Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1215/14.0PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FURTO
RESTITUIÇÃO
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INST. CENTRAL DE COIMBRA – SECÇÃO CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 203.º, 204.º, N.º 2, AL. E), E 206.º, N.º 2, DO CP
Sumário: I - A atenuação especial da pena prevista no n.º 2 do artigo 206.º do CP não ocorre com a mera apreensão das coisas subtraídas ou ilegitimamente apropriadas, ou com a sua recuperação por órgão de polícia criminal.

II - Mesmo admitindo poder a restituição resultar da ação de terceiro, não é dispensável a iniciativa ou contributo do arguido, circunstância que não ocorre quando o mesmo vem a ser surpreendido, por agentes de autoridade, na posse do objeto subtraído, sendo este, em consequência, apreendido e, após, «restituído», no âmbito do processo, ao respetivo dono.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do PCC n.º 1215/14.0PCCBR da Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Central – Secção Criminal – J2, mediante acusação pública, foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, como reincidente, em autoria material e concurso efetivo, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 75.º e 76.º, todos do C. Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por acórdão de 15.12.2015, deliberou o tribunal coletivo [transcrição parcial do dispositivo]:

«Nos termos expostos, os Juízes que compõem este Tribunal coletivo deliberam o seguinte:

a) Condenam o arguido A... pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado consumados, agravados pela reincidência, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 203º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), 75.º e 76.º, todos do Código Penal, em duas penas parcelares de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

b) Em cúmulo jurídico, na decorrência das duas penas parcelares fixadas em a), fixam uma pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) (…)

d) Julgam o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C... procedente, condenando o demandado A... a pagar ao demandante cível, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante global de € 630 (seiscentos e trinta euros);

(…)»

3. Inconformado recorreu o arguido, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1. Recorre o arguido acima identificado por não poder conformar-se com o aliás douto acórdão condenatório proferido, em primeira instância, pelo Tribunal da Instância Central – Secção Criminal – J2 da Comarca de Coimbra, perante o qual se realizou a respetiva audiência de julgamento.

2. A verdade, e que facilmente se constata pela leitura da fundamentação de facto do acórdão recorrido, é que a condenação deste arguido deriva de meras conjeturas e deduções sem qualquer premissa que possa ser objetivamente comprovada, quanto à autoria dos factos constantes dos autos.

3. Na total ausência de quaisquer provas objetivas, válidas e fidedignas, para fundamentar a condenação deste arguido, o Tribunal a quo afirmou e deu como provados factos sem que para tal tivesse o apoio de quaisquer elementos probatórios concretos, objetivos e absolutamente seguros.

4. E desta forma, no julgamento da matéria de facto que usou para fundamentar a condenação deste arguido, o Tribunal a quo foi muito além do que é admissível na livre convicção do julgador, fundada em factos objetivamente comprovados (cf. art. 127.º do Cód. Proc. Penal), entrando na esfera da arbitrariedade, impossível de comprovação e sindicância por um tribunal superior.

5. Assim e no caso, a justiça só poderá ser feita com a total absolvição do arguido, quanto aos crimes pelos quais foi acusado, uma vez que não foi realizada qualquer prova objetiva, segura e fidedigna, repete-se, fidedigna, que acima de qualquer dúvida permita concluir que este praticou os factos ilícitos de que foi acusado.

6. Impõe-se assim ao arguido aqui recorrente impugnar decisão sobre a matéria de facto julgada como provada pelo Meritíssimo Tribunal a quo, constantes dos pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 da fundamentação de facto – factos dados como provados – do douto acórdão recorrido.

7. Salvo melhor opinião, foram assim incorretamente julgados como provados os factos anteriormente indicados da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido. Pela análise da prova produzida nos autos e dos factos que objetivamente e sem margem para dúvidas poderão ser dados como provados impõe-se, em justiça, a absolvição do arguido A... .

8. O tribunal a quo assentou a sua convicção essencialmente na prova testemunhal produzida em audiência. Ocorre que nenhuma das testemunhas ouvidas presenciou os factos, ou seja, nenhuma testemunha presenciou a entrada do arguido, aqui recorrente, em nenhuma das residências alvo de furto. Como ainda nenhuma testemunha presenciou a saída do arguido, das mesmas residências furtadas, menos ainda a sair com os computadores e com o pote que continha moedas, num valor mais ou menos de 30 €.

9. Assim, resultou claro que nenhuma testemunha conseguiu identificar a pessoa que entrou na residência de B... , sita na Rua y..., n.º 94, Cave, em Coimbra, e que aí furtou um computador.

10. Como resultou claro ainda que também nenhuma testemunha conseguiu identificar a pessoa que entrou na residência de C... , sita na Rua x..., n.º 52, R/ch Esq., em Coimbra, e que aí furtou um computador e um pote com cerca de 30 €.

11. De acordo com os depoimentos das testemunhas transcritos nas alegações, desde logo, dos ofendidos B... (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro n.º 20151202100611_2590219_2870708.wma, minutos 00:01:06 a 00:07:46) e C... (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro n.º 20151202101427_2590219_28707908.wma, minutos 00:00:49 a 00:06:00 e minutos 00:08:00 a 00:08:16), são claros ao afirmar que não sabem nem conseguem identificar quem entrou nas suas residências, limitando-se a relatar como se encontravam as suas casas, horas depois de terem sido alvo de furto e o que havia sido furtado das mesmas. Mas não presenciaram os factos, desconhecendo em absoluto o autor dos furtos ocorridos nas suas residências.

