Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
590/15.3GASEI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 05/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 49.º, N.º 3, DO CP
Sumário: I – A suspensão da prisão subsidiária prevista no n.º 3 do art. 49.º do CPP surge como tentativa de resolução do conflito existente entre a necessidade de realização das finalidades da punição e a preservação da liberdade dos mais carentes economicamente.

II – Daqui decorre que, ao condenado só deve ser negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão alternativa se não for permitido concluir, tendo por base os elementos constantes dos autos, que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável.

II – Consequentemente, para aferir da adequação ao caso concreto da suspensão da prisão subsidiária, deve o tribunal proceder às diligências requeridas pelo recorrente para prova das suas condições económicas.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Por despacho de 30-09-2019,- fls 65 - proferido no Processo Sumaríssimo n.º 590/17.7GCLRA, do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda - Juízo de Competência Genérica de Seia - Juiz 1, foi determinada a conversão da pena de 230 dias de multa aplicada à arguida A., em 153 dias de prisão subsidiária, nos termos dos art.º 49º, n.º 1 do C.P.


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Inconformada com a decisão, recorre a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

“1.ª- Transitado em julgado o despacho que converteu a pena principal de multa em subsidiária, nos termos do art. 49º nº 1 do C. Penal, no presente recurso apenas há que decidir, se estão verificados os pressupostos de que o art. 49º nº 3 do C. Penal faz depender a suspensão da prisão subsidiária em que foi convertida a pena de multa aplicada na sentença.

2.ª- É pressuposto da suspensão da execução da pena subsidiária que o verificado não pagamento da multa aconteça por motivo não imputável ao arguido. É esta circunstância - a não imputabilidade do não pagamento ao devedor, que constitui a condição real da verificação da dita suspensão.

3.ª- No caso dos autos, salvo melhor opinião e com o devido, pelas razões expostas supra, e que reproduzem os factos alegados no nosso requerimento de 05 de Julho de 2019 – tendo presentes os rendimentos da arguida e os encargos que suporta com a sua sobrevivência e a da sua filha menor, ter-se-á de concluir que a arguida não tem condições para proceder ao pagamento da pena de multa, muito menos de uma só vez, por causa que lhe não é imputável;

4.ª- O que justificará a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do Cód. Penal, ex vi da parte final do n.º 4 desse mesmo artigo e diploma legal; Subsidiariamente, e sem prescindir do que se caba de expor,

5.ª- A interpretação draconiana do preceito, no sentido de o tribunal estar dispensado de qualquer atividade probatória antes de decidir, parece-nos desfasada do cabal respeito pelos princípios da igualdade e da efetividade das penas, bem como das finalidades preventivas da sua execução, máxime da pena de prisão (cfr art. 342º do CP). A prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento da multa pode constituir-se em verdadeira prova diabólica para o arguido, dado tratar-se “de facto negativo”; por outro lado, valem aqui os deveres do tribunal, do MP e mesmo da administração pública, em matéria de definição da situação penal do arguido e dos princípios inerentes à execução das penas, que sempre afastam o entendimento de que a prova dos factos constitutivos da suspensão da prisão subsidiária cabe exclusivamente ao arguido, sob pena de ser automaticamente indeferida, como parece afirmado no despacho recorrido.

6.ª- Note-se, no plano positivo, que não obstante a letra do nº 3 do art. 49º do C. Penal, o art. 491º nº 3 do CPP prevê que possa ser o MP a requerer a suspensão da execução, ao dispor que “A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do MP, quando este não tenha sido o requerente”, o que não deixa dúvidas sobre a persistência do dever geral de promoção do MP em tudo o que respeite à execução das penas e das medidas da segurança (art. 469º CPP), sendo certo que cabe ao tribunal decidir todas as questões incidentais que se suscitem nesta fase, sempre com respeito pelo princípio da legalidade e pela prossecução dos princípios que regem a fase de execução da penas.

7.ª- Em contraponto, afigura-se-nos ser igualmente desconforme com os elementos que devem norteá-la, a interpretação de sinal contrário que, transformando em letra morta a primeira parte do nº3 do art. 49º, faça impender unicamente sobre o MP e o tribunal a prova da situação económica do condenado, dispensando-o de qualquer atividade probatória, como se estivesse em causa estrita matéria da culpabilidade.

