerando o exposto, concluímos que o arguido apresentou a sua defesa perante a autoridade administrativa, mas o seu requerimento não deu cumprimento às condições, simples, impostas no art.175.º, n.º 2, al. b) e 4 do Código da Estrada.

O Tribunal da Relação entende que a norma em juízo - art.175.º, n.º 2, al. b) e 4 do Código da Estrada -, não ultrapassa o justo equilíbrio entre as exigências do interesse público de celeridade e simplicidade que visa assegurar e os limites no direito de defesa do arguido, atendendo a que a norma respeita à fase administrativa do processo de contraordenação.    

Para além de subscrevermos a decisão tomada na douta sentença recorrida enquanto defende que a não realização das diligências requeridas pelo arguido nunca acarreta a nulidade da decisão administrativa e que se acarretasse a mesma estava sanada[7], entendemos, salvo o devido respeito, que não podemos declarar inconstitucional da decisão da ANSR por esta ter declinado a audição do agente autuante e das testemunhas indicada pela defesa, com isso esvaziando o direito do arguido a poder defender-se dos factos que lhe foram imputados, pois as decisões não são inconstitucionais. O que podem ser inconstitucionais são as normas ordinárias aplicáveis com determinado sentido por serem incompatível com a lei fundamental.

Não indicando o ora recorrente o sentido da norma em causa que é incompatível com o art.32.º, n.º10 da Constituição da República Portuguesa, nem o Tribunal detetando essa violação da decisão recorrida, mais não resta que julgar também improcedente esta questão. 


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            Da inconstitucionalidade do prazo estabelecido no art.74.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, por ferir o disposto nos artigos 32.°, n.ºs 1 e 10 e 13.º da C.R.P..

Por fim, defende o recorrente A... que o prazo estabelecido no art.74.º, n.º1, do RGCO é inconstitucional porquanto diminui drasticamente as garantias de defesa do arguido em processo de contra­ordenação, ferindo o disposto no art.32.º n.º 1 e 10 da C.R.P., bem como a igualdade normativa, pelo que viola também o disposto no art.13.º da C.R.P..

Vejamos.

A Constituição da República Portuguesa dispõe no seu art.32.º,, n.º1, que « O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.».

Observam, a este respeito, os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que a fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes do art.32.º da lei fundamental, uma vez que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. No entanto serve ainda de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal.[8]

Dito de outro modo, o n.º 1 deste art.32.º, enquanto «cláusula geral» que permite identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no texto constitucional, configura o processo criminal como um due process of law, determinando a ilegitimidade das normas processuais e dos procedimentos dela decorrentes que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.

O art.13.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas , instrução , situação económica, condição social ou orientação sexual.

Interpretando este preceito, referem ainda os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o seu âmbito de proteção abrange as seguintes dimensões: « a) proibição do arbítrio , sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes , quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de descriminação, não sendo legitimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias (cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações; c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe  a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social , económica e cultural ( cfr. , por ex., arts. 9.º/d e f, 58.º-2/b e 74.º-1) ».[9]

Por outras palavras, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.[10]

O artigo 74.º, n.º 1, do R.G.C.O., fixa em dez dias, a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido quando a decisão tenha sido proferida na sua ausência, o prazo para a interposição do recurso para a Relação.

O prazo escolhido pelo legislador, embora exigente, não é desproporcional, considerando a natureza do processo.

O recorrente não indica em que medida é que “é evidente” que o prazo de 10 dias viola drasticamente as suas garantias de defesa e a dimensão em que foi violada a igualdade normativa.

A verdade é que exerceu o seu direito de defesa no prazo legal, recorrendo para o Tribunal da Relação e o prazo aplica-se quer ao arguido, quer ao Ministério Público, querendo exercer o direito ao recurso.

Por fim, realçamos, também, que o ora recorrente não indicou em que termos o sentido da norma em causa que é incompatível com os art.32.º, n.º1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa, nem o Tribunal da Relação deteta essa incompatibilidade com a lei fundamental, pelo que não a reconhecemos.

Assim, e julgando também improcedente esta questão, improcede o recurso. 

            Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

                                                                          *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                      
   *

Coimbra, 24 de Janeiro de 2018

Orlando Gonçalves (relator)

Inácio Monteiro (adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4]  Cf. Prof. Costa Pinto, “ O Ilícito de Mera Ordenação Social e a Erosão do Princípio da Subsidariedade da Intervenção Penal”, Direito Penal Económico e Europeu – Textos Doutrinários, Vol. I, Coimbra Editora, 1998, pág.19 e ss.       

[5] In www.tribunalconstitucional.pt
[6] Cons. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, “Notas  ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas”, Almedina, 2.ª ed., pág. 185..

[7] Como se refere no «Assento do STJ n.º 1/2003», “ Se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (…), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º1, do Regime Geral das Contraordenações]”.  

[8] In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, Coimbra, Vol. 1.º, 2007, pág.s 516 a  523).   
[9] Obra citada, pág. 339

[10] Cf. acórdão n.º 403/2004 do T.C. , in www.tribunalconstitucional.pt).