12. Assim como os depoimentos das testemunhas D... (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro n.º 20151202095725_2590219_2870708.wma, minutos 00:00:48 a 00:03:05) e E... , (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro n.º 21051202100111_2590219_2870708.wma, minutos 00:00:38 a 00:03:34), agentes da PSP, já transcritos nas alegações, que apesar de terem tido uma intervenção direta na apreensão do computador furtado da residência do ofendido B... , furto que ocorreu no dia 13 de Julho de 2014, e apenas nesse episódio, não presenciaram os factos constantes da acusação, não viram quem entrou na casa furtada, nem quem daí retirou o computador furtado, que vieram algumas horas depois a apreender.

13, Como facilmente se constata, pelo depoimento da testemunha D... , o arguido aqui recorrente, foi visto na posse do computador que, posteriormente se veio a apurar, que havia sido furtado, mas a testemunha nunca afirmou, nem poderia afirmar, que viu o arguido a furtar o computador. Como nem conseguiu, sequer, transmitir ao Tribunal a quo se a casa, que posteriormente se veio a verificar que foi furtada, era próxima do local onde o recorrente foi visto na posse do computador, várias horas depois.

14. Assim, a factualidade que, quanto a esta situação do dia 13 de Julho de 2014, é afirmada no douto acórdão recorrido e que vai para além da objetiva apreensão ao arguido/recorrente do computador que tinha na sua posse, isso sim que pôde ser objetivamente constatado e descrito pelo agente da PSP, são meras conjeturas, suposições falíveis e deduções da acusação, a que o Meritíssimo Tribunal a quo deu relevância probatória.

15. Ainda relativa e concretamente à situação ocorrida a 13 de Julho de 2014, resulta também com grande clareza que a testemunha E... não viu, não presenciou os furtos em causa nos presentes autos, mais concretamente o furto ocorrido a 13 de Julho de 2014, onde teve intervenção direta, apenas e tão só na apreensão do computador, na residência de B... .

16. Ocorre, que a mesma testemunha, agente da PSP, E... afirma que o arguido, aqui recorrido, em conversa informal, lhe terá dito que teria sido ele que entrou na residência do ofendido B... , arrombando a janela do escritório, e daí furtou um computador.

17. Mas, não podemos deixar de referir que estamos no domínio das conversas informais entre suspeitos e agentes de autoridade e de acordo com vária jurisprudência, “as conversas usualmente designadas de “informais”, mantidas entre órgão de polícia criminal e o arguido não podem ser (validamente) valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual da sua obtenção, nelas se incluindo, consequentemente, as verificadas antes de aquele obter a descrita qualidade de sujeito processual”.

18. Como ainda é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que:

I. Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos por eles detetados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

II. Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.

III. Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.”

19. Ora, o arguido exerceu o seu direito ao silêncio, não prestando declarações no decurso do inquérito, como ainda foi julgado na ausência. Pelo que devem ser considerados como irrelevante todo o conteúdo das conversas informais tidas entre o agente E... e o aqui recorrente.

19. No sentido do supra exposto, e quanto aos factos ocorridos a 13 de Julho de 201, no que à autoria dos mesmos diz respeito, nos termos do artigo 431.º do CPP, deverá ser julgada como não provada por Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores.

20. Quanto aos factos ocorridos a 22 de Julho de 2014, o furto à residência sita na rua x..., em Coimbra, da qual também não há qualquer testemunha presencial, com toda a certeza que não esquecemos o relatório de inspeção judiciária de fls. 8-9 do apenso, onde surge indicado um vestígio lofoscópico na persiana arrombada na residência, que se identifica com o dedo médio da mão esquerda do arguido, aqui recorrente.

21. Tal situação apenas permite, com segurança, concluir que o arguido esteve naquele local, mas já não permite concluir que cometeu o crime que lhe era imputado. Pois, o facto de haver um vestígio lofoscópico na persiana não prova e como tal não permite concluir, sem margem para dúvida, que o arguido, aqui recorrente, tenha efetivamente entrado naquela residência e que daí tenha retirado um computador e um pote com moedas no valor de 30 €.

22. Não podendo deixar de levantar-se a hipótese de ter sido outra pessoa qualquer, que não o arguido, a entrar na residência do ofendido C... .

23. Ocorre assim que não há dúvidas de que o arguido esteve naquele local, no exterior daquela residência, sita na Rua x... e que tocou na persiana que estava arrombada. Isso sim que, e só isso!!, pôde ser objetivamente constatado porque descrito no relatório de inspeção judiciária (constante de fls. 08/09) do apenso). Mas nenhuma prova, cabal e inequívoca há de que tenha, o aqui recorrente, sequer entrado na residência, como aí furtado um computador e um pote com moedas no valor de 30 €.

24. Assim, não existe qualquer prova objetiva e suficientemente segura de que foi o arguido que cometeu os crimes de que vinha acusado e pelos quais foi condenado no douto acórdão de que se recorre. Pois de toda a prova testemunhal produzida constata-se que ninguém viu o arguido a entrar em nenhuma das residências e nem sair das mesmas, com os bens que foram furtados.

25. Sendo omisso qualquer elemento probatório quanto à autoria desses mesmos furtos. Não é assim possível dar como provados factos relativos à autoria dos crimes. Factualidade que, nos termos do artigo 431.º do CPP, deverá ser julgada, por Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, como não provada.

26. Pelo supra exposto, a prova produzida nos presentes autos, impunha ao tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta do acórdão, que considerasse não provados os pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 da fundamentação de facto, da factualidade provada. E que, considerasse, ainda e consequentemente, que o recorrente não praticou os crimes de que vem acusado.

27. Pois, salvo o devido respeito, julgou-os incorretamente, violando entre outros o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do CPP. Princípio da livre apreciação da prova que, conforme salienta Figueiredo Dias in “Direito Processual …”, pág. 139, está associado ao “ … dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efetivos)”.

28. Assim, em face da análise crítica da prova produzida nos presentes autos e que acima ficou alegada, impõe-se a total absolvição do arguido A... .