8.ª- O condenado deve assumir o dever de iniciativa que lhe é imposto pelo artigo 49º nº3 do C.Penal, sem que se pretenda onerá-lo com a apresentação de provas que não estejam na sua disponibilidade e sem que se veja naquele trecho da norma a dispensa dos deveres do MP e do Tribunal na correta instrução e decisão de tudo o que respeite à execução da sentença condenatória, incluindo o que concerne à pena de multa e, em especial, a eventual suspensão da prisão subsidiária.

9.ª- Quanto ao âmbito da conversão da multa em prisão subsidiária a que se reporta o art. 49º do C.Penal, antes de mais, resulta da sua conjugação com as disposições adjetivas dos arts. 489º a 491º-A, do CPP, que o pedido de suspensão da prisão subsidiária não poderá proceder se o arguido estiver em condições de pagar a multa no momento em que requer a suspensão da prisão subsidiária, uma vez que o nº2 do art. 49º do C. Penal permite o pagamento da multa a todo o tempo como forma de evitar a execução total ou parcial da prisão, regulando pormenorizadamente o art. 491ºA do CPP as formas de o fazer mesmo no momento da detenção. Em segundo lugar, o arguido que, tendo disposto dispondo de liquidez ou património, não procedeu ao pagamento em momento anterior à apresentação do requerimento por culpa sua, não deixará de ver indeferida a suspensão da prisão subsidiária, mesmo que à época do requerimento já não disponha dos meios necessários para fazer o pagamento.

10.ª- No caso presente, não obstante tudo o que alegou e requereu no seu requerimento de 05 de Julho de 2019, o tribunal a quo decidiu não tomar declarações à testemunha arrolada nem ordenar a realização à DGRSP do relatório requerido;

11.ª- E, por isso conclui o despacho recorrido que o arguido não fez prova que a razão do não pagamento lhe não é imputável, pelo que, com base na norma do n.º 4 do artigo 49.º indefere a requerida suspensão da prisão subsidiária.

12.ª- Como decorre das considerações de ordem geral supra expendidas, entendemos que o art. 49º nº3 do C. Penal não consente interpretação no sentido de a mera falta de apresentação de provas por parte do arguido implicar o indeferimento da suspensão da prisão subsidiária, dispensando-se o tribunal de ouvir o arguido em declarações ou determinar a realização de diligências por ele requeridas.

13.ª- No nosso entender, o Tribunal tem o dever de promover e decidir tudo o que se lhes afigure necessário e adequado para a execução da sentença condenatória – incluindo o incidente de suspensão da prisão subsidiária -, quer oficiosamente, quer na sequência de requerimento fundado do condenado relativamente a meio de prova de que não disponha ou que não possa apresentar por sua iniciativa, como é manifestamente o caso de relatório social e da inquirição da testemunha arrolada.

14.ª- Também a tomada de declarações ao arguido pode ser diligência adequada à demonstração da ausência de culpa na falta de pagamento da multa, nomeadamente em articulação com outros meios de prova disponíveis, conforme resulta genericamente do princípio da livre apreciação da prova, pelo que carece de fundamento legal tudo o que consta da fundamentação do despacho recorrido;

15.ª- O que, pelo menos, justifica a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que ordene a descida dos autos à primeira instância, com vista a que se proceda às diligencias requeridas pela arguida/recorrente e a outras que, por ventura, na sequencia daquelas, se venha a revelar necessárias, em ordem a apurar a concreta situação económica da condenada; Assim, tudo visto e ponderado, de facto e de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a decisão recorrida e esta substituída por outra que:

 A - Defira a requerida suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do Cód. Penal, ex vi da parte final do n.º 4 desse mesmo artigo e diploma legal; Quanto assim se não entenda, e em via subsidiária, substituída por outra que:

B - ordene a descida dos autos à primeira instância, com vista a que se proceda às diligências requeridas pela arguida/recorrente e a outras que, por ventura, na sequência daquelas, se venha a revelar necessárias, em ordem a apurar a concreta situação económica da condenada e da sua culpa pelo não pagamento da pena de multa aplicada nos autos;

Tudo com as legais consequências. O que se requer.”


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 Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluindo:

“1. Nos presentes autos de processo sumaríssimo, foi a arguida A. condenada na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia total de €1.265,00 (mil duzentos e sessenta e cinco euros), pela prática em autoria material e na forma consumada, um crime de usurpação de direitos de autor, p. e p. pelos artigos 195º, n.º 1, e 197º, n.º 1, por referência ao disposto nos artigos 184.º, do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março (Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos).