29. Pois, na verdade, de toda a prova produzida nos autos não resulta, com segurança e sem qualquer margem para dúvida qualquer factualidade que permita imputar ao arguido a autoria de qualquer facto ilícito típico.

30. Razão pela qual deverão Vossas Excelências Juízes Desembargadores revogar a condenação em primeira instância deste arguido pela prática de dois (2) crimes de furto qualificado.

31. E ainda, mais que não fosse, lançando mão e tendo presente o tantas vezes esquecido princípio in dubio pro reo. Pois, atentos que, sem prescindir do demais que supra se alega, nos presentes autos resultou provado que, quanto o furto da residência sita na rua y..., ocorrido a 13 de Julho, o arguido foi encontrado algumas horas depois na posse do computador, o que nos coloca a hipótese de este lhe ter sido entregue por uma terceira pessoa.

32. Quanto ao furto da residência sita na rua x..., ocorrida a 22 de Julho, foi encontrado um vestígio lofoscópico na persiana arrombada da residência, que se identifica com o dedo médio da mão esquerda do recorrente, mas que apenas prova que esteve naquele local, já não que aí sequer tenha entrado na casa e aí furtado o que quer que seja.

33. Criando-se assim e, consequentemente, as claríssimas e razoáveis dúvidas sobre se o recorrente praticou ou não os factos de que foi acusado e se viu pelo Tribunal a quo condenado. E, é perante esta incerteza quanto à autoria dos factos, criando-se uma situação de dúvida insanável, que só se poderia e poderá fazer-se justiça nos presentes autos, lançando-se mão do princípio in dubio pro reo e absolvendo-se consequentemente o arguido.

34. O princípio in dubio pro reo, sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da realidade dos factos, esse non liquet da questão tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º/2 da CRP.

35. Não pode esquecer-se que a análise da prova entronca, necessariamente, em vários preceitos constitucionais, a saber, o da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da imediação, da contraditoriedade, da sua livre apreciação, sendo que este último constitui um dever do julgador.

36. Pois, os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância – a qual consideramos que viola, entre outros, os artigos 32.º/2 da CRP e o artigo 127.º do CPP;

37. Atento que, a reavaliação da prova produzida impõe que sejam dados factos como não provados que não o foram e ainda diferente decisão da proferida pelo Tribunal a quo – a qual não foi, nem pode ser uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum.

38. Pelo que se requer que este Tribunal da Relação de Coimbra, lance mão do poder que tem de alterar a matéria de facto e dê como não provados os pontos n.º 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 da fundamentação de facto da factualidade provada.

39. E consequentemente, quanto mais não seja, por aplicação do princípio in dubio pro reo, absolva o arguido/recorrente dos crimes de que vem acusado, fazendo-se assim a merecida Justiça.

40. Caso, Vossas Excelências assim não entendam, o que por mera hipótese teórica e de raciocínio se equaciona, ainda que não se conforme jamais o arguido, aqui recorrente, com qualquer decisão final condenatória nos presentes autos,

41. Caso este venerando Tribunal venha a decidir pela não absolvição do Arguido, e por estrito dever de patrocínio, não podemos deixar de arguir a natureza excessiva da pena que foi aplicada a A... , uma vez que o Tribunal a quo, em qualquer caso, não utilizou criteriosamente os fatores de ponderação na determinação da medida da pena, como estipula o art. 71º n.º 2 do CP, como ainda ao facto de, no que se refere ao furto verificado na residência do ofendido B... , o bem furtado foi restituído ao seu proprietário, sem qualquer dano, pelo que a pena deve ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 206.º/2 do CP. Pelo que, e neste sentido o Tribunal a quo violou ainda os artigos 71º, n.º 2 e 206.º, n.º 2 do CP.

42. No acórdão recorrido, o recorrente/demandado foi ainda condenado a pagar uma indemnização ao ofendido/demandante no valor de 630.00 €. Ora, por tudo o que supra se alegou e que aqui, por mera economia, se dá por integralmente reproduzido, e porque o arguido/demandado não praticou o crime de furto qualificado de que vem acusado e pelo qual foi condenado em primeira instância, não estão assim preenchidos os requisitos do artigo 483.º do Código Civil, como tal, não resulta qualquer dever de indemnizar o demandante cível.

43. Pelo que, e na sequência do nosso raciocínio e porque o tribunal a quo violou, entre outros, o artigo 483.º do Código Civil, pela não verificação dos seus requisitos, requer-se que seja também revogada a decisão quanto ao pedido de indemnização, improcedendo, por não provado, o pedido indemnizatório, deduzido contra o recorrente.

Termos em que, no mais de Direito e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências,

deve dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente deverão Vossas Excelências Venerandos juízes Desembargadores, em aplicação do disposto no artigo 431.º do CPP alterar a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, dando como não provados os factos dos pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 da fundamentação de facto (factos dados como provados) do douto acórdão recorrido. E em consequência, absolver o arguido A... , e decidir pela improcedência do pedido indemnizatório deduzido contra o recorrente, fazendo assim uma correta ponderação da prova produzida e uma justa decisão da matéria de facto em discussão nos presentes autos.

Caso este venerando Tribunal venha a decidir pela não absolvição do Arguido, e por estrito dever de patrocínio, não podemos deixar de arguir a natureza excessiva da pena que foi aplicada a A... , uma vez que o Tribunal a quo, em qualquer caso, não utilizou criteriosamente os fatores de ponderação na determinação da medida da pena, como estipula o art. 71º n.º 2 do CP, designadamente as suas condições pessoais, tratando-se de uma pessoa dependente de estupefacientes, que se encontra a fazer tratamento de desintoxicação em estabelecimento de tratamento, como ainda o facto de, no que se refere ao furto verificado na residência do ofendido B... , o bem furtado foi restituído ao seu proprietário, sem qualquer dano, pelo que a pena deve ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 206.º/2 do CP.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, deve conceder-se provimento ao presente recurso.

4. Foi o recurso admitido com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

5. Em resposta ao recurso, concluiu o Ministério Público:

1. Diversamente do que o recorrente pretende, a prova foi livre, responsável e fundadamente apreciada, sem que a decisão tomada enferme de quaisquer erros in judicando ou in procedendo.

2. A factualidade enumerada na decisão recorrida resulta de uma ponderada apreciação de todos os meios probatórios, entre si conjugados e aferidos pelas regras da experiência, constituindo o julgamento de facto não apenas uma das possíveis soluções, segundo essas regras da experiência comum, mas a única que estas poderiam, no caso, justificadamente aceitar.

3. Não há ofensa ao princípio in dubio pro reo, porquanto e na apreciação dos factos que vieram assentes, não se colocou, ao tribunal, qualquer situação de dúvida que, para além do razoável, se tornasse irremovível.

4. Pelas razões desenvolvidas nesta resposta, não se vislumbra que o acórdão enferme de qualquer dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, e, concretamente, do erro notório na apreciação da prova, invocado pelo recorrente.

5. Assim e perante a prova produzida e decorrente da factualidade estabelecida, concluiu, o Tribunal, como se impunha, pela verificação de todos os elementos (objetivos e subjetivos) constitutivos dos crimes de furto qualificado, imputados e censurados ao arguido.

6. Da matéria de facto fixada, não decorre qualquer circunstância anterior, posterior ou contemporânea ao crime, passível de diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do arguido ou a necessidade da pena, a impor a atenuação especial prevista no n.º 3, do artigo 206.º, do Código Penal, que cabe na discricionariedade vinculada do juiz, constituindo para este um simples poder-dever. Bem pelo contrário e como estabelecido entre a factualidade provada, sendo a ilicitude do facto elevada, havendo o arguido atuado com intenso grau de culpa e considerando as fortes exigências de prevenção, associadas a este tipo de criminalidade, não se vê que, não sendo de aplicação ope legis, a atenuação especial da pena pudesse (e, no entendimento do recorrente, devesse) constituir uma solução adequada e que se impusesse ao intérprete e aplicador da lei.

7. Tendo presente as finalidades da punição, a culpa do arguido e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra aquele, o Tribunal determinou, com bondade, quer as penas parcelares concretamente aplicadas, quer, decorrente do cúmulo jurídico operado, a respetiva pena única.

8. O douto acórdão recorrido fez correta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo.

Nestes termos e pelos mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, segura e sabiamente não deixarão de suprir, negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.

6. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual se pronunciou no sentido de não merecer o recurso provimento.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o recorrente não reagiu.

8. Realizado e o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Questão prévia

Reage o recorrente contra a parte da decisão que, na procedência do pedido cível, o condenou a pagar ao demandante C... , a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 630,00 (seiscentos e trinta euros).

Sucede, porém, que atenta a data da formulação do pedido, o valor do mesmo (€ 630,00), a alçada do tribunal recorrido (€ 5.000,00) e o disposto no artigo 400.º, n.º 2 do CPP, não é a sentença passível de recurso, o que determina, nesta parte, a rejeição do recurso.

2. Delimitação do objeto do recurso

       De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões, sem prejuízo das questões que importe oficiosamente conhecer ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

       No caso em apreço importa, pois, decidir se:

       - Ocorre erro de julgamento; violação do princípio in dúbio pro reo e, bem assim, do artigo 127.º do CPP;

       - Foi valorada prova proibida;

       - Deveria ter sido especialmente atenuada a pena relativa ao crime 13.07.2014;

       - As penas parcelares se mostram excessivas e, consequentemente, a pena única.

3. A decisão recorrida

Ficou a constar do acórdão [transcrição parcial]:

2 – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

2.1. Da audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria fáctica, pertinente para a decisão da causa (não se pronunciando o Tribunal sobre matéria de direito, juízos de valor e factos conclusivos ou irrelevantes constantes das peças processuais juntas):

1. No dia 13 de Julho de 2014, entre as 16h30m e as 18h00, o arguido dirigiu-se à residência de B... , sita na Rua y..., nº 94, Cave, em Coimbra, com o propósito de a assaltar, daí retirando o que de valor que encontrasse, onde entrou, pela janela do escritório, cujo vidro partiu.

2. Uma vez no interior dessa residência, o arguido daí retirou e levou com ele, fazendo-os seus, sem autorização e contra a vontade do respetivo proprietário, um computador portátil marca Toshiba, modelo A200-2C5, com nº de série 19177153K e o respetivo carregador, bateria e rato, tudo no valor global de € 150 (cento e cinquenta euros).

3. Nesse mesmo dia, pelas 18h00, na Avenida w..., em Coimbra, tais bens foram recuperados pela PSP, na posse do arguido e posteriormente entregues ao seu dono.

4. O arguido sabia que aqueles bens não lhe pertenciam e que ao apoderar-se deles, com o propósito de os fazer seus, tal como ao entrar referida habitação da forma por que o fez, agia sem autorização e contra a vontade do respetivo dono.

5. Sabia, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.


*

6. No dia 22 de Julho de 2014, entre as 8h00 e as 13h00, o arguido dirigiu-se à residência de C... , sita na Rua x..., nº 52, R/ch Esq., em Coimbra, com o propósito de a assaltar, daí retirando o que de valor que encontrasse, onde entrou, pela janela da cozinha, cuja persiana da porta de sacada forçou e estragou.

7. Uma vez no interior dessa residência, o arguido daí retirou e levou com ele, fazendo-os seus, sem autorização e contra a vontade do respetivo proprietário, um computador portátil marca Toshiba, modelo Satellite L635-135, com nº de série ZA373773Q, no valor, em novo, de € 800 (oitocentos euros) e um pote com cerca de € 30 em moedas.