2. Na sequência de requerimento formulado pela arguida, e por decisão de 17 de Janeiro de 2017 foi substituída a pena de 230 dias de multa a que a arguida foi condenada pela prestação de 230 horas de trabalho a favor da comunidade, a efectuar na Câmara Municipal de (…), de segunda a sexta-feira das 14:00 horas às 17:00 horas.

3. No entanto, a arguida nunca cumpriu qualquer hora de prestação de trabalho a favor da comunidade

4. A arguida nunca se apresentou junto da entidade beneficiária para prestar o trabalho comunitário a que estava obrigada, nem comprovou nos autos ou junto daquela entidade a sua invocada incapacidade para o prestar, decorrido um período de doença que determinou a suspensão da prestação de trabalho, motivo pelo qual o Tribunal “a quo” concluiu pelo incumprimento culposo da pena e pela revogação da pena de prestação trabalho a favor da comunidade aplicada à condenada, por despacho transitado em julgado.

5. Da interpretação do disposto no art. 49.º n.º 4 do C. Penal, que remete, em caso de incumprimento culposo dos dias de trabalho em que o arguido foi condenado em substituição da multa, para o art. 49.º n.º 1 e 2 do C. Penal, que implica a sua conversão em prisão subsidiária, concluímos não ser admissível a aplicação do n.º 3 do mesmo normativo.

6. De facto, a ratio legis no n.º 3 do art. 49.º baseia-se, precisamente, na impossibilidade económica do condenado em fazer face ao pagamento da multa, que não se verifica nas situações em que essa pena é convertida em trabalho a favor da comunidade e que ocorra o seu incumprimento culposo, como é o caso.

7. Nestes termos, bem andou o Tribunal “a quo” ao indeferir o requerimento formulado pela arguida, no sentido de ser produzida prova relativamente à impossibilidade de cumprimento da pena de multa, nos termos do disposto no art. 49.º n.º 3 do C. P. Penal, já que tal disposição legal não é aplicável em caso de incumprimento culposo da pena de multa substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. Em face de tudo o exposto, afigura-se-nos que o recurso da arguida não merece provimento, pelo que deverá manter-se integralmente a douta decisão recorrida. V.ªs Ex.as, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!”


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu PARECER, no sentido do não provimento do recurso, concluindo:

“(…) à arguida foram-lhe sendo dadas, sucessivamente, diversas oportunidades no sentido de a mesma cumprir a sua pena de multa que lhe foi aplicada como pena principal.

Toda a actuação da arguida foi sendo acompanhada e apreciada nas também sucessivas tentativas, íamos a dizer de incumprimento da pena de forma intencional por parte da arguida, tal como se documenta nos diversos despachos proferidos desde logo na substituição a pena por trabalho a favor da comunidade e depois nas diversas atitudes que a arguida teve no âmbito do incumprimento desta pena.

Apenas para afirmar em termos conclusivos e em concordância com a douta fundamentação da resposta do Ministério Público na 1ª instância que à situação dos autos não é aplicável a parte final do n.º 4 do art.º 49º do C. P., nem por essa via o disposto n.º 3 do mesmo artigo.

Não assiste, desse modo, qualquer razão à motivação da recorrente, também no pedido que faz de suspensão de execução da pena de prisão, apresentando-se o douto despacho recorrido devidamente fundamentado, aplicando de forma ajustada, a lei aos factos dos autos.


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Face ao exposto e acompanhando o Ministério Público, somos de parecer que deverá ser julgado improcedente o recurso da arguida, mantendo-se o despacho recorrido integralmente.”

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO


1. Dispõe o art. 412º, nº 1, do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão verificados os pressupostos da suspensão da pena de prisão subsidiária.


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2. O DESPACHO RECORRIDO

“Na sequência da notificação à arguida A. da promoção da Digna Magistrada do Ministério Público de 13/06/2019, na qual a mesma promoveu a conversão da pena de multa aplicada à arguida em prisão subsidiária (153 dias), veio a mesma requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49º, nº3, do Código Penal, nos termos constantes do requerimento com a referência 1376572 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, por seu turno, quanto à requerida suspensão da pena de prisão subsidiária, pugnando pela inadmissibilidade da requerida suspensão, atento o disposto no artigo 49º, n.º 4 do Código Penal.

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 49.º do Código Penal, se “a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º” Dispõe o nº 2 do mesmo preceito normativo que o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da pena de prisão subsidiária pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado.

Contudo, se “o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. (…).” (vide nº3 do artigo 49.º do Código Penal).