8. O arguido sabia que aqueles bens e valores não lhe pertenciam e que ao apoderar-se deles, com o propósito de os fazer seus, tal como ao entrar referida habitação da forma por que o fez, agia sem autorização e contra a vontade do respetivo dono.

9. Sabia, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.


*

10. Anteriormente à data da prática dos factos acima descritos, já o arguido sofrera diversas condenações, designadamente:

11. Por decisão proferida em 2/10/2009 e transitada em julgado em 24/10/2010, no processo comum coletivo nº 2938/07.5PCCBR, da 2º Secção da vara Mista de Coimbra, na pena única de 3 anos de prisão, pela prática, em 27/12/2007, de um crime de furto, p. a p. pelo art. 203º do CP, e de um crime de furto qualificado, p. a p. pelo art. 204º, nº 2, e) do CP;

12. Por sentença proferida em 2/07/2008 e transitada em julgado em 4/08/2008, no processo sumário nº 1468/02.2PCCBR, do 3º Juízo Criminal de Coimbra, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 360 horas de trabalho, não cumprida, pela prática, em 4/06/2008, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. a p. pelo art. 204º, nº 2, e), 22º e 23º do CP;

13. Por sentença proferida em 16/06/2008 e transitada em julgado em 17/07/2009, no processo comum singular nº 2712/07.9PCCBR, do 3º Juízo Criminal de Coimbra, na pena de 11 meses de prisão, pela prática, em 29/11/2007, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. a p. pelo art. 204º, nº 2, e), 22º e 23º do Código Penal;

14. Por acórdão proferido em 2/04/2009 e transitado em julgado em 4/05/2009, no processo comum coletivo nº 1549/08.2PCCBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, pela prática, em 11/06/2008, de um crime de furto qualificado, p. a p. pelo art. 204º, nº 1, e) do CP;

15. Por sentença proferida em 2/07/2009 e transitada em julgado em 9/09/2009, no processo comum singular nº 868/08.2PCCBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, pela prática, em 3/04/2008, de um crime de furto qualificado, p. a p. pelo art. 204º, nº 1, e) do CP;

16. Por decisão proferida em 6/01/2010, no processo comum coletivo nº 733/08.3PCCBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 24/03/2008, de um crime de furto qualificado, p. a p. pelo art. 204º, nº 1, e) do CP;

17. No processo nº 733/08.3PCCBR foi efetuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos identificados nos pontos 11) a 16), condenando-o, por decisão transitada em julgado a 4/10/2010, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

18. O arguido iniciou o cumprimento dessa pena única de seis anos e seis meses de prisão em 23/09/2010 (primeiro à ordem do processo nº 2938/07.5PCCBRR e, depois, do processo nº 733/08.3PCCBR), vindo a ser libertado condicionalmente em 29/05/2014, pelo tempo que lhe restava para o cumprimento da pena (até 8/03/2017).

19. O arguido também tinha estado preso, em cumprimento da pena de 2 anos e 10 meses de prisão, na qual foi condenado no processo comum coletivo nº 774/05.2PBCBR, da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra, entre 10/11/2008 e 23/09/2010.

20. Não obstante se encontrar em liberdade condicional há pouco mais de 1 mês, o arguido não se coibiu de praticar os factos acima descritos, de natureza idêntica àqueles por que já havia sido condenado em pena de prisão efetiva e que parcialmente cumpriu.

21. A... foi condenado a dezoito meses de prisão efetiva, no âmbito do processo nº 550/15.4PBCBR da Comarca de Coimbra - Inst. Local - Sec. criminal - J1, por decisão de 23 de Abril de 2015, por factos praticados durante o decurso da liberdade condicional, mais concretamente em 14 de Abril de 2015, tendo a decisão transitado em julgado em 25 de Maio de 2015.


*

22. A... nasceu em Coimbra no seio de uma família disfuncional, devido aos consumos excessivos de bebidas alcoólicas e de condutas agressivas por parte dos pais.

23. Os pais entretanto separam-se, mas mantiveram-se a viver na mesma casa, não fazendo vida em comum.

24. O percurso de escolarização do arguido iniciou-se em idade normal, tendo abandonado o ensino regular após concluir o 6º ano de escolaridade.

25. Sucedeu-se a sua inserção no mercado de trabalho, onde regista experiência como empregado de comércio e, após o cumprimento do serviço militar obrigatório, como pintor da construção civil, atividade que foi desenvolvendo com relativa regularidade.

26. Na adolescência – iniciou o consumo de haxixe, passando gradualmente a consumir drogas duras, nomeadamente cocaína e heroína. 

27. Efetuou desde o início vários tratamentos/ desintoxicações sem sucesso. 

28. A mãe do arguido atribuiu as sucessivas recaídas, ao vício e dependência que as drogas provocam e à interação com pares associadas a essa problemática.

29. No plano afetivo, manteve desde 2002 e durante cerca de seis anos uma união de facto com uma jovem também dependente de substâncias psicotrópicas, com idêntica problemática, de quem tem uma filha, que foi entregue judicialmente à avó paterna. 

30. Em meio prisional frequentou o ensino escolar, tendo concluído o 9º ano.

31. Quando saiu em liberdade condicional o arguido integrou o agregado da mãe e da filha, na altura com 10 anos, tendo assegurado colocação laboral num antigo patrão, no sector da construção civil e relativamente aos consumos, aparentava alguma estabilidade, mantendo acompanhamento no CRI da Guarda.

32. Contudo, não conseguiu prosseguir de forma positiva esta sua nova situação familiar/profissional e social, tendo recaído nos consumos. 

33. Saiu de casa da mãe e durante três meses viveu em casa de um amigo, protagonizando um estilo de vida toxicodependente e marginal, com sociabilidades centradas em pares com idênticas problemáticas aditivas.

34. Em Setembro de 2014, regressou a casa da mãe e com a ajuda desta procurou apoio no CRI da Guarda, passando a ser acompanhado por este serviço e tomando medicação antagonista.

35. Denotando ainda alguma vulnerabilidade na questão das drogas e fraca valorização da sua problemática, em 12 de Outubro de 2015 integrou a Comunidade Terapêutica ARADO - Associação de Apoio à Reinserção e Desenvolvimento de Oportunidades, situada na localidade de Olival, Ourém.

36. Na Comunidade terapêutica, e pese embora ainda esteja numa fase embrionária do processo de tratamento, tem pautado o seu comportamento pelo cumprimento das regras institucionais, revelando no seu discurso motivação para o tratamento, com duração prevista de doze meses.

37. O computador mencionado em 7) era utilizado profissionalmente pelo demandante C... , que aí tinha os seus trabalhos e programas.

38. A circunstância de ter ficado sem o seu instrumento de trabalho causou-lhe transtornos e perturbação, bem como ter visto a sua casa remexida por via da atuação do arguido.


*

 Inexistem quaisquer factos não provados, com relevância para a boa decisão da causa.

2.2. Convicção do Tribunal

 A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjetivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43). 

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objetivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

O tribunal atendeu, desde logo, à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, nos termos que elencaremos infra.

B... , ofendido, que explicitou os termos em que se apercebeu do furto perpetrado na sua casa, confirmando a subtração do computador e dos sinais de que a sua casa havia sido devassada, referindo ainda que lhe foi entregue o computador, na sequência deste ter sido encontrado na posse do arguido no dia em que a sua casa foi assaltada.

C... , ofendido e demandante, que relatou os factos de que se apercebeu, designadamente o local por onde terá entrado o assaltante e os objetos que lhe foram subtraídos, esclarecendo ainda o modo como a situação se revelou perturbadora para o seu quotidiano subsequente.

Para além do testemunho dos ofendidos mencionados, foram ainda valorados os testemunhos de D... e E... , agentes da PSP, com intervenção direta nos factos ocorridos no dia 13 de Julho de 2014 e que explicitaram as diligências que realizaram na sequência do conhecimento que tiveram do furto ocorrido na residência do ofendido B... . O primeiro, estando de serviço a acompanhar a procissão da Rainha Santa Isabel, em Coimbra, ao aperceber-se da presença do arguido com um computador na mão, confrontou o arguido com tal circunstância, tendo este acabado por dirigir-se com o agente policial E... ao local onde havia subtraído o computador, explicitando os termos em que o fez e o modo como entrou na residência, tendo sido ainda considerado, neste particular, os autos de notícia de fls. 23 e 24, 26 e 5 do apenso, auto de apreensão de fls. 27 e 28 e 6 e 7 do apenso, reportagem fotográfica de fls. 29 a 31, tudo devidamente confirmado pelo agente policial que elaborou a informação e os fotogramas que captou.

Por fim, foram valorados os testemunhos de F... e G... , respetivamente amigo e namorada do ofendido e demandante C... , que confirmaram os transtornos e efeito que a atuação do arguido teve no demandante, designadamente em termos profissionais.

 As testemunhas acabadas de referir, com razão de ciência devidamente controlada, depuseram de forma objetiva, clara, coerente e lógica, sem sinais de animosidade para com o arguido ou ressentimento prévio, esclarecendo os factos sobre os quais tiveram conhecimento direto e perceção, logrando, por via disso, esclarecer o Tribunal das circunstâncias sobre as quais depuseram. 

Para além desta prova testemunhal e documental, o tribunal atendeu ainda à prova pericial que se encontra junta aos autos, designadamente no relatório de inspeção judiciária de fls. 8-9 do apenso, onde surge indicado um vestígio lofoscópico na persiana arrombada que se identifica com o dedo médio da mão esquerda de A... , conforme explicitado inequivocamente no relatório de exame pericial de fls. 11 a 14. Ora, tal situação permite ao tribunal concluir que o arguido esteve naquele local o que por si só permite concluir que o arguido cometeu o crime imputado, tanto mais que o vestígio foi encontrado precisamente na janela arrombada da habitação do ofendido C... .

Quanto às condições pessoais e económicas do arguido, o tribunal atendeu ao teor do relatório da DGRSP junto aos autos a fls. 207 a 210 e documento de fls. 213.

No que diz respeito aos antecedentes criminais e percurso prisional, o Tribunal atendeu ao teor de fls. 181 a 202, certidões de fls. 60-68 e 80-87 do apenso, informação de fls. 52 e 53 do apenso.

3. Apreciação

a.

Não se conforma o recorrente com os pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 da matéria de facto provada, que impugna.

Contudo, como decorre quer das conclusões, quer da correspondente motivação, não observa, na dimensão legalmente exigida, os ónus a que se reportam os n.ºs 3 e 4 do CPP, enveredando, antes, por uma impugnação em bloco, que tem como principal objetivo colocar em crise a convicção do tribunal, à qual, indiscutivelmente, pretende sobrepor a sua.

Com efeito, o processo – exigente, é certo – tendente à impugnação alargada da matéria de facto não se satisfaz com a indicação das passagens de declarações e depoimentos, sendo necessário estabelecer a correlação entre o(s) «concreto(s) facto(s)» que se quer afrontar e a «concreta prova» que, relativamente a cada um dos mesmos, imporia decisão diversa da recorrida; como, antes ainda, a identificação do «concreto ponto de facto» não se compadece com a remissão para todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, requerendo, sim, que no seio do mesmo se identifique o segmento em crise - [cf. o acórdão do TRC de 22.10.2008 (proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1)].