De notar que o disposto nos números 1 e 2 do artigo 49º do Código Penal “é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior” (vide nº4 do artigo 49.º do Código Penal).

Volvendo ao caso dos autos, constata-se que a arguida A. foi condenada nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, o que perfez 1.265,00€.

Por requerimento de fls. 116, veio a arguida requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, o que foi deferido por despacho proferido em 17/01/2017, ficando a mesma obrigada a prestar as 230 horas de trabalho na Câmara Municipal de (…), de segunda a sexta-feira, das 14:00 às 17:00 horas.

Por despacho proferido nos autos a 26 de Outubro de 2018 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – por razões de celeridade e economia processuais – decidiu o Tribunal revogar a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada à arguida, mais se determinando a emissão das competentes guias para pagamento da pena de multa a que a arguida foi condenada.

Nessa sequência, foi a arguida notificada para proceder ao pagamento da pena de multa até ao dia 01/02/2019, não tendo, contudo, a arguida procedido ao pagamento até à data de hoje.

Ora, compulsados os autos verifica-se que, não obstante regularmente notificada para o efeito, volvidos mais de três anos sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos, a arguida não veio até à data de hoje proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenada, não se mostrando, de resto, possível obter o pagamento coercivo da pena de multa (cfr. referências 270006992, 27007425 e 27007428).

Mais se verifica que, como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público, a arguida incumpriu culposamente a prestação de trabalho a favor da comunidade, não tendo cumprido qualquer hora de trabalho, tendo o Tribunal decidido, nessa sequência, revogar a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada à arguida a seu pedido.

Verifica-se, assim, por um lado, que se mostram preenchidos os requisitos previstos no nº1 do artigo 49.º do Código Penal e, por outro lado, que, atento o incumprimento imputável da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada à arguida a seu pedido, não se mostra possível suspender a pena de prisão subsidiária, conforme resulta da leitura no n.º 4 do artigo 49.º do Código Penal. Com efeito, conforme salienta a Digna Magistrada do Ministério Público, a ratio legis no n.º 3 do artigo 49.º baseia-se, precisamente, na impossibilidade económica do condenado em fazer face ao pagamento da multa, que não se verifica nas situações em que essa pena é convertida em trabalho a favor da comunidade e que ocorra o seu incumprimento culposo, o que sucedeu no presente caso.

Efetivamente, conforme se explanou no despacho proferido em 26/10/2018, foram concedidas diversas oportunidades à arguida para cumprir a prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada à arguida a seu pedido, o qual a mesma inviabilizou, razão pela foi a mesma revogada. De todo o modo, sempre se dirá que dos elementos constantes dos autos (designadamente, recibos de vencimento juntos com o requerimento com a referência 1376572), não resulta que a situação económica da arguida não lhe permitisse pagar a pena de multa a que foi condenada.

Com efeito, a arguida encontra-se empregada, auferindo o salário mínimo nacional, sendo certo que já decorreram mais de três anos desde a condenação da arguida em pena de multa. Desde modo, a pretensão da arguida carece de fundamento, impondo-se a conversão em prisão subsidiária da pena de multa a que foi condenada.

Em face do exposto, e nos termos das disposições legais citadas:

A) Determino a conversão da pena de 230 (duzentos e trinta) dias de multa não paga em que a arguida A. foi condenada em 153 (cento e cinquenta e três) dias de prisão subsidiária.

B) Decido não suspender a execução da pena de prisão subsidiária.


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Notifique, sendo a arguida por contacto pessoal.

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Após trânsito: - passe mandados de detenção e condução da arguida ao estabelecimento prisional, a fim de cumprir a pena 153 (cento e cinquenta e três) dias de prisão subsidiária aplicada nos presentes autos; devendo dos aludidos mandados constar a informação de que a arguida poderá evitar a todo o tempo, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenada (cfr. artigo 49.º, nº 2 do Código Penal); bem como a informação de que por cada dia de detenção deverá ser descontada a importância de 8.27€. - remeta boletins ao registo criminal.”

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3. Decidindo:

A arguida requereu a substituição da pena de multa de 230 dias - em que foi condenada pela prática de um crime de usurpação de direitos de autor pp art 195º, n º 1 e 197º, n º 1 do DL nº 63/85 de 14 de Março, - por trabalho a favor da comunidade.

A referida pena de multa foi substituída pela prestação de 230 horas de trabalho comunitário decisão de 17-01-2017.