Perante tal estado de coisas – transversal às conclusões e motivação -, vedado que se mostra o convite ao aperfeiçoamento [cf. v.g. os acórdãos do TC n.ºs 259/2002, DR, II. S., de 13.12 e 140/2004, DR, II. S., de 17.04, bem como, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), de 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06.3.ª)], comprometeu o recorrente a sindicância da matéria de facto, à luz do artigo 412.º do CPP, o que conduz à rejeição, nesta parte do recurso.

b.

Nos pontos 16., 17., 18. e 19., a propósito do depoimento da testemunha E... , agente da PSP, que interpelou o arguido no momento em que trazia consigo o computador a que se reportam os factos provados descritos de 1. a 5., convoca o recorrente a temática das conversas informais para concluir não poderem ser objeto de valoração [cf. artigo 356.º, n.º 7 do CPP].

Sucede, porém, que, em momento algum, decorre da fundamentação da convicção haverem sido as mesmas valoradas.

Com efeito, limitou-se o Coletivo a descrever as circunstâncias em que o arguido foi abordado, a deteção do dito computador na sua posse e as diligências de prova subsequentes, que passaram pela deslocação das testemunhas, acompanhadas do primeiro, à residência donde havia sido subtraído o «aparelho», local indicado por este, valorando, então, os autos de noticia e de apreensão e, bem assim, a reportagem fotográfica correspondentes, os quais não constituem, naturalmente, prova proibida – [cf. artigo 125.º do CPP].

Não assiste, pois, razão ao recorrente.

c.

Diretamente associada surge a invocada violação do in dubio pro reo e do artigo 127.º do CPP.

Talvez seja útil, por isso, relembrar que: (i) Em sede de apreciação pelo tribunal superior, o recorrente não lhe poderá opor a sua convicção e reclamar que por ela opte ou a sufrague, em atropelo do princípio da livre apreciação, ignorando que «Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova» - [cf. acórdão do STJ de 27.05.2010, proc. n.º 11/04.7GCABT.C1.S1]; (ii) Na livre convicção, subordinada à razão e à lógica, desempenham um papel relevante as presunções naturais – que mais não são do que «o produto das regras da experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro» - [cf. acórdão do STJ de 09.02.2005, proc. n.º 04P4721], não sendo demais assinalar o que a propósito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, tal como, a título exemplificativo, decorre do acórdão de 23.11.2006 [proc. n.º 06P4096] ao dispor que «As normas dos artigos 126.º e 127.º do CPP podem ser interpretadas de modo a que possam ser provados factos sem que exista prova direta deles. Basta a prova indireta, conjugada e interpretada no seu todo», acrescentando que tal interpretação «não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efetivo controlo da decisão».

Por outro lado, como ensina o Professor Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, I, pág. 86, respeita o princípio in dubio por reo ao direito probatório, implicando a presunção de inocência que, sendo incerta a prova, não se use um critério formal para decidir da condenação do arguido.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma decisão favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem de assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – [cf. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra Editora, 1997].

Ou seja, «Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste» [cf. acórdão do TRC de 09.09.2009, proc. n.º 564/07.8PAVCD.P1].

Ora, no caso, a invocada preterição do princípio in dubio pro reo não pode deixar de ser votada ao insucesso pois que não resulta do texto da decisão recorrida que o Coletivo face ao material probatório recolhido – onde se incluem [pese embora a contragosto do recorrente] as presunções naturais, as ilações, as inferências judiciais - tivesse mergulhado num estado de dúvida, muito menos irredutível, sobre os factos que conformam a responsabilidade do arguido e, persistindo nele, haja contra si decidido.

Por outro lado, bastando-se a garantia da legalidade da «livre convicção» com a necessária explicitação motivada, suficientemente objetivada, do processo da sua formação, analisada a fundamentação resulta suficientemente esclarecido haver sido a prova apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, logo com respeito pelo artigo 127.º do CPP.

De resto, a apreciação da prova pelo tribunal de recurso só pode abalar a convicção acolhida pelo julgador em 1.ª instância caso se constate que a decisão sobre a matéria de facto não colhe fundamento nos elementos probatórios considerados ou que se mostra de todo desapoiada face às provas recolhidas, circunstâncias que não ocorrem no caso.

Com efeito, decorrendo dos autos que:

(i) No dia 13.07.2014, entre as 16h30m e as 18h, o computador identificado no ponto 2. [factos provados] foi subtraído do interior da residência referida em 1. [factos provados];

(ii) Cerca das 18h desse mesmo dia foi o arguido surpreendido, pelas testemunhas da PSP, na posse do computador, no seguimento do que as conduziu junto à dita residência, indicando, no local, os termos e modo como se introduziu no seu interior, tudo conforme melhor resulta dos autos de notícia e de apreensão correspondentes e, bem assim, da reportagem fotográfica de fls. 29 a 31, elementos, estes, corroborados pelo depoimento daquelas;

(iii) No dia 22.07.2014, entre as 8h00 e as 13h00, do interior da residência identificada no ponto 6. [factos provados] foram subtraídos os objetos descritos no ponto 7. [factos provados];

(iv) O acesso à residência em questão se deu através da janela da cozinha, cuja persiana da porta de sacada foi forçada;

(v) No próprio dia, pelas 14h00, foi iniciada a inspeção judiciária ao local, tendo sido, então, assinalado um vestígio lofoscópico na persiana arrombada, o qual, de acordo com o relatório de exame pericial, veio a ser identificado com a impressão digital correspondente ao dedo médio da mão esquerda do arguido, que dúvida se poderia ter colocado ao Coletivo acerca da sua responsabilidade nos factos?

Consistente, séria, razoável - nem aos julgadores, nem a qualquer pessoa média que se deparasse com semelhantes factos - por certo, nenhuma!

No quadro descrito, a conclusão extraída pelos julgadores é mesmo a única compatível com as regras da experiência comum, com as inferências judiciais, realidades que o recorrente teima em ignorar, pretendendo, antes, reconduzir a prova «objectiva», «válida» e «fidedigna» (cf. ponto 3 das conclusões) à prova directa, entendimento que não encontra – como já evidenciado – o mínimo de sustentação.

Não encerra, naturalmente, a decisão qualquer violação aos princípios e preceitos legais convocados, desde logo constitucionais, tendo-se, em consequência, por definitivamente fixada a matéria de facto.

d.

Também a matéria relativa à medida concreta das penas – parcelares e única - não merece a aquiescência do recorrente.

Previamente, porém, defende, em função da restituição, sem dano, ao respetivo proprietário, do computador objeto do furto praticado no dia 13.07.2014, dever ser (no que a este respeita), nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do C. Penal, a pena especialmente atenuada.

Pretensão que, por via da «restituição» não se ter ficado a dever a ato voluntário do arguido, antes decorrente da intervenção das forças policiais, não pode ser atendida – [cf. vg. os acórdãos do STJ de 12.06.1996 (proc. n.º 96P435), 07.05.1997, in BMJ, 467, 268, 25.02.1998 (proc. n.º 1333/97)].

Com efeito, como refere o último dos arestos citados, «Num Código Penal como o vigente, em que a raiz da censura é a culpa, a atenuação prevista no citado artigo deve justificar-se numa diminuição desta ou na redução da ilicitude. Ora, se tais circunstâncias podem ocorrer quando tem lugar a restituição voluntária pelo agente, ou a reparação do dano quando tal restituição não seja possível, já o mesmo não se poderá concluir (…) quando a recuperação dos objetos foi antes devida à ação da polícia».

Consubstancia a norma um incentivo à restituição, premiando-a por via de uma iniciativa por parte do agente de sinal contrário à que o determinou a delinquir, traduzindo esse ato um menor grau de culpa pelo reconhecimento do mal praticado. Mesmo admitindo poder a autoria da restituição resultar da ação de terceiro, não se nos afigura dispensável a iniciativa ou contributo do arguido, circunstância que não ocorre quando o mesmo vem a ser surpreendido, pelos agentes de autoridade, na posse do objeto subtraído, sendo este, em consequência, apreendido e, após, «restituído», no âmbito do processo, ao respetivo dono, pois só assim é possível atingir o efeito ressocializador fundamento da atenuação especial da pena.

Como tal aderimos ao acórdão do STJ de 10.12.2008 (proc. n.º 1133/98) enquanto consigna: «A restituição ou reparação de que fala o art.º 206.º, do C. Penal, não podem ser identificadas, jurídico-conceitualmente, com a apreensão das coisas subtraídas ou ilegitimamente apropriadas, ou com a sua recuperação …».

Donde, não resultar violado o n.º 2 do artigo 206.º do C. Penal.

Afastada a atenuação especial da pena relativa ao crime em questão, questiona o recorrente as penas parcelares, e, por via destas, a única, indicando, a propósito, o artigo 71.º, n.º 2 do C. Penal como disposição violada.

Na sua perspetiva, não teria feito o tribunal um uso criterioso dos fatores de ponderação na determinação da medida da pena, «designadamente das suas condições pessoais, tratando-se de uma pessoa dependente de estupefacientes, que se encontra a fazer tratamento de desintoxicação em estabelecimento de tratamento».

Vejamos.

O arguido foi condenado como reincidente pela prática, como autor material, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 75.º e 76.º, todos do C. Penal.

Significa, pois, que a cada um dos crimes corresponde a moldura penal abstrata de 2 anos e 8 meses a 8 anos de prisão.

No seio de tais limites, ponderado o elevado grau de culpa, as prementes necessidades de prevenção geral positiva, o valor não muito expressivo dos objetos subtraídos, a recuperação de um dos computadores, as fortes exigências de prevenção especial de socialização – estas em função das plúrimas condenações já sofridas pelo arguido por factos de idêntica natureza e da manifesta dificuldade em adequar a sua conduta às exigências impostas pela comunidade, realidade bem patente na reiteração sistemática do comportamento delituoso – considerou, o Coletivo, adequadas as penas parcelares de 3 anos e 4 meses de prisão e única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Pretender que os hábitos aditivos para as drogas, dependência que se instalou há muitos anos, podendo dizer-se que tem sido uma constante na vida do arguido, assim como o tratamento a que, agora (uma vez mais) se sujeitou deveriam ter conduzido à aplicação de penas mais modestas, é desconsiderar todo um percurso marcado pela toxicodependência, adição, essa, que não obstante as oportunidades, traduzidas nos vários tratamentos de desintoxicação a que se submeteu, nunca foi capaz de inverter.

Impressiona de facto o percurso criminoso do arguido - não se dúvida, com estreita ligação à dependência de drogas -, o qual, tendo cumprido já variadíssimas penas de prisão por crime de furto qualificado, cerca de um mês após beneficiar da liberdade condicional, voltou a cometer os crimes em causa nos presentes autos.

A nula capacidade do arguido para se deixar influenciar pelas penas aliada à falta de preparação para, desde há muito, manter uma conduta lícita constituem realidades inquestionáveis.

As penas encontradas (parcelares e única – vindo esta, tão só, questionada em função das primeiras, como decorre da indicação da norma alegadamente violada) traduzem, pois, uma aplicação adequada das circunstâncias enunciadas no artigo 71.º, n.º 2 do C. Penal – norma que não resulta violada -, respondendo às fortes exigências de prevenção geral e às elevadíssimas exigências de prevenção especial de socialização, sem que de alguma forma ultrapassem a culpa patenteada nos factos, mantendo-se, assim, inalteradas.

III. Decisão

Termos em que deliberam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) Ucs a taxa de justiça.

Coimbra, 13 de Julho de 2013

(Processado e revisto pela relatora)

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)