A arguida não cumpriu o trabalho comunitário. Invocou problemas de saúde que a impossibilitavam de trabalhar, o que foi confirmado pela sua médica assistente. Foi determinado que a arguida prestasse trabalho consentâneo com a sua situação de saúde, mas inviabilizou tal possibilidade, conforme resulta da informação da DGRS com a referencia 893927. - cfr fls 40.

Em 18-04-2018 a arguida reiterou os motivos de saúde, desestabilização profissional e dificuldade de gestão do tempo para prestar o trabalho comunitário.

Em 28-06-2018 - cfr fls 43 - a arguida informou que não tinha condições para prestar o trabalho comunitário por se encontrar privada da liberdade à ordem do processo 285/16.0GASEI do Juízo de competência genérica de Seia - J2.

Por ofício de fls 46 confirmou-se que a arguida esteve sujeita a medida de coacção OPHVE desde 15-05-2018 a 13-09-2018.

Em 26-10-2018 foi decidido revogar a substituição da pena de multa por dias de trabalho e determinou-se a emissão das competentes guias para pagamento da pena de multa a que a arguida foi condenada - cfr fs 48.

Por requerimento em que em suma a arguida veio alegar factos reveladores de que vivia abaixo do limiar mínimo de subsistência, veio pedir o pagamento da multa em 24 prestações mensais e sucessivas - 49 a 51.

O que foi indeferido por despacho de fls 53.

Por despacho de fls 57 foi ordenada a notificação da arguida para se pronunciar no prazo de 10 dias, sobre a promoção do MP a solicitar a conversão da pena de multa em 153 dias de prisão, e para, querendo, no mesmo prazo, indicar as razões do não pagamento da pena de multa.

Na sequência de tal despacho veio a arguida alegar que por razões alheias à sua vontade, não tem condições económicas para pagar a multa aplicada, “mesmo deixando em absoluto de comer, calçar, vestir” e requerer a suspensão da execução da pena de prisão subsidiaria, condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos do art 49, nº 3 do CP.

No dito requerimento a arguida expõe as suas condições de vida - pontos 4 a 11. Vive com a filha menor nascida a 1-08-2015, aufere o salário mínimo nacional, mora num T0 arrendado e desde Agosto de 2018 não consegue pagar a renda de casa. Vive muito abaixo de limiar mínimo de subsistência. Requereu que a DGRSP elaborasse relatório sumário acerca das suas condições de vida e arrolou uma testemunha requerendo a respectiva audição.

O tribunal decidiu nos termos do despacho ora recorrido.


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Importa então apreciar do acerto da decisão de não suspensão da pena de prisão subsidiária.

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A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser aplicada como forma de cumprimento da pena de multa principal - art 490º do CPP (substituição da multa por dias de trabalho).

Se o condenado não cumprir os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída:
a) - culposamente - é cumprida prisão subsidiária - nos termos do nº 1 do art 49º, do CPP - cuja execução pode ser evitada pelo pagamento previsto no nº 2 do referido preceito legal.
b) - se o incumprimento lhe não for imputável, aplica-se o nº 3 do art 49º, do CPP - conforme estabelece o nº 4 do dito preceito legal, - ou seja, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa.

Com efeito, dispõe o referido preceito legal.

Artigo 49.º

Conversão da multa não paga em prisão subsidiária

1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º

2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

4 - O disposto nos n.os 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.

A parte final deste número 4 a impõe a suspensão da prisão subsidiária se o incumprimento não imputável ao condenado e este o provar.

Estando em causa a privação da liberdade, haverá que ponderar conforme o Ac. Rel. Évora de 25-09-2012 (Proc. 111/08.4TAVR.E1 disponível in www.dgsi.pt) que “A prisão subsidiária da multa principal não paga está longe de constituir realidade pacífica no domínio das consequências jurídicas do crime, suscitando problemas do ponto de vista político criminal, dogmático e de constitucionalidade, que em sistemas jurídicos de que somos próximos deu mesmo origem a decisões dos respectivos tribunais constitucionais.

Na verdade, se são conhecidas as vantagens da pena de multa que levam a que se mantenha como opção legislativa significativa para a pequena e média criminalidade, continuando a ser aplicada também entre nós, são-lhe apontados inconvenientes de relevo, sendo essencialmente duas as questões de maior importância e gravidade que se têm suscitado.

Por um lado, a desigualdade resultante das diferenças de fortuna dos condenados e, por outro, os casos de falta de pagamento por falta de meios económicos, que pode levar a que, na prática, acabe por sancionar-se alguém com a prisão, não por ser essa a reacção penal necessária e adequada para punir o ilícito praticado, mas por falta de meios para satisfazer a sanção pecuniária aplicada.

A consciência da sua gravidade tem levado a tentativas sérias de resolver ou minorar aqueles problemas, sendo disso exemplo, no que concerne à questão da desigualdade, o sistema de dias de multa, nomeadamente, quanto ao quantitativo diário que deve ser fixado de acordo com a situação económica e financeira do condenado, como sucede entre nós (artº 47º nº2 do C.Penal), ou através de alternativas à declaração e efectividade do cumprimento de prisão subsidiária nos casos de falta de pagamento da multa, de que o nosso código penal é igualmente exemplo, no que concerne ao segundo problema destacado e que aqui nos ocupa directamente”.

E continua:

“Importa ter presente que o regime do incumprimento da pena principal de multa pretende constituir uma solução equilibrada para um problema jurídico e social que se desenvolve na tensão entre dois pólos.

Por um lado, vale a necessidade de garantir a credibilidade e eficácia intimidatória da multa enquanto pena criminal, tanto mais que continua a ser uma das penas com maior potencialidade para constituir alternativa à pena de prisão, para além de sempre estar em causa a ineludibilidade e inderrogabilidade das penas em geral. Referindo-se à eventual contradição, no plano político criminal, resultante do cumprimento de prisão por falta de pagamento da multa que a lei penal perspectiva como alternativa às penas curtas de prisão, refere por todos, Quintero Olivares (Gonzalo Quintero Olivares, tradução de F.Morales Prats e J.M: Prats Canut, Manual de Derecho Penal, Aranzadi Editorial – 2000, p. 669) que a prisão subsidiária constitui o elemento coercivo necessário para que a pena de multa seja eficaz. De contrário, conclui, a pena pecuniária não serviria para nada. O direito penal deve evitar o recurso à pena clássica, mas não deve substitui-la pelo vazio).

Por outro lado, está bem presente a preocupação de assegurar o princípio constitucional da igualdade no domínio das consequências jurídicas do crime, procurando prevenir, essencialmente, qua alguém venha a cumprir prisão por falta de capacidade económica e financeira para solver a multa”.

Como é sabido, a prisão subsidiária da multa e a prisão como pena principal, são respostas criminais que, por atingirem a liberdade individual, bem jurídico fundamental, devem ser aplicadas como ultima ratio.

Com efeito, apesar de as duas medidas terem géneses diferentes - a prisão subsidiária tem uma função de constrangimento ao pagamento da pena de multa, e a pena de prisão constitui uma censura penal directa -, na fase de execução ambas actuam como uma verdadeira pena privativa da liberdade, sendo nesta fase em tudo idênticas - neste sentido Ac. Rel Porto de 22/09/2010 e 02/11/2011 in www.dgsi.pt).

“Assim, a suspensão da prisão subsidiária a que se alude no nº 3 do artº 49º do Cód.Penal, surge como tentativa de resolução desta verdadeira quadratura do círculo realização das finalidades da punição e preservação da liberdade dos mais carentes economicamente. Daqui decorre que o recorrente só pode ver-lhe negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão alternativa se não for permitido concluir que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, ou seja, se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa. - Ac Rel Coimbra de 6-02-2013, relatora Des. Cacilda Sena.

Tem pois a arguida/recorrente o direito de provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável nos termos do assinalado art 49 nº 3 e 4 do CP.

Não podemos concordar com o despacho recorrido quando procede a uma análise superficial da situação económica da recorrente, concluindo que o simples facto de auferir o sálario mínimo permite o pagamento da multa.

De notar que importa averiguar a situação que a arguida mantém no período em que se lhe impõe a prisão subsidiária, já que apenas a sua capacidade económica actual releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária.

Impõe-se então proceder às diligências requeridas pela recorrente para prova das suas condições económicas, que para além do salário auferido incluirão todas as despesas mensais da arguida e filha menor a seu cargo.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e em consequência revogam o despacho que indeferiu a suspensão da pena de prisão subsidiária que deverá ser substituído por outro que ordene a produção da prova requerida pela arguida no requerimento de suspensão da prisão subsidiária.

Sem tributação.


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Coimbra, 13 de Maio de 2020

Processado por computador e revisto pela signatária (artigo 94º nº 2 CPP).

Isabel Valongo (relatora)



Jorge França (adjunto)